Eu não sei se Celestrina era
sua esposa ou sua mãe. Isso porque em Candeias quase todo mundo tem dono. E os homens, quando não são
propriedade da mãe é da esposa ou da avô. E as mulheres do mesmo jeito. --- Eu
não conheci nenhum familiar do Zé da Celestrina. Sei que ele morava lá pelas
bandas da chácara do Cinico. E naquele tempo o trânsito de mulheres era bem
curto. Tinha mulher que ficava até meses sem sair à porta de suas casas. Além
de cuidar da faina da casa tinha também que trabalhar em serviços domésticos
para ajudar ao marido, através de costuras, quitandas, sabão de cinzas, e
outras atividades que lhes rendiam algum dinheiro para o complemento das
despesas.
A vida nesse tempo era bem
mais difícil do que nos dias atuais. Os homens não tinham um emprego e nem
serviço certo. E as casas eram cheias de filhos. Muitas das vezes os pais comiam
pouco para que sobrasse comida para os filhos. Na época das águas a situação
piorava porque por causa das chuvas não aparecia trabalho todos os dias para
diversos trabalhadores, que ganhavam pelo dia de trabalho.
E Zé da Celestrina tinha como
fonte de renda, capinar quintais, fazer cercas de bambu, canteiros nas hortas,
rachar lenha e não aguentaria trabalho pesado pois era uma pessoa extremamente
morosa e humilde, pois chamava até os rapazinhos de senhores e as mocinhas de
senhorinhas. Era também muito educado, respeitoso, e tinha sempre uma
historinha para contar enquanto trabalhava.
A sua morosidade era
admirável, Mas todo mundo gostava dele. Um serviço que uma outra pessoa fazia
num dia, ele gastava dois dias, mas fazia bem feito e o seu preço era de acordo
com a sua morosidade. Portanto vivia agradecendo a Deus por não lhe faltar
serviço. –
Onde trabalhava ele aceitava o
rango, e ainda levava alguma coisa para casa. --- Meus pais e minha avó
gostavam muito dele. E quando precisava arrumar a cerca de bambu que era os
tapumes de nosso quintal, ou capina-lo, pois era bem brande, já ouvia meu pai
falar: “Está na hora de chamar o Zé da Celestrina”
A sua alegria era quando
chegava a festa do Rosário. Ele era visto com a sua roupa branca e o casquete
branco, como na foto, acompanhando o tempo todo o terno do Moçambique.
Certa vez a minha mãe fez uma cirurgia
e arranjou uma mulher para fazer as lidas da casa. E Zé da Celistrina estava trabalhando
lá nesse dia. --- Minha mãe recomendou
que coasse o café e para servi-lo. A moça preparou o café e perguntou se
levaria o café lá no quintal, quando minha mãe lhe disse que não precisava,
pois era só chamá-lo e servi-lo na cozinha, pois ele já era acostumado.
O café pronto, a moça o chamou
e lhe disse: “Eu ia levar o café pro sinhor lá na horta, mas a Dona Luca falou
que num pricisava, purque o senhor já tá costumado a tomar na cuzinha...”
Nessa hora o Zé da Celestrina
parecia que estava carreando um carro de bois, e abriu a sua garganta até ao
último furo do volume:
“Ouá, ouá, minina, tó fora desse
negoço de tomar na cuzinha, eu vou é bebê na cuzinha, ouá! Ah eu cumêdocê... “
E deu aquela risadinha sem dente, com a cara mais lambida do mundo.
Quando ele saiu, a
empregadinha foi lá no quarto virou e disse pra minha mãe:
“Esse véio é mei doido, ele falô
uns trem aqui que eu num intindi nada, sei não!...
E a minha mãe admirada: Uai é!?
Armando Melo de castro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário