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sábado, 3 de junho de 2023

UM CANDEENSE DIFERENTE.

 Hoje, remexendo aqui nas gavetas dos armários da minha memória, encontrei-me com um candeense do qual eu guardo boas lembranças.: Zé da Celestrina.

Eu não sei se Celestrina era sua esposa ou sua mãe. Isso porque em Candeias quase todo mundo  tem dono. E os homens, quando não são propriedade da mãe é da esposa ou da avô. E as mulheres do mesmo jeito. --- Eu não conheci nenhum familiar do Zé da Celestrina. Sei que ele morava lá pelas bandas da chácara do Cinico. E naquele tempo o trânsito de mulheres era bem curto. Tinha mulher que ficava até meses sem sair à porta de suas casas. Além de cuidar da faina da casa tinha também que trabalhar em serviços domésticos para ajudar ao marido, através de costuras, quitandas, sabão de cinzas, e outras atividades que lhes rendiam algum dinheiro para o complemento das despesas.

A vida nesse tempo era bem mais difícil do que nos dias atuais. Os homens não tinham um emprego e nem serviço certo. E as casas eram cheias de filhos. Muitas das vezes os pais comiam pouco para que sobrasse comida para os filhos. Na época das águas a situação piorava porque por causa das chuvas não aparecia trabalho todos os dias para diversos trabalhadores, que ganhavam pelo dia de trabalho.

E Zé da Celestrina tinha como fonte de renda, capinar quintais, fazer cercas de bambu, canteiros nas hortas, rachar lenha e não aguentaria trabalho pesado pois era uma pessoa extremamente morosa e humilde, pois chamava até os rapazinhos de senhores e as mocinhas de senhorinhas. Era também muito educado, respeitoso, e tinha sempre uma historinha para contar enquanto trabalhava.

A sua morosidade era admirável, Mas todo mundo gostava dele. Um serviço que uma outra pessoa fazia num dia, ele gastava dois dias, mas fazia bem feito e o seu preço era de acordo com a sua morosidade. Portanto vivia agradecendo a Deus por não lhe faltar serviço. –

Onde trabalhava ele aceitava o rango, e ainda levava alguma coisa para casa. --- Meus pais e minha avó gostavam muito dele. E quando precisava arrumar a cerca de bambu que era os tapumes de nosso quintal, ou capina-lo, pois era bem brande, já ouvia meu pai falar: “Está na hora de chamar o Zé da Celestrina”

A sua alegria era quando chegava a festa do Rosário. Ele era visto com a sua roupa branca e o casquete branco, como na foto, acompanhando o tempo todo o  terno do Moçambique.

Certa vez a minha mãe fez uma cirurgia e arranjou uma mulher para fazer as lidas da casa. E Zé da Celistrina estava trabalhando lá nesse dia.  --- Minha mãe recomendou que coasse o café e para servi-lo. A moça preparou o café e perguntou se levaria o café lá no quintal, quando minha mãe lhe disse que não precisava, pois era só chamá-lo e servi-lo na cozinha, pois ele já era acostumado.

O café pronto, a moça o chamou e lhe disse: “Eu ia levar o café pro sinhor lá na horta, mas a Dona Luca falou que num pricisava, purque o senhor já tá costumado a tomar na cuzinha...”

Nessa hora o Zé da Celestrina parecia que estava carreando um carro de bois, e abriu a sua garganta até ao último furo do volume:

“Ouá, ouá, minina, tó fora desse negoço de tomar na cuzinha, eu vou é bebê na cuzinha, ouá! Ah eu cumêdocê... “ E deu aquela risadinha sem dente, com a cara mais lambida do mundo.

Quando ele saiu, a empregadinha foi lá no quarto virou e disse pra minha mãe:

“Esse véio é mei doido, ele falô uns trem aqui que eu num intindi nada, sei não!...

E a minha mãe admirada: Uai é!?

 

Armando Melo de castro.


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