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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A MINHA MACARRONADA.



Hoje, eu amanheci sendo levado para a minha querida Candeias  pelo vento da saudade e fui me acomodar na minha infância cheio de desejo tal qual uma mulher grávida. --- Bateu em mim a vontade danada de comer uma macarronada daquelas antigas que minha mãe fazia no domingo que não tinha frango. A iguaria era feita do macarrão Pieroni, um produto fabricado na cidade de Formiga. O mais barato, o pior e o mais consumido. Na embalagem tinha a foto da fábrica e o número de 1 a 5; número 1 o mais fino e número 5 o mais grosso. --- O produto não era visível como nos dias atuais. A embalagem era num papel comum, azulado, motivo do número indicativo.

Era um macarrão azedo, mas como nesse mundo com tudo se acostuma o pobre não vive de apreciar sabor e sim de matar a fome. A gente comia e achava muito bom. O domingo era dia de passar bem, se tinha frango não tinha macarronada e se tinha macarronada não tinha frango. As verduras e legumes nesse dia dava-nos um descanso para o estômago.

A macarronada era exclusiva dos domingos e feita com o macarrão mais grosso. Cozinhava-o e depois de escorrê-lo ia acrescentando-lhe, em camadas, o molho de massa de tomate e carne moída, completando com queijo ralado. --- Havia outra formalidade que a minha mãe fazia o macarrão, contudo em outros dias da semana. Um outro jeito muito apreciado entre os meus era com molho de feijão.  Após escorrê-lo como se fosse para a macarronada, coava o feijão e fazia um molho do caldo com cheiro verde, cebola de cabeça e carne seca.

A gente comia aquilo como se estivesse degustando o manjar dos deuses. Parecia até que estávamos participando do cardápio da Santa Ceia. Meu pai comprava uma garrafa de vinho Vênus, o mais barato, e dava um golinho para cada filho.

Existiam outros macarrões como o “Ferrini” da cidade de Itajubá, e  o Marilu --- menos azedos e mais caros. --- O mais consumido, porém, era o “Pieroni”, fábrica que posteriormente com o avanço das indústrias de pastifícios veio a falir. ---- A macarronada do grosso Pieroni era também servida nos almoços que as pessoas faziam para dar aos ternos das Festas do Rosário, que muitos chamam de “Macarronada de Congado”.

Afinal, era o tempo das vacas magras. --- Com o passar dos tempos, a fabrica do “Ferrini” pegou fogo e ele desapareceu de vez. Ficaram o “Pieroni” e o Marilu, como concorrentes. Com o advento desses macarrões especiais, com ovos etc. e com a evolução o “Pieroni” e o Marilu sumiram do mapa. --- Em Candeias ainda se encontra esse tipo de macarrão no comércio do Paulinho Vilela. É difícil encontra-lo porque só o preferem as pessoas que o apreciaram na sua infância.

A gente comia até encher a pança e depois lambia o beiço igual um cachorrinho. Lembro-me de ver as minhas irmãs dizendo: “Mãe eu quero mais”. ------ Felizmente, minha mulher Carmelita sabe fazer do jeitinho que minha mãe o fazia e eu posso matar a saudade e matar o meu desejo.

Saudade! Só tem saudade quem tem arquivos de alegria no coração! --- Hoje, vou me assentar na minha banqueta e dizer: “Mãe eu quero mais”. --- 

Saudade: presença dos ausentes (Olavo Bilac)

Armando Melo de Castro.

Candeias MG Casos e Acasos.







quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

AS MUDANÇAS DA VIDA.


Mudança é aquilo que mexe com a vida da gente e pode ser tanta coisa! Mudança de caráter; mudança de casa; mudança de cidade; mudança de emprego; mudança de funcionário; de prefeito; de padre; mudança de marcha... Enfim esse vocábulo está sempre mudando a nossa posição, o nosso pensamento e a nossa atitude em alguma coisa. E essas mudanças podem mexer com a gente por dentro e por fora. --- Mas para mim, existem duas mudanças importantes, que dado ao aguaceiro caído dos céus nesses últimos dias, naturalmente enviado por Deus, me leva a uma olhada no meu retrovisor e dar um passeio pelos primeiros quilômetros da estrada da minha vida e ver não apenas as mudanças na vida, como também as mudanças da vida. ---- 

Meu Deus! Como tem chovido aqui em Juiz de Fora nesses dias... Eu um aposentado preso no aposento há uma semana sem poder dar uma saidinha, assentar num dos bancos do Parque Halfeld e papear com a patota de “setenta pra cima”, numa forma especial de pesquisar como estou indo pela vida nos meus quase 74 anos...

É duro ter que ficar preso o tempo todo dentro de um apartamento em dias de chuva. E o pior: é não poder reclamar por uma questão de princípios e não ter como evitar o pensamento sobre aquilo que não devemos falar, mas não temos como deixar de pensar: “ô chuva chata!”. --- Afinal o direito de pensar é sagrado.

Na minha infância, se queixasse da chuva seria um pecado quase mortal. Seria uma blasfêmia contra Deus. A chuva era sagrada e como sinonímia de alimento, de vida, e respeito. ----- Chuva com trovoada, então, era como se Deus estivesse lá de cima puxando a nossa orelha aqui em baixo. Isso fazia com que minha casa se transformasse num centro religioso e já se dava início aos rituais da tempestade. Eram invocados, Santa Barbara e São Jerônimo. Se a chuva fosse a chamada “chuva brava” até Jesus Cristo era chamado para ajudar e pedir ao Pai Celestial para amansar a tempestade, enquanto os ramos bentos do Domingo de Ramos eram atirados a fornalha do fogão de lenha; e as velas de sobra da ultima semana santa eram queimadas.

Lembro-me que meu pai, improvisava sempre um turíbulo que durante a tempestade o deixava dependurado na sala de nossa casa, onde eram queimados folhas de alecrim e coqueiro. A família era convocada a ficar em silêncio e em oração durante a tempestade.  Durante um raio os homens invocavam São Jerônimo e as mulheres, Santa Bárbara. ---- Falar mal da chuva ou repudiar a tempestade era para os meus pais um sacrilégio uma blasfêmia imperdoável. --------

Durante a seca o ritual era diferente, mas com o mesmo respeito. Meu pai enchia uma garrafa com água para cada filho e nos fazia acompanha-lo até ao Cruzeiro do Josino, no alto da serra e lá, após molhar o pé do cruzeiro, ajoelhados fazíamos em coro esta prece puxada pelo meu pai:

----- “Oh Deus misericordioso! Nosso Pai e Senhor do Céu e da terra. Tu és para nós existência, vida e energia. Criaste o homem à Tua imagem a fim de que com o seu trabalho ele faça frutificar as riquezas da terra, colaborando assim na tua criação. Temos a consciência da nossa miserável fraqueza porque não podemos fazer nada sem Ti. Tu, Pai bondoso, que sobre nós fazes brilhar o sol e fazes cair à chuva, tenha compaixão de todos nós que sofremos duramente a seca que nos ameaça nesses dias”. Um pai Nosso e três ave-marias.

Era um habito do povo ir rezar no cruzeiro do Josino na época da seca. molhar o pé da cruz e pedir chuva aos céus.--------  Suponho que hoje em dia isso não existe mais. A cada dia que passa eu sinto que o mundo no qual eu nasci vem morrendo à minha frente. Afinal, está tudo mudado. 

Armando Melo de castro.
Candeias MG Casos e Acasos.




terça-feira, 26 de novembro de 2019

UM OLHO NO CISCO.

                                             
Como um moderado consumidor de álcool, estou ciente que o álcool, em excesso, leva ao alcoolismo inveterado e é, sem dúvida, um grande inimigo do homem. Nessa circunstância, ele enfraquece o corpo do ser humano, tira-lhe a resistência e lhe traz as doenças. Dentre outros graves malefícios, ele diminui a memória, rebaixa o caráter, embrutece a inteligência e pode acabar, também, com os belos sentimentos que envolvem o ser humano. Pais de famílias que se entregam ao uso do álcool de forma incontrolável causam grandes desastres aos filhos, esposas e pais. Nada mais triste do que ver uma pessoa embriagada, totalmente fora de si.

Contudo, não podemos negar que o álcool usado de forma moderada traz ânimo para a alma. É a alegria em uma festa e ainda pode colaborar com a saúde e oferecer uma sensação de prazer, todavia, como um aperitivo saudável. O problema é que existem muitas pessoas que, ao perderem o controle, exageram no uso das bebidas etílicas e, é evidente, que todo exagero, com certeza, é prejudicial à saúde. Não só o exagero do álcool, mas todo e qualquer exagero.

Agora, a meu ver, as pessoas que não ingerem álcool por questões religiosas ou filosóficas, ou, ainda, por serem alcóolatras em tratamento ou, simplesmente, por não gostarem de bebida alcoólica fazerem, aos quatro cantos, a apologia negativa do álcool, estão erradas. Por exemplo: Um pastor evangélico, do alto do púlpito da sua igreja, pregar mentiras dizendo que no vinho que Jesus Cristo bebia não havia álcool é o fim da picada. A começar que para se chamar VINHO tem que ser fermentado e para ser fermentado, obviamente tem que existir álcool. A Bíblia Sagrada, em sua essência não proíbe o vinho. Ela recomenda, apenas, o uso moderado. Aliás, Paulo de Tarso, em sua Primeira Carta a Timóteo, recomenda no Capítulo 5, Versículo 23 que não se beba somente água, mas também, um pouco de vinho para a cura do estômago e das fraquezas.

Eu tenho presenciado e visto, por aí, alguns pastores fanáticos, que talvez sejam e alcóolatras referindo-se ao álcool com a um verdadeiro demônio. Todavia, muitas coisas de que falam são oriundas de suas próprias imaginações, sem qualquer embasamento bíblico. Eu acho graça quando ouço alguns evangélicos dizerem que o vinho de Jesus era um suco de uva. Ora, vejamos, se fosse assim como se explicaria o primeiro milagre de Cristo, em plena festa de um casamento quando Ele transformou a água em vinho (João/Capítulo 2)? E, por sinal, um vinho de primeira qualidade!  Aí, vem alguém me dizer que aquilo era suco de uva? Pura balela. Opinião tendenciosa, abstrata de qualquer senso lógico. Não possamos nos esquecer de que nos milagres de Cristo havia o improvável e o imponderável, todavia, jamais Ele se abdicava da lógica e da filosofia em seus atos. Com toda a certeza, era um vinho bem melhor do que esses vinhos que os padres católicos bebem.

Eu penso que recomendar a abstinência para quem é um doente do alcoolismo e recomendar o uso moderado para os demais está correto. Agora, ficar pregando, aos quatro ventos, que o álcool é coisa do diabo só mesmo para um ignorante da maior espécie. É patente que todo o excesso faz mal. Se alguém tomar seis litros d’água de uma só vez morrerá imediatamente. Se tomarmos todos os comprimidos de uma caixa de remédio, em uma dose única, teremos, inevitavelmente, uma morte instantânea. Tudo que entra pela boca, em excesso, mata. A diferença entre aquilo que cura e aquilo que mata é apenas o tamanho da dose. Portanto, vamos recomendar aqui a esses pregadores do cristianismo, que não gostam de tomar um aperitivo, para parar com essa história de que Jesus Cristo bebia suco de uva; que álcool é coisa do diabo... Vamos relembrar que vinho é bebida fermentada e a fermentação produz o álcool; e quando na Bíblia está escrito o vocábulo VINHO, o texto se refere à bebida alcoólica.

Entretanto, mudando o assunto de pau para cavaco, eu me lembro, neste momento, do meu amigo Roberto. Roberto era filho natural de outro amigo, o maestro Américo Bonaccorsi. Filho natural, antigamente, se dizia um filho fora do casamento. Não sei se Roberto era filho antes ou depois do casamento do maestro, sei apenas que os dois se davam muito bem. Filho e pai sempre estavam juntos no Candeense Hotel de propriedade do Sr. Américo. Da mesma maneira, Roberto vivia, em plena harmonia, com os seus meios-irmãos que eram os filhos do casamento de seu pai.

Roberto, hoje falecido, foi alcoólatra. Contudo, no final da vida, já não bebia mais, teria deixado a bebida e vivia tranquilamente. Porém, quando mais jovem, bebeu todas que teve direito e mais algumas. Era visto, constantemente, embriagado, apesar de ser pessoa trabalhadora e cumpridora dos seus deveres. Contudo, nos finais de semana, anoitecia e amanhecia sobre forte efeito de álcool.

Roberto teria perdido um olho, não sei como. Ele tinha um olho de vidro, ou seja, uma prótese ocular feita de vidro. Atualmente, é quase inexistente, preferindo-se mais as modernas próteses de silicone.

Quando Roberto estava chapado, parece que o olho o incomodava. Não se sabe como, mas era visível. Certa vez, no tempo em que eu morava na Rua Coronel João Afonso, não havia calçamento na rua e ela ficava cheia dos montes de ciscos que os empregados da Prefeitura deixavam quando a capinavam.

Em um dia de jogo, no antigo Estádio do Rio Branco que ficava pouco abaixo da Loja do Sr. Vicente Vilela, era como se fosse festa. A Rua Coronel João Afonso ficava toda movimentada de pessoas descendo e subindo. Assim, passou, por ali, o Roberto bastante turbinado pela pinga do João Marques. Logo ele verga sobre um monte de cisco tapando um olho com uma mão e olhando sobre o cisco. O Quintino enfermeiro, passou e cuidadoso como era, perguntou ao Roberto:

 "O que aconteceu, Roberto foi um cisco no olho?”. E o Roberto, com aquela sua voz grossa, um verdadeiro rompante, denotando que já teria bebido todas, disse:

- ”Que cisco no olho, rapaz! Meu olho é que caiu no cisco!”.

Armando Melo de Castro
Candeias Casos e acasos.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

O CAMPEÃO DOS MAUS PAGADORES CANDEENSES.






Uma das piores experiências que consegui adquirir em minha vida foi a de lidar com os maus pagadores. – A primeira cobrança que eu fiz na vida eu tinha oito anos. Isso aconteceu quando minha tia Elisa, esposa de meu tio João Delminda, escreveu um bilhete e pediu que eu fosse levar à casa de uma sua freguesa de sabão preto (sabão de cinzas) --- Eu não teria que falar nada; era entregar o bilhete e ficar aguardando a resposta.

Essa mulher devia à minha tia, dez bolas de sabão, há mais de seis meses e não teria pagado e nem dado satisfação. ---- Ao entregar o bilhete a mulher que morava no final da Rua do Cemitério São Francisco, depois de fazer um discurso de má pagadora, ameaçou até de bater em mim se eu voltasse lá com o mesmo propósito. ---

A segunda cobrança que fiz foi quando meu pai me mandou cobrar um cidadão que morava na Rua Alvino Ferreira. Era um dinheiro que lhe havia emprestado há mais de um ano e nem satisfação o mau pagador teria dado. --- Ao pedir o dinheiro teria dito que seria pelo prazo de uma semana e era para levar a sua mãe a Campo Belo a fim de se curar da saúde que corria sério risco de vida. Meu pai não tinha o dinheiro disponível, mas apiedou-se da situação do elemento e pediu o dinheiro emprestado ao Geraldo do Orcilino e o repassou para ele. --- Geraldo que era agiota e compadre do meu pai, disse-lhe: “É compadre, esse dinheiro você vai perder”. E não deu outra.  O coração do meu pai, às vezes, era maior que ele.

Já na minha adolescência como funcionário do Clube Recreativo Candeense, fui cobrador das mensalidades e das bebidas servidas no Bar. --- Tinha sócio que quando me via se escondia e outros diziam que naquele momento não tinham dinheiro; outros falavam que a conta estava errada, que não devia aquilo tudo. Outros diziam que depois ia lá. Mas nunca iam. Enfim as desculpas eram esfarrapadas, amarelas e sem sentido.

Depois disso eu fui ser cobrador da Casa Celestino Bonaccorsi. Não se tratava de uma casa muito severa na qualificação cadastral dos fregueses. Era muita gente que devia àquela casa de comercio. --- O serviço teria sido oferecido a mim pelo Sr. Pedro Nardi, gerente da casa, à  base de 10%  de comissão. Ao ver essas contas eu pensei: fiquei rico, posso comprar uma bicicleta nova, roupas novas; vou ganhar um dinheiro bom nesse trabalho. --- Foi ai que eu pude sentir o quanto de maus pagadores existiam em Candeias.

Nos quatro cantos da cidade havia gente que devia para a Casa Celestino Bonaccorsi. E foi ai que eu realmente vi o quão descarado é um devedor que espera ser cobrado para pagar uma conta. ------ 90% tinha uma desculpa, das mais esfarrapadas possíveis. Poucos eram aqueles que confessavam a dívida, e lamentavam a falta de condições para o pagamento.

Das 50 contas iniciais que me foram dadas para iniciar o trabalho eu visitei todos e recebi apenas uma, que seria o preço de um chapéu. Andei pelas roças encontrei-me com três devedores que simplesmente disseram que tinha dinheiro para receber da Casa Bonaccorsi sobre um saldo da venda de café. Bonaccorsi comprava produtos dos roceiros. Isso  deveria ser verdade.

A outra experiência que eu tive foi depois como bancário. O que mais me despertou a minha atenção é que o mau pagador é formado na mesma escola. As desculpas são as mesmas. --- Todo aquele que leva um prejuízo de um mal pagador não se esquece da finta. O nome de um mau pagador anda -- roda e voa. Além disso, fica marcado como um ferro candente que marca o símbolo do proprietário de um boi. Nem assim, o cara cria vergonha na cara.

Existem aqueles que atrasam por um problema qualquer, mas esse procura o seu credor, negocia, pede prorrogação. Enfim, não foge da dívida, naturalmente não pode ser considerado mau pagador. E, às vezes, diante de um comportamento desses, seu credito fica até mais reforçado.

Mas voltando às cobranças da Casa Celestino Bonaccorsi, entre as 50 contas que peguei para começar o trabalho, havia um muito grande. A comissão de 10% iria trazer uma grande alegria para os meus bolsos, numa época de vacas magras. O dinheiro que eu via era, catado aqui e acolá.

A primeira vez que busquei encontrar o devedor ele me recebeu satisfeito, com aquela sua boca sem dentes, deu aquele sorriso triste e pobre, mas muito feliz. Tratou-me muito bem, dizia que estava doido para pagar aquela conta, que estava só esperando receber um dinheiro de um serviço que teria feito para alguém e que pagaria logo. --- Passaram, mais alguns dias eu voltei lá e lhe pedi para fazer uma previsão de quando ele iria pagar aquela conta. ---- O valor da conta e os 10% me incitavam. ---- 

Ele dissera-me que não teria previsão, mas que iria passar lá na loja, dar um tanto de dinheiro e pedir um prazo de 30 dias para pagar o resto.  Passou uma semana, voltei lá e ele disse que não teria tido tempo de ir lá. Eu o vira passar na porta da loja no dia anterior na sua bicicleta. Ele estava sempre numa bicicleta. Grande freguês do Sebastião do Leonides. E eu o perseguia. No outro dia voltei ao seu ambiente de trabalho e a conversa fiada era a mesma. 

Tomei uma decisão: Vou ficar várias horas por dia parado aqui no portão do seu local de trabalho que ficava ao lado de sua residência. Vou incomoda-lo. E assim fiz: Cheguei a chamar a atenção de alguns vizinhos ficando estacado lá perto do portão. ---- Mas o cidadão era forte, invencível, eu lhe daria o título do pior pagador do Brasil --- No primeiro dia ele fingindo ignorar o motivo pelo qual eu estava ali, chegou bateu um papinho, depois antes de voltar ao seu trabalho disse que estava para ir até a loja resolver o seu problema. 

No outro dia ele foi até a mim, mas já não tocou na história da dívida e me ofereceu café com biscoito frito. – Perguntou pelo meu pai, falou que teria ido pescar e perguntou se eu bebia pinga pois teria uma boa do João Marques.

-- E no terceiro dia, eu já desanimado, ele veio e me ofereceu uma penca de banana roxa, colhida no seu quintal e ainda disse, é pouca gente que tem dessa banana. ---- Naquele momento eu tive vontade de manda-lo enfiar aquelas bananas “naquele lugar”, Sai dali escaldado. Fui direto a Casa Bonaccorsi e devolvi a pasta com as contas. Para mim ele merecia ter ganhado enquanto vivo, o titulo de o pior pagador de Candeias.

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

ERA UMA VEZ, UM MOLHO DE PIMENTA VERDE.


Uma boa amizade é um presente de Deus. Amizade é sinônimo de admiração, dedicação e simpatia a uma pessoa amiga. É a união de energia, de alegria, segurança e bem estar; é companheirismo; é sentimento de profundo respeito entre pessoas; é algo que brota de dentro dos nossos corações. A verdadeira amizade pode ser considerada muito próxima do amor. Trata-se de um sentimento que pode ser recíproco até entre o homem e os animais, haja vista, a amizade entre o ser humano e o cachorro. Portanto, entendo que o verdadeiro amigo é aquele que nunca decepciona porque com ele as coisas ocorrem às claras e com cautela.

E a decepção? --- A decepção é um sentimento triste; que machuca; que desaponta de forma cruel e pode ficar cravada em nossa memória pelo resto da vida. Mesmo que não haja ressentimento, a lembrança permanece como uma nódoa ou cicatriz que não conseguimos removê-las de nossa memória. Mesmo que venha ser um fato que envolve um vidro de molho de pimenta verde.

Na década de 70 eu morava na cidade de Divinópolis, e era subgerente da Agência do Banco do Estado de Minas Gerais. --- O meu rol de amigos era em sua maioria clientes do Banco. E entre eles havia um pelo qual a amizade era maior. Chamava-se Moacir e tinha uma loja de pneus.

--- Moacir tinha os seus 45 anos, estatura mediana, cabelos claros,  alegre, conversa mansa, tratável, honesto e trabalhador. Na cidade era amigo dos amigos. Prestativo, não media esforços para ajudar,  numa dificuldade, aqueles que ele sempre chamava de “amigão”. --- Eu o tinha entre um dos mais chegados, senão o mais próximo do meu rol de amigos. ----

Comumente nós encontrávamos reunidos numa mesa do Bar do Zé galinha, ou no final da Rua Goiás, no Bar da Costela de Boi; em alguma festa, ou junto à churrasqueira da sua casa tomando uma cervejinha e uma pinguinha da boa, chamada Cristalina do Picão, que um amigo seu da cidade de Martinho Campos, leva-lhe Quando ia a Divinópolis.

Por várias vezes estive em sua casa, dada a minha amizade que se estendia à sua esposa, seus dois filhos, seus pais e seus irmãos.  Certo dia, quando eu me preparava para ir à cidade de Formiga, assistir, numa festa de exposição, um Show do Cantor Sergio Reis, então no auge da fama, o meu carro deu um problema quando eu trafegava pela Avenida 1º de Junho. Foi sorte porque eu iria ficar na estrada nesse dia.

O problema do veículo, na parte elétrica, não teria como ser resolvido àquelas horas da tarde num sábado. ---- Enquanto eu estou ali ao lado do carro, lamentando o que ocorria, Moacir passa, me vê e para, naturalmente querendo saber se eu estava com algum problema. E diante da resposta positiva, disse-me, energicamente: "pode viajar sossegado. Deixe o carro onde está, eu vou providenciar o mecânico, para vir busca-lo ainda hoje. Você vai no meu carro,  pois eu tenho a caminhonete".

Era um Ford Corcel II verde e novo. --- Eu tentei dispensar o favor, mas foi inútil. --- Eu voltaria no domingo à noite, porque indo até Formiga, chegaria à Candeias. Isso era mais ou menos umas seis horas da tarde. --- Combinei, assim, de lhe entregar o carro na segunda feira. E foi o que fiz, tão logo  cheguei de volta da viagem.

 No ato da devolução do carro deveria ser, mais ou menos, umas dez horas da manhã. Moacir insistiu de todas as maneiras que eu fosse almoçar com ele em sua casa, pois naquela dia havia no seu almoço um manjar especial, um surubim do São Francisco. Um peixe dos mais cobiçados e que proporcionaria uma moqueca especial.

Ele já contara com a minha presença, porque um surubim teria sido o tema de nossa conversa dias antes.  Realmente, eu não deveria dispensar tão insistente convite, mesmo porque, o peixe estaria sendo um almoço especial por ocasião do aniversário da senhora sua mãe, grande apreciadora daquele prato delicioso; e era de meu desejo cumprimenta-la pelo aniversário.

Aceitei e o acompanhei. Na sua casa, naquele clima de festa, numa baita segunda feira, eu assentado à mesa junto de sua esposa, a senhora sua mãe e os filhos, eu degustava aquele prato delicioso, quando apareceu um vidro de molho verde. Ele serviu e me ofereceu. Eu aceitei e experimentei e achei o molho realmente delicioso acrescentado na moqueca.

Vi que se tratava de um molho caseiro e sem nenhuma pretensão perguntei: De que é feito esse molho Moacir? E a resposta foi ríspida, seca, como se eu tivesse dirigido uma ofensa, cheguei a pensar que ele estava brincando, mas não. Estava falando sério: 

“Cê desculpe, mas essa receita nós não damos para ninguém não... Nós  não gostamos de oferecer desse molho para a pessoa não pedir receita..." 

Foi uma pergunta, uma resposta e um silêncio, que jamais se apagou dos meus ouvidos. Eu não havia pedido nenhuma receita; eu não queria receita, eu apenas fiz uma pergunta porque era um sabor diferente além da pimenta. --- Houve um pequeno silêncio interrompido pela sua esposa, que se propôs a falar da cabeça do peixe; do pirão e do gosto da sogra pela moqueca.

Anos depois, Moacir vítima de um câncer faleceu. Eu não residia mais em Divinópolis, mas informado de sua morte viajei para participar do seu velório. Vendo-o inerte naquele caixão, fermentou-me na mente as boas lembranças.  Eu sentia muito a morte daquele amigo com o qual eu tive uma grande convivência. Contudo lamentei, pois não teria expulsado de minha memória a minha pergunta sobre o molho de pimenta e a sua resposta ríspida, de mau jeito traduzindo todo o egoísmo impróprio para um amigo de verdade.

-- Eu queria muito ter esquecido a história do molho, mas aquela lembrança triste permanecia na minha memória.  Eu queria tanto ter esquecido o choque de sua resposta a uma pergunta que me jogou num silêncio de constrangimento. Vendo o meu amigo ali, próximo de desaparecer para sempre e eu sobre as boas lembranças de uma boa amizade, senti, também, arder nos meus olhos um ardume de pimentas.

O tempo já teria passado e a distância não teria desfeito uma boa amizade. contudo entre as boas lembranças permanecia, também, a decepção.  Hoje, após mais  de 30 anos  de sua morte, ainda consigo me lembrar de Moacir, respondendo a minha pergunta sem olhar para mim e com o olhar fixo no seu prato. ----- Eu queria saber explicar o que representa isso, mas não sei. Eu nunca fiquei ressentido e nem magoado com ele. Eu só não queria ouvi-lo falar daquele jeito comigo, uma simples frase, que desmoronou todo um diálogo. ----  Onde quer que esteja meu amigo Moacir, perdoe-me por estar falando nisso e receba o meu abraço. ---

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

UMA TRISTE LEMBRANÇA DE CANDEIAS.

 

 Dizem que gosto não se discute. Nesse caso então, não se pode discutir a preferência das cores. Na Noruega, por exemplo, a noiva usa a cor verde para se casar. --- Na Índia veste-se de vermelho para expressar a sua felicidade. Enquanto na África o vermelho simboliza ofensa e sangue. Aqui no Brasil as noivas se vestem de branco, a exemplo de outros países.

“As cores tem muita influência nas expressões: por exemplo: “vermelho de raiva” “A crise está preta” ficou branco de susto” ---“Tudo cor-de-rosa ou tudo azul”. “é o preto no branco”. Dou-lhe carta branca. “Ele ficou amarelo”. “Tenho sangue azul” saldo no vermelho; cartão amarelo e vermelho e ultimamente temos por ai o azulinho para ajeitar o saco roxo”. E mais uma série de expressões usadas através das cores.


As mais preferidas sempre existiram, principalmente para as roupas. Mas o tempo se incumbe de transformar essas preferências. No passado as cores mais significativas, eram mais brandas. Não se usavam essas cores fortes como atualmente; havia certo preconceito sobre elas. ---- O vermelho era a cor do diabo. Usar roupas vermelhas era perigoso porque poderia estar chamando o demônio. ---- A cor rosa era muito usada apenas pelas mulheres e crianças dado a característica feminina. O roxo era a cor dramática porque era usada nas cores dos caixões.  Portanto, no passado as cores eram discretas. O mundo não era tão colorido como agora.

Hoje em dia, andando pelas ruas, posso observar que as pessoas estão usando vestes de cores que antes não eram usadas. O amarelo, por exemplo, raramente era visto. E quando aparecia uma moça com uma blusa ou um vestido dessa cor, a rapaziada enchia-lhe o saco. Ao passar por ela diziam num tom zombeteiro: “Desesperada para se casar moça?”. Acontecia da pessoa não sair mais à rua com aquela roupa.


Eu acho que o preto é a cor mais expressiva. Afinal ninguém quer estar numa lista negra e quem está saiu mal. ---- Os terreiros de macumba designados para fazer mal a alguém são chamados de magia negra. E aquele filho não muito querido pelos pais é chamado de Ovelha negra. Pessoas que trabalham num comércio proibido mexem com câmbio negro. E em tempos passados, aqui no Brasil, o preto era a marca do luto. Cultura, hoje, já defasada.


O luto é uma tradução de perda normalmente pela morte de alguém da família. Um sentimento dorido e profundo que exprime a dor da ausência de alguém muito querido que tenha desaparecido com a morte. Quanto mais querida é a pessoa que morre maior é o sofrimento do enlutado.


Em povos de diferentes culturas o luto se diferencia na sua forma de ser exprimido. Lembro-me como era o luto em Candeias no meu tempo de Criança.


Minha avó materna quando ficou viúva esteve durante um ano vestindo uma roupa completamente preta. Era comum a mulher, colocar o então chamado luto fechado. Isso significava que a pessoa enlutada trajar-se-ia somente de roupas pretas e na maioria dos casos durante um ano ou seis meses. ---

-- Quando se via uma pessoa vestida de preto, a pergunta era certa: quem morreu na sua família?


Os homens raramente punham luto fechado. Era a camisa preta. Lembro-me de quando o meu avô paterno faleceu, meu pai ficou durante seis meses usando camisa preta. E quando ouvia uma música de Tonico e Tinoco, “Camisa Preta” as lágrimas lhe brotavam nos olhos.


Não se via ninguém vestido de preto se não houvesse um luto na família. Muitos não se vestiam de preto, mas usavam uma fita preta presa na camisa ou no vestido. Essa forma era mais usada por parentes mais distantes, como genros, sobrinhos ou irmãos.


O preto era usado apenas para os panos estampados. Não se via, como hoje, homens trajados de terno preto e mulheres toda de preto. --- Ao término do luto, dizia-se estar tirando o luto quando a pessoa voltava a usar roupas com panos estampados de preto e branco.


Hoje, a cor preta talvez seja a mais chique, a mais expressiva. Vestir-se de preto, hoje em dia, como luto, deixou de ser. As modas femininas não dispensam o preto nas suas inovações.


“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.                    (Luiz de Camões)

Armando Melo de Castro.

Candeias MG Casos e Acasos




segunda-feira, 9 de setembro de 2019

A MORTE DE UM PORCO.



Quem contabiliza tantos janeiros, assim como eu, tem a oportunidade de ver como a vida da gente muda enquanto o mundo se transforma sobre as nossas vistas e ao nosso redor. Eu, no decorrer da minha existência, tenho observado essas mudanças à medida que o tempo vai passando. A cultura se transforma com o progresso natural que a vida impõe. Uns ficam pobres e outros ficam ricos. A morte leva uns e o nascimento traz outros. O comportamento das pessoas vai se modificando de geração para geração. E quando olhamos para traz podemos sentir que o mundo em que nascemos tem pouco a ver com o mundo no qual estamos vivendo.

Matar um porco em casa, no passado, por exemplo, era como se fizesse uma festa. Mas, podia, também, se transformar num mal-estar, numa indisposição.

Não era proibida a criação de porcos nos terreiros, na cidade. Muitas pessoas faziam de seus quintais, na cidade, uma verdadeira chácara. Tinham um chiqueiro; um galinheiro e um cercado para horta.

Muitos criavam um porco de sociedade o que se chamava “à meia” o que quer dizer: um dava o leitão e o outro o criava a seu custo e depois partiam o animal morto. ----

Isso costumava dar confusão e até inimizades, uma vez que o criador do animal se comprometia com os vizinhos o fornecimento de lavagem (restos de comida) e em compensação lhe daria um pedaço de carne na ocasião da matança do porco, na divisão queria debitar metade desse agrado, em forma de retribuição ao sócio que teria fornecido o bácoro para o capado, o qual dificilmente concordava.

De outra forma o fornecedor da lavagem, também, costumava reclamar ou sair falando do pequeno tamanho ou da qualidade do pedaço ganho.

Acontecia, também, muita reclamação entre a vizinhança pela demanda no fornecimento de lavagem. Havia aqueles criadores que davam um pedaço de carne maior e melhor, ao contrário daquele mais “pão duro”, portanto, isso incentivava a preferência.

Outra questão que, às vezes, surgia, era a reclamação do criador do animal, que sempre com o intuito de querer levar vantagem colocava defeito no animal que teria recebido para criar. --- Uma hora o bicho era roncolho; noutra hora o bicho teria vindo para os seus cuidados com uma caganeira difícil de ser contornada; falavam-se, também, da linhagem ruim do animal, sempre na hora da partilha.

Na lambança com que eram criados esses porcos tanto na cidade como nas roças, fazia com que eles fossem portadores e transmissores de lobrigas e vermes, principalmente uma tal de solitária, um verme que diziam subir para a cabeça levando a pessoa à morte; como também as canjicas que portavam os vermes perigosos, que não eram eliminados pelo calor do cozimento.

A mesma diferença que podemos contar com um frango caipira, com os de granja, podemos, também, fazer a comparação com os porcos. Hoje esses porcos brancos de granja, não podem ser comparados com os antigos, Canastra, o maior; o Piau que era o médio e o carunchinho que não passava de quatro arrobas, cujas carnes tinham um sabor diferenciado.


Hoje, a criação de porcos na cidade foi proibida. Acabou, portanto, o fornecimento de lavagem; o mau-cheiro dos chiqueiros foi embora juntamente com as solitárias e as canjicas. Mas o cheiro da carne daquela lambança ficou na lembrança, ficou na saudade!


Armando Melo de Castro.


terça-feira, 3 de setembro de 2019

O SABUGO DE MILHO.


O uso de banheiros dentro das casas teve início antes de Cristo. ---- Na Índia foram encontrados vestígios dessas construções em escavações arqueológicas. ---- Na Grécia neste mesmo tempo as residências não contavam com banheiros dentro de casa. Os gregos preferiam se aliviar ao ar livre.

Na Roma antiga, foi muito comum o uso de penicos. Os romanos faziam, também, as suas necessidades em público, quando estavam fora de casa, junto às térmicas.

Os banheiros começaram a ser destacados na Europa em 1668, em virtude de um decreto emitido pelo Comissariado de Polícia francês, de Paris, determinando que as casas construídas a partir daquela data, na cidade, deveriam ter um cômodo destinado ao banheiro.

Mas e em Candeias? Quando começaram a surgir os banheiros dentro de casa? Não faz tanto tempo como aconteceu na França. Lembro-me de ver aquela “casinha” nos quintais de quase todas as moradas. Até mesmo as poucas residências que possuíam banheiros dentro de casa, tinham uma latrina no quintal, isso porque era constante a falta d’água. O fornecimento do líquido precioso era da prefeitura e muito precário.

Lembro-me de ver na venda do Zé Chorão, na Rua Expedicionário Jorge, aquela porção de penico nas prateleiras. Pequenos, médios e grandes.

Era um tempo atrasado. Meu pai era oficial de Justiça e viajava muito pelas roças. Parece que nas roças tinha mais demanda do que na cidade. ---- Não havia os caminhões leiteiros e poucos veículos. O meio de transporte do meu pai era uma égua e uma bicicleta, para as suas viagens de intimações nas roças. E eu sempre na garupa quando contava ai com os meus oito ou nove anos. Sei que tive a oportunidade de passar pelos quatro cantos do município de Candeias.

Minha mãe sempre cuidadosa recomendava-me levar papel higiênico, para a higiene durante as necessidades fisiológicas. Nessas viagens nem sempre voltávamos no mesmo dia. Acontecia de tomarmos o pouso na casa de algum dos amigos do meu pai. ----

O pessoal das roças sempre muito fartos, nos ofereciam sempre aquele rango caprichado; comumente nos ofereciam a famosa carne de panela ou de lata; àquele doce de leite de fazenda, bolo e broa de fubá; e biscoito de polvilho frito. Tudo isso está até hoje entranhado na minha cultura alimentar. E quando me lembro desses manjares minha boca, ainda, enche d’água.

Mas havia uma coisa que me deixava intrigado. O que existia em comum eram latrinas ou privadas, que consistiam num buraco de fossa de aproximadamente uns três metros de fundura, coberto por um assoalho com um orifício central. Sobre essa base se construía um pequenino cômodo.

O papel higiênico raramente era visto nessas latrinas, normalmente quando a pessoa ia fazer as suas necessidades levavam algum tipo de papel para ser usado. Poderia, também ser encontrado papel de embrulho dependurado.

Nas roças eu tive sempre uma curiosidade. Sempre havia num canto daquele cubículo intimo uma lata cheia de sabugo de milho. Eu sempre pensava que aquilo estava ali para estar protegido de um mau tempo. Afinal, eu sabia que sabugo de milho era bom para acender o fogo e fazer brasa. Minha mãe usava para por no ferro de passar roupa.

Até que num certo dia eu perguntei ao meu pai, por que em quase todas as latrinas das roças tinha uma lata de sabugo de milho, foi ai que fiquei sabendo dessa cultura deixada pelos portugueses, de que o sabugo de milho servia como papel higiênico. ----

 Fiquei com aquilo na cabeça e num certo dia, na curiosidade de menino, resolvi fazer um teste. E o que aconteceu? Que fique aqui entre mim e Deus.

Saber que isso foi herança dos portugueses ... Sei não, mas parece piada! 

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

O MEU PRIMO VICENTE!

   
Eu tenho um primo que se chama Vicente de Castro, meu contemporâneo, que como eu também recebeu o nome na pia batismal da antiga Igreja Matriz de Candeias. Ambos nascemos na Rua Coronel João Afonso, praticamente sob o mesmo teto, isso porque os nossos pais moravam numa casa de parede-meia e os quartos em que nascemos tinham localização contígua.
Tínhamos quase a mesma idade. Eu, apenas um ano e pouco mais velho, fazia dele o meu maior amigo. Brincávamos no mesmo terreiro; chupávamos frutas do mesmo pé, dependurados no mesmo galho. E por vezes, tomávamos varadas de marmelo, nas pernas, no mesmo momento; cada um de seu pai, quando vinham apartar as nossas brigas por causa de algum capricho disputado.
O tempo, esse aspecto sempre em vigília e incumbido de alterar o destino das pessoas, separou-nos na adolescência. E durante anos, poucas foram às vezes que nos vimos. Mas, o destino, que nem sempre obedece ao que o tempo determina, nos fez reencontrarmos na mesma cidade, trinta anos depois, ou seja, na cidade de Lagoa da Prata: Eu, gerente de uma agência bancária, e ele, como operador de máquinas da Usina de Açúcar.
Vicente, agora, não era o mesmo. Tornou-se bem diferente daquele Vicente de outrora. Aquele que não aceitava acompanhar-me ao catecismo porque não era muito chegado a igrejas; que só levava vantagem nas nossas brigas; que apesar de ser um menino já fumava escondido e que me falava as chamadas bobagens de cabeça de adolescente e sorria, maldosamente, enquanto eu, com cara de bobo, nada entendia.
Depois de muitos anos fui encontrar um Vicente diferente. Um Vicente crente falando do céu como se fosse um hotel de luxo para onde os privilegiados de Deus ficarão hospedados, após a morte. Está sempre dizendo que encontrou Jesus, como se Jesus estivesse perdido dele. Aquele primo, então, que quase fugia da igreja, agora se tornou num conhecedor dos capítulos e versículos da Bíblia mais do que as linhas de suas próprias mãos.
O comentário que faço a respeito do primo crente é, todavia, isento de crítica maldosa. Muito pelo contrário, eu tenho por ele um grande respeito pela forma de ser e pelo fato de que a nossa amizade vem desde quando tomamos conhecimento pela vida em Candeias. E ele como não teve irmãos, faz de mim o seu irmão.
Hoje, eu morando em Juiz de Fora e ele na cidade de Lagoa da Prata, fomos unidos de novo pela internet, conversamos quase todos os dias, relembramos fatos de nossa infância e colocamos a nossa conversa em dia. Vicente, é o amigo convivente que me sobrou da infância.
O primo é “cabeça de área” da Igreja, Assembleia de Deus. Isso porque se encontra entre o pastor e os fieis. Apesar de ter estudado pouco é bastante prático e autodidata. Conhece a Bíblia de cor e salteado. Os seus problemas e aqueles dos quais vem ao seu conhecimento, são debitados integralmente a Jesus Cristo. Na ausência do Pastor, sobe ao púlpito e faz uma sermoa agradável. É conhecido e amigo de toda a confraria.
Às vezes, quando eu ia visitá-lo, comumente o encontrava-o reunido com algum irmão de fé. Em sua casa, quase sempre está ele, no maior papo, com o seu irmão em Cristo, o irmão Tonho, famoso pela sua teimosia.
Irmão Tonho daqui irmão Vicente dali e, assim, comem o papo no mesmo prato. O irmão Tonho, também, tem a Bíblia na pontinha da língua. Eu fico ali, sem entrar no assunto, assistindo aquele papo empanado num sentimento, que a meu ver está além da fé apesar de achar muito bonito aquela irmandade, aquela devoção dentro daqueles corações candidizados.
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Os dois irmãos em Cristo são muito amigos, mas, certa vez, tiveram uma altercação ferrenha:
Eu cheguei à sua residência quando lá estavam os dois se preparando para uma pescadinha, próximo à cidade. O Vicente com um chapéu de palha em listras vermelhas e azuis, tipo festa junina; e o irmão Tonho com um casquete, modelo militar, e uma calça amarela, bastante usada, parecendo um capataz de coronel aposentado usando resto de farda faltando-lhe, apenas, as estrelas. As camisetas eram iguais, com os dizeres: “O Senhor é o meu pastor”.
Cumbuca de iscas, matula, varas na mão e pé na estrada, ou melhor bicicletas na estrada e lá se foram.
Uma hora depois, estavam os dois, à beira do rio, pescando e conversando animadamente; naturalmente, sobre os livros sagrados. Imagino até que estivessem discutindo a genealogia de Jesus Cristo e quem sabe? De forma supositiva, estariam tentando descobrir quem teria sido a bisavó de Abraão... --- Talvez estivessem comentando, também, onde estivera Jesus Cristo dos 12 aos 30 anos de idade... Pode ser, também, que naquele papo santo procurassem decifrar o que Jesus discutiu com os doutores quando ele tinha os 12 anos. Isso, com certeza não estaria claro para o primo Vicente e seu amigo Tonho. Outra coisa que eu suponho, também, deve ter sido discutido enquanto pescavam foi quem teria assinado a carta aos Hebreus. Afinal, nada prova que foi o Apóstolo Paulo.
De repente, um sobressalto! O inesperado acontece: Uma grande cobra, enrolada, bem pertinho do Irmão Tonho.
Ao ver a peçonhenta venenosa fitando-lhes os olhos, Irmão Tonho quase morreu de susto. Foi um deus-nos-acuda. Com um pedaço de pau conseguiram matar o bicho e jogá-lo no rio. Daí começou o debate ofídico:
--Cê viu que baita de jararacuçu, irmão Vicente?
--Aquilo nunca foi jararacuçu, irmão Tonho...
--Como não foi irmão Vicente! Jararacuçu e dos grandes...
--Cê num viu o chocalho, na ponta do rabo dela? Era Cascavel, irmão Tonho...
--Que mané cascavel, irmão Vicente! Ocê parece que não entende de cobra
(Rindo maliciosamente) ---Entender de cobra não é o meu fraco não, Irmão Tonho...
--Eu nasci na roça e conheço tudo quanto é cobra...
-Ôa.Ôa! Ôa, irmãoTonho! Oia, eu cumêdo docê. Negócio de cobra, tô fora, kakaka...
--Ô irmão Vicente, ôcê ta me adisrespeitano! Eu sô home sério e de respeito...
--Que isso, irmão Tonho...!? Eu to é brincano com cê!
-Mas, isso é brincadêra mardosa, irmão Vicente! Um crente num brinca disso!
--Que isso irmão Tonho?
Ali, acabou a pescaria e a amizade também. Por mais que os amigos tentassem não conseguiram fazer com que os dois reatassem a amizade. O irmão Vicente vivia pedindo ao Senhor Jesus que abrisse a cabeça do irmão Tonho. Até que um dia Jesus Cristo resolveu atende-lo.
Chegou para pastorar a igreja deles um novo pastor. Rapaz dinâmico, bem falante, convincente e que ficou sabendo da história. Fez a eles um convite para uma reunião de reconciliação, no que foi atendido prontamente pelos dois. Após o abraço de fim da contenda, e terem recebido uma bênção especial do pastor, o irmão Vicente brada alto e em bom som:
---Agora tá tudo bem entre nós dois né irmão Tonho?
Diante disso o irmão Tonho responde com toda a ênfase:
---- Tá, irmão Vicente, graças ao Senhor. Mas que aquela cobra era Jararacuçu, irmão Vicente isso era! Eu tenho certeza!
Pois é: Fanatismo religioso temperado com teimosia, nem Jesus Cristo aguenta.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.