Hoje, de
manhã, ao mexer nos meus guardados defrontei-me com a foto de meu amigo, do meu
grande amigo Lulu, um candeense polêmico, que tinha a língua solta, xingava os
amigos sem fazer inimigos.
Lulu era
aquela pessoa dessas abençoadas sem ser muito rezador. Lembro-me de tê-lo visto
duas vezes na igreja; no dia do seu casamento, de terno marrom e gravata borboleta, quando eu ainda era menino e na
sua morte durante a recomendação do seu corpo. ------ Mas com certeza Lulu foi um
grande cumpridor dos desígnios de Deus. Bom filho, bom pai, bom marido, bom
amigo e muito caridoso. ---- Falo sobre o Lulu com muita convicção porque
convivi com ele durante uma boa temporada quando, aos 16 anos, trabalhei no seu
Bar e Restaurante Pinguim, numa velha casa onde hoje esta estabelecida a Casa
do Vaqueiro.
Anos
depois, Lulu se transferiu para onde se encontra hoje o Restaurante da Cidinha.
Ali ele trocou o nome de seu restaurante, de Pinguim para Bifão. ---- Nesse
tempo eu já não trabalhava mais com ele, pois já me residia fora. Mas sempre
estive presente quando me via em Candeias.
Estar
perto do Lulu era registrar um fato interessante ou engraçado todos os dias.
Figura polêmica que não se engasgava com as palavras. Palavrão na sua boca era
doce quando ficava nervoso. E principalmente no tempo quando, ainda bebia uns
goles.
Com a
morte do Monsenhor Castro, a paroquia de Candeias ficou totalmente
desorganizada. Uma hora era padre de Oliveira, outra era padre de Campo Belo,
de Cana Verdade etc. Não havia um pároco responsável.
Nessa
época a Diocese de Oliveira recebeu alguns sacerdotes vindos da Holanda, dos
quais um deles foi designado para Candeias, era o Padre João. ---- Estatura
alta, muito branco, meio careca, com um palavreado misturado de português e
holandês. Esse padre resolveu fazer um curso de "não sei o quê" em Divinópolis, e
como a renda da igreja pouco lhe dava, ele vivia numa lona danada. Almoçava no
restaurante do Lulu, e quando lhe faltava dinheiro, falava abertamente com
algum fiel: “Eu está com fome” e aquele fiel normalmente o levava a tomar a
refeição daquele dia em sua casa.
Certa vez
ele falou assim para o amigo Biribico: “Sr. Birabica: eu está
com muita fome”. --- E como Biribico era um gozador disse brincando: “Pois
eu vou levar o senhor para comer lá em casa”. E deu aquela gargalhada, ----
e o padre se esforçando para rir sem saber da graça, disse: “Eu vai
achar muita bom”. E foi ai que o Biribico riu pra valer.
Certo
dia, um freguês do Lulu, desses que vindo de fora e parecendo nunca ter entrado
num restaurante, pediu um almoço e quando acabou de almoçar começou a chupar
dentes. Era cada sugada que parecia até que ia sair dente voando de sua boca.
Lulu
detestava gente que chupava dentes e ficava limpando as panelas de seus dentes
com palito depois de comer. ---- De repente o saco do Lulu começou a se
entornar e ele se apróxima daquele cidadão e diz: “Olha aqui rapaz, cê
qué chupá dente vá chupá na cozinha da sua casa. Isso aqui é um restaurante e
chupá dente aqui num dá não”.
E o cara,
levantou-se e ao pagar a comida, numa forma de revanche, pediu desconto, pois
teria achado a comida não muito boa. Isso deixou o Lulu ainda mais irritado
quando disse ao freguês: “Não precisa pagar merda nenhuma não, mas não volte
aqui mais não seu chupadô de dente”.
Nisso vem
entrando Padre João, com aquele seu jeitão tímido, falando tudo enrolado, e
pediu para que lhe fosse providenciado um prato de comida: “Sior Lólu, favor
arumá comida para mim, eu querer comida pouco sal, comida muito sagada faz mal.
Na minha teurá eu comer comida pouco sal”.
Lulu que
já se encontrava com uns goles na cabeça, puto da vida com o freguês que
acabara de sair, disse: --- “Por que então o senhor não manda vir
comida de lá”? "Ora essa! Quem vem de lá, tem que acustumá com o rango
daqui, se lá come sem sal vai vê é porque num tem sal... É cada coisa que me
aparece!!!!!".
Diante
daquela tempestade o reverendo, sem entender direito aquele falatório do Lulu,
assentou, aguardando a comida.
Lulu que
tinha um coração de ouro veio logo beirar o padre e disse-lhe, a partir de
amanhã vou temperar a comida do senhor separada. E o padre quase que assustado
disse: “nô, nô, nô, eu acostuma... eu acostuma”...
No final,
ao pagar a conta Lulu disse: “Não é nada não padre...”. E o padre: " óh nô, nô,
nô senhor Lólu!”“.
---
E o Lulu: “Eu já falei que não quero o seu dinheiro padre, isso é para dar um
alivio na sua pitimba. (já estava nervoso de novo)
E o padre
João saiu um pouco sem entender. Mas no outro dia estava lá aguardando o seu
prato novamente.
Armando
Melo de Castro.
Candeias
MG Casos e Acasos