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quarta-feira, 19 de junho de 2019

O MEU AMIGO TITÔCO E A FAVA.

                                                                        Candeias - Minas Gerais
uma coisa boa que eu gosto muito de sentir é quando eu estou sem fazer nada aqui no meu aposento de aposentado, com muita coisa para pensar sobre o passado, pouca do presente e quase nada do futuro. Dai flutua no lago do meu cérebro um pensamento bom de lembrar, eu rio sozinho parecendo um bobo alegre. ----

Minha mulher gosta de fava verde com angu. Na família dela isso é uma tradição, e eu experimentei e achei gostoso. ---- Eu fui criado diante de um favismo psicológico, que me fez repudiar o grão, sem nenhum motivo. ------- Acontece que a fava seca, feita como se faz feijão, realmente é uma coisa muito ruim. E é assim que eu a conheci.

O tempo me fez sentir que a fava nunca foi bem aceita em Candeias. São vários os rifões que ouvi denegrindo a qualidade dessa iguaria, tanto para a saúde como para o gosto. ----- Minha avó dizia sempre: “Fava além de ser muito ruim, faz mal para a saúde”. Mas, não é bem assim.

Hoje, quando a minha mulher disse que estava com vontade de comer fava com angu e frango à moda de sua avó, flutuou no lago do meu cérebro, um fato que estava bem lá no fundo. -----

Sempre quando ouço falar na fava eu me lembro do meu amigo Antônio Sidney de Sousa, o Titôco, infelizmente já falecido. ---- Meu condiscípulo no Grupo Escolar Padre Américo, hoje Escola Estadual; meu companheiro de carteira; meu grande amigo de infância e juventude e contemporâneo em São Paulo. ---- Titôco tinha uma facilidade imensa de encontrar um apelido para cada um de seus amigos. ---- Quando surgiu o jeans, foi uma febre na juventude. ---- Eu teria comprado uma peça de calças na loja do Bonaccorsi, cuja marca era “Turista”, o que trazia a etiqueta grande no bolso traseiro. ---

Titôco quando viu aquilo, nunca mais me chamou de Armando. Até às vésperas de sua morte. A última vez que estive com ele no então Bar do Bola, ele que vinha saindo lá do interior do bar disse alto e em bom som: Oh! Turista! O apelido não pegou, mas ele não desistiu. ---- Foi a última vez que o vi vivo. Sempre quando ouço alguém falar a palavra “fava” eu me lembro do Titôco numa conversa que tivemos quando assentados nesse banco do jardim da foto, em Candeias.

Depois de ouvirmos o comentário do Willian Barbeiro, sobre a mulher após o casamento, Titôco quase que irritado assim que o Willian afastou-se me disse:

“Sabe o que é Turista: o cara dá fava para a mulher comer e quer que ela esteja bonita. Isso é querer demais”.

Meu caro Titôco, onde quer que esteja receba o meu abraço.

(Armando.)

NB) Parabéns Márcia Sena, pelo marido que você teve!

quinta-feira, 13 de junho de 2019

OH! QUE SAUDADE QUE EU TENHO

                                                                              BAR PILOTO - CANDEIAS MG
Hoje, depois de tomar o meu café da manhã, liguei para um amigo, da cidade de Luz, a fim de parabeniza-lo pelo seu 83º aniversário. E como é patente, um idoso ao dar os parabéns para outro idoso, o traço da conversa não é no mesmo tom da juventude. O meu amigo com o qual outrora, juntos, experimentávamos bons tira-gostos e boas cachaças enquanto discutíamos assuntos interessantes, agora, encontra-se naquela fase de saber, apenas, o que é bom para aliviar ou curar doenças. E o prazer de degustar aquilo que o cérebro pede já não lhe pertence mais.

Disse-me não estar passando bem de saúde, em virtude de ter sido acometido por um diabetes. Falou de doenças, de saudade e como teria sido motorista profissional não deixou de falar em estrada, contudo, na estrada da vida. ----- Lamentei profundamente as  suas queixas, claro, sem boas palavras para conforta-lo.

O tempo não poupa ninguém e a doença advinda pela idade avançada, nada mais é do que um privilégio dado por Deus; a fim de que possamos entender que estamos nos aproximando do fim da estrada da vida e prepararmos para isso. ---- Esta é a melhor maneira de encararmos o fim da vida. ---- Devemos entender que o tempo é como um ácido que corrói o nosso corpo e pede o espelho para que nos mostre o estrago. -Lutar contra o tempo é lutar contra o inevitável. Afinal, nessa estrada não há retorno, a não ser embarcados na saudade.

Após desligar o telefone, fermentou-me nas dornas do meu cérebro a ideia de que a vida é realmente uma estrada que estamos viajando sem saber de onde viemos e nem para onde vamos. Uma viagem por uma estrada cujas margens têm flores e espinhos; retas e precipícios, ora colocando as vidas em riscos; e em outros momentos parecendo estar nos levando à verdadeira felicidade.

 Eu, aos 73 anos, felizmente, não comunguei com o meu amigo a respeito da sua doença. Felizmente não tenho o que me queixar da minha saúde. Mas sinto que não é só a saúde que o tempo nos toma. E como essa viagem da vida não tem retorno, deixamos para trás um rastro que se chama saudade que também dói. ------

Não foi só você Casimiro de Abreu que sentiu aquela saudade da sua infância querida que os anos não trazem mais! ---- Eu também sinto saudade da aurora da minha vida, de um céu sempre lindo, quando eu rezava a Ave Maria, adormecia sorrindo e despertava a cantar. --- Eu sinto, também, muita saudade e saudade dói de verdade.

Saudade de ver minha mãe lavando arroz nas cuias e o meu pai regando a horta; saudade dos meus avós me abraçando e da minha tangerineira no quintal da casa onde eu nasci; dos brinquedos que o meu pai fazia para mim à noite após me ver dormindo para coloca-los atrás da porta nas noites de natal. Sinto saudade da minha Rua Coronel João Afonso, toda cheia de mato e buracos e as mulheres lavando roupa, brigando e com as suas latas d’água junto à torneira pública no meio da rua.  

Sinto saudade sim, dos picolés de cereja e coco queimado do Bar Piloto; da venda do Chico Freire; das fofocas de Dona Ester e Dona Joana do Galdino, do cachorro Lírio do Henrique Sotero e das galinhas de Dona Marica da Melada, pastando na rua e se recolhendo num buraco do muro. ---- Saudade, do açougue do Juquita de Assis, no Beco Belmiro Costa e dos filmes do Oscarito e Grande Otelo, no Cine Operário são José. Uma saudade muito danada dos meninos da minha rua soltando papagaio, jogando bolinhas de gude matando passarinhos com bodoque e jogando piorra. O tempo se incumbiu de manda-los para longe e eu nunca mais os vi em sua maioria.

Saudade do entra-e-sai na Sapataria do meu pai, onde havia um quadro de São Crispim na parede, o protetor dos sapateiros. Saudade, também, da venda do Zé Lara onde buscava o pão de manhã, enquanto a minha mãe coava o café. --- O Grupo Escolar Padre Américo... Ai que saudade doida, das professoras todas já falecidas e os colegas repartidos pelo destino.

Saudade de sair pelas ruas com uma carrocinha vendendo as laranjas de Dona Mariquinha do Sr. Chico Freire e com isso ganhar uns trocados. Os nossos vizinhos; como eu gostava de passar à porta de Dona Filomena Barros, vê-la fazer croché e ganhar o seu sorriso;  como, também, observar o Sr. Erasto de Barros, seu irmão de Dona Filomena, sempre nervoso e com o seu linguajar chulo.  ------------- Muita saudade do Campo do Rio Branco, que ficava abaixo da loja do Vicente Vilela. Aos domingos era dia de futebol e a cidade toda descia a nossa rua... -----  É tanta coisa, é tanta saudade que não dá para por tudo aqui. -----E como disse Clarice Lispector: Saudade é como fome, só passa quando se come a presença.

E eu pergunto e se não tem presença? ---- Claro, não morre de saudade, mas morre com a saudade!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.



quarta-feira, 5 de junho de 2019

CANDEENSES QUE MARCARAM O SEU TEMPO.

                                                              IGREJA DO ROSÁRIO - CANDEIAS MINAS
Hoje, remexendo numa gaveta das minhas recordações, encontrei diversos conhecidos e amigos. Pessoas humildes, carentes, doentes e problemáticos com as quais eu convivi em Candeias. ----- Alguns ainda no meu tempo de criança e outros já na fase adulta. Pessoas falecidas e que viveram muito tempo sendo lembradas pelos candeenses e que aos poucos vão se desaparecendo da nossa história. Cito aqui alguns nomes cujas imagens eu guardo muito bem guardadas no cofre da minha memória.

---- Jonas, um negro gordo que vivia trauteando musica de sua cabeça, pelas ruas e nessas solfejadas se alguém risse ficava agressivo, e se tornava perigoso, principalmente perante as crianças. Candeias não tinha calçamento e era muito fácil para ele agredir a pedradas, pois seria fácil apanhar uma pedra. -----

----- Outro era o Matias. Esse era inofensivo. Era um mulato miúdo que vivia montado num bambu o qual ele imitava os corcovos e o trote de um cavalo. As crianças gostavam de perguntar o seu nome para ver a dificuldade que tinha de dizer: Maaaatia Taaatá.

---- É difícil de esquecer, o negro magro, de chapéu de palha, de pouca prosa e quando bebia uns goles falava e cantava trazia consigo uma sanfona de oito baixos, na qual ele executava de forma interessante. Essa sanfona costumava cair pelo chão e não se sabe explicar como ainda continuava a funcionar. ---- Se alguém achasse graça das suas atitudes, ele embriagado mandava um nome feio e o mais comum era: “Vai desgraçado”, E ai é que a coisa ficava mesmo engraçada. Esse era o famoso "Quebra-gaio".

----João Ciganinho era um homem muito humilde e talvez naquele momento, o homem mais conhecido da cidade. Tinha uma dupla função, no tempo em que o cemitério São Francisco e a Sociedade de São Vicente de Paula, eram comandados pela paróquia. Ciganinho era sempre visto nos quatro cantos da cidade, trajado com o seu terno de brim surrado da cor do chão e o seu chapéu de lebre desgastado. Levava sempre debaixo do braço uma pequena pasta de cobrador das mensalidades dos contribuintes da Vila. ------- Naquele tempo em que a pobreza era bordada de carência a miséria era gritante, muitos desses contribuintes eram tão pobres quanto os pobres da Vila, portanto, muitos escondiam dele por falta de recursos para pagar as mensalidades.

A outra função de João Ciganinho era a de coveiro do Cemitério São Francisco. E como era o patriarca de uma penca de filhos, entre esses havia o Tiguinho que o ajudava na abertura das covas.  ----- Na área onde está à pracinha do cemitério havia uma capela usada para guardar petrechos funerários e depositar defuntos que vinham das roças em padiolas, enquanto aguardavam a confecção do caixão coberto de pano roxo, que era fabricado na oficina do Sr. Nicodemos Salviano, sob encomenda. Não havia serviço funerário em Candeias nesse tempo.  

---- Certa vez, quando João Ciganinho e seu filho Tiguinho abriam uma cova e tendo começado a chover, foram se esconder da chuva nessa capela, momento em que caiu um raio que o matou e deixou Tiguinho desmaiado. Foi uma tragédia que abalou Candeias nesse dia.

----Finalmente eu quero me concentrar num participante ativo da Festa do Rosário, no terno de Moçambique. Ele todo vestido de branco, parecia até um anjo negro. E sempre quando eu o perguntava: Como vai Chico? Ele dizia: “Nossa tô bão dimais, tô muito filiz e agora mió ainda purque vou ganha um cigarrinho”. Chamava-se Chico Lordino e eu gostava de presenteá-lo com um maço de cigarros. ---- A última vez que o vi já estava residindo na Vila Vicentina e seu estado de saúde já era precário. ---- Com as minhas ausências de Candeias, não sei se ainda vive. Se vive, deve estar muito decadente. Chico era um pobre feliz e carismático. Todo mundo gostava dele. ---- 

Certa vez, por ocasião das barraquinhas no adro da Igreja Matriz em reconstrução, festas cuja renda era destinada as obras da igreja, Chico subiu num caixote e fez o seguinte discurso: “Gente, oia nóis pricisa ajuda o Padre juaquim (Monsenhor Castro) na fabricação da igreja. Reza impé é bão, mas sentadinho é bem mió num é? Quando nóis chega lá incima, Deus arruma um banquinho pra nóis tamém”.

A vocês, Jonas, Matias, Quebra-Galho, João Ciganinho, Tiguinho, onde quer que estejam com certeza estão na Graça de Deus. ----

E a você Chico eu não tenho notícias de sua morte, se morreu estará junto deles e com certeza assentado num banquinho dado por Deus. --- Se ainda vive estará sendo abençoado.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.