Hoje, depois de tomar o meu café da manhã,
liguei para um amigo, da cidade de Luz, a fim de parabeniza-lo pelo seu 83º
aniversário. E como é patente, um idoso ao dar os parabéns para outro idoso, o
traço da conversa não é no mesmo tom da juventude. O meu amigo com o qual
outrora, juntos, experimentávamos bons tira-gostos e boas cachaças enquanto
discutíamos assuntos interessantes, agora, encontra-se naquela fase de saber,
apenas, o que é bom para aliviar ou curar doenças. E o prazer de degustar
aquilo que o cérebro pede já não lhe pertence mais.
Disse-me não estar
passando bem de saúde, em virtude de ter sido acometido por um diabetes. Falou
de doenças, de saudade e como teria sido motorista profissional não deixou de
falar em estrada, contudo, na estrada da vida. ----- Lamentei profundamente as
suas queixas, claro, sem boas palavras para conforta-lo.
O tempo não poupa
ninguém e a doença advinda pela idade avançada, nada mais é do que um
privilégio dado por Deus; a fim de que possamos entender que estamos nos
aproximando do fim da estrada da vida e prepararmos para isso. ---- Esta é a
melhor maneira de encararmos o fim da vida. ---- Devemos entender que o tempo é
como um ácido que corrói o nosso corpo e pede o espelho para que nos mostre o
estrago. -Lutar contra o tempo é lutar contra o inevitável. Afinal, nessa
estrada não há retorno, a não ser embarcados na saudade.
Após desligar o
telefone, fermentou-me nas dornas do meu cérebro a ideia de que a vida é
realmente uma estrada que estamos viajando sem saber de onde viemos e nem para
onde vamos. Uma viagem por uma estrada cujas margens têm flores e espinhos;
retas e precipícios, ora colocando as vidas em riscos; e em outros momentos
parecendo estar nos levando à verdadeira felicidade.
Eu, aos 73
anos, felizmente, não comunguei com o meu amigo a respeito da sua doença.
Felizmente não tenho o que me queixar da minha saúde. Mas sinto que não é só a
saúde que o tempo nos toma. E como essa viagem da vida não tem retorno,
deixamos para trás um rastro que se chama saudade que também dói. ------
Não foi só você
Casimiro de Abreu que sentiu aquela saudade da sua infância querida que os anos
não trazem mais! ---- Eu também sinto saudade da aurora da minha vida, de um
céu sempre lindo, quando eu rezava a Ave Maria, adormecia sorrindo e despertava a cantar. --- Eu sinto, também, muita saudade e saudade dói de verdade.
Saudade de ver minha mãe lavando arroz nas cuias e o meu pai regando a horta; saudade dos meus avós me abraçando e da minha tangerineira no quintal da casa onde eu nasci; dos brinquedos que o meu pai fazia para mim à noite após me ver dormindo para coloca-los atrás da porta nas noites de natal. Sinto saudade da minha Rua Coronel João Afonso, toda cheia de mato e buracos e as mulheres lavando roupa, brigando e com as suas latas d’água junto à torneira pública no meio da rua.
Saudade de ver minha mãe lavando arroz nas cuias e o meu pai regando a horta; saudade dos meus avós me abraçando e da minha tangerineira no quintal da casa onde eu nasci; dos brinquedos que o meu pai fazia para mim à noite após me ver dormindo para coloca-los atrás da porta nas noites de natal. Sinto saudade da minha Rua Coronel João Afonso, toda cheia de mato e buracos e as mulheres lavando roupa, brigando e com as suas latas d’água junto à torneira pública no meio da rua.
Sinto saudade sim, dos picolés de cereja e coco queimado do Bar Piloto; da
venda do Chico Freire; das fofocas de Dona Ester e Dona Joana do Galdino, do
cachorro Lírio do Henrique Sotero e das galinhas de Dona Marica da Melada, pastando
na rua e se recolhendo num buraco do muro. ---- Saudade, do açougue do Juquita
de Assis, no Beco Belmiro Costa e dos filmes do Oscarito e Grande Otelo, no
Cine Operário são José. Uma saudade muito danada dos meninos da minha rua
soltando papagaio, jogando bolinhas de gude matando passarinhos com bodoque e
jogando piorra. O tempo se incumbiu de manda-los para longe e eu nunca mais os
vi em sua maioria.
Saudade do
entra-e-sai na Sapataria do meu pai, onde havia um quadro de São Crispim na parede,
o protetor dos sapateiros. Saudade, também, da venda do Zé Lara onde buscava o
pão de manhã, enquanto a minha mãe coava o café.
--- O Grupo
Escolar Padre Américo... Ai que saudade doida, das professoras todas já
falecidas e os colegas repartidos pelo destino.
Saudade de sair pelas
ruas com uma carrocinha vendendo as laranjas de Dona Mariquinha do Sr. Chico
Freire e com isso ganhar uns trocados. Os nossos vizinhos; como eu gostava de passar à
porta de Dona Filomena Barros, vê-la fazer croché e ganhar o seu sorriso; como, também, observar o Sr. Erasto de
Barros, seu irmão de Dona Filomena, sempre nervoso e com o seu linguajar chulo. ------------- Muita saudade do Campo do Rio
Branco, que ficava abaixo da loja do Vicente Vilela. Aos domingos era dia de
futebol e a cidade toda descia a nossa rua... ----- É tanta coisa, é tanta saudade que não dá para
por tudo aqui. ----- E como
disse Clarice Lispector: Saudade é como fome,
só passa quando se come a presença.
E eu pergunto e se não tem presença? ---- Claro, não morre de saudade, mas morre com a saudade!
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e
Acasos.
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