Hoje, remexendo numa gaveta das minhas recordações, encontrei diversos conhecidos e amigos. Pessoas humildes, carentes, doentes e problemáticos com as quais eu convivi em Candeias. ----- Alguns ainda no meu tempo de criança e outros já na fase adulta. Pessoas falecidas e que viveram muito tempo sendo lembradas pelos candeenses e que aos poucos vão se desaparecendo da nossa história. Cito aqui alguns nomes cujas imagens eu guardo muito bem guardadas no cofre da minha memória.
---- Jonas, um negro gordo que vivia trauteando musica de sua cabeça, pelas ruas e nessas solfejadas se alguém risse ficava agressivo, e se tornava perigoso, principalmente perante as crianças. Candeias não tinha calçamento e era muito fácil para ele agredir a pedradas, pois seria fácil apanhar uma pedra. -----
----- Outro era o Matias. Esse era
inofensivo. Era um mulato miúdo que vivia montado num bambu o qual ele imitava
os corcovos e o trote de um cavalo. As crianças gostavam de perguntar o seu
nome para ver a dificuldade que tinha de dizer: Maaaatia Taaatá.
---- É difícil de esquecer, o negro magro, de chapéu de palha, de pouca prosa e quando bebia uns goles falava e cantava trazia consigo uma sanfona de oito baixos, na qual ele executava de forma interessante. Essa sanfona costumava cair pelo chão e não se sabe explicar como ainda continuava a funcionar. ---- Se alguém achasse graça das suas atitudes, ele embriagado mandava um nome feio e o mais comum era: “Vai desgraçado”, E ai é que a coisa ficava mesmo engraçada. Esse era o famoso "Quebra-gaio".
----João Ciganinho era um homem
muito humilde e talvez naquele momento, o homem mais conhecido da cidade. Tinha
uma dupla função, no tempo em que o cemitério São Francisco e a Sociedade de
São Vicente de Paula, eram comandados pela paróquia. Ciganinho era sempre visto
nos quatro cantos da cidade, trajado com o seu terno de brim surrado da cor do
chão e o seu chapéu de lebre desgastado. Levava sempre debaixo do braço uma
pequena pasta de cobrador das mensalidades dos contribuintes da Vila. -------
Naquele tempo em que a pobreza era bordada de carência a miséria era gritante,
muitos desses contribuintes eram tão pobres quanto os pobres da Vila, portanto,
muitos escondiam dele por falta de recursos para pagar as mensalidades.
A outra função de João Ciganinho era a de coveiro do Cemitério São Francisco. E como era o patriarca de uma penca de filhos, entre esses havia o Tiguinho que o ajudava na abertura das covas. ----- Na área onde está à pracinha do cemitério havia uma capela usada para guardar petrechos funerários e depositar defuntos que vinham das roças em padiolas, enquanto aguardavam a confecção do caixão coberto de pano roxo, que era fabricado na oficina do Sr. Nicodemos Salviano, sob encomenda. Não havia serviço funerário em Candeias nesse tempo.
---- Certa vez, quando João
Ciganinho e seu filho Tiguinho abriam uma cova e tendo começado a chover, foram
se esconder da chuva nessa capela, momento em que caiu um raio que o matou e deixou Tiguinho desmaiado. Foi uma tragédia que abalou Candeias
nesse dia.
----Finalmente eu quero me
concentrar num participante ativo da Festa do Rosário, no terno de Moçambique. Ele
todo vestido de branco, parecia até um anjo negro. E sempre quando eu o
perguntava: Como vai Chico? Ele dizia: “Nossa tô bão dimais, tô muito filiz e
agora mió ainda purque vou ganha um cigarrinho”. Chamava-se Chico Lordino e eu
gostava de presenteá-lo com um maço de cigarros. ---- A última vez que o vi já
estava residindo na Vila Vicentina e seu estado de saúde já era precário. ---- Com
as minhas ausências de Candeias, não sei se ainda vive. Se vive, deve estar
muito decadente. Chico era um pobre feliz e carismático. Todo mundo gostava
dele. ----
Certa vez, por ocasião das barraquinhas no adro da Igreja Matriz em reconstrução, festas cuja renda era destinada as obras da igreja, Chico subiu num caixote e fez o seguinte discurso: “Gente, oia nóis pricisa ajuda o Padre juaquim (Monsenhor Castro) na fabricação da igreja. Reza impé é bão, mas sentadinho é bem mió num é? Quando nóis chega lá incima, Deus arruma um banquinho pra nóis tamém”.
Certa vez, por ocasião das barraquinhas no adro da Igreja Matriz em reconstrução, festas cuja renda era destinada as obras da igreja, Chico subiu num caixote e fez o seguinte discurso: “Gente, oia nóis pricisa ajuda o Padre juaquim (Monsenhor Castro) na fabricação da igreja. Reza impé é bão, mas sentadinho é bem mió num é? Quando nóis chega lá incima, Deus arruma um banquinho pra nóis tamém”.
A vocês, Jonas, Matias, Quebra-Galho,
João Ciganinho, Tiguinho, onde quer que estejam com certeza estão na Graça de
Deus. ----
E a você Chico eu não tenho
notícias de sua morte, se morreu estará junto deles e com certeza assentado num
banquinho dado por Deus. --- Se ainda vive estará sendo abençoado.
Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário