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segunda-feira, 27 de maio de 2019

UM INFELIZ NATAL.

                                                     Foto para ilustrar o texto.


Apesar de ter sido um menino pobre, eu tive uma infância muito feliz. Com relação ao Papai Noel, eu posso dizer que os natais da época em que eu acreditava na existência do bom velhinho foram os mais felizes da minha vida. Mesmo pertencendo a uma família de parcos recursos, ---- meu pai era sapateiro, antes de vir a ser Oficial de Justiça. ---- Mas a pouca renda era muito bem administrada. 

Meus pais sempre souberam remediar as coisas e foram muito carinhosos. No verdor dos anos, tanto eu quanto os meus irmãos, tivemos muito carinho nas comemorações natalinas. O Natal nunca foi uma festa indiferente para nós. ---- Vivemos aquela doce ilusão de colocar os sapatos atrás da porta e, no outro dia, pela manhã, estarmos muito felizes com os presentes recebidos. Meu pai confeccionava os brinquedos. A cada ano, era um caminhãozinho diferente. Certa vez ele fez até uma bicicleta de madeira.

O meu caminhãozinho, por ser eu o filho mais velho, era o maior e vinha sempre carregado de balas e doces num saquinho com o nome de cada filho, coberto com uma lona. Era como um caminhão que chegara de viagem trazendo os presentes.

 As meninas eram presenteadas com pequenos bonecos de papelão fabricados, naquela época, por uma fabriqueta na cidade de Formiga e custavam baratinhos. Meu pai, que era muito criativo, sempre dava um toque neles para ficarem diferentes. ----- Às vésperas do natal, cada um colocava o seu sapatinho atrás da porta e no outro dia bem cedo era hora e ir correndo para vermos os presentes. ----- A alegria era muito grande—Enquanto nós os filhos ríamos, meus pais, não se continham na emoção e choravam.

  Não me lembro de ceia de natal nesse tempo. Cear na noite de natal foi um hábito que minha família veio adquirir muitos anos depois. ---- Sei que, no dia de natal, éramos levados até a Igreja Matriz para vermos o presépio e darmos as boas vindas ao Menino Jesus e rezarmos agradecendo ao Papai Noel pelos presentes recebidos.

O tempo incumbiu-se de roubar esta alegria do meu coração. Não pelo fato da descoberta da inexistência de Papai Noel. Quanto a esta questão, eu apenas fiquei triste no dia em que soube que ele foi uma inofensiva e gostosa mentira na minha vida.

 O motivo que me levou a sentir o natal distante do meu coração aconteceu quando eu presenciei um fato que está guardado no fundo dos meus olhos pelo resto da minha vida. De lá para cá, vi que o natal nada mais é do que uma simples medida das diferenças humanas. Naturalmente, trata-se muito mais de uma convenção comercial. Uma festa que nem sempre o homenageado está presente.


Eu morava em São Paulo e contava com os meus vinte e cinco anos de idade, quando fui convidado por uma família amiga, a passar o natal com eles. Uma pequena família portuguesa, formada por apenas a mãe e um filho solteirão. Dona Encarnação e o Toninho. Ele era um corretor de imóveis de pequeno porte, e eu o servia na parte da manhã, fazendo um bico como seu datilógrafo. 

Esse foi o primeiro natal em que eu passei longe de Candeias e da minha família. O fato de morar fora e distante, me permitira escolher uma das datas de fim de ano para passar em casa. Assim resolvi passar o dia de Ano Novo em Candeias junto dos meus familiares.


A ceia, com certeza, causaria muita inveja aos discípulos de Jesus Cristo. Imaginei que haveria, por ali, outros convidados devido a fartura e quantidade de iguarias expostas naquela mesa. Eu nunca teria visto em minha vida uma ceia tão pomposa como aquela. Sem dúvida, haveria, naquela mesa, comida para vinte pessoas. Subentendia-se que a velha portuguesa havia trabalhado horas e mais horas para organizar aquela ceia.


Começamos a comer e a velha não parava nem assentada e nem de pé. Enquanto eu dava uma garfada nas iguarias, ela colocava alguma coisa no meu prato e sempre dizendo: Sô Armando, coma isso --- beba isso e de quando em vez dizia: Coma “NOZES PORTUGUÊSAS”. Então, eu não suportava a vontade de rir e me divertia com os micos dos portugueses.


Dessa maneira, eu me encontrava ali, meio perdido, naquele ambiente diferente do meu meio, com a cabeça cheia de vinho português e a barriga cheia de peru, outras carnes, castanhas, nozes e sei lá mais o quê! ---- E a velha com aquela lereia o tempo todo nos meus ouvidos: coma isso; beba isso...

O português parecia um glutão e não era nada engraçado ver uma boca comer, falar e beber ao mesmo tempo. A velha dissera que outros convidados iriam aparecer, entretanto, somente eu compareci. Duvidei dessa aleatoriedade e imaginei que a ausência desses convidados poderia ser justificada pelo estilo em recepcionar um convidado. Eu já estava enfarado diante daquele arsenal de comida e da esganação daqueles dois.


Nos apartamentos vizinhos, o movimento cessava. Eram facilmente ouvidos os moradores que limpavam a sujeira de fim de festa e os restos eram jogados no tambor de lixo, estacionado à porta do prédio.


Já de madrugada, eu estava empanturrado e já não aguentava mais nem olhar para a mesa que ainda se encontrava, absolutamente, cheia, como se ninguém a tivesse tocado. Despedi-me dos anfitriões, agradecendo o carinho e a consideração e sai.

À frente do prédio, dei de cara com um quadro vivo: uma mulher remexia tal qual uma cadela de rua, no tambor de lixo e apanhava os restos dos banquetes e dava aos seus dois filhos, assentados à beira da calçada, o alimento lixoso que comiam educadamente. A mãe ainda dizia: “Olha que pedaço bonito”!

Da janela do terceiro andar, meninos riam daquele gesto infeliz. Parei, olhei e me emocionei quando aquela mãe, em um gesto desconfiado, olhou para mim e me perguntou: ----- “A gente pode mexê aqui, moço” ----- E eu, praticamente impotente, para respondê-la, fiz apenas um pequeno gesto com a cabeça dizendo que sim.


Fiquei aturdido diante daquele cenário cujo proscênio, sob o clarão da ribalta, mostrava uma ceia de natal cuja miséria humana era perspicaz. A desigualdade do poder em se fartar numa noite em que os sinos bimbalhavam nas torres das igrejas, da cidade engalanada comemorando o nascimento do Menino Jesus, ali, num canto da cidade de São Paulo, eu sentia o meu coração partido, espremido e o sumo me saindo pelos olhos.

Naquele momento, eu perguntei aos céus: por que aquela infelicidade no meu coração e tanta alegria nos olhos daquela mãe e de seus filhos miseráveis? E ao tentar responder a mim mesmo, não pude obter resposta. A vida é, realmente, cheia de mistérios insondáveis!


Hoje, quando me vem à memória de que Jesus nasceu em uma manjedoura, entre os ruminantes, posso entender que o natal é uma festa paradoxal, principalmente se houver carne de boi ou de porco porque o primeiro recebeu Cristo e O acolheu em sua manjedoura, assistiu ao Seu nascimento e Lhe deu aconchego com o seu bafo. ------ E o outro, por ser impuro e indigno, em uma festa oferecida a Jesus Cristo. Portanto, eu imagino que o natal deveria ser uma festa de pobre para pobre e que os mais aquinhoados acabaram, insensivelmente, alterando o seu real sentido. A prova maior disso é recebermos de um judeu ou de um ateu os votos de um “Feliz Natal”.


Eu queria falar de um natal feliz contudo, foi esse que me veio à mente.

Armando Melo de Castro.

Candeias MG Casos e Acasos.




Abaixo, outras crônicas:













terça-feira, 21 de maio de 2019

O MEU PÉ DE TANGERINA.



Hoje, de manhã, verifiquei que, nesta data, estou morando neste mesmo apartamento, aqui em Juiz de Fora, há seis anos e que jamais teria morado por tão longo tempo em uma única residência a não ser na casa de meus pais. -----

Aqui eu teria completado vinte e cinco mudanças de tetos sob os quais eu tenho vivido incluindo cidades, pensões e casas, no decorrer da minha vida como bancário e algumas já depois de aposentado. Parece-me que isso me fez acostumado com a vida de cigano. --- Nessas andanças aprendi que vida é uma estrada cheia de obstáculos. Nascemos, vivemos e morremos. Somos enganados logo que chegamos ao mundo no momento em que nos colocam na boca um bico seco no sentido de nos castrar o choro.

Aprendi, também, que viver é uma arte que exige paciência, fé em Deus e tranquilidade. ---- Gosto muito de lembrar o poeta Vicente de Carvalho quando disse que a felicidade existe sim, mas nós não a alcançamos porque está sempre onde a pomos e nunca a pomos onde nós estamos. --- Crescemos em um mundo negativo onde a mentira impera. Os mais velhos mentem e os políticos roubam quando deveriam ser modelos sociais omitindo, assim, a condição de seres exemplares.

Chegamos à vida adulta por um caminho no qual a tristeza vai lado a lado com a alegria que é sempre menor. A Obra da Criação de Deus é perfeita, entretanto, é constituída de linhas tortas que nem sempre são respeitadas ou entendidas. Com isso, toma conta de grande parte das pessoas o sentimento de inveja, de vingança, mentira e maldade. Isso são coisas que trazemos de nossa infância.

A verdade é que vivemos enganando e iludindo a nós mesmos. Isso se deve ao fato de sermos frágeis. Nascemos sem pedir, vivemos entre a cruz e a espada e morremos contra a vontade. Obviamente, queremos ir para o céu, todavia, sem a necessidade de morrermos para isso. 

O sentimento humano deveria ser trabalhado desde o dia do nascimento, todavia, não o é. Vivemos em um mundo viciado e o vício é contaminante. Os pais que deveriam ser os responsáveis, na realidade, são vítimas de um modelo social deturpado. E, com isso, somos dominados por sentimentos que retratam um sofrimento íntimo que vive corroendo o ser humano em sua grande maioria e destruindo o mundo encantado das crianças.

Em cada mudança de residência que fazemos parece que fica um pedaço da gente para trás. E nessa meditação, eu me lembro da primeira mudança que fiz na vida, quando eu contava dez anos de idade, minha família mudou-se da casa onde eu nasci na Rua Coronel João Afonso. Era uma velha casa vendida pelo meu pai, a fim de construir outra na mesma rua, porem num lote vago, na parte de baixo.

Essa mudança foi a primeira tristeza que entrou pelos meus olhos, registrou-se no meu cérebro e se acomodou no meu coração, hoje transformada em nostalgia.

Eu estava com meus dez anos de idade e ainda não tinha me deparado com a essência da vida. Naquele tempo, o céu era mais azul e as nuvens mais brancas. A velhice ainda não entendida e a morte pouco reconhecida. As minhas esperanças eram limitadas porque eu nem sabia o que esperar! ----- Eu não tinha expectativa para me formar em nada Não tinha uma televisão para me mostrar a ostentação da vida. Não tinha um rádio para ouvir uma canção que fosse alegre ou degradante. Não tinha um brinquedo de loja. O meu mundo era pobre e muito pequeno, porém, era imensamente e feliz.

E os limites deste mundo estavam no quintal da nossa casa que, em função daquela mudança, ficaria para trás. Assim, eram os meus amigos: o pé de lima da Pérsia, o pé de laranja, o pé de pêssego, o abacateiro e a minha preferida, a querida árvore na qual tantas vezes eu brinquei sob a sua sombra com o meu caminhãozinho construído pelo meu pai. Era o meu pé de tangerina pura sem mutação, hoje muito rara e que possuía frutos doces e saborosos dos quais eu nunca mais pude apreciar. A minha tangerineira era como a minha árvore de natal e os seus frutos eram os presentes vindos de Deus.

Despedi-me da minha árvore querida como um noivo que se despede da noiva ao ir para a guerra num banho de lágrimas. Assim, se não me engano, foi a primeira vez que chorei com o coração. E sempre, quando estou para me mudar de casa, ou vejo algum tipo de tangerina parecida, paira sobre minha mente, esta agressão emocional desencadeando uma dor incurável na forma de um rastro de saudade, que apesar de doída, é feliz.

"As crianças não têm passado e nem futuro; elas gozam o presente"                                                                                                                                                        --- Bruyère ---
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

sábado, 11 de maio de 2019

DIA DAS MÃES



Comemora-se hoje, 12 de maio de 2019, o dia das mães. -----Depois de 73 anos, tendo a minha tão querida mãe, hoje é o primeiro dia das mães que ela me falta. Está fazendo 73 dias que ela partiu chamada por Deus. --- 

Sinto-me tão pobre, tão frágil, no momento em que escrevo esta mensagem!... ----O destino é irônico, pois ela aguardava o dia de sua morte para completar 92 anos. ----- Entre todas as datas de comemoração, nenhuma é tão justa como esta do Dia das Mães. A mãe tem um significado de merecimento extremo por ser a inspiradora da vida humana. 

---- Eu deveria estar triste, muito triste, e às vezes, quase sou dominado por esse sentimento, mas procuro me controlar porque sei que Deus foi bom para comigo, deixando-me receber uma carga tão grande de amor materno durante tantos anos. ---- Estou sim, extremamente sensibilizado pela  sua ausência, mas entendo que ela não morreu, ela não faleceu, ela não me deixou. Ela está aqui bem dentro do meu coração, bem presente como sempre esteve na minha vida. Minha mãe continuará me amando e tratando-me como uma criança, assim como fez durante 73 anos. ---- 

Enquanto vida eu tiver, ela estará viva, bem viva para mim e eu estarei sempre guardando no peito a imagem querida do mais puro e do mais verdadeiro amor, o amor de minha querida mãe, minha querida Dona Luca, minha querida Luquinha, como assim eu brincava com ela. ---- 

E nesta oportunidade eu quero, simbolicamente, oferecer a todas as mães falecidas um cravo branco e às mães vivas um cravo vermelho, como também, homenageá-las com a magia do soneto, Ser Mãe, do poeta Coelho Neto:

SER MÃE
                 
         Ser mãe é desdobrar, fibra por fibra
o coração! Ser mãe é ter no alheio
lábio que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, o amor cantando vibra.

Ser mãe é ser um anjo, que se libra
Sobre um berço dormindo! É ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força, que os males equilibra!

Todo o bem, que a mãe goza, é bem do filho,
espelho, em que se mira afortunada,
luz, que lhe põe nos olhos novos brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!

Coelho Neto.


O meu abraço a todas as mães. (Armando)