Ela era chamada capela do cemitério. Ficava localizada no adro do Cemitério são Francisco e era usada para depositar pessoas mortas enquanto aguardava a confecção do caixão na oficina do Sr. Nicodemos Salviano, ou enquanto aguardava, também, o preparo da cova ou do tumulo.
Essa capela era bem usada pelas
pessoas da zona rural, que naquele tempo não tinham muito a preocupação de
virem morrer na cidade. Candeias não tinha o hospital e muitos moradores das
roças não tinham parentes na cidade. Muitos se tratavam lá pelo seu meio através
de curadores e quando morriam vinham transportados por um cortejo fúnebre com
uma meia dúzia de pessoas em padiolas toscas, do tipo de uma escada larga
improvisada de paus roliços coberto por um lençol, que às vezes dava para ver a
cara do defunto transportado.
O defunto ficava exposto na
capela do cemitério, enquanto alguém ia encomendar o caixão na oficina do Sr.
Nicodemos Salviano, e o responsável pelo cemitério furava a cova. Era comum ver
subir a Rua Coronel João Afonso, um cortejo desses transportado aos ombros dos
acompanhantes como se fosse um andor de santos. Também era comum ver gente
parada à porta da capela numa espécie de vigília a um defunto sobre uma mesa.João
Ciganinho era o responsável do cemitério numa certa época, e era ele que furava
as covas, com o auxilio do seu filho Tiguinho. Certa vez quando furavam uma cova, começou uma
trovoada e eles correram para se acomodar da chuva nessa capela. E exatamente
nesse momento cai um raio, que matou João Ciganinho e deixou Tiguinho
desmaiado.
Com a construção da praça no
adro do cemitério e a ociosidade que veio com o progresso tomar a capela, ela
foi desmanchada quando se encontrava em pleno estado de conservação.
Infelizmente em Candeias existe um espírito que gosta de desmanchar aquilo que
poderia ter sido conservado.
Paira sobre mim uma dúvida
nessa questão. Os caixões de defuntos eram feitos na oficina do Sr. Nicodemos,
pelo seu filho Antônio no dia da morte da pessoa. A gente sabia que alguém
havia morrido se passasse frente a oficina e visse o Antônio do Sr. Nico
fazendo um caixão. Mas nunca se ouvia falar que alguém teve problema no enterro
porque o oficial dos caixões estava viajando, doente oU com algum impedimento.
Não havia por lá um caixão a espera de um morto. Era sempre o morto que
aguardava o caixão.
As padiolas ficavam encostadas junto ao muro do cemitério. Eu ainda me lembro de vê-las ali onde se ajuntavam. Meu pai contava que quando era solteiro, morava na Rua Coronel João Afonso e quando a lenha se acabava ele corria lá no cemitério e colhia algumas padiolas daquelas para cozinhar feijão.
Parece triste esta história, mas a vida era tão boa... A gente só chorava quando levava um tropeção, tomava uns beliscões da mãe, sentia dor de dente ou outra dor qualquer. Mas no mais, Saudade? Eu nem sabia o que era isso...
Armando Melo de Castro.
por isso que eu digo. A minha Candeias era muito diferente.