Total de visualizações de página

domingo, 28 de junho de 2020

CHICO DO VIRIÇO.

                                                                   Lateral da Casa de Chico do Viriço.

Quando da minha infância havia em Candeias um curandeiro com o nome de Chico do Viriço. Suponho que originalmente lhe teria sido dado o apelido de Chico do Veríssimo no que virou “Chico do Viriço”.

Chico moldava um tipo caipira. Contava os seus setenta e tantos anos de idade; estatura média, barba rala e por fazer; cabelos grisalhos, meio encaracolados, maltratados e escondidos debaixo de um chapéu de lebre, surrado; --- pescoço grosso e rosto moreno. Demonstrava tranquilidade quando em silêncio com o seu olhar molengo; mas quando falava, tinha a voz alta o que lhe fazia quebrar aquele semblante suave. Possuía um sorriso caro... Sorrindo exibia uma dentadura cheia de dentes de ouro.

De quando em vez, tomava um porre e ficava valente, quando dizia que vivia entre Deus e o Diabo, mas que o diabo jamais poderia com as suas forças.

Torcedor fanático do Rio Branco Esporte Clube e durante as competições deste, com a cara cheia de pinga, se tornava violento e costumava puxar de uma faca e rabiscar o chão, numa forma clássica de insultar os torcedores adversários.

Certa vez, se envolveu até com o Padre Joaquim (Monsenhor Castro) o qual era torcedor da Associação Esportiva Candeense e teria apostado um engradado de cerveja com um dos ídolos do Rio Branco, o Passarinho.

Morava na esquina da Rua Pedro Vieira de Azevedo, com a Avenida Alvino Ferreira, que desce para a saída dos Cassianos, onde, hoje, está localizada a loja dematerial de construção do Silvio Foguete.

Era uma enorme casa já maltratada pelo tempo. Seus compartimentos eram amplos, portas e janelas pintadas de azul celeste, já desbotado, e as paredes descoradas. Havia como anexo da residência um cômodo de comercio fechado há anos e que teria sido, em outros tempos, o ponto de uma venda fuçada. A sala era extensa e dava lugar às pessoas que se acomodavam, nos diversos bancos, para receber a emanação espiritual.

Comumente eram vistos, em sua porta, diversos carros de outras cidades, às vezes, distantes e até mesmo de outros estados como, Rio de Janeiro e São Paulo. Nós, meninos, gostávamos de ir lá ler as placas dos carros. Certa vez, vi um carro da cidade de Volta Redonda... Achei muito esquisito uma cidade ter o nome, Volta Redonda... E isso foi motivo de muita conversa entre a meninada.

Hoje, considerando a distância entre essa cidade e Candeias, vejo o que faz o misticismo... Quando os místicos não conseguem cumprir o trabalho prometido alegam que o filho de Deus não tem fé. É como ir a uma farmácia comprar um remédio e para isso devido fosse, levar o sal para a manipulação desse medicamento. Infelizmente vivemos diante dessas aberrações.

Mas, voltando ao Chico, nas sextas e sábados o movimento era intenso. Eu sempre passava pela rua e ficava vendo aquelas benzeduras em voz alta e posso até recordar um pequeno trecho das rezas:

“A pedra dária tirada do fundo do mar vai brilha na vida docêis tudo. Ninhum padre, ninhum reverendo, ninhum bispo, ninhum arçabispo, ninhum papa pode rezá a missa sem a pedra dária...”.

Aquela leréia ia longe e o Chico com um rosário muito grande, feito de contas de coquinho jeribá, chegava até a porta e arremessava aquela enfiada para fora como se estivesse expurgando os males presentes naquela sala e dizendo em voz alta:

“Some daqui mal de satanais! Aqui ocê num fica não bicho iscumunguento! – Sai isprito ruim! Nois aqui é tudo fio de Deus!”

As pessoas que, por vez, iam passando em frente, nesse momento, adiantavam o passo para não receber aqueles fluidos negativos. E muitos nem ousavam passar frente a casa do Chico nas sextas feiras e sábados, porque o barulho era o dia todo.

Os meninos adoravam ver aquele teatro.
Para a maioria do povo de Candeias o Chico Viriço era um chalado. Porém, havia quem dizia que as suas “garrafadas” eram eficientes. Afinal, existem pessoas tão envolvidas com esse tipo de coisa que me deixa acreditando que, realmente, a fé remove montanhas...

Muita gente tinha vontade de visitá-lo, mas tinha receio de se expor naquela grande sala de sua casa que para os meninos, poderia ser comparada a um picadeiro de circo... Além disso, o aforismo “Daí de graça o que de graça recebeis”. Não funcionava por lá, mesmo porque, Chico cobrava pelos seus serviços de curandeirismo e os preços não eram nada módicos pelas rezas e beberagens...

Certa vez, já rapazinho, eu quis matar a minha curiosidade e fui lá participar daquele “jacá de superstição”. Ali eu descobri que os candidatos à benzedura deveriam tomar assento num imenso banco com a recomendação de se postarem sem cruzar braços e pernas.

Com o rosário na mão, dizendo começar o trabalho da limpeza dos males, dava-se inicio ao ritual, acompanhado por uma auxiliar que já teria avisado que as consultas com o medicastro deveriam ser após a realização dos ritos. Era ela semianalfabeta e com dificuldade, fazia as anotações de receitas e as vendas dos raizames. Ele, demagogicamente, dizia: “Eu não ponho a mão nos cobres”.

Começava perguntando ao primeiro da ponta da fila, qual seria o seu mal. Logo que a pessoa o respondia ele já começava:

“Deus crente Deus cremente assim como Deus num mente esse mal num vai adiente...”.

Era um vagão de ignorância... Enrolava o tal rosário nas pessoas e começava a bocejar e com os olhos lacrimejantes dizia:

------- “A coisa aqui hoje tá preta”! Ta muito carregada... O bicho tá sorto... Mais num tem nada não!... “Eu já boto esse bicho pá correr já, já...”.
“Vai sai!... Sai trem ruim! Eu to mandano. Aqui num te cabe não some... Vai pás profunda!”.


Próximo da sala havia um quartinho e o consultante entrava com ele. Era uma confidência observada simplesmente pelo consulente, porque ele querendo mostrar serviço e apregoar as suas virtudes para quem ficara na sala, falava em voz bem alta:

“Quem tá ai? Conta pra mim quem tá fazeno mal para o irmão... É preta? É branca? É véia ou é nova? - Ah é home? É preto? É branco? É gordo? É careca ou cabiludo?... É dentado ou disdentado?”

No fim, o cristão saia com uma garrafa de vinho de jabuticaba, caseiro, na mão com umas raízes que só Deus sabe o que era aquilo... Curando ou não, o dinheiro dele já estaria no “buraco do alfaiate”. Havia quem levasse duas, três e até quatro garrafadas... Ao custo de cinco cruzeirinhos cada, na época isso era, sem dúvida, um negócio da China.

Sebastião Freire um delegado, dos chamados “Calça curta” e que no passado eram nomeados por políticos, foi procurar o Chico Viriço, para fazer uma consulta sobre um mal que estaria incomodando uma de suas filhas.

Eis a receita: “Mata um urubu e tira a moela dele. Cozinha e dá o caldo para a menina tomá e fazê uma farofa da moela. Não come mais nada só isso em dois dias”.
Sebastião Freire esteve com uma espingarda nas costas durante três dias procurando um “agente funerário voador”, para lhe tirar a moela. Com dificuldade, conseguiu matar o “carniceiro” nas imediações dos fundos do matadouro municipal. Abriu-lhe a barriga a procura da moela e cadê moela? O urubu não tinha moela...

Indignado voltou a procurar o Chico e lhe disse:

---“Como você tem coragem de receitar uma coisa que não existe? Eu não achei moela dentro do urubu não! E você me fez de besta!... Quem disse a você que urubu tem moela Chico?”.

---“Uai sô! Urubu num tem muela não? Cê oiou direito Tião? Tinha qui tê uai!”—E ficou por isso mesmo.

Numa visita que fiz ao Chico junto de meu amigo Gabriel Carlos, esse teria dito:

“Isso é que se pode chamar de um curadorzinho de merda”.

NB) Nunca consegui saber que pedra “dária” seria essa.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.


sexta-feira, 26 de junho de 2020

CONHECENDO A MORTE.

 
                                                           CARLOS DOS REIS ALVES.

 
                               ESTE TEXTO FOI TRANSFERIDO PARA O LIVRO CANDEIAS MG CASOS E ACASOS

sábado, 20 de junho de 2020

COM CÍÚME DE SÃO BENEDITO.

                                                                                    São Benedito
A história católica diz que São Benedito nasceu na Itália e era Capuchinho. No mosteiro onde morava, exerceu várias funções, entre elas, a de cozinheiro. ---- Ele era, extremamente, preocupado com os mais pobres. Muitos o procuravam no mosteiro buscando sua ajuda, haja vista a falta de alimentação que os acometia. Muitas vezes, levado pelo seu sentimento caritativo, tomava de alimentos do convento e os escondia, entre suas vestes, a fim de levá-los para matar a fome dos necessitados.

Conta-se que, numa dessas saídas, seu Superior lhe surpreendeu, perguntando-lhe: “O que levas debaixo do seu manto, irmão Benedito?” E o santo responde, tranquilamente: “São Rosas, meu senhor”! E abrindo o manto, de fato, estavam as mais belas rosas no lugar dos alimentos, tirando a dúvida do Superior. ---- E, assim, aconteceu o primeiro milagre de São Benedito que ficou denominado como o milagre das rosas.

Existem duas imagens que representam São Benedito: Na primeira, ele está com o menino Jesus em seus braços e, na segunda, com flores nas mãos, como marca do seu primeiro milagre.

O santo negro, conhecido por Santo Preto, conquistou o coração dos católicos e é muito popular. Comumente, a sua imagem é vista nas cozinhas e dispensas dos brasileiros. Muitos católicos gostam de simbolizar a sua presença, oferecendo-lhe o primeiro café da manhã. Ele é o protetor dos cozinheiros e cozinheiras.

 Fé é fé. A fé pode parecer uma metáfora ou uma abstração. Bem dosada, ela serve de qualquer jeito. Desde que não pegue uma montanha em peso para removê-la ou que a sua obra não a faça morta. Mas, o pior é quando a fé se torna cega. A fé cega pertence aos que não a têm na sua essência. É a fé do egoísmo que se torna no espírito da coisa e por que não dizer que se torna em uma mercadoria que uma igreja charlatã, rouba do seu fornecedor e o transforma em freguês? 

O nome de são Benedito me faz dar uma olhadinha no retrovisor da minha vida, e ver Dona Ester, a minha grande amiga Dona Ester já comentada aqui neste Blog, num tempo quando fomos vizinhos na Rua Coronel João Afonso na década de 50. 

Após ter levado uma vida irregular sob os olhos da sociedade, Dona Ester se casou com o Sr. João de Paiva, o pedreiro Joãozinho, como era mais conhecido. Era um homem simples, cumpridor dos seus deveres. Tinha o hábito de tirar um dia, dentro de uma temporada, para mamar umas pingas. Ninguém sabia quando seria esse dia. Era sempre uma surpresa para toda a vizinhança e até mesmo para Dona Ester que começava falando e terminava chorando, quando o via naquele estado de embriaguez.

Joãozinho era o contraste de Dona Ester. Baixinho, careca, rosto miúdo e bastante branco. Olhos azuis, dentes quebrados, narigudo, orelha de abano, parecia um coelho. Barba rala e uma voz fanhosa e baixa. No seu dia-a-dia, era mais manso do que um pardal. Tratava bem a esposa, era respeitoso com ela e lhe entregava todo o dinheiro do trabalho. Até o pedaço de fumo era ela quem comprava para ele. Mas, se tomasse umas pingas, sua figura mudava completamente. Falava alto e o fanho da sua voz sumia. A porta de sua casa se transformava num picadeiro de circo. Ofendia tanto a pobre mulher, a ponto das pessoas sentirem pena dela. Ainda bem que isso acontecia de duas a três vezes por ano.

Na normalidade do cotidiano, Joãozinho chegava a sua casa, completamente, sóbrio, tomava o seu banho, jantava e assentava-se à porta da rua fazendo o seu cigarrinho de palha, onde sempre aparecia alguém para conversar.
Toda a vez que ouço falar de São Benedito, logo vem, na minha memória, a imagem de Joãozinho na porta de sua casa falando mal, em voz alta, de sua pobre mulher que se encontrava no interior da casa. Dona Ester era devota de São Benedito. Apesar de ter a cor parda, ela era neta de escravos e, talvez, por isso, se declarava devota de quase todos os santos negros, São Benedito, São Maurício, Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, e outros. Vivia fazendo novenas e oferecendo promessas aos seus santos. Entretanto, o Santo pelo qual ela dava uma atenção maior era para São Benedito. Estava sempre exclamando: “Meu São Benedito”!!! E aquilo, na hora que o Joãozinho estivesse turbinado, seria uma afronta a sua pessoa, uma afronta moral que dava início à encrenca.

Vejamos pois, o quanto o alcoolismo pode transformar uma pessoa, nessas raras vezes que Joãozinho se deixava dominar pelo álcool, ele mostrava o demônio que estava escondido dentro dele:

---Invém ocê de novo quesse diabo desse Santo Binidito, Muié? Eu já num te falei que num quero sabê desse nome aqui in casa? Mas, qui diabo, sô! Cadê os ôto santo preto qui ocê gosta? Purquê tem qui cê esse Binidito? Um santo quesse nome num fais milagre coisa ninhuma, sua vaca! Ocê puxa tanto o saco dele que dá até café pra ele, pois eu vô pô pinga pra ele, quero vê se ele fica tonto! Sua égua. Sua mula véia. Esse santo só fais ingrizia. Vê se arruma um santo mio pró cê ficá chamano. Quando cê berra o nome desse santo me dá vontade de te pô a mão. Vê lá se isso é nome de santo! Trem ruim. Isso é santo de figa. Se fosse um santo tão bão, num tinha dexado ocê passá fome, sua vaca! Ocê memo vive falano que passou fome. E onde qui tava esse santo negão que nunca te ajudô em nada.? Discarada! Safada das maió! Bisca ordinária! Cachorra sem dono! Quarqué cuisinha já vem: “ ai, meu São Binidito!!!” Eu sei, sua mula! Quando ocê fala o nome desse santo, ocê tá lembrando é do Jereba, aquele arriero safado, cachorro
sem vergonha, isploradô de muié, freqüentadô de cabaré! Aquele trem vagabundo morreu, mais ocê continua tarada com ele. Se ocê sonha arto com ele eu te mato. Eu tô de oio no seu sono, sua mula! Agora, quem trata dô cê é eu, intão ocê é só minha e tem qui tirá esse santo da cabeça porque esse diabo desse santo é uma discurpa amarela. Sua tarada!, Vaca, mula, égua, cachorra... Eu ainda vô morrê de raiva. Sua mula! Eu tenho nojo de tudo que é Binidito. Eu vô pidi a Deus pra me mandá pus infernos pra eu incontra quesse traia desse Binidito, fazedô de arreio.
Tinha qui tê um santo quesse nome. Isso é coisa do diabo. Só pode sê!

Moral da história: Dona Ester teria sido amante de Benedito Arreieiro e o trazia vivo na sua memória e Joãzinho tirava três dias, no ano, para desabafar o seu ciúme sobre aquilo que, talvez, pudesse observar sobre o comportamento de sua mulher em relação ao seu passado.

É como dizia a Rachel de Queiroz: “Eu queria contar uma história gentil, mas, só deu miséria”.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

segunda-feira, 15 de junho de 2020

A VISITA DE UM PORCO.



ESTE TEXTO FOI TRANSFERIDO PARA O LIVRO CANDEIAS MG CASOS E ACASOS.

domingo, 14 de junho de 2020

NO SILÊNCIO DAS BANANEIRAS!


 Às vezes, eu ouço dizer que o mundo de hoje está perdido. Que a pouca vergonha está tomando conta do mundo. --- Que, a continuar desse jeito, não se sabe aonde iremos parar. Que a vida, antigamente era mais fácil de ser vivida. Que o povo era mais honesto; o mundo mais saudável e uma gente mais séria, etc, etc... Quando ouço algum comentário dessa natureza, eu chego a ficar bobo como é que ainda existem pessoas tão cegas neste mundo a ponto de não reconhecer que a obra de Deus não merece regressão.

 A meu ver, nem tudo vem piorando e sim melhorando e muito. Ora, as pessoas que vivem há mais de cinquenta anos e dizem essas baboseiras, com certeza, possuem uma visão estreita. Isso porque podemos ver, a olho nu, que o mundo de hoje é muito melhor, é mais civilizado e mais adiantado em todos os sentidos. 

Dizer que a vida, antigamente, era melhor; que o povo era mais isso ou mais aquilo é querer cobrir o corpo com a língua. É verdade que, nos dias de hoje, a droga vem prejudicando a vida, mas antes a vida era a própria droga. As pessoas andavam com roupas remendadas, quase não havia aposentadorias, trabalhava-se de sol a sol e não tinha remuneração para tanto. Morria-se com doenças terríveis como sarampo, varicela, caxumba, gripe espanhola, gripe asiática. Dar a luz a um filho era o maior risco de vida; não se falava em cesariana e o parto era uma questão de vida e morte. Um parto complicado acabava com a morte do filho ou da mãe. Isso sem falar nas doenças desconhecidas. 

Não havia um diagnóstico como nos dias atuais e, também, não havia assistência social nenhuma. A miséria ardia aos olhos dos pobres. Faltava emprego, faltavam escolas, faltava luz elétrica sem falar em segurança, telefone, televisão, rádio. A lamparina, o banho de bacia, o pilão, as roupas remendadas, ainda faziam parte do nosso dia-a-dia Enfim, vivíamos num mundo pobre. Mais do que pobre, era miserável. Um mundo de cão. Hoje, não. Hoje, não chegamos a um patamar satisfatório, todavia, melhorou muito. Antes rico era rico e pobre era pobre. À bem da verdade, antes, nem os ricos viviam a vida dos pobres de hoje. 

Há dias, estive conversando com uma senhora que me veio com esse discurso e eu fiquei só ouvindo. Dizia-se escandalizada com a vida dos dias atuais, principalmente, com a pouca vergonha das pessoas, especialmente, das mulheres. Diante do exposto, tentei lhe mostrar que estava um tanto enganada com relação ao mundo antigo e o mundo moderno. Entretanto, como dizia Jesus Cristo: “O pior cego é aquele que não quer enxergar”.

É fácil analisar: Antes as pessoas faziam as coisas às escondidas e, atualmente, fazem à vista de todo mundo. Hoje um jovem transa com a vizinha e não está nem aí pelo que dizem. Um casal se casa e, se não deu certo, já parte para outra. Eu acho que o povo de hoje é muito mais prático. Não estão preocupados com os patrulheiros do alheio. Isso é uma questão cultural. É o conflito de gerações, natural na obra da criação de Deus. Sem esse conflito a vida para e não há progresso. E ainda tem mais: Todo mundo quer ser livre, quer ter liberdade; e a sociedade vive gritando a liberdade para todos e a libertinagem está na cabeça de cada um. Conclui-se que o melhor é acostumar-se com isso e deixar de criticar o comportamento dos outros.

Em época remota, tinha o tal do compadre estar andando com a comadre e isso fervilhava a língua do povo. A “pouca vergonha” acontecia muito em família. Sogro com a nora. Cunhado com cunhada. Padrinho com a afilhada e muito mais.

Certa vez, quase saiu morte aqui em Candeias por causa de um sogro que estava passarinhando, em grande volúpia, a sua digníssima nora, distinta esposa do seu filho e grande mãe do seu neto. Sogro e nora foram encontrados flutuando na própria cama do filho que viajava e voltou de repente. Isso aí deu pano pra manga. Deu água pra barba. Deu chulé no pé da cama e, por pouco, não deu um parricídio.

O mais engraçado é que as pessoas envolvidas pensam que ninguém está vendo. Vão se acostumando de tal forma com a coisa que passam a ficar desprovidos de cuidados. Enquanto isso, os patrulheiros vão esparramando a notícia e os curiosos querem ver aquilo que, antigamente, era chamado de pouca vergonha, e, hoje, vai perdendo a conotação com esse nome. Nos dias atuais, todo mundo tem vergonha de ser vergonhoso. O negócio hoje é se mostrar. Bobo é quem entra nesses assuntos. A conclusão é que cada um viva a sua vida porque quem fala muito pode estar se assentando no próprio rabo.

Bem de frente a minha antiga morada, na Rua Coronel João Afonso, existia uma velha casa abandonada, onde hoje está a residência do José Geraldo Eustáquio. Ali, teria sido a morada de uma senhora bastante idosa e que vivia sozinha. Pessoa simplória que tratava dos ratos e das baratas a quem ela os tinha como companhias. Essa senhora se chamava Maria do Fortunato. A coitada passou os seus últimos dias de vida na miséria sobre os cuidados da vizinhança. O quintal da sua casa era cheio de árvores frutíferas e mato. Os meninos moradores da rua viviam vasculhando os pés de amora, pitanga, laranja e limão da china. Nos fundos, havia uma grande moita de bananeira e, como o acesso para seu quintal era aberto, a meninada transitava, por ali, na maior tranquilidade.

Os cachos de bananas sumiam misteriosamente. Não se via quem os colhiam porque essa subtração era feita sempre à noite. A rua era quase escura e a luz que iluminava a cidade era muito fraca. Ainda não existia aqui em Candeias a Cemig. Era a Empresa de Força e Luz Candeense, de propriedade do Sr. Celestino Bonaccorsi. Essa penumbra poderia favorecer a entrada no quintal da velha casa sem ser visto nitidamente.

Meu primo Vicente, que contava uns doze anos de idade, se destacava entre a turma que vasculhava o quintal da velha. Teria ele encontrado um cacho de bananas amoitado que, com certeza, seria retirado, posteriormente, pelo autor do corte. Nessa condição, Vicente aguardou o silêncio da noite chegar para fazer aquilo que dá ao cristão, cem anos de perdão, ou seja, roubar um ladrão. Nessa expectativa, ficou o tempo todo aguardando a hora de cumprir a sua intenção.

Tão logo se viu dentro das condições para tal, atravessou a rua, adentrou o quintal da tapera e foi direto até a moita de bananeira para subtrair o belo cacho da fruta tão apreciada. Foi quando levou um susto danado. Voltou correndo para casa e contou para o seu pai que o espírito de Dona Maria estava gemendo na moita de bananas.

 Mas, o meu tio, supondo que poderia ser algum casal clandestino, não quis ir lá comprovar de que se tratava o barulho. Contudo, foi tomado por uma grande curiosidade no que lhe fez ficar de olho no buraco da janela. Nessas alturas do campeonato, todo mundo já procurava um buraco entre as janelas da frente da casa que eram duas. Era uma grande expectativa. Quem seria? Essa era a pergunta que todos formulavam e aguardavam a resposta.

Depois de algum tempo, viram sair primeiro a mulher. Foi uma surpresa total. Aliás, foi mais um susto do que surpresa quando reconheceram a nossa vizinha. Esposa de um grande amigo nosso. Aliás, amigos de todos da rua. Uma esposa muito dedicada ao marido e à sua ninhada de filhos em número de seis. Uma mulher sem atrativos; magra, nariz vermelho, olhos avermelhados, um fio de sobrancelhas, nádegas minguadas, seios tipo maracujá no ponto, rosto miúdo, dentes amarelados. As pernas eram finas, feito cabra. Sempre se trajando com um vestido modelado num só corte de fazenda barata. Enfim, só seria desejável por algum tarado porque o perfil da adúltera não poderia proporcionar um prazer que pudesse levar o nome de sexual. Seu marido, coitado! Gordinho, barrigudinho, baixinho, fraquinho, agora “chifrudão” e um pintinho dormindo em cima dos ovos. 

Todos estavam aguardando, ansiosos, pela “cara do cara.” Quando ele aparece, olhando para baixo e para cima, sem saber que estava sendo observado da casa defronte através dos buracos das janelas. Era dom Juan ou, talvez, o Rodolph Valentino numa imagem diferente: magro, alto, negro, braços fortes e pés grandes, talvez de tamanho 44 pra cima.

Depois desse dia, o meu tio, que tinha uma língua desassossegada, contava até o tempo em que os dois ficavam na moita trocando banana por maçã, como se fossem Adão e Eva no paraíso da bananeira. Sem deixar também de comentar sobre o tamanho dos pés do Dom Juan, calculando, com isso, a dimensão do seu inhame.

Pois ai está, meus amigos, antigamente uma mulher safada era chamada de “puta de bananeira” Tem quem pensa que os vizinhos, as comadres e compadres antigos eram mais sérios; pois as bananeiras e os lençóis de seda que o diga.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos




quinta-feira, 11 de junho de 2020

DOCES LEMBRANÇAS.

 
Defronto-me com um calendário de parede, ou seja, um prospecto comercial da Pharma Vita, a drogaria situada na Rua Coronel João Afonso Lamounier, 481A. ------ Diante disso, dou uma olhadinha no retrovisor da minha vida e bem lá do início desta estrada vejo a Rua Coronel João Afonso, antiga rua da ponte, da década de 40 de quando eu nasci em 1946.

Minha chegada ao mundo se deu bem ali no número 306, onde hoje reside o Sr. Milton Alves. ----- Meu Deus! Que saudade! Em cada número desta rua eu teria algo para contar, mas recordarei aqui apenas os números 481, que entendo ser a antiga casa de Dona Filomena Barros e 481A, onde residia sua filha Quinha, numa pequena casa edificada por detrás de um muro alto, com um portão de entrada, cuja área, creio, era o quintal de Dona Filomena.  

Não tenho certeza de quantos filhos Dona Filomena Barros tinha, mas lembro-me perfeitamente de quatro mulheres: Guiomar, Muca, Sota e Quinha. ----Guiomar era casada com Sílvio Barbeiro e residia no Rio de Janeiro. ---- Sota era casada com Majó --- Muca era minha madrinha e era solteirona------- Quinha era casada com Dedé do Alonso e tinham quatro filhos meus contemporâneos: Toinzinho, Márcio, Armando e Rosângela. Aliás, eu imagino que o meu nome tenha sido inspirado através do meu xará Armando, grande amigo meu.

Percorrendo os labirintos da minha memória, vejo madrinha Muca moribunda numa cama pouco antes de morrer numa visita em que lhe pedi a bênção. É a única lembrança que tenho dessa minha madrinha, falecida quando me encontrava ainda no verdor dos anos. 

Dona Quinha, cozinhando num fogão de lenha toldado de fumaça, enquanto o Xará aguardava uma trempe para fazer a goma de polvilho a fim de colar o papagaio que estávamos fazendo ali no terreiro. Os filhos de Dona Quinha faziam o melhor papagaio (Pipa) chupão, ou seja, aqueles que não utilizavam rabo e que empinavam com facilidade. E toda a meninada queria aprender com eles.

Dona Filomena e suas filhas estão juntas nos céus, inclusive alguns netos. Eu tenho saudade de passar na porta de Dona Filomena e vê-la tecendo alguma coisa e observando os passantes, por cima dos óculos. Esteja com Deus Dona Filomena, juntamente com as suas filhas e netos. Onde quer que estejam, receba o meu abraço saudoso e em especial à minha madrinha Muca e ao meu amigo Armando.

Entre a porta da casa de Dona Filomena e a garagem do Sr. Raimundo Bernardino de Sena, (O Raimundo do Mariano) então prefeito da cidade, havia uma árvore. E por ocasião do mandato do Sr. Raimundo, essa árvore localizada no limite da rua, foi podada, transportada e transplantada para alguns metros defronte a então residência do Sr. Emídio Alves, hoje o Velório da Funerária N.S. das Candeias.

Esta transplantação de uma árvore adulta – lembra-me bem - causou um grande boato entre os curiosos que chegavam a dizer que o prefeito não estaria bom da cabeça. Mesmo porque, foi ele mesmo quem dirigiu a ação, afirmando que em breve a árvore estaria brotada. E para vexame da maioria, a árvore lá está até hoje depois de mais de cinquenta anos.

Quando busco nas minhas memórias um dia de aperto... Um dia de susto... Um dia que a viagem da minha vida poderia ter sido interrompida, eu me lembro do dia 1º de janeiro de 1958 quando eu estava prestes a completar doze anos de vida. Bem de frente de onde está situado o número 481 A, havia então, uma caixa de registro da rede de fornecimento de água da Prefeitura. Nesta época eram comuns essas pequenas caixas com registros, a fim de equilibrar o fornecimento. Cada rua tinha o seu registro e um determinado tempo para provisão. A rua não tinha calçamento e nem passeios, portanto andávamos pelo meio da rua. Eu gostava de passar por aquela caixa e dar um pulo sobre a sua tampa num gesto de menino travesso.

Eram sete horas da noite e eu voltava para a minha casa após ter assistido a bênção do santíssimo, celebrada aos domingos pelo Padre Joaquim. Naquele tempo não havia missas vespertinas. - Ao sair da Igreja Matriz, deu-se início a uma grande tempestade. E ao descer a Rua Coronel João Afonso, eu não fiz como de costume, caminhar pelo meio da rua, fui um trilho ao lado do muro.  Bem no rumo da referida caixa, a dez metros de mim, caiu um raio deixando-me em total desespero diante daquele cheiro forte de pólvora queimada...

Cheguei a minha casa totalmente atordoado, causando grande susto aos meus pais. No outro dia verificava-se que o raio havia arrancado a caixa de cimento de sua instalação deixando-a com a parte inferior virada para cima. Aos 74 anos de idade toda vez em que vejo uma tempestade busco nas minhas convicções o fato de que ninguém morre fora de sua hora...

Mas, voltando ao prospecto da PHARMA VITA, penso aqui agora: Eu nunca imaginei que na minha rua fosse ter, um dia, uma farmácia... Teria sido muita falta de humildade pensar uma coisa dessas naquele tempo... Portanto, isso me faz sentir feliz... Parabéns farmacêutica, Srta. Maria Amélia fundadora da Pharma Vita, por ter escolhido a minha rua, que já não é tão minha, para fincar o seu estabelecimento promotor de saúde... Ai nesse ponto, da minha tão querida Candeias, no alvorecer da minha vida, eu vi cair um raio próximo de mim, mas também, vi subir uma pipa diante dos meus olhos brilhantes... Vi uma árvore adulta renascer cheia de viço... E vi a morte levando a minha madrinha... Só não vi a tristeza porque eu não a conhecia e o meu coração era só a alegria de um novato da vida.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

terça-feira, 2 de junho de 2020

O MEU AMIGO ERASTO DE BARROS.


 Certa vez a minha filha Bruna, que nunca havia comido caqui, me perguntou qual o gosto da fruta. Eu lhe disse que o caqui, quando bem maduro, tem o gosto doce da saudade. A minha resposta, um tanto abstrata, tinha a ver com a saudade que guardo dentro de mim desde a minha infância quando comi, pela primeira vez, um caqui.

Foi um presente do Sr. Erasto de Barros, meu amigo desde quando eu era um menino, éramos vizinhos, na Rua Coronel João Afonso. Ele tinha, no quintal de sua casa, um pomar com várias árvores frutíferas e, entre elas, estava um caquizeiro. Seria, talvez, o único da cidade naquele tempo quando muita gente, em Candeias, tomou conhecimento da existência desta fruta através da gentileza do Sr. Erasto de Barros, que gostava de presentear os amigos com aquela fruta incomum nos pomares candeenses.

Trata-se, o caqui, de uma fruta bastante nutritiva. Existem dela diversas variedades, contudo as mais conhecidas no Brasil são o caqui-chocolate e o caqui rama forte.  É um fruto de cor vermelha e de consistência macia e fibrosa. A casca do caqui-chocolate, porém, possui cor alaranjada. E um sabor, muito doce. É típico de regiões de clima tropical e subtropical. Cerca de 70 a 80% do caqui é composto por água. É uma fruta rica em proteínas, cálcio, ferro e licopeno. Em média, cada 100 gramas de caqui possui 75 calorias. Em termos de vitaminas, é rico em vitaminas E, A, B1 e B2. A China é o país de origem deste fruto. O caqui pode ser confundido com um tipo de tomate.

Como eu dizia, o caqui bordeja na minha memória a imagem marcante do senhor, Erasto de Barros. Não só como porteiro da Escola Estadual Padre Américo, onde estudei, como também na sua vida rotineira. Acredito que é por esse motivo que, toda vez que vejo ou me falam do caqui, vem à tona de minha memória, a imagem simpática do meu amigo Erasto de Barros. -----

O seu ponto predileto era o Bar Piloto, antiga parada de ônibus, quando ainda não existia em Candeias o terminal rodoviário. O ônibus que fazia a linha de São Paulo era como um amigo para ele porque levava e trazia o seu filho, Ademir. Quando Ademir estava para vir a Candeias a cidade toda tomava conhecimento pela felicidade em que ficava Sô Erasto. Entretanto, quando Ademir voltava era notório o seu semblante de tristeza.

Ninguém se ofendia com o jeitão rústico do Sr. Erasto de Barros. A sua imagem emitia uma pureza de alma e uma espontaneidade tão grande que as pessoas o respeitava muito, até mesmo diante de uma tirada ofensiva em um dos seus momentos de explosão. -----

Um homem que tinha um coração que mal cabia dentro de si. Chorava por qualquer coisa. Era um excelente pai de família. Tratava com dignidade a sua esposa Maria e com total esmero os seus filhos, Cidinha, Ademir, Ademar e Mauro. Um homem nervoso. O seu palavreado, às vezes vulgar, não condizia com o seu real comportamento. Homem honesto, trabalhador, correto em todos os sentidos.Mas, o seu temperamento era explosivo. Quando lhe pisavam no calo, não deixava para depois o que poderia falar na hora. -----

As pessoas o incitavam porque ele se tornava uma pessoa engraçada, bastante engraçada quando respondia por uma brincadeira de mau gosto e que ele a levava a serio. Era uma criança sem maldade. Acreditava fácil em boatos fáceis. Boatos feitos, propositalmente, para vê-lo responder irritado.

Quando um de seus filhos fazia alguma coisa errada, ele vinha com aquele seu rompante de trovão e dizia: “Eu vou te matar!” – Tirava o seu sinto, mas, as lambadas iam para o ar, pois, nenhuma acertava o filho arteiro. Ele tentava apenas assustá-lo, enquanto o menino caia na risada de não ser atingido pelo cinto.

Se algum de seus filhos ia para rua e demorava a voltar, ele saía, em busca de encontrá-lo, gesticulando com as mãos e falando sozinho: “Hoje, eu esfrego a cara do Demi no chão” Na época em que seus filhos saíram de casa para ganhar a vida em outra cidade, Sr. Erasto quase morria.

Lembro-me quando fui para São Paulo e estive morando em uma república com o seu filho, Ademir. E assim que eu cheguei a Candeias ele foi logo à minha casa e eu tive que contar nos mínimos detalhes tudo que se passava com o Ademir, em São Paulo. Para tranquilizá-lo, era preciso reproduzir tintim por tintim como era a vida de seu filho. Os problemas rotineiros enfrentados por um jovem que saía de casa, eu não poderia contar porque isso poderia levá-lo às lágrimas. ---

Na época de eleição, Sô Erasto ficava, constantemente, agitado. Tudo que lhe dizia ele acreditava. As pessoas que conheciam o seu jeito de ser e o seu linguajar rude incitavam-no para vê-lo hilariante. --- Certa vez o Titoco, um amigo meu, que era muito brincalhão disse-lhe: “Eu ouvi dizer que o senhor vai se candidatar para vereador no partido do Zé do Anjo, Sô Erasto?” --- E a resposta foi na tampa. Irritado ele disse: “Vou candidatar é no seu rabo!”.

Meu querido Sr. Erasto de Barros, onde quer que esteja, receba o meu grande abraço. 

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos