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domingo, 28 de junho de 2020

CHICO DO VIRIÇO.

                                                                   Lateral da Casa de Chico do Viriço.

Quando da minha infância havia em Candeias um curandeiro com o nome de Chico do Viriço. Suponho que originalmente lhe teria sido dado o apelido de Chico do Veríssimo no que virou “Chico do Viriço”.

Chico moldava um tipo caipira. Contava os seus setenta e tantos anos de idade; estatura média, barba rala e por fazer; cabelos grisalhos, meio encaracolados, maltratados e escondidos debaixo de um chapéu de lebre, surrado; --- pescoço grosso e rosto moreno. Demonstrava tranquilidade quando em silêncio com o seu olhar molengo; mas quando falava, tinha a voz alta o que lhe fazia quebrar aquele semblante suave. Possuía um sorriso caro... Sorrindo exibia uma dentadura cheia de dentes de ouro.

De quando em vez, tomava um porre e ficava valente, quando dizia que vivia entre Deus e o Diabo, mas que o diabo jamais poderia com as suas forças.

Torcedor fanático do Rio Branco Esporte Clube e durante as competições deste, com a cara cheia de pinga, se tornava violento e costumava puxar de uma faca e rabiscar o chão, numa forma clássica de insultar os torcedores adversários.

Certa vez, se envolveu até com o Padre Joaquim (Monsenhor Castro) o qual era torcedor da Associação Esportiva Candeense e teria apostado um engradado de cerveja com um dos ídolos do Rio Branco, o Passarinho.

Morava na esquina da Rua Pedro Vieira de Azevedo, com a Avenida Alvino Ferreira, que desce para a saída dos Cassianos, onde, hoje, está localizada a loja dematerial de construção do Silvio Foguete.

Era uma enorme casa já maltratada pelo tempo. Seus compartimentos eram amplos, portas e janelas pintadas de azul celeste, já desbotado, e as paredes descoradas. Havia como anexo da residência um cômodo de comercio fechado há anos e que teria sido, em outros tempos, o ponto de uma venda fuçada. A sala era extensa e dava lugar às pessoas que se acomodavam, nos diversos bancos, para receber a emanação espiritual.

Comumente eram vistos, em sua porta, diversos carros de outras cidades, às vezes, distantes e até mesmo de outros estados como, Rio de Janeiro e São Paulo. Nós, meninos, gostávamos de ir lá ler as placas dos carros. Certa vez, vi um carro da cidade de Volta Redonda... Achei muito esquisito uma cidade ter o nome, Volta Redonda... E isso foi motivo de muita conversa entre a meninada.

Hoje, considerando a distância entre essa cidade e Candeias, vejo o que faz o misticismo... Quando os místicos não conseguem cumprir o trabalho prometido alegam que o filho de Deus não tem fé. É como ir a uma farmácia comprar um remédio e para isso devido fosse, levar o sal para a manipulação desse medicamento. Infelizmente vivemos diante dessas aberrações.

Mas, voltando ao Chico, nas sextas e sábados o movimento era intenso. Eu sempre passava pela rua e ficava vendo aquelas benzeduras em voz alta e posso até recordar um pequeno trecho das rezas:

“A pedra dária tirada do fundo do mar vai brilha na vida docêis tudo. Ninhum padre, ninhum reverendo, ninhum bispo, ninhum arçabispo, ninhum papa pode rezá a missa sem a pedra dária...”.

Aquela leréia ia longe e o Chico com um rosário muito grande, feito de contas de coquinho jeribá, chegava até a porta e arremessava aquela enfiada para fora como se estivesse expurgando os males presentes naquela sala e dizendo em voz alta:

“Some daqui mal de satanais! Aqui ocê num fica não bicho iscumunguento! – Sai isprito ruim! Nois aqui é tudo fio de Deus!”

As pessoas que, por vez, iam passando em frente, nesse momento, adiantavam o passo para não receber aqueles fluidos negativos. E muitos nem ousavam passar frente a casa do Chico nas sextas feiras e sábados, porque o barulho era o dia todo.

Os meninos adoravam ver aquele teatro.
Para a maioria do povo de Candeias o Chico Viriço era um chalado. Porém, havia quem dizia que as suas “garrafadas” eram eficientes. Afinal, existem pessoas tão envolvidas com esse tipo de coisa que me deixa acreditando que, realmente, a fé remove montanhas...

Muita gente tinha vontade de visitá-lo, mas tinha receio de se expor naquela grande sala de sua casa que para os meninos, poderia ser comparada a um picadeiro de circo... Além disso, o aforismo “Daí de graça o que de graça recebeis”. Não funcionava por lá, mesmo porque, Chico cobrava pelos seus serviços de curandeirismo e os preços não eram nada módicos pelas rezas e beberagens...

Certa vez, já rapazinho, eu quis matar a minha curiosidade e fui lá participar daquele “jacá de superstição”. Ali eu descobri que os candidatos à benzedura deveriam tomar assento num imenso banco com a recomendação de se postarem sem cruzar braços e pernas.

Com o rosário na mão, dizendo começar o trabalho da limpeza dos males, dava-se inicio ao ritual, acompanhado por uma auxiliar que já teria avisado que as consultas com o medicastro deveriam ser após a realização dos ritos. Era ela semianalfabeta e com dificuldade, fazia as anotações de receitas e as vendas dos raizames. Ele, demagogicamente, dizia: “Eu não ponho a mão nos cobres”.

Começava perguntando ao primeiro da ponta da fila, qual seria o seu mal. Logo que a pessoa o respondia ele já começava:

“Deus crente Deus cremente assim como Deus num mente esse mal num vai adiente...”.

Era um vagão de ignorância... Enrolava o tal rosário nas pessoas e começava a bocejar e com os olhos lacrimejantes dizia:

------- “A coisa aqui hoje tá preta”! Ta muito carregada... O bicho tá sorto... Mais num tem nada não!... “Eu já boto esse bicho pá correr já, já...”.
“Vai sai!... Sai trem ruim! Eu to mandano. Aqui num te cabe não some... Vai pás profunda!”.


Próximo da sala havia um quartinho e o consultante entrava com ele. Era uma confidência observada simplesmente pelo consulente, porque ele querendo mostrar serviço e apregoar as suas virtudes para quem ficara na sala, falava em voz bem alta:

“Quem tá ai? Conta pra mim quem tá fazeno mal para o irmão... É preta? É branca? É véia ou é nova? - Ah é home? É preto? É branco? É gordo? É careca ou cabiludo?... É dentado ou disdentado?”

No fim, o cristão saia com uma garrafa de vinho de jabuticaba, caseiro, na mão com umas raízes que só Deus sabe o que era aquilo... Curando ou não, o dinheiro dele já estaria no “buraco do alfaiate”. Havia quem levasse duas, três e até quatro garrafadas... Ao custo de cinco cruzeirinhos cada, na época isso era, sem dúvida, um negócio da China.

Sebastião Freire um delegado, dos chamados “Calça curta” e que no passado eram nomeados por políticos, foi procurar o Chico Viriço, para fazer uma consulta sobre um mal que estaria incomodando uma de suas filhas.

Eis a receita: “Mata um urubu e tira a moela dele. Cozinha e dá o caldo para a menina tomá e fazê uma farofa da moela. Não come mais nada só isso em dois dias”.
Sebastião Freire esteve com uma espingarda nas costas durante três dias procurando um “agente funerário voador”, para lhe tirar a moela. Com dificuldade, conseguiu matar o “carniceiro” nas imediações dos fundos do matadouro municipal. Abriu-lhe a barriga a procura da moela e cadê moela? O urubu não tinha moela...

Indignado voltou a procurar o Chico e lhe disse:

---“Como você tem coragem de receitar uma coisa que não existe? Eu não achei moela dentro do urubu não! E você me fez de besta!... Quem disse a você que urubu tem moela Chico?”.

---“Uai sô! Urubu num tem muela não? Cê oiou direito Tião? Tinha qui tê uai!”—E ficou por isso mesmo.

Numa visita que fiz ao Chico junto de meu amigo Gabriel Carlos, esse teria dito:

“Isso é que se pode chamar de um curadorzinho de merda”.

NB) Nunca consegui saber que pedra “dária” seria essa.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.


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