Quando da minha infância havia em Candeias um curandeiro com o
nome de Chico do Viriço. Suponho que originalmente lhe teria sido dado o
apelido de Chico do Veríssimo no que virou “Chico do Viriço”.
Chico moldava um tipo caipira. Contava os seus
setenta e tantos anos de idade; estatura média, barba rala e por fazer; cabelos
grisalhos, meio encaracolados, maltratados e escondidos debaixo de um chapéu de
lebre, surrado; --- pescoço grosso e rosto moreno. Demonstrava tranquilidade
quando em silêncio com o seu olhar molengo; mas quando falava, tinha a voz alta
o que lhe fazia quebrar aquele semblante suave. Possuía um sorriso caro...
Sorrindo exibia uma dentadura cheia de dentes de ouro.
De quando em vez, tomava um porre e ficava
valente, quando dizia que vivia entre Deus e o Diabo, mas que o diabo jamais
poderia com as suas forças.
Torcedor fanático do Rio Branco Esporte Clube e
durante as competições deste, com a cara cheia de pinga, se tornava violento e
costumava puxar de uma faca e rabiscar o chão, numa forma clássica de insultar
os torcedores adversários.
Certa vez, se envolveu até com o Padre Joaquim
(Monsenhor Castro) o qual era torcedor da Associação Esportiva Candeense e
teria apostado um engradado de cerveja com um dos ídolos do Rio Branco, o
Passarinho.
Morava na esquina da Rua Pedro Vieira de
Azevedo, com a Avenida Alvino Ferreira, que desce para a saída dos Cassianos,
onde, hoje, está localizada a loja dematerial de construção do Silvio Foguete.
Era uma enorme casa já maltratada pelo tempo.
Seus compartimentos eram amplos, portas e janelas pintadas de azul celeste, já
desbotado, e as paredes descoradas. Havia como anexo da residência um cômodo de
comercio fechado há anos e que teria sido, em outros tempos, o ponto de uma
venda fuçada. A sala era extensa e dava lugar às pessoas que se acomodavam, nos
diversos bancos, para receber a emanação espiritual.
Comumente eram vistos, em sua porta, diversos
carros de outras cidades, às vezes, distantes e até mesmo de outros estados
como, Rio de Janeiro e São Paulo. Nós, meninos, gostávamos de ir lá ler as
placas dos carros. Certa vez, vi um carro da cidade de Volta Redonda... Achei
muito esquisito uma cidade ter o nome, Volta Redonda... E isso foi motivo de
muita conversa entre a meninada.
Hoje, considerando a distância entre essa
cidade e Candeias, vejo o que faz o misticismo... Quando os místicos não
conseguem cumprir o trabalho prometido alegam que o filho de Deus não tem fé. É
como ir a uma farmácia comprar um remédio e para isso devido fosse, levar o sal
para a manipulação desse medicamento. Infelizmente vivemos diante dessas
aberrações.
Mas, voltando ao Chico, nas sextas e sábados o
movimento era intenso. Eu sempre passava pela rua e ficava vendo aquelas
benzeduras em voz alta e posso até recordar um pequeno trecho das rezas:
“A pedra dária tirada do fundo do mar vai
brilha na vida docêis tudo. Ninhum padre, ninhum reverendo, ninhum bispo,
ninhum arçabispo, ninhum papa pode rezá a missa sem a pedra dária...”.
Aquela leréia ia longe e o Chico com um
rosário muito grande, feito de contas de coquinho jeribá, chegava até a porta e
arremessava aquela enfiada para fora como se estivesse expurgando os males
presentes naquela sala e dizendo em voz alta:
“Some daqui mal de satanais! Aqui ocê num fica
não bicho iscumunguento! – Sai isprito ruim! Nois aqui é tudo fio de Deus!”
As pessoas que, por vez, iam passando em
frente, nesse momento, adiantavam o passo para não receber aqueles fluidos
negativos. E muitos nem ousavam passar frente a casa do Chico nas sextas feiras
e sábados, porque o barulho era o dia todo.
Os meninos adoravam ver aquele teatro.
Para a maioria do povo de Candeias o Chico
Viriço era um chalado. Porém, havia quem dizia que as suas “garrafadas” eram
eficientes. Afinal, existem pessoas tão envolvidas com esse tipo de coisa que
me deixa acreditando que, realmente, a fé remove montanhas...
Muita gente tinha vontade de visitá-lo, mas
tinha receio de se expor naquela grande sala de sua casa que para os meninos,
poderia ser comparada a um picadeiro de circo... Além disso, o aforismo “Daí de
graça o que de graça recebeis”. Não funcionava por lá, mesmo porque, Chico
cobrava pelos seus serviços de curandeirismo e os preços não eram nada módicos
pelas rezas e beberagens...
Certa vez, já rapazinho, eu quis matar a minha
curiosidade e fui lá participar daquele “jacá de superstição”. Ali eu descobri
que os candidatos à benzedura deveriam tomar assento num imenso banco com a
recomendação de se postarem sem cruzar braços e pernas.
Com o rosário na mão, dizendo começar o
trabalho da limpeza dos males, dava-se inicio ao ritual, acompanhado por uma
auxiliar que já teria avisado que as consultas com o medicastro deveriam ser
após a realização dos ritos. Era ela semianalfabeta e com dificuldade, fazia as
anotações de receitas e as vendas dos raizames. Ele, demagogicamente, dizia:
“Eu não ponho a mão nos cobres”.
Começava perguntando ao primeiro da ponta da
fila, qual seria o seu mal. Logo que a pessoa o respondia ele já começava:
“Deus crente Deus cremente assim como Deus num
mente esse mal num vai adiente...”.
Era um vagão de ignorância... Enrolava o tal
rosário nas pessoas e começava a bocejar e com os olhos lacrimejantes dizia:
------- “A coisa aqui hoje tá preta”! Ta muito
carregada... O bicho tá sorto... Mais num tem nada não!... “Eu já boto esse
bicho pá correr já, já...”.
“Vai sai!... Sai trem ruim! Eu to mandano.
Aqui num te cabe não some... Vai pás profunda!”.
Próximo da sala havia um quartinho e o
consultante entrava com ele. Era uma confidência observada simplesmente pelo
consulente, porque ele querendo mostrar serviço e apregoar as suas virtudes
para quem ficara na sala, falava em voz bem alta:
“Quem tá ai? Conta pra mim quem tá fazeno mal
para o irmão... É preta? É branca? É véia ou é nova? - Ah é home? É preto? É
branco? É gordo? É careca ou cabiludo?... É dentado ou disdentado?”
No fim, o cristão saia com uma garrafa de
vinho de jabuticaba, caseiro, na mão com umas raízes que só Deus sabe o que era
aquilo... Curando ou não, o dinheiro dele já estaria no “buraco do alfaiate”.
Havia quem levasse duas, três e até quatro garrafadas... Ao custo de cinco
cruzeirinhos cada, na época isso era, sem dúvida, um negócio da China.
Sebastião Freire um delegado, dos chamados “Calça
curta” e que no passado eram nomeados por políticos, foi procurar o Chico
Viriço, para fazer uma consulta sobre um mal que estaria incomodando uma de
suas filhas.
Eis a receita: “Mata um urubu e tira a moela
dele. Cozinha e dá o caldo para a menina tomá e fazê uma farofa da moela. Não
come mais nada só isso em dois dias”.
Sebastião Freire esteve com uma espingarda nas
costas durante três dias procurando um “agente funerário voador”, para lhe
tirar a moela. Com dificuldade, conseguiu matar o “carniceiro” nas imediações
dos fundos do matadouro municipal. Abriu-lhe a barriga a procura da moela e
cadê moela? O urubu não tinha moela...
Indignado voltou a procurar o Chico e lhe
disse:
---“Como você tem coragem de receitar uma
coisa que não existe? Eu não achei moela dentro do urubu não! E você me fez de
besta!... Quem disse a você que urubu tem moela Chico?”.
---“Uai sô! Urubu num tem muela não? Cê oiou
direito Tião? Tinha qui tê uai!”—E ficou por isso mesmo.
Numa visita que fiz ao Chico junto de meu amigo
Gabriel Carlos, esse teria dito:
“Isso é que se pode chamar de um curadorzinho
de merda”.
NB) Nunca consegui saber que pedra “dária”
seria essa.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.
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