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segunda-feira, 31 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI


  

                                                       


A festa de Corpus Christi, comemorada no mês de junho em Candeias, ainda desperta em mim de forma memorável, o verdor dos meus anos. Busco as alegrias com as quais convivi, sem saber que com elas viriam muitas dificuldades que a vida nos oferece... Eram outros tempos!

 Dizer que a vida era melhor que nos dias atuais seria incoerência com a ordem das coisas. Mas o primor da infância me confunde e, às vezes, fico pensando se sou eu que estou mudado ou o mundo... Se o povo era mais inocente ou mais singelo... Se mais sábio ou ignorante... Se mais honesto ou mais consciente... Enfim, fico indeciso. E diante da indecisão, sinto-me como o “Burro de Buridan”: com sede e com fome, perto de um balde de farelo e outro com água, acabou morrendo indeciso sobre o que fazer primeiro se bebia ou se comia.

 O tempo era das vacas magras. Pouca carne e pouco frango; pouco dinheiro, pouco trabalho. A pobreza era mais abundante. O viver era um tanto limitado em todos os sentidos. Poucas mudas de roupas, das quais, uma era designada especialmente para a igreja, cujo uso era exclusivo e restrito. Ir à missa aos domingos pela manhã e a bênção do Santíssimo à noite era um dever dogmático, bem como participar de todos os eventos da igreja; sempre empanados na mesma “roupinha de ver Deus.” E a gente não se envergonhava como hoje muita gente se envergonha de ser pobre. A vida talvez fosse mais difícil, mas a idade nos fazia feliz. E foi numa missa de Corpus Christi que ficou cravado nas paredes da minha memória um fato acontecido dentro da antiga matriz:

 A matriz antiga era menor e me parece que havia mais gente do que nos dias atuais. O povo candeense tinha muito compromisso, não tanto com Deus, mas com a igreja ou com o pároco, e, além disso, não existiam outras instituições religiosas estabelecidas em Candeias, como nos dias atuais, era somente a Igreja Católica.  O pároco que era candeense, Padre Joaquim de Castro, posteriormente Monsenhor Castro, era um pároco vitalício na paróquia de Candeias, muito respeitado e querido por todos. E diversas gerações foram passadas sobre a sua disciplina como sacerdote rígido. ---- A comunidade católica candeense era ativa, dedicada e comprometida nem tanto com Deus, mas com a religião e com o pároco. Portanto, se pintasse algum pastor protestante, ou de outra razão religiosa, seria muito mal recebido, pela comunidade, sendo enxotado, escaramuçado ou até apedrejado, como aconteceu certa vez. Não fosse a interferência do finado Joaquim Caroca e do Sr. Willian Viglioni, que entrou na defesa, desse também filho de Deus, o resultado poderia ter sido desastroso.

 A velha matriz estava sempre lotada durante as três missas dominicais: Ainda, nesse tempo, a missa era celebrada em latim e como ninguém entendia nada de latim, quem não estivesse rezando o terço durante a missa ficava voando mais que as andorinhas da igreja.  ---- Aliás, era recomendado o terço na hora da missa para evitar essa dispersão. O Monsenhor Castro, não permitia indisciplina na sua igreja, portanto, separou as mulheres dos homens, distribuindo os bancos em duas partes: na parte da frente ]sentava os homens e por detrás as mulheres. Essa ordem era cumprida nas procissões e nos enterros.

 Mas o fato que eu presenciei aconteceu na missa das 10, horário muito disputado pelos fieis: Havia na cidade duas pessoas totalmente diferentes: Erasto de Barros e Jovelino pedreiro.


O Sr. Erasto de Barros, era o porteiro do Grupo Escolar Padre Américo e morador da Rua Coronel João Afonso, meu vizinho. --- Cidadão simplório e apesar de pertencer a uma família de porte distinto, parecia não ter seguido, à risca, os padrões familiares. Não fazia, para a época, um juízo antecipado de suas palavras... Pensava em voz alta e comumente a gente o via falando sozinho e gesticulando com as mãos. Às vezes, me parecia uma pessoa desnorteada. Mas mesmo sendo assim, Erasto de Barros era um homem bom; honesto; respeitado e muito querido na cidade. Foi meu amigo desde a minha infância, sempre me agradava com os caquis do seu pomar. seu palavreado chulo, e do seu jeito ansioso não ofendia, mas o fazia hilariante.

Certa vez, quando eu estava à porta de minha casa ele descia a rua bravo e perguntou para a sua prima Marica da Melada, se ela havia visto o Ademir seu filho. A resposta negativa o deixou com o seguinte comentário: “A hora que eu encontrar o Demi hoje, eu vou fazê ele peidá burraio”

Gostava de uma política partidária e durante uma eleição para prefeito, cujo candidato era o Zé do Anjo, do qual ele era adversário, O William Barbeiro, para vê-lo nervoso disse: “Sô Erasto, o Zé do Anjo vai ganhar a eleição tranquilo”. Ele respondeu imediatamente irritado: “Quem vai ganha é seu rabo e o rabo dele”.

Era tão apavorado que quando viajava, da janela do ônibus,  cuja parada ficava à porta do Bar Piloto, não existia rodoviária, se despedia das pessoas dizendo: “Boa viagem, vai com Deus”; quando era ele que estava indo.

O Sr. Erasto não era frequentemente visto na igreja. Se, acaso fosse todos os domingos à missa, deveria, com certeza, diversificar os seus horários. Portanto ele não era sempre visto pelos fiéis de um mesmo horário da solenidade.

Jovelino era um negro muito querido; tocador de trombone da banda musical. Pedreiro de construções rasteiras e morador ali pelas bandas do bairro da Lage. Era gago, muito gago... Sua tartamudez deixava os seus interlocutores ansiosos. Engasgava-se com as próprias palavras até quando pensava. Frequentador assíduo da igreja. Em todas as celebrações, lá estava ele rezando o terço com o seu rosário de biurá. As pessoas evitavam assentar perto do Jovelino dado a sua gagueira quando rezava o terço: “SssannntatatataMamamamamariririria” mânãmamã de DEEEUS“... Papapapai-nonononosso-quequeque-estaes-nooocc.” 

Era assim, mas não fazia isso em voz baixa não. Dava aquele estalinho na ponta da língua acompanhado de um chio na garganta que parecia que ia assoviar. Estivesse quem estivesse por perto, ele ignorava que estava sendo incomodante.

Nessa altura dos acontecimentos, igreja cheia, já aguardando o início da missa, chega o Erasto: Olha para um lado, olha para o outro, até que viu um lugarzinho perto do Jovelino. Era um grande achado, um lugar vago naquele momento. –Ajoelha-se, faz o sinal da cruz; uma pequena prece e senta-se, até aí tranquilo, quando se dá início ao seu martírio.

Homem nervoso; impaciente; língua solta... soltíssima, naturalmente deveria ter imaginado que quando a missa começasse o Jovelino mudaria de postura. Muitos por ali já imaginavam o que poderia acontecer.

O celebrante chega ao altar e começa a missa: “Introibo ad Altare Dei” (Entramos no altar de Deus).

E o Jovelino “debulhando” o rosário. Agora sim! A situação teria ficado pior. Com o ruído da celebração Jovelino abriu um pouco mais o seu volume e num dado momento, o Sr. Erasto vendo que a sua missa seria impraticável, levanta-se, dá uma olhada raivosa para o Jovelino e diz: VAI REZAR NO MEIO DO INFERNO! Sai nervoso e antes de chegar à porta exclama:

Puta que pariu!

Meu caro senhor Erasto: Onde quer que esteja receba o meu abraço, a minha admiração pelo pai, pelo marido e pelo amigo que foi aqui entre nós. E, ainda, muito obrigado pelos saborosos caquis do seu pomar, com os quais aprendi a gostar, tanto, dessa fruta.      

Armando Melo de Castro

 

terça-feira, 25 de maio de 2010

CHICO DO VIRIÇO




                                              Casa do Chico do Viriço. Foto Clara Borges Borges
Quando da minha infância havia em Candeias um curandeiro com o nome de Chico do Viriço. Suponho que originalmente lhe teria sido dado o apelido de Chico do Veríssimo no que virou “Chico do Viriço”.

Chico moldava um tipo caipira. Contava os seus setenta e tantos anos de idade; estatura média, barba rala e por fazer; cabelos grisalhos, meio encaracolados, maltratados e escondidos debaixo de um chapéu de lebre, surrado; --- pescoço grosso e rosto moreno. Demonstrava tranqüilidade quando em silêncio com o seu olhar molengo; mas quando falava, tinha a voz alta o que lhe fazia quebrar aquele semblante suave. Possuía um sorriso caro... Sorrindo exibia uma dentadura cheia de dentes de ouro.

De quando em vez, tomava um porre e ficava valente, quando dizia que vivia entre Deus e o Diabo, mas que o diabo jamais poderia com as suas forças.

Torcedor fanático do Rio Branco Esporte Clube e durante as competições deste, com a cara cheia de pinga, se tornava violento e costumava puxar de uma faca e rabiscar o chão, numa forma clássica de insultar os torcedores adversários.

Certa vez, se envolveu até com o Padre Joaquim (Monsenhor Castro) o qual era torcedor da Associação Esportiva Candeense e teria apostado um engradado de cerveja com um dos ídolos do Rio Branco, o Passarinho.


Morava na esquina da Rua Pedro Vieira de Azevedo, com a Avenida Alvino Ferreira, que desce para a saída dos Cassianos, onde, hoje, está localizada a loja de ,material de construção do Silvio Foguete.

Era uma enorme casa já maltratada pelo tempo. Seus compartimentos eram amplos, portas e janelas pintadas de azul celeste, já desbotado, e as paredes descoradas. Havia como anexo da residência um cômodo de comercio fechado há anos e que teria sido, em outros tempos, o ponto de uma venda fuçada. A sala era extensa e dava lugar às pessoas que se acomodavam, nos diversos bancos, para receber a emanação espiritual.

Comumente eram vistos, em sua porta, diversos carros de outras cidades, às vezes, distantes e até mesmo de outros estados como, Rio de Janeiro e São Paulo. Nós, meninos, gostávamos de ir lá ler as placas dos carros. Certa vez, vi um carro da cidade de Volta Redonda... Achei muito esquisito uma cidade ter o nome, Volta Redonda...

Hoje, considerando a distância entre essa cidade e Candeias, vejo o que faz o misticismo... Quando os místicos não conseguem cumprir o trabalho prometido alegam que o filho de Deus não tem fé. É como ir a uma farmácia comprar um remédio e para isso devido fosse, levar o sal para a manipulação desse medicamento. Infelizmente vivemos diante dessas aberrações.

Mas, voltando ao Chico, nas sextas e sábados o movimento era intenso. Eu sempre passava pela rua e ficava vendo aquelas benzeduras em voz alta e posso até recordar um pequeno trecho das rezas:

“A pedra dária tirada do fundo do mar vai brilha na vida docêis tudo. Ninhum padre, ninhum reverendo, ninhum bispo, ninhum arçabispo, ninhum papa pode rezá a missa sem a pedra dária...”.

Aquela leréia ia longe e o Chico com um rosário muito grande, feito de contas de coquinho jeribá, chegava até a porta e arremessava aquela enfiada para fora como se estivesse expurgando os males presentes naquela sala e dizendo em voz alta:

“Some daqui mal de satanais! Aqui ocê num fica não bicho iscumunguento! – Sai isprito ruim! Nois aqui é tudo fio de Deus!”

As pessoas que, por vez, iam passando em frente, nesse momento, adiantavam o passo para não receber aqueles fluidos negativos. Os meninos adoravam ver aquele teatro.
Para a maioria do povo de Candeias o Chico Viriço era um chalado. Porém, havia quem dizia que as suas “garrafadas” eram eficientes. Afinal, existem pessoas tão envolvidas com esse tipo de coisa que me deixa acreditando que, realmente, a fé remove montanhas...

Muita gente tinha vontade de visitá-lo, mas tinha receio de se expor naquela grande sala de sua casa que para os meninos, poderia ser comparada a um picadeiro de circo... Além disso, o aforismo “Daí de graça o que de graça recebeis”. Não funcionava por lá, mesmo porque, Chico cobrava pelos seus serviços de curandeirismo e os preços não eram nada módicos pelas rezas e beberagens...

Certa vez, já rapazinho, eu quis matar a minha curiosidade e fui lá participar daquele “jacá de superstição”. Ali eu descobri que os candidatos à benzedura deveriam tomar assento num imenso banco com a recomendação de se postarem sem cruzar braços e pernas.

Com o rosário na mão, dizendo começar o trabalho da limpeza dos males, dava-se inicio ao ritual, acompanhado por uma auxiliar que já teria avisado que as consultas com o medicastro deveriam ser após a realização dos ritos. Era ela semi-analfabeta e com dificuldade, fazia as anotações de receitas e as vendas dos raizames. Ele, demagogicamente, dizia: “Eu não ponho a mão nos cobres”.

Começava perguntando ao primeiro da ponta da fila, qual seria o seu mal. Logo que a pessoa o respondia ele já começava:

“Deus crente Deus cremente assim como Deus num mente esse mal num vai adiente...”.


Era um vagão de ignorância... Enrolava o tal rosário nas pessoas e começava a bocejar e com os olhos lacrimejantes dizia:

------- “A coisa aqui hoje tá preta”! Ta muito carregada... O bicho tá sorto... Mais num tem nada não!... “Eu já boto esse bicho pá correr já, já...”.
“Vai sai!... Sai trem ruim! Eu to mandano. Aqui num te cabe não some... Vai pás profunda!”.

Nesse dia em que eu lá estive não perdi nenhum lance. E não pude ocultar a minha vontade de rir, no que ele observou e me disse: “Ocê parece qui não acredita... Né rapaizinho?” Respondi: mais ou menos... Resolvi ficar ali para manjar como seriam as consultas e pude ver de perto:

Próximo da sala havia um quartinho e o consultante entrava com ele. Era uma confidência observada simplesmente pelo consulente, porque ele querendo mostrar serviço e apregoar as suas virtudes para quem ficara na sala, falava em voz bem alta:

“Quem tá ai? Conta pra mim quem tá fazeno mal para o irmão... É preta? É branca? É véia ou é nova? - Ah é home? É preto? É branco? É gordo? É careca ou cabiludo?... É dentado ou disdentado?”

No fim, o cristão saia com uma garrafa de vinho de jabuticaba, caseiro, na mão com umas raízes que só Deus sabe o que era aquilo... Curando ou não, o dinheiro dele já estaria no “buraco do alfaiate”. Havia quem levasse duas, três e até quatro garrafadas... Ao custo de cinco cruzeirinhos cada, na época isso era, sem dúvida, um negócio da China.

Sebastião Freire um delegado, dos chamados “Calça curta” e que no passado eram nomeados por políticos, foi procurar o Chico Viriço, para fazer uma consulta sobre um mal que estaria incomodando uma de suas filhas.

Eis a receita: “Mata um urubu e tira a moela dele. Cozinha e dá o caldo para a menina tomá e fazê uma farofa da moela. Não come mais nada só isso em dois dias”.
Sebastião Freire esteve com uma espingarda nas costas durante três dias procurando um “agente funerário voador”, para lhe tirar a moela. Com dificuldade, conseguiu matar o “carniceiro” nas imediações dos fundos do matadouro municipal. Abriu-lhe a barriga a procura da moela e cadê moela? O urubu não tinha moela...

Indignado voltou a procurar o Chico e lhe disse:

---“Como você tem coragem de receitar uma coisa que não existe? Eu não achei moela dentro do urubu não! E você me fez de besta!... Quem disse a você que urubu tem moela Chico?”.

---“Uai sô! Urubu num tem muela não? Cê oiou direito Tião? Tinha qui tê uai!”—E ficou por isso mesmo.

O meu amigo Gabriel Carlos teria dito:

“Isso é que se pode chamar de um curadorzinho de merda”.

NB) Nunca consegui saber que pedra “dária” seria essa.

Armando Melo de Castro
Candeias/2010.

NB) O urubu tem moela sim. Contudo tratando-se de uma ave carnívora a sua moela é diferente da moela de galinha, talvez tenha sido o motivo do Sebastião Freire não tê-la reconhecido.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

IGREJA-MATRIZ DE CANDEIAS


                                                                 Foto de Clara Borges.
 Eu gostaria de tirar algo alegre do bico da minha pena para falar sobre a antiga Igreja Matriz de Candeias, mas infelizmente o que tenho a dizer, a bem da verdade, é algo triste, é uma triste constatação. Infelizmente, a nossa cidade jamais contou com a intervenção popular e, muito menos, com a força política para impedir as destruições de nossos templos históricos. Entendo que a construção de novos templos deva ser meta para qualquer autoridade eclesiástica, todavia, a preservação de um templo histórico é mais do que um dever, respeitar algo cujo conteúdo registra a história de um povo.
 
O Padre Dionísio Chagas, pároco de Candeias na década de 20, destrói, em 1922, o antigo templo de estilo barroco para dar lugar ao seu projeto de uma nova matriz de estilo gótico. Era centenária a igreja demolida pelo Padre Dionísio. E eu pergunto: teria sido necessária a destruição de uma relíquia cujo patrimônio era um legado dos nossos antepassados? Não! Estou certo que não. ----- A meu ver, o velho templo poderia ter sido preservado e o novo poderia ter sido construído em outra parte da cidade. Espaço para construção é o que não faltava. Não existiam praças no imenso largo central. No entanto, o templo foi destruído e não apareceu ninguém para impedir essa destruição histórica.
 
Seria necessária uma manifestação contrária e uma profunda dose de amor a um patrimônio sagrado para que fosse evitado tal desastre. Contudo, não houve nada disso. Infelizmente, vibrava no foco dos modernistas uma transformação cultural e consequentemente envolvia a história, destruindo o barroco para dar lugar ao gótico. Lamentavelmente a população candeense foi sempre pacata vinda de uma cultura desencorajada para bater de frente com os representantes da Igreja Católica, a fim de evitar um desmando desses. Todavia, o fato absurdo ocorreu e o pior: viria a se repetir, anos depois, em condições ainda mais melancólicas.
 
Conforme já me expressei, não vou isentar o desfeito do Padre Dionísio Chagas, todavia, é inegável que a Matriz construída por ele, em estilo gótico, constituiu-se em um templo absolutamente maravilhoso.  Está bem guardado nos corações daqueles que contam com mais de meio século de vida. Foram sete anos para ver o projeto concluído sendo inaugurado no ano de 1929.
 
Entretanto, por ironia do destino, logo após a construção da nova igreja de estilo gótico, o Padre Dionísio foi transferido para outra paróquia, vindo a substituí-lo o Padre Rui Pinheiro. Todavia, o novo vigário ficou em Candeias por um curto tempo. Padre Joaquim de Castro (posteriormente, Monsenhor Castro) foi quem substituiu o Padre Rui por ocasião de sua transferência para outra cidade.
 
Filho da terra, o monsenhor Joaquim de Castro muito contribuiu com a nossa sociedade como representante eclesiástico. Portador de atributos que já foram, inclusive, registrados neste blog. Foi um sacerdote com forte liderança social, sendo rico e filho da elite candeense. Tudo isso o fez tornar mais temido do que, necessariamente respeitado. Era um homem disciplinado e disciplinador. 
 
Nas sessões do cinema, o qual era de sua propriedade, não aceitava manifestações dos jovens que durante uma comédia viessem a rir, quebrando, assim, o silêncio existente. No mesmo instante, mandava acender as luzes e fazia ali um duro sermão. Na igreja, homens e mulheres acomodavam-se separadamente. Nas quermesses, no adro da igreja, sua presença era intimidativa para boa parte dos presentes. Inegáveis foram as virtudes do monsenhor Joaquim de Castro. Contudo, com certeza, ele era uma pessoa extremamente dada ao subjetivismo com abstração ao princípio empírico.
 
No meio da década de 50, por determinação do Monsenhor Castro, foi demolida a Igreja do Rosário, localizada onde se encontra, nos dias de hoje, o Terminal Rodoviário, na Praça Achiles Landgsdorff. Demolida quando poderia ter sido reformada.
 
Aquela igreja centenária servia de sede para a Festa do Rosário. No entanto, esta demolição acabou por privar a comunidade negra da sede de sua festa, levando-lhes a construir uma pequena capela afastada da cidade e que, por si, recebeu o nome de Alto da Igrejinha. Nota-se, por este exemplo, que monsenhor Castro não tinha compromisso com o passado. Ademais, monsenhor Castro não concordava com as imagens de santos em bandeiras sendo beijadas e expostas, em rua afora durante as festas de congado sediadas, então, naquela igreja do Rosário.
 
No limiar do ano de 1960, a Matriz do Padre Dionísio, que ainda era tratada de nova por muitos, teve seu destino traçado por um projeto do Monsenhor Castro. Tratava-se do “Aumento e Reforma da Matriz”. Esse projeto causou novo desastre ao patrimônio sagrado da cidade considerando que, na realidade, não ocorreu uma reforma, tendo em vista que foram aproveitadas apenas partes das paredes laterais do templo que se encontrava, ainda, em excelente estado de conservação. Ademais, se tratava de uma construção de primeira linha da qual não carecia de reforma. Bastaria, no máximo, uma pintura.
 
Se, realmente, fosse feita uma reforma deveria, sobretudo, seguir o estilo gótico tanto na reforma como no aumento da área e não um desmanche para dar lugar a um estilo clássico. Além disso, a Matriz existente atendia, perfeitamente, a demanda. Seria necessária a construção de outras igrejas mais simples, em outros pontos da cidade.
 
As poucas pessoas que ousaram opinar contra a iniciativa de destruir um templo para dar lugar a outro foram, energicamente, combatidas por ele. Um exemplo disso foi o Padre José Albanez, ilustre sacerdote candeense que ocupou os mais altos cargos na Diocese de Oliveira e na Arquidiocese de São Paulo.
 
O projeto do Monsenhor Castro era muito ousado para a época, dada a sua dimensão. Candeias, nessa época, tinha uma economia muito fraca. Faltava escola, trabalho, assistência à saúde e o social era ínfimo: O poder público não atendia quase em nada a necessidade e os anseios da população e as verbas advindas dos governos estadual e federal eram insuficientes. Para ter uma ideia, a Prefeitura não possuía sequer um carro. Havia sim uma raspadeira velha e um velho caminhão. Os prefeitos usavam os seus próprios veículos para as suas viagens a serviço do município. Os vereadores não recebiam salários e o prefeito tinha um salário inexpressivo. ----- O Ginásio de Candeias que pertencia a CENEG (Campanha Nacional de Educandários Gratuitos) esteve para ser fechado por mais de uma vez e só não foi porque o Prefeito, Nestor Lamounier, chegou a despender do seu próprio salário em favor do ginásio para não vê-lo fechado.
 
Foram campanhas e mais campanhas em prol da Igreja e, com isso, essas campanhas foram se fragilizando tendo em vista as insistências do pároco. Houve, nessa época, uma campanha para a construção do hospital através do Sr. Pedro Vieira de Azevedo cujo ideal foi frustrado porque ninguém superava a persistência e a insistência do Monsenhor Joaquim de Castro no sentido de angariar recursos. Eram rifas, de todo jeito; leilões de quermesses, leilões de gado, doações etc. O que quer dizer que outras necessidades do município ficaram em segundo plano durante anos, mesmo porque, a economia do município não suportava aquela obra. E a eficácia do Monsenhor Castro no sentido de explorar a praça era demasiada.
 
 As obras foram sendo executadas e as celebrações permaneceram ali enquanto as pás e picaretas não chegavam. Aos poucos, foi sumindo de nossos olhos aquela maravilha que contava apenas trinta e um anos e que não teria merecido sequer uma reforma. Foram desaparecendo os santos, os lampadários, os bancos, etc.
 
Gravado em meu cérebro está o tanger dos sinos anunciando a Hora do Ângelus, convocando os fieis e anunciando os mortos. Sinos doados pelo Coronel João Afonso Lamounier e outros fazendeiros da nossa comunidade. Eram, agora, atirados da torre ao solo sem nenhum cuidado. Essas valiosas campanas abençoadas foram, de uma hora para outra, silenciadas. Foram simplesmente vendidas para o ferro-velho. Esse martírio durou dezoito anos.
 
A ânsia de ver a sua igreja terminada talvez tenha levado monsenhor Castro mais cedo para o túmulo. Sua morte envolveu a obra em grande complicação porque os seus substitutos não exerciam o mesmo poder de liderança e não eram os donos do projeto. ----- O templo, em estilo clássico, apresentava diversas repartições levando os fiéis católicos a pensar que monsenhor Castro quisera construir uma catedral, pois corria à “boca pequena” a sua ânsia em ser bispo e de transferir a sede da diocese para Candeias, desejo que, se fora verdade, não teria sido nada mais do que um sonho, uma utopia. O pior teria sido, preciso destruir um capítulo tão importante da nossa história para a construção de outro.
 
Seria preciso destruir um capítulo tão importante da nossa história para a construção de outro? Creio que não. Tranquilamente, Monsenhor Joaquim de Castro poderia ter construído a sua igreja idealizada em um outro ponto da cidade. Entretanto...
 
Quantos, como eu, tiveram seus pais casados ali naquela casa de Deus cujos filhos receberam a água benta na pia batismal! Quantos como eu, fizeram ali a sua primeira comunhão! Assistiram a primeira missa e tantas mais. Quantas vezes eu recebi a bênção do Santíssimo Sacramento, como, também, recebi ali a hóstia santa! E quantos viram a construção e a destruição desse templo num só tempo.
 
Como eu gosto das lembranças que guardo dentro de mim:
 
Lembro-me do coro musical comandado pela maestrina Santinha Salviano. Ele era lindo! As meninas de vestes e boinas brancas exaltavam o seu uniforme. E quando a prece impunha o silêncio humano, elas entoavam um hino de amor deixando os corações sem pecados perante Deus.
 
Lembro-me dos sacristãos, Sansão pintor, do Antônio do Arlindo Barrilinho. O Sebastião Alves, com o seu terninho de brim passado, cuidadosamente, por sua mãe, Dona Leopoldina. O Vicentinho Salviano me convidando para lhe acompanhar até à torre a fim de badalar o sino.
 
Lembro-me das irmãs, Cecília e Regina, zeladoras da igreja, que eram incumbidas de produzir as hóstias.
 
Lembro-me dos dobrados que tocavam no alto falante, antes da Missa das Dez. Essas músicas e a celebração eram transmitidas para as casas através de um transmissor de rádio, instalado na igreja, administrado pelo amigo, Sebastião Salviano.
 
Lembro-me da Missa das Oito que era destinada às crianças orientadas por suas respectivas professoras do Grupo Escolar Padre Américo.
                                                             
Lembro-me da Bênção do Santíssimo Sacramento, depois do terço e da ladainha. Um dos coroinhas, que se encostava a uma pilastra junto do altar, agitava o turíbulo cheio de brasas para o incenso queimado, o que nos fazia voltar para casa com aquele cheiro sem pecado...
 
Lembro-me do Altar-Mor! Ah, como era bonito! Exaltava a imagem de Nossa Senhora das Candeias. Havia, ainda, um altar em cada lateral, em um dos quais, no Natal, montava-se o presépio retratando o nascimento de Cristo e, em outro, ficava depositada a imagem do Jesus Morto.
 
Com certeza, muitos comungam comigo esta saudade.
 
É lamentável que tenhamos perdido três templos importantes na nossa história. Hoje, isso seria evitado. A nação brasileira está munida de leis que coíbe esses abusos. Infelizmente, essas leis chegaram atrasadas para o patrimônio cultural de Candeias.
 
É de todo patente o sofrimento desses dois sacerdotes diante da construção de seus templos. ----- Padre Dionísio, que via na igreja uma propriedade sua, foi transferido para outra cidade logo após a sua inauguração. Foi levando consigo uma grande frustração banhada em lágrimas.
 
Monsenhor Joaquim de Castro não pode ver o seu projeto realizado. Levou para o túmulo, no ano de 1968, o desejo de ver a sua Matriz concluída. Isso só viria acontecer a dez anos, em 1978, em condições precárias.
 
Os retratos da Matriz anterior estão guardados nos fundos dos meus olhos; dos meus sentidos; e dentro do meu coração. É um sentimento atroz que fermenta uma saudade misturada com mágoas, alegrias e tristezas. Isso porque no mesmo tempo em que vejo o Monsenhor Castro, em uma celebração, vejo o Waldir, filho do João Surdo, operário das obras da igreja, no cimo da torre, amarrar, sobre o pé da cruz, um cabo de aço ligado à carcaça de um caminhão carregado de areia. Esta operação consistia em quebrar o suporte da cruz, lá instalada, de onde começaria, por dentro, a destruição da torre.
 
Aquela cruz que há trinta e um anos apenas fora colocada pelo, outrora, pedreiro da construção, senhor Adolfo Chagas sob as orações de sua esposa Dona Doca, encontrava-se espatifada no chão sob o riso de alguns e a tristeza de outros.
 
Apesar de não ser praticante, sou católico e filho de tradicional família católica. Não é de minha intenção denegrir aqui a imagem consagrada do Monsenhor Joaquim de Castro e nem do Padre Dionísio Chagas. De fato eles foram dois sacerdotes respeitados na construção da história de Candeias. Todavia, toda história tem os seus capítulos infelizes. No entanto, tenha sido lamentável que foram eles os dois sacerdotes, tão respeitados, a escreverem os mais tristes de todos os capítulos da história de Candeias.
 
Assim sendo, entendo que apenas mostro um retrato manchado da nossa história a fim de atender aos lamentos do meu coração bairrista.
 
É uma pena! É muito triste! É, deveras, lamentável...
 
Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos


quarta-feira, 5 de maio de 2010

HOMENAGEM ÀS MÃES



                                                                         Armando e sua mãe, Dona Luca       
No ano de 1905, uma professora americana - Anne Jarvis - com a morte de sua mãe, entrou em profunda depressão. Preocupadas com o seu estado de saúde, algumas amigas resolveram fazer uma festa, a fim de perpetuar a memória da mãe de Anne.

Mas, Anne queria que a data fosse estendida a todas as mães, vivas ou mortas. Escreveu, então, longas cartas para políticos, comerciantes, empresários e religiosos, sugerindo a criação de um dia consagrado às mães. Assim, em 1914 , nos Estados Unidos da América, depois de muito sacrifício de Anne, foi oficializado o Dia das Mães, como o segundo domingo de maio.

Durante esse movimento, Anne criou, também, um símbolo para homenagear as mães: O cravo: vermelho, para presentear a mãe viva. E o branco para a mãe morta.

Certo dia, Anne invadiu uma Associação das mães de veteranos de guerra, a fim de vender cravos com fins lucrativos. Foi presa, por perturbar a ordem e ao sair da prisão, disse que estava arrependida de ter criado o Dia das Mães. Entrou com um processo para cancelá-lo, mas sem sucesso. (Pesquisa, portal da família)  

Podemos observar que a convenção que criou o Dia das Mães, apesar de merecer o maior respeito, teve em primeira mão, um aspecto comercial. E isso, com certeza, há de durar para sempre.

Nesta data, o comércio se agita com o intuito de vender presentes e as casas de flores se preocupam em vender os cravos vermelhos, mesmo porque, não se fala mais nos cravos brancos, tendo em vista, que uma mãe morta não recebe presentes. Entendo, portanto, que o comércio faz apenas a sua parte.

Houvesse uma mãe, criado o Dia dos Filhos, jamais isso teria acontecido, como aconteceu com Anne Jarvis. Isso porque, uma mãe não tira proveito sobre os filhos. Uma mãe, por mais pobre que seja, tem muito para dar aos filhos e já começa transformando o seu sangue em leite... O seu descanso em cansaço... A sua tristeza em alegria... A sua miséria em riqueza... E a ingratidão dos filhos em perdão.

A felicidade de uma mãe depende do estado de alma que se encontra o filho. E quantas mães choram e sofrem nesse seu dia criado por uma generosa convenção americana!

O dia das mães seria muito mais formoso no seu simbolismo se os filhos completassem a sua feição como que, o dia da bondade - o dia do amor - o dia da alegria - o dia das lágrimas santas - O dia da virtude. Fosse assim, talvez (quem sabe?) levasse aos filhos a uma meditação melhor. É muito bom poder presentear a sua mãe no seu dia. Mas será esse o presente que uma mãe realmente deseja?

O presente de loja não diz aquilo que uma mãe quer ouvir ou ver. Esse tipo de presente serve apenas para ressaltar um dia do ano.

 O mês de maio, consagrado a Nossa Senhora - nossa mãe celestial - e quando que homenageamos as nossas mães vivas ou mortas, no seu segundo domingo - nos permitirá numa homenagem dupla, elevar os nossos pensamentos ao nosso Pai Celestial e à nossa Mãe Maria Santíssima, para que derramem, sobre todas as mães da terra, as suas bênçãos, em nome de todos os filhos.

Aflorado o meu sentimento de filho, coloco aqui a minha simples homenagem à minha querida mãe, a Dona Luca.

 A memória é um álbum de fotografias, em cujas paginas guardamos um espaço para os nossos entes queridos. Nesse segundo domingo de maio, de 2018, quero rever as fotografias de minha mãe que povoam o meu coração. A sua origem pobre e humilde... Fruto de uma árvore genealógica pouco adubada, mas que foi entregue pelas mãos de Deus aos seus pais adotivos, donde a única riqueza era o amor que Deus lhe colocou no coração... Amor dividido entre os seus filhos e o pai de seus filhos... E que dia após dia vai sendo entremeado entre netos, bisnetos, e tetranetos; e com certeza irá perdurar até ao fim dos seus dias...

Minha querida mãe!... Amélia, Luca, Luquinha, seja do jeito que preferir... Mãe de seis filhos dos quais sou primogênito... Receba o meu muito obrigado pelas suas lágrimas... Pelas suas noites mal dormidas... Pelas preocupações que lhe causei e ainda lhe causo... Obrigado minha mãe por estar sempre me perdoando... Sempre me entendendo... Obrigado por tratar-me, aos setenta anos de vida, como se fosse ainda um menino frágil...

Neste momento minha mãe, trago em meus olhos duas lágrimas bem claras porque conheço esse seu coração bondoso e cheio de amor e que me faz sentir tão pequeno perto de você.

 Receba minha mãe querida, os meus beijos de carinho, amor e gratidão - e também ao meu pai, porque, com toda a certeza, onde quer que ele esteja, estará, também, lhe homenageando, neste seu dia.
Um beijo do seu filho

E, nesta oportunidade, eu não poderia deixar de homenagear, também, a todas as mães do mundo, especialmente as mães candeenses, mães amigas e desconhecidas, vivas ou que já tenham partido... Daqui vai o meu cravo vermelho para você que ainda está entre nós e o meu cravo branco para você que já está junto de Deus.


Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Aca