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quinta-feira, 12 de junho de 2008

UM INFELIZ NATAL




Apesar de ter sido um menino pobre, eu tive uma infância muito feliz. Com relação ao Papai Noel, eu posso dizer que os natais da época em que eu acreditava na existência do bom velhinho foram os mais felizes da minha vida. Mesmo pertencendo a uma família proletária e numerosa, meus pais sempre souberam remediar as coisas. No verdor dos anos, tanto eu quanto os meus irmãos,tivemos muito carinho e o natal nunca foi uma festa indiferente para nós. Vivemos aquela doce ilusão de colocar os sapatos atrás da porta e, no outro dia, pela manhã, estarmos muito felizes com os presentes recebidos. Meu pai confeccionava os brinquedos. A cada ano, era um caminhãozinho diferente. Certa vez, ele construiu até uma bicicleta de madeira. Fazia isso escondido, na chácara do meu avô. O caminhãozinho sempre estava cheio com os presentes dos meus irmãos menores. Um saquinho de bala e, às vezes, um pacote de bolacha "Maria" com o nome de cada um. Em outro momento, teve até uma barra de chocolate para ser repartida. As meninas eram presenteadas com pequenos bonecos de papelão que eram fabricados, naquela época, por uma fabriqueta na cidade de Formiga e vendidos, às vésperas de natal, por camelôs a preços bem baratinhos. Não me lembro de ceia de natal. Cear na noite de natal foi um hábito que minha família veio a adquirir muitos anos depois. Sei que, no dia de natal, éramos levados até a Igreja Matriz para vermos o presépio e darmos as boas vindas ao Menino Jesus. E rezávamos, também, agradecendo ao Papai Noel pelos presentes recebidos.

O tempo se incumbiu de roubar esta alegria do meu coração. Não pelo fato da descoberta da inexistência de Papai Noel. Quanto a esta questão, eu apenas fiquei triste no dia em que soube que ele foi uma inofensiva e gostosa mentira na minha vida. O motivo que me levou a sentir o natal distante do meu coração, aconteceu quando eu presenciei um fato que está guardado nos fundos dos meus olhos pelo resto da minha vida. De lá para cá, vi que o natal nada mais é do que uma simples medida das diferenças humanas. Naturalmente, trata-se muito mais de uma convenção comercial. Uma festa que nem sempre o homenageado está presente.

Eu morava em São Paulo e contava com os meus vinte e cinco anos de idade, quando fui convidado por uma família amiga a passar o natal com eles. Uma pequena família portuguesa, formada por apenas a mãe e um filho. Dona Encarnação e o Sr. Antonio com quem eu trabalhava, pela manhã, como datilógrafo. Ele era um corretor de imóveis cujo escritório estava locado junto a sua residência. Esse foi o primeiro natal em que eu passei longe da minha família. O fato de morar fora e distante, me permitia escolher uma das datas de fim de ano para passar em casa. E, nesse ano, resolvi passar o dia de ano novo em Candeias junto aos meus familiares.

À mesa, a ceia, com certeza, causaria muita inveja aos discípulos de Jesus Cristo. Imaginei que haveria, por ali, outros convidados devido ao tamanho da mesa e à fartura exposta. Entretanto, não foi essa a realidade. Somente eu havia sido convidado. Sem dúvida, haveria, naquela mesa, comida para vinte pessoas. Subentendia-se que a velha portuguesa havia trabalhado horas e mais horas para organizar aquela ceia.

Começamos a comer e a velha não parava nem sequer por um minuto. Nem em pé ou assentada. Enquanto eu dava uma garfada nas iguarias, ela colocava alguma coisa no meu prato e sempre dizendo: “Sô Armando, coma isso; coma aquilo; beba isso; beba aquilo e, de quando em vez, ainda dizia: Coma “NOZES PORTUGUÊSAS”. Então, eu não suportava a vontade de rir e me divertia com os micos dos portugueses.

Dessa maneira, eu me encontrava ali, meio perdido, naquele ambiente diferente do meu meio, com a cabeça cheia de vinho português e a barriga cheia de peru, outras carnes, castanhas, nozes e sei lá mais o quê! Um monte de coisas que eu nunca tinha visto na minha vida e mais aquela leréia nos meus ouvidos: Coma, beba, beba, coma e eu me enchia só com a
insistência dos portugueses.

O português parecia um glutão e não era nada engraçado ver uma boca comer, falar e beber ao mesmo tempo. A velha disse que havia outros convidados, mas que, por motivos alheios às suas vontades, não apareceram. Duvidei dessa aleatoriedade e imaginei que a ausência desses convidados poderia ser justificada pelo estilo em recepcionar um convidado. Eu já estava enfarado diante daquele arsenal de comida e da esganação daqueles dois.

No prédio, o movimento cessava. Era facilmente ouvido pelos vizinhos, moradores na respectiva rua, o barulho de quem limpava a sujeira e jogava o resto no tambor de lixo, estacionado à porta do prédio.

Às três horas da manhã, eu estava empanturrado e já não aguentava mais nem olhar para a mesa que ainda se encontrava, absolutamente, cheia, como se ninguém a tivesse tocado. Despedi-me dos anfitriões, agradecendo o carinho e a consideração, e desci pela escada. Na portaria do prédio, dei de cara com um quadro vivo: uma mulher remexia, tal qual uma cadela de rua, no tambor de lixo e apanhava os restos dos banquetes e dava aos seus dois filhos, assentados à beira da calçada, o alimento lixoso que comiam educadamente. A mãe ainda dizia: “Olha que pedaço bonito!”

Da janela do terceiro andar, meninos riam daquele gesto infeliz. Parei, olhei e me emocionei quando aquela mãe, em um gesto desconfiado, olhou para mim e me perguntou: “Tem portança eu mexê aqui, moço” E eu, praticamente sem voz para respondê-la, fiz apenas um pequeno gesto com a cabeça dizendo que não.

Fiquei aturdido diante daquele cenário cujo proscênio, sob o clarão da ribalta, mostrava uma ceia de natal cuja miséria humana era perspicaz. A desigualdade do poder em se fartar numa noite em que os sinos bimbalhavam nas torres das igrejas, da cidade toda engalanada comemorando o nascimento do Menino Jesus, ali, num canto da cidade de São Paulo, eu sentia o meu coração partido, espremido e o sumo me saindo pelos olhos. Naquele momento, eu perguntei aos céus: por que aquela infelicidade no meu coração e tanta alegria nos olhos daquela mãe e de seus filhos miseráveis que eram observados com desdém por moradores do prédio? E ao tentar responder a mim mesmo, não pude obter resposta. A vida é, realmente, cheia de mistérios insondáveis!

Hoje, quando me vem à memória que Jesus nasceu em uma manjedoura, entre os ruminantes, posso entender que o natal é uma festa paradoxal, principalmente, se houver carne de boi ou de porco porque o primeiro recebeu Cristo e Lhe acolheu em sua manjedoura, assistiu ao Seu nascimento e Lhe deu aconchego com o seu bafo. E o outro, por ser impuro e indigno, em uma festa oferecida a Jesus Cristo. Portanto, eu imagino que o natal deveria ser uma festa de pobre para pobre e que os mais aquinhoados acabaram, insensivelmente, alterando o seu real sentido. A prova maior disso é recebermos de um judeu ou de um ateu os votos de um “Feliz Natal”.

Eu queria falar de um natal diferente, contudo, foi esse que me veio à mente:
 UM INFELIZ NATAL



Armando Melo de castro
Candeias MG Casos e Acasos 
































domingo, 8 de junho de 2008

DOCES LEMBRANÇAS



Defronto-me com um calendário de parede, ou seja, um prospecto comercial da Pharma Vita, situada na Rua Coronel João Afonso, 481A. Diante disso, dou uma olhadinha no retrovisor da minha vida e bem lá do início desta estrada vejo a Rua Coronel João Afonso, antiga rua da ponte.

Minha chegada ao mundo se deu bem ali no número 306, onde hoje reside o Sr. Milton Alves. ----- Meu Deus! Que saudade! Em cada número desta rua eu teria um caso para contar, mas recordarei aqui apenas os números 481, que entendo ser a antiga casa de Dona Filomena Barros e 481A, onde residia sua filha Quinha, numa pequena casa edificada por detrás de um muro alto, com um portão de entrada, cuja área, creio, era o quintal de Dona Filomena.  

Não tenho certeza de quantos filhos Dona Filomena Barros tinha, mas lembro-me perfeitamente de quatro mulheres: Guiomar, Muca, Sota e Quinha. ----Guiomar era casada com Sílvio Barbeiro e residia no Rio de Janeiro. ---- Sota era casada com Majó --- Muca era  minha madrinha e era solteirona------- Quinha era casada com Dedé do Alonso e tinham quatro filhos meus contemporâneos: Toinzinho, Márcio, Armando e Rosângela. Aliás, eu imagino que o meu nome tenha sido inspirado através do meu xará Armando, grande amigo meu.

Percorrendo os labirintos da minha memória, vejo madrinha Muca moribunda numa cama pouco antes de morrer numa visita em que lhe pedi a bênção. É a única lembrança que tenho dessa minha madrinha, falecida quando me encontrava ainda no verdor dos anos. 

Dona Quinha, cozinhando num fogão de lenha toldado de fumaça, enquanto o Xará aguardava uma trempe para fazer a goma de polvilho a fim de colar o papagaio que estávamos fazendo ali no terreiro. Os filhos de Dona Quinha faziam o melhor papagaio (Pipa) chupão, ou seja, aqueles que não utilizavam rabo e que empinavam com facilidade. E toda a meninada queria aprender com eles.

Dona Filomena e suas filhas estão juntas nos céus, inclusive alguns netos. Eu tenho saudade de passar na porta de Dona Filomena e vê-la tecendo alguma coisa e observando os passantes, por cima dos óculos. Esteja com Deus Dona Filomena, juntamente com as suas filhas e netos. Onde quer que estejam, receba o meu abraço saudoso e em especial à minha madrinha Muca e ao meu amigo Armando.

Entre a porta da casa de Dona Filomena e a garagem do Sr. Raimundo Bernardino de Sena,  (O Raimundo do Mariano) então prefeito da cidade, havia uma árvore. E por ocasião da era prefeitoral do Sr. Raimundo, essa árvore localizada no limite da rua, foi podada, transportada e transplantada para alguns metros defronte a então residência do Sr. Emídio Alves, hoje o Velório da Funerária N.S. das Candeias. Esta transplantação de uma árvore adulta – lembra-me bem - causou uma grande rema entre os curiosos que chegavam a dizer que o prefeito não estaria bom da cabeça. Mesmo porque, foi ele mesmo quem dirigiu a ação, afirmando que em breve a árvore estaria brotada. E para vexame da maioria, a árvore lá está até hoje depois de mais de cinquenta anos.

Quando busco nas minhas memórias um dia de aperto... Um dia de susto... Um dia que a viagem da minha vida poderia ter sido interrompida, eu me lembro do dia 1º de janeiro de 1958 quando eu estava prestes a completar doze anos de vida. Bem de frente de onde está situado o número 481 A, havia então, uma caixa de registro da rede de fornecimento de água da Prefeitura. Nesta época eram comuns essas pequenas caixas com registros, a fim de equilibrar o fornecimento. Cada rua tinha o seu registro e um determinado tempo para provisão. A rua não tinha calçamento e nem passeios, portanto andávamos pelo meio da rua. Eu gostava de passar por aquela caixa e dar um pulo sobre a sua tampa num gesto de menino travesso.

Eram sete horas da noite e eu voltava para a minha casa após ter assistido a bênção do santíssimo, celebrada aos domingos pelo Padre Joaquim. Naquele tempo não havia missas vespertinas. - Ao sair da Igreja Matriz, deu-se início a uma grande tempestade. E eu não sei porque não caminhei pelo meio da rua. Bem no rumo da referida caixa, a dez metros de mim, caiu um raio deixando-me em total desespero diante daquele cheiro forte de pólvora queimada... Cheguei a minha casa totalmente atordoado, causando grande susto aos meus pais. No outro dia verificava-se que o raio havia arrancado a caixa de cimento de sua instalação deixando-a com a parte inferior virada para cima. Aos 72 anos de idade. Toda vez em que vejo uma tempestade busco nas minhas convicções o fato de que ninguém morre fora de sua hora...

Mas, voltando ao prospecto da PHARMA VITA, penso aqui agora: Eu nunca imaginei que na minha rua fosse ter, um dia, uma farmácia... Teria sido muita falta de humildade pensar uma coisa dessas naquele tempo... Portanto, isso me faz sentir feliz... Parabéns Dra.. Maria Amélia, por escolher a minha rua, que já não é tão minha, para fincar o seu estabelecimento promotor de saúde... Ai nessa parada da estrada da vida eu vi cair um raio, mas, também, vi subir uma pipa diante dos meus olhos brilhantes... Vi também uma árvore adulta renascer cheia de viço... E vi a morte levando a minha madrinha... Só não vi a tristeza porque eu não a conhecia e o meu coração era só a alegria de um novato da vida.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

quarta-feira, 4 de junho de 2008

UMA VIAGEM INESQUECÍVEL...


Sobre os tempos das marias-fumaça, trago dentro de mim boas recordações dessa época. E nas minhas observações sobre as estações ferroviárias da região de Candeias, observei que a de Candeias, teria sido acrescida de um realce bem pessoal, por parte do Sr. Edson Teixeira, candeense de boa gema e residente na cidade de Lavras MG.

O Sr. Edson Teixeira, é candeense, filho do Edinho do Dorfinho da Doca (Família Chagas) e da Sra. Rosa, do Vico Teixeira e Sra. Laura Barreto. Já há alguns anos anos, esteve estabelecido com um restaurante, em Candeias, na Avenida 17 de dezembro, em frente a sua tia Luzia.


Seu pai, Edson Teixeira Chagas, já falecido é muito bem lembrado pelos candeenses mais antigos. A iniciativa do nosso conterrâneo, de registrar a sua mensagem no mencionado site da Internet, falando das suas saudades do tempo de criança em Candeias, é, realmente, de um gesto meritório e digno de aclamação dos candeenses saudosistas.

Experimento junto do Sr. Edson, essas lembranças que vivem bem guardadas nos cofres da minha memória. E diante dessa saudade, relembro, também, a velha estação ferroviária de Candeias, há muitos anos, quando eu ainda era criança... 

Junto à estação localizava-se a máquina de limpar café e um grande armazém de depósito hoje em ruínas. Muitos trabalhadores circulavam por lá trabalhando o café। Uma sirena de som estridente levava a todos os cantos da cidade a marca dos horários de trabalho. ----- Um motor a óleo bastante barulhento quebrava o silêncio do largo da estação. Havia, sempre, vagões estacionados no pátio da estação carregando ou descarregando. Agentes, conferentes, guarda-chaves, pra lá e pra cá, trajados com o fardamento da ferrovia, davam vida naquele ambiente hoje morto. 

De frente, estava a máquina de limpar arroz, bastante movimentada, beneficiando o arroz produzido no município. Manipulando esta máquina estava o amigo João Virgílio Ribeiro, músico sempre ativo, da Banda de Música e do Jaz "Tiro e Queda" do Sr. Américo Bonaccorsi.

Há algum tempo visitei a estação ferroviária desativada; hoje um local deserto, sem ninguém por ali naquele momento. ---- Senti uma saudade danada do dia em que fiz a minha primeira viagem de trem e estive tão feliz naquela plataforma cheia de gente e agora completamente vazia. --- E ao me retirar daquele local senti dentro de mim os apitos da Maria-fumaça subindo e descendo; os quadros veneráveis daquela estação tão cheia de vida e agora tão morta.

Armando Melo de Castro
Candeias MG casos e acasos.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

SEBASTIÃO QUIRINO: UM TALENTO SEM ALENTO!

                                                             Foto Clara Borges




ESTE TEXTO FOI TRANSFERIDO PARA O LIVRO CANDEIAS MG CASOS E ACASOS.

UM VELÓRIO EM CRISTAIS MG.






                                              Cidade de Cristais MG.
No momento em que toco neste assunto, eu busco nos porões da minha memória um discurso histórico guardado nos arquivos da minha juventude. Histórico no sentido pejorativo, mesmo porque, trata-se de um fato anedótico que deve constar nas lembranças de todas as pessoas que estiveram aglomeradas numa sala durante um velório na cidade de Cristais - MG - e isso já faz tempo.

Quando jovem eu tive vários amigos em Candeias. Uns mais novos do que eu, outros da mesma idade e alguns mais velhos. Entre os mais velhos eu comento agora o Wanderley Alvarenga, apelidado por "Ley Careta".  Foi um grande amigo meu. Talvez lhe tenha faltado sorte na vida, como acontece com muitas pessoas nesse mundo de Deus no qual vivemos e morremos sem entendê-lo direito. Éramos compadres, pois, de antemão ele já teria me convidado para padrinho do seu primogênito Christian, conforme ele sempre dizia.


Conheci toda a sua trajetória de vida, infelizmente sempre cheia de dramas, dado o seu temperamento difícil e a falta de firmeza nas suas atitudes. Escrevia letra por letra quando ia assinar o nome. Dono de uma memória invejável. Registrava tudo em apenas uma observação. Gostava de recitar poesias, principalmente àquelas de autores cordelistas. Alfaiate de meia tesoura fazia apenas calças. Dizia sempre não ter sorte na vida. Teve um bar em Candeias, mas infelizmente, tornou-se num consumidor do próprio estoque o que lhe impediu de se prosperar. Gostava de fazer pequenos discursos em público; gostava das palavras diferentes. 


Comprara, certa vez, um livrete de cordel onde ensinava escrever cartas e fazer discursos. Havia os modelos básicos para cartas de amor e alguns pronunciamentos. O modelo de discurso preferido por ele era o que segue, o qual ele o alterava de acordo com as circunstâncias festivas... Era mais ou menos assim: 


"Seria faltar a um dever que a mais sincera amizade impõe calar comigo o preito que julgo traduzir nas poucas palavras que vou pronunciar: distinguido com honra de ter um lugar em meio a esta JUBILOSA FESTA, cumpre-me corresponder a ela com os mais vivos protestos de estima e toda a HILARE do meu coração. 


E assim o meu amigo Ley estava sempre iniciando o seu discurso nas festas de aniversário e outras comemorações, especialmente quando estava com uns goles lhe fermentando a mente. O introito do discurso era já decorado e conhecido pela rapaziada que sempre fazia o seu comentário: "Já vem o Ley com o seu discurso".


O primeiro carro que possuí era um Simca Chambord, cor abacate. Isso foi no ano 1970. Quando cheguei com esse carro em Candeias, não fui diferente dos outros jovens. Estava sempre procurando festas e bailes. E numa dessas oportunidades fiquei sabendo que havia um baile na cidade de Cristais. Enchemos o velho carro e fomos parar lá... E é claro: junto, o meu amigo Ley, que nessas alturas do campeonato já havia tomado um meio litro da água que o gato não bebe que naquele tempo não era João Cassiano, era João Marques. 


Chegamos à cidade de Cristais e lá encontramos com um amigo nosso, João Cambota, também apreciador do gole e que era noivo lá com uma moça chamada Mercês; com a qual veio futuramente a se casar.


Em companhia do João Cambota, já bem relacionado na cidade, fomos parar num velório. E o João a fim de botar lenha na fogueira disse ao "Ley": O defunto era meu amigo, faça um discurso ai como se nós todos fossemos amigos dele... E o orador com a voz, o corpo e a cabeça titubeantes, inicia: 


-----"Seria faltar a um dever que a mais sincera amizade impõe calar comigo o preito que julgo traduzir nas poucas palavras que vou pronunciar; distinguido com honra de ter um lugar em meio a este JUBILOSO VELÓRIO, cumpre-me corresponder a ele com os mais vivos protestos de estima e toda a hílare do meu coração. Não tive o prazer de conhecer o amigo morto quando era vivo, mas faço isso agora com muito respeito". ----


Lembro-me apenas de ter ouvido uma voz no canto da sala? "Quem é esse doido?". Sei dizer que depois de ouvir a palavra, doido, eu já estava a caminho da rua e atrás de mim vinha outros companheiros e o João Cambota, segurando para não rir e o Ley andando na pontinha dos pés com o seu terno branco, e uma gravatinha vermelha; e dizendo nervosamente para o João Cambota: "A culpa foi sua João que não me deu dados para o discurso e eu me embananei"!


Desculpe-me meu amigo Ley, eu não poderia deixar de contar esta história. Receba ai onde você estiver o meu abraço... Abraço de quem tem muita saudade da sua amizade.


Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos

domingo, 1 de junho de 2008

O SILÊNCIO DO PISTOM DE JOÃO VIRGILIO RIBEIRO.




A morte se pensarmos bem, é uma recompensa e se a tememos é porque estamos contaminados pelos sentimentos de apego aos bens materiais. Pensa-se que a morte nos leva e nunca nos busca. É verdade que quando perdemos um ente querido o sentimento de perda se aflora como resíduo do amor dispensado durante o convívio. Portanto, nessas horas, podemos contar com a piedade alheia porque esse é o lenitivo para os momentos difíceis e que nunca deveria nos faltar. Assim, faço neste texto uma presença da morte sem, contudo, marcar a resignação digna de um estoico. No momento que traço essas linhas, penso nas pessoas com as quais convivi durante esta vida e que já não estão mais respirando o ar deste planeta.

 Sempre visito o cemitério São Francisco, onde grande parte das lápides me traz uma recordação de vida, ou seja, daqueles que se foram deixando o exemplo do dever cumprido perante o Criador; sobretudo, o meu pai... O meu querido pai Zé Delminda com quem converso como se estivesse vivo ali, aguardando a minha visita. Converso, também, com os meus amigos... Quantos e quantos estão lá... Sinto uma saudade danada e procuro ludibriar a morte fazendo de conta que todos aqueles amigos guardados naquele campo santo, estejam vivos, bem vivos, porque não morreram nas minhas lembranças, me faço sentir que estão apenas encantados.

Ontem, estive assistindo a retreta de uma banda e naquele momento me fiz viajar nas minhas lembranças para muito longe quando estive presente no cemitério São Francisco no sepultamento do meu amigo João Virgílio Ribeiro, o João do Sô Nico... Era um grande amigo e gostava de ler esses casos que escrevo remexendo, como brasas, as lembranças guardadas debaixo das ­­­cinzas da minha juventude... João Virgílio Ribeiro, o João do Sô Nico foi sempre um amigo do meu pai e consequentemente de toda a minha família.

João era músico nato. Trazia no sangue o afluxo da música. Durante muitos e muitos anos foi membro importante da Banda Musical de Candeias e do Jaz do Américo Bonaccorsi. Lembro-me, quando ainda menino e acompanhava meu pai nos ensaios do “Tiro e Queda” (Jaz do Américo) Lá estava o João, contando os seus casos e rindo das brigas dos colegas, porque havia os incompatíveis durante os ensaios. E o meu amigo João logo bradava: Gente! Vamos tocar... Parem com essa brigalhada cambada!...

O Jaz “Tiro e Queda” tinha como elenco: Américo no Saxofone; João no Pistom; Zinho no Trombone; Luizinho do Américo na bateria; Zé Delminda, meu pai, no violão; Pedrinho do Candola, no cavaquinho e Zé Vilela o cantor. A maior parte desse conjunto já estava no céu, porém desfalcado, até o dia seis de maio ultimo, do seu pistonista.  Agora está completo lá no céu. Chegou o seu último membro, João do Sô Nico, esperado por todos.

Meu amigo João Virgílio Ribeiro! Obrigado por sua amizade e parabéns por ter sido o cidadão exemplar que você sempre foi... Obrigado pela paciência com o meu mano Carlos, com aquela vespa velha... Obrigado pelo arroz vermelho que você tantas vezes me deu gentilmente... Obrigado pelo som do seu pistom destinado a alegrar o mundo e que doravante estará silencioso; contudo, com certeza, não sairá das nossas lembranças. Seu sepultamento terá sido um dos mais recheados de amigos.

A cidade parou para se despedir de você. Tal como que um dia de festa santa, a banda musical, que você tanto amava, marcou presença e lhe homenageava executando uma marcha triste, uma marcha lutuosa; um agradecimento por tê-la pertencido durante maior parte de sua vida dando-lhe vida às suas retretas. Mas, ali, naquele momento, parecia que a banda chorava por você... Ao acomodar-se no seio da terra mãe, o seu túmulo foi inaugurado com o silêncio determinado por um clarim... Melhor dizendo: por um pistom.

Uma festa triste, muito triste para nós, mas para você, com certeza, terá sido muito alegre. Onde quer que esteja receba o meu abraço e o meu respeito.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.





VAI SER CHATO TREM!


                                   



Viajando pela estrada de minha vida, fiz uma parada num ponto do qual eu guardo vivas lembranças de um fato que me ocorreu no principio dos anos 60, quando ainda eu era um adolescente.

Na década de 50 o correio brasileiro chegou a ser considerado o pior do mundo. Na década de 90 chegou a ser o melhor do mundo, segundo a Revista Forbes. ------- A partir da era PT, as roubalheiras nos correios foram tantas que hoje se pode dizer que os Correios brasileiros estão falidos, à vista do que foram.

  Naquele tempo o transporte das postagens era feito de trem. Os jornais chegavam às mãos dos leitores com até dez dias de atraso. Eles vinham com vagar, de trem, do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Eram poucos os assinantes.

As cartas e outras correspondências eram, comumente, extraviadas. Uma carta, por exemplo, para São Paulo, se não fosse aviada através de porte registrado, constantemente era consumida pela viagem. Remessas de dinheiro extraviavam-se, para onde? Só Deus sabe. E o pior, a responsabilidade não era arcada pelo correio. Não adiantava reclamar. Se reclamasse, ai então, a coisa piorava: os funcionários do correio detestavam reclamações.

Naquela busca de adolescente, querendo se firmar numa vocação ou numa profissão, eu, envolvido nas fortes propagandas que circulavam, resolvi fazer um curso de rádio por correspondência. ----- Matriculei-me, portanto, no até hoje, existente, “Instituto de Rádio Técnico Monitor”, de São Paulo. Pagava por mês CR$ 15, 00 e o quanto me era difícil o dinheiro para esse meu projeto!

Bastara-me uma só vez para que o meu dinheiro sumisse e eu desistisse de continuar estudando rádio. Foi uma frustração. Mas o que mais me chamava à atenção eram os funcionários da agência dos correios de Candeias. Eu não sei quantos funcionários têm hoje aquela agência, mas imagino que não se compara com o quadro daquele tempo.

Com o fato de incrementar o telégrafo na Agência de Candeias, teria vindo o telegrafista, Sr. Nelson e Chefe da casa. O governo teria criado diversos benefícios para os soldados da Força Expedicionária, na II Guerra Mundial. Os chamados pracinhas. Nada mais justo. Eram pessoas com problemas financeiros... Problemas psicológicos, etc. Mas, o governo os colocou nos interstícios dos correios; tivesse ou não vagas, lá entraram. Haviam também os apadrinhados políticos. E nessa leva a agência dos correios de Candeias, tornou-se num verdadeiro trem da alegria.

Os guerreiros beneficiados foram os Srs. Clovis Cambraia Alvarenga, e Humberto Pulhez. Teriam, com certeza, merecimento para receber um benefício do governo, tendo em vista trazerem consigo a maldição da guerra, ou seja, os traumas involuntários. Justo se vê, todavia, tratar-se de duas pessoas totalmente despreparadas para o cargo a que foram submetidos; apesar de louváveis e merecedores.

De outra forma, um remanejamento da ferrovia, foi levado para os correios o Sr. Ovídio Ferreira. Um cidadão, então, visto pelos jovens como esquisito, mal-humorado e excêntrico... 

Um carteiro fardado tal qual um soldado, teria ganhado o cargo como um presente político.  Para ter uma ideia, apenas o carteiro, naquele tempo, tinha um salário de vinte e quatro mil cruzeiros mensais e causava admiração em todo o mundo, como diziam, para entregar uma meia dúzia de cartas. Na época, lembro-me de vê-lo comentar que o seu salário era de dois mínimos e meio. E raramente ele era visto pela rua entregando alguma carta.

Grita-me aos olhos aquele quadro de funcionários da agência dos correios de Candeias quando eu lá chegava e perguntava humildemente:- -- Tem carta para mim Sr. Ovídio? “E uma seca resposta.” Não! Você já esteve aqui ontem!...” “Dá um tempo ai uai"!... Vejam só a incoerência daquele servidor, porque se a carta não chegasse ontem, poderia chegar hoje. Mas...

No outro dia, eu empanado na minha timidez, na minha vergonha e no medo da resposta perguntava de novo: Tem carta para mim Sr. Ovídio: "Não! Esse trem de rádio demora mesmo... Você vem aqui todo dia, vai ser chato trem"!

Vi que falava sério. Para o Sr. Ovídio que trabalhou muitos anos de sua vida na ferrovia, era um homem que morava sozinho, sem descendentes familiares, solteirão, não era de se estranhar o seu habito de tratar a tudo e a todos como trem.

Senti-me humilhado e para completar o dinheiro enviado pelo correio para pagar a prestação teria sido extraviado. Abandonei a ideia. E as raras vezes em que voltei ao correio, nunca mais me dirigi ao Sr. Ovídio. ---- Mas hoje agradeço a ele  uma lição de vida. Do lado de dentro de um balcão, fiz tudo para não ser um trem chato. A sua falta de jeito fez-me mais precavido. Foi um limão do qual eu fiz uma limonada.

Armando Melo de Castro

Candeias MG casos e acasos



A FIGURINHA DO MEU ÁLBUM


Eu gosto de futebol. Aliás, o brasileiro que não gosta de futebol deve ser uma pessoa incomum, mesmo porque, o futebol no Brasil é uma paixão nacional. Portanto, a pessoa que se diz não gostar de futebol em nenhuma circunstância, trata-se, com certeza, de uma pessoa que está fora dos padrões da normalidade.


Eu não sou aquele torcedor que quer saber de tudo que acontece na vida do seu time ou dos jogadores. Não me interessa saber o salário de um jogador; a sua vida particular etc. Basta-me saber o time que ele joga e se jogou bem. Sou torcedor sequaz da seleção brasileira. Afinal aquele que torce pelas vitórias da seleção brasileira não é apenas um apreciador da arte do futebol, mas sim um cumpridor dos deveres de bom cidadão que honra as cores da sua nação.


Entendo que torcer por uma agremiação esportiva quando esta representa o seu país é uma grande obrigação.Portanto, em épocas dos jogos da copa do mundo, eu fico bastante eufórico e muito ansioso pela vitória do time que leva o nome do meu país. Afinal, esta euforia geral é uma oportunidade que temos de exalar o nosso patriotismo. Na minha adolescência estavam no apogeu da fama os jogadores Pelé e Garrincha. E para mim aquelas jogadas do Garrincha ficaram guardadas na minha memória para sempre. Lembro-me que ao conseguir uma figurinha do Garrincha para um álbum da seleção de 1958, eu cheguei a chorar de alegria. Garrincha foi a “Alegria do Povo” e as alegrias que ele me deu na infância me levam a reverenciá-lo como torcedor do seu time da época, o Botafogo do Rio de Janeiro.


Em Minas Gerais torço pelo Cruzeiro. Talvez pelo famoso tripé que formou o grande nome do Cruzeiro: Tostão, Piazza e Dirceu Lopes... ou quem sabe, pela cor da camisa? Eu gosto muito da cor azul...Sei apenas que não seria capaz de escalar o Botafogo e muito menos o Cruzeiro.


Na minha terra, Candeias, existiam três times de futebol dos quais não tenho noticias se ainda existem: Rio Branco Esporte Clube – Clube Atlético Candeense e Associação esportiva Candeense.O Atlético tinha a sua sede no bairro do Alto do Cruzeiro e a Associação ficava no bairro da Lagem.Mas para mim o mais importante dos times candeenses, não pelo seu estádio e nem pelos seus jogadores, porque eram muito simples, mas sim pela história que para mim representa. Sempre foi e será sempre, mesmo se inexistente, o Rio Branco Esporte Clube, o meu querido “Ranca Toco”, que tinha o seu antigo estádio na Rua Coronel João Afonso, abaixo da Casa Vicente Vilela.


Entre os jogadores eu posso recordar o nome de alguns: Dedé do Alonso, Geraldo Freire, João Delminda, (meu tio) Wantuil de Castro (meu tio), Antonio do Orcilino, Lelé do Conde, Benevides, Zé Curuja, Passarinho e outros. Juiz era sempre o Quintino Enfermeiro e o Técnico era o Miguel Simões.O meu pai, Zé Delminda, era o goleiro e me levava consigo todas as tardes para vê-lo jogar e assistir o treino. E mesmo nos treinos quando aquele goleiro pegava uma bola eu enchia-me de júbilo como se estivesse hoje nas cadeiras dos estádios alemães assistindo o Dida frenar um atacante louco por vazar a rede.


Lembro-me perfeitamente numa partida final de campeonato quando o Rio Branco ganhou do Esparta Futebol Clube, de Campo Belo, por um pênalti agarrado por meu pai que saiu carregado do campo pelos torcedores e colegas de time. Nesse dia eu chorei sem saber por que chorava. Eu misturava o riso com a lágrima sem saber que fenômeno era aquele que me enchia de tanta emoção... Mas hoje sei: era a emoção do futebol. E esta emoção pode estar agora lá na Alemanha, como pode continuar viva após mais de cinqüenta anos, aqui dentro de mim.


Meu pai sempre será a figurinha mais rara do álbum estampado no meu coração!


Onde quer que esteja, meu pai, torça pelo nosso Brasil... nós precisamos de alegria.


Armando, Lagoa da Prata, 17 de junho de 2006.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

AS LARANJAS DA DONA JULITA


Numa revirada nas gavetas das minhas memórias, encontro-me com Dona Julita Macêdo, quando ela morou numa casa antiga que ficava onde está hoje, o prédio do Zé do Anjo, ao lado do galpão que estabelecia a sua oficina mecânica. 

Eu tinha os meus doze anos e meu pai havia me colocado como aprendiz na oficina mecânica.  Naquele tempo era assim: o pai chegava a casa e dizia ao filho: eu arrumei serviço para você, vai começar amanhã. Não tinha esse negocio de saber de salário e nem o que iria fazer. Era uma ordem e pronto. Os pais arrumavam serviço para os filhos trabalhar de graça e o patrão dava o que queria.


Dona Julita estava sempre costurando ou bordando, na sala e quem passasse pela rua poderia vê-la com a sua filha Ivone enquanto trabalhavam e ouviam rádio. Lembro-me de certa feita, ver e ouvir a Ivone cantando junto com Caubi Peixoto, através do rádio, a canção, “Conceição”, quando esta fazia grande sucesso.


Posteriormente ela mudou-se para uma casa nova na Rua do Capão, hoje Rua Pedro Vieira de Azevedo. Dona Julita mulher de estatura alta, magra, olhar severo, filha do coronel João Afonso Lamounier. Boa mãe, boa amiga e muito brava. Não mandava recados. 


Com essa mudança, a velha casa ficou abandonada e havia por lá um grande quintal com um pomar cheio de pés de laranjas. Eu no verde dos meus anos trabalhava sem remuneração num dos meus primeiros empregos, na oficina mecânica do Zé do Anjo. --- Não existia essa história de patrão dar lanche para empregados. A gente tomava o café da manhã, almoçava às 11 horas e jantava quando voltava à tarde para casa. Não havia horários. Parava de trabalhar quando a noite chegava. A noite era o relógio.


Da oficina poderiam ser vistas as belas frutas no quintal daquela casa esquecida; Laranjas baianas, doces e deliciosas que cresciam os meus olhos, separadas de minhas mãos apenas por um velho muro quebrado. ------ Ali os olhos viam; o estômago pedia; o cérebro autorizava e a consciência julgava.


Incentivado pelos colegas, Pato, Patinho, Bento, Carlinhos da Alzira, eu comecei a entrar no quintal da casa abandonada e roubar laranjas para todos. 


Até hoje eu sinto o sabor doce dessas laranjas. No meu entender de menino eu imaginara não estar cometendo um roubo. Estaria apenas subtraindo aquilo que estava se perdendo... 


Algum tempo depois, ao passar pela porta do Sr. Nestor Lamounier, irmão de Dona Julita, eu pude avistá-la sentada à sala do Sr. Nestor, quando fui surpreendido com o seu chamado: ----- Oi menino da roupa suja vem aqui! -----Eu levei um grande susto sendo chamado por Dona Julita a qual foi me perguntando: 


-----Como você se chama? De quem você é filho? 


Respondi: Meu nome é Armando e meu pai é Zé Delminda. Diante daquele interrogatório e eu com a consciência pesada, tremi dos pés a cabeça. E ela continuou: 


-----Fiquei sabendo que você anda roubando as minhas laranjas... 


Respondi: Foi só uma que chupei! A senhora está enganada não foi muita não...


----- Só uma né? Sei!... Você além de ladrão de laranjas ainda é um cara-de-pau. Entrou-se no meu quintal e apanhou uma laranja, é roubo. Você não é o menino que trabalha no Zé do Anjo?

Sou mais lá tem outro... 

----Mas quem rouba as laranjas?

E eu chorando respondi: Sou eu...

----Amanhã eu vou lá conversar com  o Zé do Anjo...

Naquele dia eu não dormi. Eu chorei e não podia contar o motivo. E pensava: aquela mulher vai me fazer perder o emprego... Vai me fazer tomar uma sova do meu pai. Era Semana Santa e eu rezei o tempo todo pedindo a Jesus e Nossa Senhora das Dores que me ajudasse. ----- Rezei para todos os santos e em especial para o meu Santo Antônio, mas pensando: eles não vão proteger um ladrão de laranjas, mas parece que todos me ajudaram naquele momento. 

No outro dia, ao chegar à oficina, eu pensei que iria sentir um colapso, quando vi Dona Julita bem ali saindo da velha casa e se encontrando comigo na entrada da oficina. Pensei, é agora que ela vai falar com o Zé do Anjo para me delatar. ---- Mas não. Ela esperava a mim e veio logo dizendo: "Oi menino! Eu resolvi Você podes apanhar as laranjas desde que seja só para você, para os outros não.


Diante daquela surpresa eu comecei a chorar e não tive o que falar. Minha voz sumiu e fiquei por entender o motivo daquela flexibilidade. Talvez tenha sido pelo fato de estarmos em plena semana santa. Mas eu nunca mais apanhei de suas laranjas. Nunca mais entrei no quintal de alguém. Nunca mais chupei uma laranja que não fosse conseguida de forma lícita. Tornamo-nos amigos; onde eu a via, eu aproximava-me dela a cumprimenta-la e mesmo já depois de crescido, Dona Julita me chamava de menino.


Anos depois como pintor de paredes a sua casa foi o meu ultimo trabalho em Candeias, antes de ser levado para São Paulo pelo seu filho Antônio Macêdo, para trabalhar no Banco Mineiro da Produção S.A., – posteriormente Bemge.

Sabendo ela que eu iria dali em diante trabalhar no Banco ela me disse: 


---Você é um menino bom. Vai dar-se bem no Banco. Siga o exemplo do Antônio que você será um gerente. -. 


E os anjos disseram AMÉM. 

Obrigado Dona Julita pela aula de vida que a senhora me deu. Onde quer que esteja receba o meu abraço e o meu agradecimento carinhoso.


Armando Melo de Castro


Candeias MG Casos e Acasos

UM PAGODE NOS ARRUDAS.




Depois de ouvir dizer que Rui Barbosa teria dito ter muito, ainda, para aprender da língua portuguesa, entendo que ninguém tem convicção de, realmente, entende-la perfeitamente.

Lembro-me do meu colega de curso primário; colega de seresta; meu professor de inglês, matéria a qual eu não aprendi nada; apenas algumas palavras porque não tive vocação. Trata-se do meu grande amigo, Flávio Ribeiro do Nascimento, - Flávio sempre dizia: prefiro lecionar inglês a português. Inglês é fácil, português é difícil. E aquela observação me fazia confuso.

Certa vez conversando com um outro amigo Zé Quirino, um candeense superdotado intelectual, que aprendia línguas ouvindo rádio em ondas curtas nas altas madrugadas, mas que preferia trabalhar numa olaria, característica pessoal dos superdotados... Ele também disse: a língua portuguesa é muito difícil. É mais fácil aprender inglês sem mestre...O Dr. Fernando Sousa Lima, o primeiro diretor do Ginásio de Candeias e promotor da comarca, também teria dito: os grandes gramáticos vivem discutindo teses sobre a língua portuguesa. Ela é muito difícil. E fez uma explanação bem feita sobre o assunto. Mas, nem todos pensavam como o meu amigo Flávio, Dr. Fernando e o intelectual candeense, Zé Quirino. O meu amigo Ley Careta não via tanta dificuldade na língua portuguesa. Muito pelo contrário: ele a achava fácil e explicava: Eu sou um discípulo do Chacrinha: “Se eu posso complicar para que simplificar”? O que me interessa esse negócio de verbo, substantivo, sujeito? E eu lá quero saber quem é o sujeito? Eu faço o meu português do meu jeito e com sujeito; com substantivo; com verbo etc. Igual todo mundo, só que eu invento a minha formula e todo mundo gosta. Eu faço poesias; faço discurso; faço cartas e modéstia à parte, todo mundo diz que eu falo muito bem. Por exemplo: Águia de Aia? Quem era o sujeito? Era o Rui Barbosa. – Cesta de Natal? Uma comida substanciosa para os pobres; substantivo – Jesus de Nazaré? Verbo encarnado. E ai vai...”.

Diante de tais explicações, muitos como eu, ignorantes no verdor da idade, admiravam o meu amigo Ley Careta, com a sua sabedoria e a sua forma de interpretar as coisas.Aos 17 anos de idade, eu fui cobrador de jardineira. Para quem não sabe, jardineira era aquele ônibus antigo. Tratava-se de veículo com lotação de apenas vinte e quatro passageiros. Não tinha nenhum tipo de conforto e o porta-malas ficava sobre o teto do veículo. Uma pequena escada na traseira por onde o cobrador havia de subir com a mala que quando pesada era um castigo. A empresa não tinha nem nome e o proprietário era o Zé do Ângelo. Portanto, todos diziam a jardineira do Zé do Anjo.

A linha era de Candeias x Oliveira e em Oliveira havia uma baldeação para um ônibus mais confortável da Empresa Pinheiro Ltda.Este era o caminho para quem ia à Belo Horizonte. Aquela estradinha de terra, passando pela fazenda do João Pinto, Retiro, São Francisco e Oliveira.Andávamos com um cacho de bananas verdes no carro para tapar os buracos do radiador e uma lata para enchê-lo de água em todos os córregos que ficavam no itinerário. O motorista era o Jésus do Vico. E a viagem era um sinônimo de pobreza em meio à poeira, atoleiros, frangos, ovos, verduras e de quando em vez pintava para viajar um leitão, daqueles bem saudáveis, filho de um piau de oito arrobas.Como não havia rodoviária, o ponto de partida e de chegada da jardineira ficava à porta do Bar do Raimundo do Antero, ao lado do antigo Posto de Saúde.

Numa dessas viagens, aparece como passageiro o meu amigo Ley Careta. Estava indo para Brasília onde buscaria em novos horizontes dias melhores. Brasília, recém fundada e como capital do país oferecia condição de trabalho satisfatória. Portanto, prometia ao meu amigo Ley um futuro cheio de esperanças.O amigo empanado no seu terno branco, de linho, gravatinha, agora, preta de bolinhas brancas com um lencinho no bolso superior do paletó, combinando com a gravata. Sapatos, cinto marrom e meias-pretas em total combinação. Estava uma “gracinha”. Parecia que ia a “Hollyood” para as filmagens do seu próximo filme.Sentado na poltrona 2 quando a jardineira passava sob o campo do Clube Atlético Candeense, o amigo solta aquele suspiro e diz: “Adeus Candeias! Não sei quando a verei novamente”.Foi um momento triste. Os olhos do meu grande amigo lacrimejavam e eu tentei lhe consolar. E na conversa disse-me que havia escrito uma carta muito bem escrita para o Vice-Presidente da República, então João Goulart, a qual teria sido respondida. Com a sua memória prodigiosa contou-me o teor da carta nos seus mínimos detalhes:

“Excelentíssimo, e prezadíssimo Dr. Jango: ”Sirvo-me da presente carta para pedir ao amigo de partido, PTB, um emprego. Sou eleitor do famoso Dr. Zoroastro Marques da Silva, (Dr. Zoroastro era do PSD e fazia coligação com o PTB) colega de faculdade do Dr. Juscelino e nosso chefe maior. Foi ele quem me autorizou a escrever ao nobre Vice Presidente esta modesta carta.Devo deixar claro que não faço exigências. Qualquer emprego me serve. Sou um rapaz pobre e quero começar por baixo. Dou preferência para faxineiro do Palácio, mas na impossibilidade, qualquer outra coisa serve para mim.Se for atendido, ficarei imensamente feliz e poderei fazer muito por nosso partido aqui, em minha querida Candeias. Espero uma resposta positiva e já de antemão agradeço, com recomendações do Dr. Zoroastro Marques da Silva. Assinado: Wanderley Alvarenga.


Tendo decorrido alguns dias, o meu amigo teria recebido da Vice Presidência da Republica um cartão com a assinatura de um assessor: “O Vice Presidente acolheu o seu pedido o qual será designado para local não especificado”. Esse cartão foi visto por boa parte da nação candeense. E ao ser mostrado ao Sr Álvaro Teixeira, dono do cartório, ele deu aquela sua risadinha matreira dos Teixeiras e disse: “Vai ser bobo Ley, isso ai eles mandam até para os cachorros...”. Mas o Ley não acreditou no que ouviu do experiente Vico Teixeira e teria dito: “Ele está com inveja”.Este era o motivo da viagem do meu amigo Ley. Indo cheio de esperanças... alegre... sa-tis-fei-to da vida, como diria o Padre Zezinho...Não se preocupou com o leitão dentro do ônibus e nem com as galinhas e os ovos. Não se preocupou com o CC dos colegas passageiros e nem com a poeira... Ele ia feliz em busca do emprego tão sonhado. Iria tentar falar com o “Jango” parecia até serem íntimos... E para ser verdadeiro eu cheguei a sentir uma pontinha de inveja...

Foi-se embora o meu amigo Wanderley... Foi! Mas voltou! Voltou muito mais rápido do que se esperava. O terno branco pedindo um tintureiro; Sem dinheiro, sem emprego e o pior: sem esperança.--

Meu amigo Ley, onde quer que esteja, receba o meu abraço.

Armando Melo de Castro

candeiasmg.blogspot.com
Candeias - Minas

UMA VIAGEM DE JARDINEIRA




Depois de ouvir dizer que Rui Barbosa teria dito ter muito, ainda, para aprender da língua portuguesa, entendo que ninguém tem convicção de, realmente, entende-la perfeitamente.

Lembro-me do meu colega de curso primário; o inteligente colega de seresta; meu professor de inglês, matéria a qual eu não aprendi nada; apenas algumas palavras porque não tive vocação; o meu grande amigo, Flávio Ribeiro do Nascimento, levado por Deus ainda jovem, quando Flávio sempre dizia: prefiro lecionar inglês a português. Inglês é fácil, português é difícil. E aquela observação me fazia confuso.

Lembro-me, também, de outro amigo, o Zé Quirino, um candeense, superdotado intelectual, que aprendia línguas ouvindo rádio em ondas curtas nas altas madrugadas. Ele também disse: a língua portuguesa é muito difícil. É mais fácil aprender inglês sem mestre...

O Dr. Fernando Sousa Lima, o primeiro diretor do Ginásio de Candeias e promotor da comarca, também teria dito: os grandes gramáticos vivem discutindo teses sobre a língua portuguesa. Ela é muito difícil.

Mas, tanto o meu amigo Flávio, como o Dr. Fernando e o intelectual candeense, Zé Quirino, não pensavam como o meu amigo Wanderley Alvarenga, o conhecido Ley Careta.

O amigo Ley Careta não via tanta dificuldade na língua portuguesa. Muito pelo contrário: ele a achava fácil e explicava:

Eu sou um discípulo do Chacrinha: “Se eu posso complicar para que simplificar”? O que me interessa esse negócio de verbo, substantivo e sujeito? E eu lá quero saber quem é o sujeito? Eu faço o meu português do meu jeito e com sujeito; com substantivo; com verbo etc. Igual todo mundo, só que eu invento a minha formula e todo mundo gosta e entende. Eu faço poesias; faço discurso; faço cartas e modéstia à parte, todo mundo diz que eu falo muito bem. Por exemplo: Águia de Aia? A poesia que eu gosto de declamar! Quem era o sujeito? Era o Rui Barbosa. – Uma comida substanciosa; substantivo – Jesus de Nazaré? Verbo encarnado. E ai vai...”.

Diante de tais explicações, muitos como eu, ignorantes no verdor da idade, admiravam o meu amigo Ley Careta dez anos mais velho, com a sua sabedoria e a sua forma de interpretar as coisas. Dai refletia o rifão: “Na terra de cego quem tem um olho é rei”.  Ou se for cego também, dá para se entender.

Aos 17 anos de idade, eu fui cobrador de jardineira. Para quem não sabe, jardineira era aquele ônibus antigo. Tratava-se de veículo com lotação de apenas vinte e quatro passageiros. Não tinha nenhum tipo de conforto e o porta-malas ficava sobre o teto do veículo. Uma pequena escada na traseira por onde o cobrador havia de subir com a mala que quando pesada era um castigo. A empresa não tinha nem nome e o proprietário era o Zé do Ângelo Afonso. Portanto, todos diziam a jardineira do Zé do Anjo.

A linha era de Candeias x Oliveira e em Oliveira havia uma baldeação para um ônibus mais confortável da Empresa Pinheiro Ltda. Este era o caminho para quem ia à Belo Horizonte. Aquela estradinha de terra, passando pela fazenda do João Pinto, Retiro, São Francisco e Oliveira.

Trazíamos sempre um cacho de bananas verdes no carro para tapar os buracos do radiador e uma lata para enchê-lo de água em todos os córregos que ficavam no itinerário.

O motorista era o Jésus Teixeira. E a viagem era um sinônimo de pobreza em meio à poeira, atoleiros, frangos, ovos, verduras e de quando em vez pintava para viajar um leitão, esse já morto, normalmente colocado num cesto. Grande parte da bagagem ia à meio aos passageiros.

Como não havia rodoviária, o ponto de partida e de chegada da jardineira ficava à porta do Bar do Raimundo do Antero, ao lado do antigo Posto de Saúde, nas imediações do Foto Freire.

Numa dessas viagens, aparece como passageiro o meu amigo Ley Careta. Estava indo para Brasília onde buscaria em novos horizontes dias melhores.

Brasília, recém-fundada e como capital do país oferecia condição de trabalho satisfatória. Portanto, prometia ao meu amigo Ley um futuro cheio de esperanças. O amigo empanado no seu terno branco, de linho, gravatinha, agora, preta de bolinhas brancas com um lencinho no bolso superior do paletó, combinando com a gravata. Sapatos, cinto marrom e meias-pretas em total combinação. Estava uma “gracinha” como diria a Hebe Camargo. Parecia estar indo a “Hollyood” para as filmagens do seu próximo filme.

Sentado na poltrona de número 2 quando a jardineira passava pelo campo do Clube Atlético Candeense, antiga rota da estrada que ligava Candeias a Campo Belo e Oliveira, o amigo solta aquele suspiro e diz: “Adeus Candeias! Não sei quando a verei novamente”.

Foi um momento triste. Os olhos do meu amigo lacrimejavam e eu tentei lhe consolar. E na conversa disse-me que havia escrito uma carta muito bem escrita para o Vice-Presidente da República, então João Goulart, a qual teria sido respondida. Com a sua memória prodigiosa contou-me o teor da carta nos seus mínimos detalhes:

“Excelentíssimo, e prezadíssimo Dr. Jango: ”Sirvo-me da presente carta para pedir ao amigo de partido, PTB, um emprego. Sou eleitor do famoso Dr. Zoroastro Marques da Silva, (Dr. Zoroastro era do PSD e fazia coligação com o PTB) colega de faculdade do Dr. Juscelino e nosso chefe maior. Foi ele quem me autorizou a escrever ao nobre Vice Presidente esta modesta carta. Devo deixar claro que não faço exigências. Qualquer emprego me serve. Sou um rapaz pobre e quero começar por baixo. Dou preferência para faxineiro do Palácio, mas na impossibilidade, qualquer outra coisa serve para mim. Se for atendido, ficarei imensamente feliz e poderei fazer muito por nosso partido aqui, em minha querida Candeias. Espero uma resposta positiva e já de antemão agradeço, com recomendações do Dr. Zoroastro Marques da Silva. Assinado: Wanderley Alvarenga.

Tendo decorrido alguns dias, o meu amigo teria recebido da Vice Presidência da Republica um cartão com a assinatura de um assessor: “O Vice Presidente acolheu o seu pedido o qual será designado para local não especificado”. Esse cartão foi visto por boa parte da nação candeense. E ao ser mostrado ao Sr Álvaro Teixeira, dono do cartório, ele deu aquela sua risadinha matreira dos Teixeiras e disse: “Vai ser bobo Ley, isso ai eles mandam até para os cachorros...”. Mas o Ley não acreditou no que ouviu do experiente Álvaro Teixeira e teria dito: “O Vico está com inveja porque ele é da UDN”.

Este era o motivo da viagem do meu amigo Ley. Indo cheio de esperanças, alegre e feliz da vida como se tivesse ganhado o primeiro premio da loteria federal. Ia feliz em busca do emprego tão sonhado. Iria tentar falar com o “Jango” parecia até serem íntimos...

Foi-se embora o meu amigo Wanderley... Foi! Mas pouco tempo depois estava de volta. Voltou muito mais rápido do que se esperava. Voltou desiludido após ter gasto um dinheiro que teria arrumado emprestado para a viagem. O terno branco pedindo um tintureiro; amassado, enxovalhado.  Seu rosto mostrando um semblante com as marcas do cansaço e da desesperança.
Infelizmente a experiência do Sr. Vico Teixeira falou mais alto:
"Isso ai Ley, eles mandam até para os cachorros". E o Ley agora dizia: Bem que o Vico falou...

Meu amigo Ley, onde quer que esteja, receba o meu abraço.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e