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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

TUTUCA, a minha cachorrinha.


Eu fico vendo como os cachorros são animais queridos. Como estão preferidos. Os pais já não se preocupam em comprar bonecos ou caminhõezinhos para dar de presente aos filhos. Preferem um cachorrinho que dorme no canto da cama e é chamado de filhinho, de netinho, de fofura e outros adjetivos mais.

O mercado de compra e venda desses animais se expandiu e as lojas de produtos e prestações de serviço estão em plena evolução.

Segundo dizem, o cachorro tem sido o grande amigo do homem há mais de 300 mil anos. O homem ia caçar e, como o cachorro não fazia parte do cardápio, acabou sendo domesticado e os dois passaram a viver juntos.
É, realmente, um companheiro muito fiel. O cão defende o seu dono como se esse fosse um filhote seu. E quando se ausentam, ambos são envolvidos com o sentimento da saudade.

Lembro-me de um caso singular sobre o relacionamento de um cão com os seus donos: Na Rua Coronel João Afonso, onde se encontra a atual loja do Paulinho Vilela, morava, em tempos idos, um casal sem filhos: Henrique Sotero e sua mulher Maria. Eles possuíam um cão da raça Fila Mestiço. Era um cão grande, de nome Lírio, dócil, castanho amarelado e que ficava o dia todo ao lado do seu dono sempre assentado num banquinho desses porta-de-rua.


Naquele tempo, o serviço de correio era moroso. As cartas eram transportadas em trens de ferro e demoravam dias para chegar ao seu destinatário. Em cidades como Oliveira, Cristais, Itapecerica, ou seja, cidades que não eram ligadas diretamente pela linha férrea, a correspondência, além de demorar mais, frequentemente era extraviada. Os moradores da zona rural eram bastante isolados e ficavam meses sem vir na cidade. Cartas ou recados, nesses pontos, quando com certa urgência, eram enviados por mãos próprias através dos chamados mandaletes.
Henrique era o mandalete mais procurado da cidade. Comumente, ia à cidade de Oliveira levar correspondência ou encomenda ao Bispo, por ordem do Monsenhor Joaquim de Castro quando, então, viajava à noite inteira de bicicleta ou a pé, empurrando um carrinho com a encomenda.
E, nessas viagens, Henrique Sotero se fazia acompanhado pelo seu fiel amigo Lírio.
Muitas vezes, eu pude ver a exigência da Maria do Henrique, quando no açougue do Antonio do Orcilino, encomendando uma fressura suculenta para fazer o sarapatel do Lírio. Quem via a Maria do Henrique falar do sarapatel do Lírio, ficava com a boca cheia de água e com vontade de almoçar com ele. Certa vez, eu a ouvi dizendo que o Lírio havia experimentado galinha cabidela e tinha adorado. Para quem não sabe, galinha cabidela é frango ao molho pardo. Outra coisa, também, que o Lírio saboreava, de vez em quando, era um “Montese”. Montese era um guaranazinho, tipo água de rapadura, antigo, fabricado em Campo Belo e muito popular entre a meninada candeense.

Um dia, o Lírio adoeceu. Foi um deus-nos-acuda. Procuraram o Dr. Renato Vieira. Mas, Dr. Renato se esquivou de receitar remédio para cachorro e indicou um veterinário sem diploma que havia na cidade, o Cazildo. Durante alguns dias Cazildo passou a ir ver o Lírio duas vezes ao dia a fim de tomar conta do seu estado de saúde.
O Lírio recebia visitas. E, como todo mundo tem uma inclinação em ser curador, essas visitas receitavam, mas o Lírio continuava a sua caminhada rumo à morte.
Maria chorava... Henrique chorava... Enfim, o Lírio morreu. E Maria quase morreu, também. Henrique foi providenciar o enterro. Naquele tempo, o Cemitério São Francisco era administrado pela Igreja. Henrique queria sepultá-lo no Cemitério de humanos e não ficou sem uma bronca do padre que o chamou de herege deixando-o sem saber o que era isso. ---- O padre me chamou de um nome que eu nunca escutei --- diria, mais tarde, revoltado, contra a igreja e desistente de ser católico.
Diante da negativa de enterrar o cão no Cemitério São Francisco, restou-lhes a alternativa de enterrá-lo nos fundos do quintal. Assim, foram tomadas as providências urgentes. Vicente Cornélio, o carpinteiro, foi procurado para fazer a urna funerária, inclusive, envolvida em pano roxo, segundo então, o preceito da igreja católica para os funerais humanos. Zé Pulga, o pedreiro, foi incumbido de fazer o túmulo recomendado, insistentemente, pela Maria, para colocar uma cruzinha sobre o mesmo. Portanto, não faltou, também, o símbolo maior da Cristandade. Joaquim Fortunato, acostumado com rezas bravas, foi o único benzedeiro que aceitou fazer a encomendação do corpo.
Velas, flores e visitas concluíram as pompas do velório do Lírio. Lembro-me que eu estive lá junto a outros meninos e fomos expulsos, em virtude do nosso riso, à vista daquela esdruxularia.

Como se vê, o cão é um animal distinto. Ocupa um grande espaço na literatura e tem sido grande inspiração para poetas devido a sua afinidade e fidelidade com o homem.


Eu também tive uma cadelinha. Uma pequena vira-lata que me valeu muitas alegrias e muitas lágrimas. Essa cachorrinha me foi dada de presente por uma senhora chamada Rola que residia numa velha casa existente onde hoje está localizada a loja “Mil Opções”.
Lembro-me, como se hoje fosse, o dia em que fui buscar a minha querida Tutuca, ainda filhotinha.

Vários foram os anos de convívio com a minha cachorrinha. Até hoje, eu a tenho bem guardada nas gavetas da minha memória.
Clovis Cambraia era fiscal da Prefeitura e, naquele tempo, os fiscais traziam consigo bolas de carne envenenadas para matar cachorros soltos pelas ruas. A minha cachorrinha nunca teria andado solta. Não saía de casa. Era graciosa e jamais teria aborrecido alguém. Vivia me fazendo festas, mantinha-se sempre deitadinha na porta de casa e não latia com ninguém. A noite, dormia aos pés da minha cama. Era dócil e educada. Clóvis, como não gostava de animais, talvez, envolvido por algum trauma trazido da guerra, matou a minha cachorrinha quieta, na porta de minha casa. Matou, por matar. Matou, por gostar de matar. Matou apenas para satisfazer o seu ódio inato contra os animais.

Esse é o pior dos guardados que tenho dentre as gavetas das minhas lembranças...

Armando Melo de Castro
candeiasmg.blogspot.com
Candeias – Minas Gerais

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

NICODEMOS SALVIANO


                                                 
Foto de Clara Borges.
Nas minhas caminhadas, pelos arredores da nossa cidade de Candeias, fiz passagem por uma rua de poucas casas. Uma viela que toma todo o seu lado direito pelo Cemitério São Francisco e do lado esquerdo, estão às poucas casas residenciais. ----- Trata-se da Rua Nicodemos Salviano.

Eu não conheço o critério usado pela Câmara de Vereadores de Candeias no momento de escolher uma rua a quem vai dar o nome de um cidadão merecedor desse ato de veneração e respeito. Mas, entendo tratar-se de um fato relevante, mesmo porque, isso envolve todo um processo de reconhecimento ao homenageado pelos serviços prestados a sociedade, sem esquecer o atributo de personalidade idônea.

O cidadão comum, na posteridade, esteja certo ou errado, queira ou não queira, verá na representatividade da rua a equivalência da homenagem.

Ainda que os políticos vivam considerando diferenças dentro das desigualdades, como também, das igualdades e buscando desculpas de que o conceito sobre a igualdade, de Rui Barbosa, é jurídico, não interessa. Sabemos que a desigualdade social é patente em todos os pontos e é inerente à vida. Portanto, seria de bom alvitre os senhores políticos atinarem pela lição de igualdade que Rui Barbosa deixou para os cidadãos brasileiros:

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais, com igualdade, seria desigualdade flagrante e não igualdade real.” (Rui Barbosa - Oração aos Moços).

Pelo que representa o nome do empresário, Nicodemos Salviano, para a história de Candeias, entendo que a lembrança de tomar o seu nome para colocá-lo numa rua, por parte dos representantes do povo candeense, na Câmara Municipal, foi justa, muito justa. Mas a escolha da rua não teve um critério judicioso. A Câmara não usou de equidade ao escolher a rua onde estaria cravado o nome de um cidadão como poucos na história de Candeias.
Esse ponto de vista não visa ferir a essencialidade da rua. Apenas busca elevar o merecimento do homenageado no sentido de fazê-lo mais evidente.
Portanto, peço desculpas aos senhores moradores da Rua Nicodemos Salviano.

Nicodemos Salviano, o popular candeense tratado pelos amigos de Nico Pacheco, nasceu no dia 04 de abril de 1895, em Candeias. Filho único de Antônio Rodrigues Salviano e Maria Eufrásia de Jesus.
No seu tempo, não havia em Candeias nenhuma escola regular. Portanto, foi educado pelo então pároco, Padre Américo Brasileiro, homem de profunda cultura com quem aprendeu a ler, escrever e adquiriu conhecimentos básicos, além de aprender línguas, entre elas, latim, espanhol e francês. Estudou, também, com o Padre Américo, a arte da música, o que lhe fez ser grande apreciador da música clássica e um louvável pistonista da Corporação Musical de Candeias, da sua época.

Em 1922, após acordo de seu pai com o Sr. Antonino Basílio de Azevedo, da cidade de Itapecerica-MG, casou-se com Dona Zita Bemaventurada dos Santos que contava à época 16 anos, sendo ele onze anos mais velho que ela. Tiveram vários filhos, dos quais, onze sobreviveram. São eles:
Zizica – Aparecida – Terezinha - Antônio - Alba - Santa - Agda
Nicodemos - Zita - Raimundo e Rosália.

Começou a vida como carpinteiro, porém, no decorrer do tempo, realizou vários empreendimentos, muitos ao mesmo tempo. Destacam-se, entre eles:

Olaria, no lugar denominado Cachoeirinha;
Exploração de jazidas de calcário, nas comunidades de Trindades e Bugios;
Fabricação de farinha de mandioca;
Fabricação de farinha de milho;
Beneficiamento de arroz;
Moinho de Fubá;
Torrefação de café da marca “Café Ene Esse”; (NS)
Fabricação de ladrilhos hidráulicos;
Fabricação de móveis;
Fabricação de urnas funerárias;
Fabricação de bancos de cimento; --- existentes, ainda, nas Praças de Candeias ---.
Fabricação vigas e pré-moldados;
Revendedor de material para construção, inclusive cimento.
O Grupo Industrial do senhor Nicodemos Salviano, formado por diversas pequenas empresas, tinha como sede a Rua Salatiel de Carvalho, 84, e funcionava nos galpões, até hoje lá existentes, já em estado precário, numa área ligada com a sua residência.
Nicodemos foi também dedicado à política do Município, desde os tempos em que Candeias era distrito de Campo Belo.

Ocupou cargos públicos como juiz de paz e delegado de polícia. Membro de diretório e candidato ao cargo de vice-prefeito, na década de 50.

Autodidata que nunca parou de estudar. Gostava de inventar coisas e aprendeu a profissão de construtor tendo adquirido o registro no CREA sob nº. 138. Com essa especialidade, construiu inúmeras casas em Candeias muitas das quais ainda existem na sua forma original.

Foi um grande amigo e braço direito, para muitas obras, do Monsenhor Joaquim de Castro. Junto a ele, construiu o cinema de Candeias e, mais tarde, dirigiu a sua reforma transformando-o no prédio que ainda hoje existe, quase na sua forma original.
Sob a orientação do Monsenhor Castro, reuniu um grupo de amigos, entre eles Sebastião Salviano e Antônio Freire, quando fundaram o Círculo Operário São José que tinha por objetivo unir e apoiar a classe operária, tendo sido o seu primeiro tesoureiro.
Foi o construtor das primeiras casas da Vila Vicentina. Foi também o responsável pela construção da Santa Casa de Candeias, instituição que não se concretizou, além de muitas outras construções, algumas já demolidas e outras ainda de pé, como o prédio do Bar Piloto.

Enfrentou o seu maior desafio ao dar início à reforma da antiga Matriz de Candeias. Dirigiu os primeiros trabalhos e ficou à frente da construção da nova Matriz até por volta de 1965. Desgostoso com o rumo que as obras tomavam, adoeceu e veio a falecer, em 19 de fevereiro de 1970, dois anos após a morte de seu grande amigo e confessor Monsenhor Castro.

Alguns casos pitorescos, lembrados por seus filhos e narrados por sua neta materna, Clara Salviano Borges:

Conta-se que ele estava trabalhando na casa de uns franceses que aqui residiam. A mulher, com medo de que ele fosse uma pessoa desonesta, guardou o relógio de ouro do marido. Esse, ao procurar pelo relógio, perguntou a ela, em francês, se ela tinha visto o objeto. Nicodemos respondeu, também em francês, que ela o havia guardado, deixando os dois sem graça.

Diz-se que o Monsenhor possuía uma mula que só deixava o dono montá-la. Aí, meu avô vestiu a batina do padre e montou, enganando o animal.

Ele inventou uma tinta para caneta (usava-se apenas canetas tinteiros na época), feita de amora. Ensinou o segredo apenas para o Sr. Cristovam Alvarenga e não deixou registro da invenção que acabou se perdendo.

Outra tia contou dois casos: ele tinha um amigo que morava em uma rua, mais abaixo da sua casa, e, quando o amigo passava, os dois se comunicavam através de assobio, dizendo frases inteiras por esse meio, se entendendo perfeitamente. E com sua veia de inventor, comprou, certa vez, um automóvel velho da marca Ford que desmanchou para aproveitar peças e, com um pedaço, fez a porta do forno de fogão à lenha que ainda está inteira no mesmo local.

Nicodemos Salviano dedicou toda a sua vida à sua terra natal. Aqui nasceu, viveu e morreu. Nasceu, quando Candeias, estava longe de ser uma cidade. Era uma vila sem recursos e sem expectativas, pois, somente em 1938, aconteceu a emancipação do Município, contando, inclusive, com o seu esforço como um dos aliados do emancipador, Dr. Zoroastro Marques da Silva.

Constituiu a sua família com dignidade. Os percalços da vida sempre foram enfrentados quando amparado por uma religiosidade fiel. Sempre de mãos em punho para a luta e colocando sempre a sua inteligência à prova.

Dado à sua autoridade moral e ao seu comportamento lhano era também conselheiro. Muitos pediam o seu conselho, nos momentos de dúvida.

Infelizmente, as empresas do senhor Nicodemos Salviano não subsistiram após a sua morte depois de terem servido a nossa cidade, durante muitos anos.

Quem passar pela Rua Salatiel de Carvalho poderá ver o cenário do que restou, depois de uma longa história de muitos ideais. Trata-se da obra do tempo. O tempo, esse ácido que mata virtudes e ironiza destinos, que transforma a matéria, brinca com a imensidão e corrói a vida em troca da morte.

Os escombros do velho galpão onde funcionava a máquina de beneficiar arroz e a marcenaria. Ali se fabricava de tudo, inclusive urnas funerárias, aquelas de modelos antigos, envolvidas num tecido roxo. Antônio, o filho do Nicodemos, estava sempre ali produzindo aqueles caixões mortuários, quando falecia alguém.

Do lado de fora, está o engenho de serra carcomido pela ação do tempo, parado e ainda contendo a serra fita, como se estivesse esperando alguma tora para serrar.
Ao lado, está o barracão destinado à fábrica de bancos e ladrilhos dando frente para o pátio de secagem dos produtos e outras atividades.

Num canto contíguo, está o galpão da torrefação do Café Ene Esse. Uma das primeiras marcas de café torrado e empacotado da nossa região. Muitas pessoas viram, pela primeira vez, esse tipo de produto através do “Café Ene Esse”, popularmente, tratado de “Café do Sô Nico”.

Um cenário triste para quem se lembra da movimentação existente naquele local, hoje com o silêncio das máquinas e o cessar dos martelos.
Naquela área restrita, havia lugar para tudo e se não tivesse, ou se inventava ou se arranjava.

A família, como base fundamental da sociedade, faz nascer de si valores que dão guia à vida das pessoas. Portanto, é dela que nasce o líder que se coloca disposto, não só pela necessidade de pertencer a ela, mas para servi-la. E é assim que consigo ver você, Nicodemos Salviano. A singularidade do seu modo de vida e a contribuição que você deu à história de Candeias, o faz ilustre. Portanto, hoje, lembramos você e escrevemos aqui para que as pessoas que não lhe conheceu possam saber quem foi você. Um nome digno de respeito e que escreveu um maravilhoso capítulo da história de Candeias.

Obrigado, Nicodemos Salviano! Muito Obrigado!

Armando Melo de Castro
Candeias – Minas Gerais