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quinta-feira, 28 de junho de 2018

A CANDEIAS DE DONA MARIA DO ESTEVÃO.



Lembro-me, muito bem e sempre hei de lembrar, de como a pobreza rondava às portas dos candeenses que não eram comerciantes legalizados; não tinham emprego com carteira assinada; não tinham emprego público e os lavradores rurais que eram em grande número agregados dos fazendeiros, e muitos viviam como verdadeiros escravos sem nenhum vínculo empregatício e nem representatividade governamental. 

----- A CLT - Consolidação da Leis do Trabalho, já existia, mas isso em cidade pequena era como não existisse. As leis do trabalho não funcionavam ------ Sindicato era uma palavra desconhecida. Aposentados eram apenas os comerciantes legalizados, funcionários públicos e empregados registrados com carteira de trabalho. Mas esses eram raros e mínimos na nossa comunidade candeense.

As famílias eram numerosas, às vezes um trabalhador sem nenhum ofício, sem nenhuma garantia de renda, tinha meia dúzia de filhos ou mais. Os métodos contraceptivos eram poucos e desconhecidos. Além disso, a Igreja os condenava. Os padres mais conservadores chegavam a dizer que isso era um crime.

O comercio limitava-se em pequenos empórios de secos e molhados onde as mercadorias não eram embaladas; era vendido praticamente tudo a granel e em qualquer quantidade. Muitas famílias compravam o suficiente para fazer uma só refeição tendo em vista a falta de recursos.

A saúde era precária. Candeias contava com dois médicos. O Dr. Zoroastro Marques da Silva e o Dr. Renato Vieira. --- O Dr. Zoroastro era mais dedicado ao Posto de Saúde, que naquele tempo era Posto de Higiene. ----- Era um atendimento precário e os medicamentos fornecidos eram poucos na maioria dos casos purgantes e lombrigueiros. ---- O médico não tinha nenhum recurso e o posto era sempre lotado; e os doentes eram sempre da camada mais pobre que não podia, às vezes, nem comprar os remédios. ---- Ainda bem que o nosso querido Dr. Zoroastro era um médico muito experiente e coordenava isso muito bem através de meias receitas ou curando doentes até mesmo à base de chá. ----- 

O Dr. Renato Vieira era um bom clinico geral, contudo, médico apenas para atendimento particular ou para aqueles que tinham assistência médica de acordo com o seu Instituto. --- Não Havia o INPS. Cada categoria de trabalhador tinha o seu Instituto. Alguns por exemplo: IAPC – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários. ---- IAPB-  dos Bancários ---- IAPTEC de transportes e cargas; ----IAPI da indústria e outros mais que em 1966 foram unificados formando apenas o INPS. ----- Mas quem não tinha um “Instituto” continuou desprotegido pelas leis. ---- A vila Vicentina amparava aqueles trabalhadores a partir do momento em que eles não davam mais conta de trabalhar. Não havia aposentadoria como nos dias atuais.

Câncer, nesse tempo, era doença mais rara. ---- Aliás, as pessoas não gostavam de pronunciar esse nome e diziam-se “doença ruim”. --------Se fosse uma doença mais grave, fosse qual fosse a doença, se tivesse que pagar um médico e o seu problema não fosse resolvido com precariedade pelo  Dr. Zoroastro, o seu futuro era o cemitério.  ---- Nos casos mais graves quando o doente podia pagar, às vezes, era levado para o Hospital São Vicente, de Campo Belo, que também não tinha grandes recursos. ----- 

Resumindo, a saúde era precária não só pela falta de médicos como também pela falta de poder aquisitivo para os produtos farmacêuticos. “Muitas pessoas morriam através do “chamado “ à míngua”. 

As pessoas se curavam em grande parte com remédios fitoterápicos. Em Candeias havia muitos raizeiros sendo o mais importante deles o Sr. Chico do Viriço, ele talvez tivesse mais clientes do que os dois médicos que havia na cidade. Afinal a pobreza era grande e de todo o Brasil.

A segurança era lamentável. Os policiais não eram bem orientados como hoje. O município contava com um destacamento de 1 cabo e 2 soltados. E os delegados eram indicados pela politica, os chamados “Calças Curtas” ---- Os amigos dos delegados faziam e desfaziam porque não iam presos. ---- O destacamento policial não tinha uma formação adequada como hoje. Naquele tempo se exigia muito pouco de cultura para um policial. E o cabo pensava que era um coronel enquanto o soldado pensava que era um tenente coronel, Muitos bebiam bebidas alcoólicas fardados; ----- eram arbitrários e faziam muito o uso do cassetete indevidamente. ----

Em épocas de festas não vinham reforços policiais e eram convocados os chamados “Bate pau”, nomeado pelo Delegado. Ai a coisa era triste porque esses indicados eram pessoas que não tinham nenhum tipo de preparo e queriam aparecer. E ao substituírem os policiais fardados pensavam que eram os tais e parece que pensavam que eram filhos do delegado.--- Esses elementos se tornavam  as pessoas mais antipáticas da cidade. 

-----A segurança em Candeias melhorou muito a partir de quando o destacamento passou a ter o comando de um sargento. É claro que isso não se generalizava, havia também os bons policiais como temos um exemplo em Candeias, ainda de parte desse tempo,  o nosso amigo Romeu hoje aposentado, que merece ser mais reconhecido pelos candeenses, dado ao excelente trabalho policial que exerceu em Candeias.

A Educação era boa. O Grupo Escolar Padre Américo, onde eu estudei de 1953 a 1958 era o único e muito bom. Muita disciplina e muito empenho das professoras. --- Naquele tempo se o aluno não fosse aprovado era a chamada “bomba”. Eu repeti o 3° ano em 1955 e 1956. No primeiro porque tive um problema de saúde e o segundo por causa da troca de professoras durante três vezes no mesmo ano, e a turma quase toda foi reprovada, apenas quatro alunos foram classificados. Não porque eram gênios, mas porque eram demasiadamente disciplinados e muito ligados às professoras, além de já serem repetentes anteriores. ----- Mas isso não denigre de forma alguma a qualidade do ensino e nem das professoras do Padre Américo daquele tempo. Trata-se de um caso isolado que não deve ser comentado aqui.

Nesse cenário que pode ser visto até mesmo com certa angústia por quem viveu nesse tempo das “vacas magras” da nossa cidade;  -----  tempo quando a pobreza não era apenas a falta de dinheiro; quando rico era rico e pobre era pobre  de verdade, eu remexo nos cofres da minha memória e encontro o nome de uma pessoa que participou da vida de muitos candeenses já falecidos e muitos ainda vivos assim como eu.

Trata-se de uma senhora cujo nome era MARIA DO ESTEVÃO.  Eu tenho muito pouco para falar da vida de dessa senhora. Mas o pouco que falo, o faço do fundo do meu coração.  Sei apenas que era uma mulher já idosa, esposa de um senhor que trabalhava nas roças, e se chamava Estevão  ----  e de seus dois filhos Messias e Altivo. Morava pelas bandas da Chácara do Hamilton Marques. ----  Era magra e trazia os cabelos presos e cobertos por um lenço branco, vestido rústico com a barra meia canela e calçado tipo alpercata. ----- Estava sempre de posse de um grande cigarro de palha.

Dona Maria do Estevão era parteira. Foi a minha parteira e de todos os meus irmãos. Foi parteira de muitos candeenses inclusive, nas roças quando era levada pelo marido da parturiente com antecedência, onde estaria aguardando a chegada do filho ao mundo. 

Era uma mulher pobre que atendia a pobreza. Com dinheiro ou sem dinheiro; nunca deixou de atender alguém.  Ela permanecia dias assistindo à parturiente, dedicando toda a sua atenção. O seu nome hoje é um nome praticamente esquecido quando não deveria ser.  -----

Assim Dona Maria do Estevão,  receba o meu carinho. ----- Que Deus lhe pague por ter me recebido com tanto carinho e cuidado, quando cheguei a este mundo através de suas mãos ----- assim como conta a minha mãe durante toda a minha vida. ----- Muito obrigado, eu lhe serei sempre muito agradecido. Eu tenho a certeza de que a senhora está com Deus.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.