Lembro-me, muito bem e
sempre hei de lembrar, de como a pobreza rondava às portas dos candeenses que
não eram comerciantes legalizados; não tinham emprego com carteira assinada;
não tinham emprego público e os lavradores rurais que eram em grande número
agregados dos fazendeiros, e muitos viviam como verdadeiros escravos sem nenhum
vínculo empregatício e nem representatividade governamental.
----- A CLT - Consolidação da Leis do Trabalho, já
existia, mas isso em cidade pequena era como não existisse. As leis do trabalho
não funcionavam ------ Sindicato era uma palavra desconhecida. Aposentados eram
apenas os comerciantes legalizados, funcionários públicos e empregados
registrados com carteira de trabalho. Mas esses eram raros e mínimos na nossa
comunidade candeense.
As famílias eram numerosas, às vezes um
trabalhador sem nenhum ofício, sem nenhuma garantia de renda, tinha meia dúzia de filhos ou mais. Os métodos contraceptivos eram poucos e desconhecidos.
Além disso, a Igreja os condenava. Os padres mais conservadores chegavam a
dizer que isso era um crime.
O comercio limitava-se em
pequenos empórios de secos e molhados onde as mercadorias não eram embaladas; era
vendido praticamente tudo a granel e em qualquer quantidade. Muitas famílias
compravam o suficiente para fazer uma só refeição tendo em vista a falta de
recursos.
A saúde era precária. Candeias contava com dois médicos. O
Dr. Zoroastro Marques da Silva e o Dr. Renato Vieira. --- O Dr. Zoroastro era
mais dedicado ao Posto de Saúde, que naquele tempo era Posto de Higiene. -----
Era um atendimento precário e os medicamentos fornecidos eram poucos na maioria
dos casos purgantes e lombrigueiros. ---- O médico não tinha nenhum recurso e o
posto era sempre lotado; e os doentes eram sempre da camada mais pobre que não
podia, às vezes, nem comprar os remédios. ---- Ainda bem que o nosso querido
Dr. Zoroastro era um médico muito experiente e coordenava isso muito bem
através de meias receitas ou curando doentes até mesmo à base de chá. -----
O Dr. Renato Vieira era um bom clinico geral, contudo,
médico apenas para atendimento particular ou para aqueles que tinham
assistência médica de acordo com o seu Instituto. --- Não Havia o INPS. Cada
categoria de trabalhador tinha o seu Instituto. Alguns por exemplo: IAPC – Instituto
de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários. ---- IAPB- dos Bancários ---- IAPTEC de transportes e
cargas; ----IAPI da indústria e outros mais que em 1966 foram unificados
formando apenas o INPS. ----- Mas quem não tinha um “Instituto” continuou desprotegido
pelas leis. ---- A vila Vicentina amparava aqueles trabalhadores a partir do momento
em que eles não davam mais conta de trabalhar. Não havia aposentadoria como nos
dias atuais.
Câncer, nesse tempo, era doença mais rara. ---- Aliás, as
pessoas não gostavam de pronunciar esse nome e diziam-se “doença ruim”.
--------Se fosse uma doença mais grave, fosse qual fosse a doença, se tivesse que pagar um médico e o seu
problema não fosse resolvido com precariedade pelo Dr. Zoroastro, o seu futuro era o cemitério. ---- Nos casos mais graves quando o doente podia pagar, às vezes, era levado para o Hospital São Vicente, de Campo Belo, que também não tinha grandes recursos. -----
Resumindo, a saúde era precária não só pela falta de
médicos como também pela falta de poder aquisitivo para os produtos farmacêuticos. “Muitas
pessoas morriam através do “chamado “ à míngua”.
As pessoas se curavam em grande parte com remédios fitoterápicos.
Em Candeias havia muitos raizeiros sendo o mais importante deles o Sr. Chico do
Viriço, ele talvez tivesse mais clientes do que os dois médicos que havia na
cidade. Afinal a pobreza era grande e de todo o Brasil.
A segurança era lamentável. Os policiais não eram bem
orientados como hoje. O município contava com um destacamento de 1 cabo e 2
soltados. E os delegados eram indicados pela politica, os chamados “Calças
Curtas” ---- Os amigos dos delegados faziam e desfaziam porque não iam presos.
---- O destacamento policial não tinha uma formação adequada como hoje. Naquele
tempo se exigia muito pouco de cultura para um policial. E o cabo pensava que
era um coronel enquanto o soldado pensava que era um tenente coronel, Muitos bebiam bebidas
alcoólicas fardados; ----- eram arbitrários e faziam muito o uso do cassetete
indevidamente. ----
Em épocas de festas não vinham reforços policiais e eram
convocados os chamados “Bate pau”, nomeado pelo Delegado. Ai a coisa era triste
porque esses indicados eram pessoas que não tinham nenhum tipo de preparo e
queriam aparecer. E ao substituírem os policiais fardados pensavam que eram os
tais e parece que pensavam que eram filhos do delegado.--- Esses elementos se tornavam as
pessoas mais antipáticas da cidade.
-----A segurança em Candeias melhorou muito
a partir de quando o destacamento passou a ter o comando de um sargento. É claro que isso não se generalizava, havia também os
bons policiais como temos um exemplo em Candeias, ainda de parte desse
tempo, o nosso amigo Romeu hoje aposentado, que merece
ser mais reconhecido pelos candeenses, dado ao excelente trabalho policial que
exerceu em Candeias.
A Educação era boa. O Grupo Escolar Padre Américo, onde
eu estudei de 1953 a 1958 era o único e muito bom. Muita disciplina e muito empenho das
professoras. --- Naquele tempo se o aluno não fosse aprovado era a chamada
“bomba”. Eu repeti o 3° ano em 1955 e 1956. No primeiro porque tive um problema
de saúde e o segundo por causa da troca de professoras durante três vezes no
mesmo ano, e a turma quase toda foi reprovada, apenas quatro alunos foram
classificados. Não porque eram gênios, mas porque eram demasiadamente
disciplinados e muito ligados às professoras, além de já serem repetentes
anteriores. ----- Mas isso não denigre de forma alguma a qualidade do ensino e
nem das professoras do Padre Américo daquele tempo. Trata-se de um caso isolado
que não deve ser comentado aqui.
Nesse cenário que pode ser visto até mesmo com certa
angústia por quem viveu nesse tempo das “vacas magras” da nossa cidade; ----- tempo quando a pobreza não era apenas a falta
de dinheiro; quando rico era rico e pobre era pobre de verdade, eu remexo nos cofres da minha
memória e encontro o nome de uma pessoa que participou da vida de muitos
candeenses já falecidos e muitos ainda vivos assim como eu.
Trata-se de uma senhora cujo nome era MARIA DO
ESTEVÃO. Eu tenho muito pouco para falar
da vida de dessa senhora. Mas o pouco que falo, o faço do fundo do meu coração.
Sei apenas que era uma mulher já idosa,
esposa de um senhor que trabalhava nas roças, e se chamava Estevão ---- e de seus
dois filhos Messias e Altivo. Morava pelas bandas da Chácara do Hamilton
Marques. ---- Era magra e trazia os
cabelos presos e cobertos por um lenço branco, vestido rústico com a barra meia
canela e calçado tipo alpercata. ----- Estava sempre de posse de um grande
cigarro de palha.
Dona Maria do Estevão era parteira. Foi a minha parteira
e de todos os meus irmãos. Foi parteira de muitos candeenses inclusive, nas
roças quando era levada pelo marido da parturiente com antecedência, onde estaria
aguardando a chegada do filho ao mundo.
Era uma mulher pobre que atendia a
pobreza. Com dinheiro ou sem dinheiro; nunca deixou de atender alguém. Ela permanecia dias assistindo à parturiente,
dedicando toda a sua atenção. O seu nome hoje é um nome praticamente esquecido
quando não deveria ser. -----
Assim Dona Maria do Estevão, receba o meu carinho. ----- Que Deus lhe pague por
ter me recebido com tanto carinho e cuidado, quando cheguei a este mundo através de suas
mãos ----- assim como conta a minha mãe durante toda a minha vida. ----- Muito obrigado, eu lhe serei sempre muito agradecido. Eu tenho a certeza de que a senhora está com Deus.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.