Descendo a Avenida Alvino Ferreira, indo para o Alto da Igrejinha, no Bairro Jaci, encontrava-se a Chácara do Porfirio. Entre os filhos do Porfirio, havia a Benedita, portanto, Benedita do Porfirio, sua filha mais nova.
Moça beata, balzaquiana, contando os seus
trinta e cinco anos, branca, bem branca, fala mole, cabelos ondulados, dentes
amontoados, fanhosa, buço compatível com bigode masculino e uma barriga tipo pera;
coisa de quem não se preocupa com dietas para emagrecer. Se no mundo existem
pessoas sistemáticas, eu posso garantir que nunca vi, em toda a minha vida,
alguém mais ranheta.
Por ser a caçula, viu morrer a família toda. Não tinha mais os seus pais
e nem irmãos e seus sobrinhos não a toleravam dado ao seu temperamento
sistemático, esquisito e maníaco.
Não conseguia empregar-se em virtude da sua morosidade para executar
qualquer tarefa. Todos na cidade a conheciam e era sabida a sua incondicionalidade
de assumir um emprego. Vivia de “deu-em-deu”, morando de favor nas casas dos
outros em troca de cama e comida pelos seus parcos serviços domésticos.
Demorava mais de duas horas para lavar a louça após uma refeição.
Levantava-se após as oito ou nove horas da manhã e não tinha pressa para
nada. Quando entrava no banheiro, este se tornava seu monopólio. -------- Se
por ventura, estivesse à sombra de um telhado prestes a desabar, talvez, o
esperasse cair para sair correndo. Saindo para ir a algum lugar, o tempo não
era o seu problema, mesmo porque, Benedita detestava relógios.
Descuidada em demasia. Copos, xícaras e pratos viviam
caindo de suas mãos. Sua lentidão era, então, atribuída a tudo: trabalhar, falar,
andar, comer, pensar, enfim: até para tomar um copo com água Benedita era
lenta.
Era preciso ter paciência demasiada para tolerar a lentidão da moça.
Portanto, não conseguia emprego, pois a sua morosidade espantava qualquer dona
de casa interessada e tinha mais: Qualquer coisinha poderia ser tomada por
ofensa. Era como se dizem: espinhada, desconfiada e danada para entender as coisas de forma errada.
Jamais teria tocado em um homem. Não tinha nenhuma história nesse
sentido. Tudo era pecado, tudo era banal e tudo era coisa do diabo.
Em determinadas horas, estava de posse de uma agulha e linha, trabalhando um
pano de crochê que jamais alguém o vira terminado.
Quando estava sem onde morar, pedia alguém, pousada por alguns dias até
arrumar um local para ficar. Daí, ela se acomodava e não saía deixando a
família hospedeira numa situação, às vezes, difícil e constrangedora pela
dificuldade de ver-se livre dela. Convidada a sair, o fazia protestando ,
xingando e rogando pragas àqueles que teriam lhe ajudado. Era, portanto,
Benedita do Porfírio, uma pessoa muito complicada.
Certa vez, viu-se, completamente, sem alento. Teria ficado já em
diversas casas em suas condições costumeiras e já não lhe estava fácil arrumar
onde ficar. Toda casa na qual ficara, saiu inimiga das pessoas e falando mal.
A Vila Vicentina não lhe aceitava por ser, ainda, uma mulher
jovem e que poderia cuidar do seu sustento. Todavia, no fundo, Benedita
gostava mesmo era de morar de graça e não ter um compromisso efetivo com o
trabalho.
Nesse momento de sua vida, procurou a nossa casa. Pediu a minha mãe
pousada por apenas uma semana, quando já teria arrumado onde ficar. Mesmo
diante da falta de condições de então, mas tendo em vista o curto tempo
previsto, minha mãe, envolvida no seu espírito caritativo, cedeu-lhe um canto
da sala de nossa casa onde pudesse dormir e se alimentar durante alguns dias
para arrumar o lugar já previsto.
Entretanto, ela não saiu no tempo prometido. Não arrumava outro
lugar e tirando a liberdade da casa, foi se acomodando, sem nenhuma previsão de
sair. Desse modo, minha mãe teve que ser franca, afinal, teria lhe
concedido asilo por uma semana apenas, e o tempo já acumulava três meses.
Até que, enfim, ela saiu. Pegou as suas roupas e se foi. Voltando-se
quinze dias depois para buscar uma peça de roupa que havia deixado esquecida.
Após chegar, com uma cara de poucos amigos, disse para a minha mãe que
teria arrumado um lugar muito melhor que a nossa casa onde supunha que ninguém
a dispensaria, assim, numa forma indireta de se fazer entender. Quando minha
mãe, na maior das inocências, lhe diz:
---A Maria do Dondico me disse que viu você entrar na Rola do Estevão.
Ao ouvir essa frase, Benedita virou uma serpente e ninguém nunca havia
lhe visto falar tão alto, parecia que havia perdido o fanho sendo clara e
agressiva: Falava, abanava e, por pouco, não agrediu a minha mãe:
---"Eu não entrei na rola de ninguém. Eu sou uma moça de boa família. Sou
virgem e vou morrer virgem porque sou pura e honesta, sua desgraçada! Eu nunca
vi rola de
homem nenhum não! Eu não sou moça disso não, sua fofoqueira..."
A sua reação mostrava, claramente, não ser ela tão pura como dizia...
homem nenhum não! Eu não sou moça disso não, sua fofoqueira..."
A sua reação mostrava, claramente, não ser ela tão pura como dizia...
Fazer o bem às vezes vira pecado.
NB) Rola era a esposa do Sr. Estevão, comerciante no ponto onde hoje
está estabelecido o Armazém do Divino e todos a tratavam de Rola do Estevão.
Armando Melo de Castro
Candeias MG casos e acasos