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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A MINHA MACARRONADA.



Hoje, eu amanheci sendo levado para a minha querida Candeias  pelo vento da saudade e fui me acomodar na minha infância cheio de desejo tal qual uma mulher grávida. --- Bateu em mim a vontade danada de comer uma macarronada daquelas antigas que minha mãe fazia no domingo que não tinha frango. A iguaria era feita do macarrão Pieroni, um produto fabricado na cidade de Formiga. O mais barato, o pior e o mais consumido. Na embalagem tinha a foto da fábrica e o número de 1 a 5; número 1 o mais fino e número 5 o mais grosso. --- O produto não era visível como nos dias atuais. A embalagem era num papel comum, azulado, motivo do número indicativo.

Era um macarrão azedo, mas como nesse mundo com tudo se acostuma o pobre não vive de apreciar sabor e sim de matar a fome. A gente comia e achava muito bom. O domingo era dia de passar bem, se tinha frango não tinha macarronada e se tinha macarronada não tinha frango. As verduras e legumes nesse dia dava-nos um descanso para o estômago.

A macarronada era exclusiva dos domingos e feita com o macarrão mais grosso. Cozinhava-o e depois de escorrê-lo ia acrescentando-lhe, em camadas, o molho de massa de tomate e carne moída, completando com queijo ralado. --- Havia outra formalidade que a minha mãe fazia o macarrão, contudo em outros dias da semana. Um outro jeito muito apreciado entre os meus era com molho de feijão.  Após escorrê-lo como se fosse para a macarronada, coava o feijão e fazia um molho do caldo com cheiro verde, cebola de cabeça e carne seca.

A gente comia aquilo como se estivesse degustando o manjar dos deuses. Parecia até que estávamos participando do cardápio da Santa Ceia. Meu pai comprava uma garrafa de vinho Vênus, o mais barato, e dava um golinho para cada filho.

Existiam outros macarrões como o “Ferrini” da cidade de Itajubá, e  o Marilu --- menos azedos e mais caros. --- O mais consumido, porém, era o “Pieroni”, fábrica que posteriormente com o avanço das indústrias de pastifícios veio a falir. ---- A macarronada do grosso Pieroni era também servida nos almoços que as pessoas faziam para dar aos ternos das Festas do Rosário, que muitos chamam de “Macarronada de Congado”.

Afinal, era o tempo das vacas magras. --- Com o passar dos tempos, a fabrica do “Ferrini” pegou fogo e ele desapareceu de vez. Ficaram o “Pieroni” e o Marilu, como concorrentes. Com o advento desses macarrões especiais, com ovos etc. e com a evolução o “Pieroni” e o Marilu sumiram do mapa. --- Em Candeias ainda se encontra esse tipo de macarrão no comércio do Paulinho Vilela. É difícil encontra-lo porque só o preferem as pessoas que o apreciaram na sua infância.

A gente comia até encher a pança e depois lambia o beiço igual um cachorrinho. Lembro-me de ver as minhas irmãs dizendo: “Mãe eu quero mais”. ------ Felizmente, minha mulher Carmelita sabe fazer do jeitinho que minha mãe o fazia e eu posso matar a saudade e matar o meu desejo.

Saudade! Só tem saudade quem tem arquivos de alegria no coração! --- Hoje, vou me assentar na minha banqueta e dizer: “Mãe eu quero mais”. --- 

Saudade: presença dos ausentes (Olavo Bilac)

Armando Melo de Castro.

Candeias MG Casos e Acasos.







quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

AS MUDANÇAS DA VIDA.


Mudança é aquilo que mexe com a vida da gente e pode ser tanta coisa! Mudança de caráter; mudança de casa; mudança de cidade; mudança de emprego; mudança de funcionário; de prefeito; de padre; mudança de marcha... Enfim esse vocábulo está sempre mudando a nossa posição, o nosso pensamento e a nossa atitude em alguma coisa. E essas mudanças podem mexer com a gente por dentro e por fora. --- Mas para mim, existem duas mudanças importantes, que dado ao aguaceiro caído dos céus nesses últimos dias, naturalmente enviado por Deus, me leva a uma olhada no meu retrovisor e dar um passeio pelos primeiros quilômetros da estrada da minha vida e ver não apenas as mudanças na vida, como também as mudanças da vida. ---- 

Meu Deus! Como tem chovido aqui em Juiz de Fora nesses dias... Eu um aposentado preso no aposento há uma semana sem poder dar uma saidinha, assentar num dos bancos do Parque Halfeld e papear com a patota de “setenta pra cima”, numa forma especial de pesquisar como estou indo pela vida nos meus quase 74 anos...

É duro ter que ficar preso o tempo todo dentro de um apartamento em dias de chuva. E o pior: é não poder reclamar por uma questão de princípios e não ter como evitar o pensamento sobre aquilo que não devemos falar, mas não temos como deixar de pensar: “ô chuva chata!”. --- Afinal o direito de pensar é sagrado.

Na minha infância, se queixasse da chuva seria um pecado quase mortal. Seria uma blasfêmia contra Deus. A chuva era sagrada e como sinonímia de alimento, de vida, e respeito. ----- Chuva com trovoada, então, era como se Deus estivesse lá de cima puxando a nossa orelha aqui em baixo. Isso fazia com que minha casa se transformasse num centro religioso e já se dava início aos rituais da tempestade. Eram invocados, Santa Barbara e São Jerônimo. Se a chuva fosse a chamada “chuva brava” até Jesus Cristo era chamado para ajudar e pedir ao Pai Celestial para amansar a tempestade, enquanto os ramos bentos do Domingo de Ramos eram atirados a fornalha do fogão de lenha; e as velas de sobra da ultima semana santa eram queimadas.

Lembro-me que meu pai, improvisava sempre um turíbulo que durante a tempestade o deixava dependurado na sala de nossa casa, onde eram queimados folhas de alecrim e coqueiro. A família era convocada a ficar em silêncio e em oração durante a tempestade.  Durante um raio os homens invocavam São Jerônimo e as mulheres, Santa Bárbara. ---- Falar mal da chuva ou repudiar a tempestade era para os meus pais um sacrilégio uma blasfêmia imperdoável. --------

Durante a seca o ritual era diferente, mas com o mesmo respeito. Meu pai enchia uma garrafa com água para cada filho e nos fazia acompanha-lo até ao Cruzeiro do Josino, no alto da serra e lá, após molhar o pé do cruzeiro, ajoelhados fazíamos em coro esta prece puxada pelo meu pai:

----- “Oh Deus misericordioso! Nosso Pai e Senhor do Céu e da terra. Tu és para nós existência, vida e energia. Criaste o homem à Tua imagem a fim de que com o seu trabalho ele faça frutificar as riquezas da terra, colaborando assim na tua criação. Temos a consciência da nossa miserável fraqueza porque não podemos fazer nada sem Ti. Tu, Pai bondoso, que sobre nós fazes brilhar o sol e fazes cair à chuva, tenha compaixão de todos nós que sofremos duramente a seca que nos ameaça nesses dias”. Um pai Nosso e três ave-marias.

Era um habito do povo ir rezar no cruzeiro do Josino na época da seca. molhar o pé da cruz e pedir chuva aos céus.--------  Suponho que hoje em dia isso não existe mais. A cada dia que passa eu sinto que o mundo no qual eu nasci vem morrendo à minha frente. Afinal, está tudo mudado. 

Armando Melo de castro.
Candeias MG Casos e Acasos.