Eu vi
numa feirinha aqui perto de casa, uns ovos maravilhosos E o vendedor afirmando
que eram ovos caipira. Só de falar que eram ovos caipira a minha boca já foi
enchendo d'água e eu comprei uma dúzia para experimentar. Eu não estaria muito
confiante, pois já teria sido enganado, com esse tipo de ovo. Pedi a minha mulher para fazer
fritos para mim, pois deveriam estar com a gema amarelinha, conforme o vendedor
teria prometido.
Uma gema amarelinha de ovo caipira misturada no
arroz é o meu sistema --Realmente os ovos estavam com a gema amarelinha. Mas
quando caiu na minha boca, a língua os dentes, a úvula palatina, aquilo que
eles chamam de sininho deram bronca, A garganta não queria dar passagem. E mais
uma vez eu fiquei puto da vida por causa de ovo falsificado. ---- Eu que fui
criado comendo ovos caipira, de galinhas que comiam rato, escorpião, merda e
outras porcarias mais, para dar aquele sabor delicioso do ovo caipira, a minha
boca logo repudiou aquele sabor de ração. Daí então, fermentou em meu cérebro a
lembrança dos ovos que eu comia no tempo que ainda não existiam esses ovos de
granja.
Eu tinha, mais ou menos, uns 10 anos de idade
quando o miolo da minha caixa craniana se fermentou tal qual um líquido numa
pipa de mosto. ---Eu estaria impressionado com a forma de reprodução das
galinhas. Já teria tomado conhecimento de como a gente chegava ao mundo. Meu
pai cuidadosamente teria me contado. E como o seu vocabulário era bem no
coloquial e sem rodeios, eu fui logo entendendo que os fazedores de xixi tinham
outras funções. Essa mania de substituir o espermatozoide por sementinha não
era do seu feitio - (Acho isso uma incongruência) – Portanto, aos oito anos de
idade, eu já teria tomado conhecimento como fui parar na barriga da minha mãe.
Meu pai,
Zé Delminda, foi um filho criado sem mãe e que teve apenas três meses de
escola, mas lia muito e era uma pessoa muito inteligente e bem orientada por si
próprio.
Chegou a
ser professor da Prefeitura de Candeias na zona rural, num tempo em que os
professores de roça eram leigos. ----- Meu pai ensinou-me coisas que as escolas
e nem os pais ousavam ensinar. E a bem da verdade, as crianças e adolescentes,
na sua maioria, viviam de curiosidade e a rua era a escola da vida. Eu sabia
muita coisa, mas fingia que não sabia de vergonha da minha mãe, mas do meu pai
eu não tinha nem um pingo de receio.
Minha mãe sempre dava o contra do jeito que meu pai me tratava e sempre dizia: “Ocê tá pondo o Armando perdido zé” --- E meu pai sempre dizia, eu ensino em casa para não aprender na rua. A primeira pinga que eu bebi, a primeira cerveja, foram servidas pelo meu pai, com um pequeno discurso: “Você pode beber, mas nunca pode deixar a bebida beber você e se estendia. – Ele ia à Biblioteca da prefeitura, e pegava livro de histórias infantis e lia para mim e meus irmãos.
Meu pai foi um cara muito bacana. No momento em que
escrevo este texto os meus olhos lacrimejam de saudade do meu querido velho. Uma
recomendação que ouvi do meu pai desde menino era de que onde a gente estiver
na escola, no trabalho ou em qualquer lugar, devemos nos aproximar dos colegas
mais bem sucedidos. Preste bastante a atenção nessas pessoas. Geralmente elas
falam mais de ideias, além disso o homem é um produto do meio onde convivemos.
Mas voltando
à reprodução da galinha, eu perguntei ao meu pai como que o pinto saia da
barriga da galinha. Foi quando ele me disse que o pinto não saia da barriga e
sim do ovo. E, por mais que ele me explicasse, não conseguia entender. E o
pinto do galo? Onde ficava? Eu já tinha pego um franguinho e vasculhado ele
todo e não teria visto o pinto dele. Eu queria saber também, porque que pinto
chamava pinto... As minhas perguntas quando eram muito complexas, o meu pai
sempre dizia: Depois eu te falo, mas ia ficando.
Encontrava-me
totalmente perdido e muito curioso. Mesmo porque, o meu pai me explicou direito
como eu teria nascido. Como nasce um bezerro ou um cavalo, o gato e o cachorro.
Mas, a galinha eu não sei se por falta de paciência, ou por falta de palavras
adequadas, ele não teria me convencido de como era o processo da reprodução
através dos ovos.
A
nossa morada era uma casa germinada onde moravam o meu tio João e meu pai. Os
quintais eram juntos e bastante grandes. Tia Eliza criava muitas galinhas e o
galinheiro dela ficava no fundo do quintal. Eu sempre estava por perto
estudando as suas vidas. E por mais que eu tentasse entender o modo de procriação desses animais, estava muito
difícil para eu associar a diferença entre um mamífero e uma ave. Quando uma
galinha botava um ovo, o galinheiro virava um frege. Cacarejavam como se
houvesse botado um asteroide. Aquilo parecia uma grande festa pelo nascimento
de um filho. Mas, eu não tinha visto o processo de incubação. Como que um pinto
saia do ovo se eu via sair era uma gema amarelinha dos ovos que minha mãe
fritava? As explicações do meu pai sobre a incubação eu não teria
entendido absolutamente nada.
Certo dia, fiquei horas e horas, de tocaia sobre um ninho para ver como o ovo
saia de dentro da galinha. E vi! Vi tudo, inclusive o sofrimento da pobre ave.
Roubei-lhe o ovo e o quebrei para ver se saia um pinto. Mas, que nada! Minha
tia vendo a minha curiosidade me explicou direitinho, dizendo que a galinha
ficava dormindo sobre os ovos durante 21 dia, dai saia os pintinhos. Ai já
bateu em mim o remorso de ter quebrado o ovo da galinha, e a dó de comer ovos,
imaginava que cada ovo comigo era uma galinha perdida. Aquela coisa da galinha
ficar durante dias sobre os ovos fez a minha cabeça rodopiar. Parece que os
meninos de antes eram mais curiosos e menos inteligentes.
O
meu projeto de descobrir como aqueles ovos poderiam se transformar em pintos
deixou-me aguardando com ansiedade o dia em que a minha tia fosse colocar uma
galinha para chocar. E essa hora chegou. Todos os dias, assim que eu vinha da
escola, corria para visitar a choca que estava lá inerte sobre os ovos.
Um belo
dia, quando cheguei para ver a minha amiga mamãe-galinha, lá estava tota
pimpona e alguns pintinhos já estavam com o bico fora das penas dela. E a minha
tia me recomendou, Não mexa porque senão ela fica brava. No outro dia quando
voltei da escola e fui correndo visitar a mamãe-galinha, o ninho estava vazio,
ela ciscando e alimentando os pintinhos. E eu mais do que depressa fui pegar um
pintinho e quando fiz essa tentativa, essa galinha me avançou e eu tive que
sair correndo morrendo de medo. Mas eu passava horas pastorando essa galinha de
pintos, um pouco mais distante, porque tinha medo da choca me avançar de novo.
Aos
domingos era dia do frango com macarronada. Quem o matava era a minha avó, pois
minha mãe tinha dó de fazê-lo. E neste momento, quando o pobre galináceo se
estrebuchava para morrer, eu já o apalpava para examiná-lo, pois uma incógnita
ainda mexia com os meus neurônios. Fiquei observando com a maior atenção a
minha mãe depenar, sapecar, lavar e desventrar o frango, já quase galo.
Ansioso
eu aguardo a chegada do meu pai para me dar a resposta que iria satisfazer a
mais funda das minhas curiosidades:
Pai, como
que o galo faz pinto se ele não tem pinto!?
E
meu pai rindo, satisfeito por ver-me interessado num assunto macho, responde:
“Vamos lá
fora. Eu vou explicar tudo pra você. ”Ouvi quando minha mãe bradou!
“Ê
Zé! Cê vai acabar deixando esse menino perdido!”
Armando Melo de Castro
Candeias-Minas
Gerais