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segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

ONOFRE LACERDA.

Meus amigos:

Na década de 50, ainda no tempo do velho Círculo Operário São José, ou seja, antes do cinema novo de propriedade do Monsenhor Castro, motivo de assunto da nossa ultima postagem, o velho cinema era um convenio da Associação do Círculo Operário com Cine Teatro Sidney de Campo Belo. O filme passava em Campo Belo e depois seguia para Candeias. E o gerente desse antigo cinema de Candeias era o Sr. Onofre Lacerda, uma pessoa que marcou presença em Candeias. Muito comunicativo e deixou grandes amizades entre o povo candeense. Gosto de me lembrar do Onofre porque ele andava pelas ruas e sabia os gostos das pessoas pelo tema dos filmes. Meu pai, Zé Delminda, era muito amigo dele e quando era visto de longe pelo Onofre às vezes do outro lado da rua, como na Avenida 17 de Dezembro, Onofre bracejava dando murros no ar, informando que o filme daquele dia seria faroeste. Se fosse um filme policial ele imitava o saque de uma arma. E se fosse um filme de amor imitava um beijo. Enfim, para cada filme ele tinha um jeito de mostrar de longe o tema da fita.

Onofre Lacerda merece ser lembrado pelos candeenses porque participou da história de candeias. Gostava muito de futebol, e abaixo estaremos mostrando um texto escrito sobre Candeias, pelo seu filho João Luiz Lacerda, para o seu Blog Lembramento JL Lacerda onde ele nos premia com uma foto histórica de nossos atletas e um texto muito carinhoso quando comenta sobre a sua época em Candeias, o que eu confiro, como minha época também. ---- João reside na cidade de  Alfenas,  e na foto do time mostrada está o seu pai Onofre, quando participou no Campo da Associação Esportiva Candeense. --- Ao nosso amigo João Luiz Lacerda, queremos dizer das boas lembranças que temos de seu pai, parabeniza-lo e agradecê-lo pelo carinho que tem pela nossa terra onde passou boa parte de sua infância.

 NB) A foto não trás os nomes dos integrantes. Eu consegui identificar os seguintes: Da esquerda para a direita de pé: -----

Hamilton Marques, (???) Ari Ferreira, Dezinho do Josias, Onofre Lacerda, (???) Tãozinho do Chico Freire, Vadinho da Sota, A moça tudo indica ser uma das filhas do Sr. Inácio Pacheco. E os cartolas Alvim Ferreira e Chico Teixeira Neto.

Os meninos agachados: Eu só consegui identificar o Alceu Pacheco. Seria bom se alguém conseguisse identificar esses nomes que se encontram em (???) e os meninos.

Grande abraço João Luiz Lacerda

Armando.

Comentário em nosso Blog Candeias MG Casos e Acasos do amigo João Luiz Lacerda.

Alfenas MG --- Armando, Sou de Campo Belo e hoje resido em Alfenas. Morei em Candeias de 1951 a 1956. Uma infância deliciosa: sem carros propriamente, futebol na rua, de chuteira na Associação Esportiva Candeense (camisa verde preto). Meu pai, Onofre Lacerda, era gerente do cinema - Cine Círculo Operário São José - do Padre, depois monsenhor Joaquim. Lembro-me do Sr. Quintino (pai da Vanda, PTB e ardoroso fã do Jango). Do velho Bonacorsi com o cigarro dependurado ao lado da boca na Casa Bonacorsi. Do sr. Gabriel que gostava de teatro. E alguns nomes que sempre rodam na minha lembrança. Tenho uma irmã que nasceu em Candeias, em 1951.

No meu blog www.lembramentojllacerda.wordpress.com publiquei filmagem que fiz de Candeias em 1983. E também uma foto do time (aspirante, claro) que meu pai treinou na AEC. Um abraço, (João Luiz Lacerda) –

Abaixo o texto de João Luiz Lacerda

A foto diz que… todos estão sérios, momento solene do registro para a posteridade. Vê-se que é um modesto time de futebol, campo de terra e, ao longe, a vegetação invade o céu. Então, no silêncio misterioso da fotografia, pequena e quase inaudível voz vagueia e diz que… de um lado do campo, o barranco. Do outro, barreira de bambus protegia um pequeno curso d’água. Era o campo da Associação Esportiva Candeense (AEC) nas cores verde e preto, cá embaixo, de difícil descida da praça, sofrida e cansativa subida de retorno. Semelhante, e menos árduo, tomar rumo para fora da cidade em direção da estrada de terra para Campo Belo e Formiga para adentrar o campo do Clube Atlético Candeense (CAC) com sua camisa azul-amarela. Ah, sim, ainda ouço o matraquear de catracas em volta da igreja nos dias silenciosos e fúnebres da semana santa, medrosos e temerosos durante a quaresma. Bem-vindo o fim religioso com a alegria e a cantoria de um grito de carnaval no clube social. Ali, naquela igreja, a correria da meninada no domingo do catecismo para o cine Círculo Operário São José, do padre/monsenhor Joaquim. Igreja renasceu daquela que foi para o chão. O cinema despedaçou-se para um novo e repousa no esquecimento. A praça então era imensa, de terra, a água da chuva a encharcar de barro pés, descalços ou não, que se atrevessem. O dedo da voz, baixinha, faz desenho no tampo da mesa e aponta indefinido e imaginário, a oficina e posto de gasolina para minguados carros. Aqui, o bar do Afonso, onde a jardineira apanhava viajantes e as malas eram colocadas em cima dela. Ao lado, a casa dos Bonacorsi e, do outro lado da praça, a casa Bonacorsi, do velho Bonacorsi, com suspensórios a manter pregado o constante cigarro no lábio inferior. Mais à frente, na esquina, o Clube Social a enviar noites de danças, bebidas e alegria para a outra igreja ao lado, sempre fechada. Para lá, em direção do campo do Clube Atlético, no meio da subida, uma pequena igreja, velha, misteriosa, parecia abandonada. Conheceu o sr. Quintino, orgulhoso compadre do Jango Goulart e ferrenho político do PTB? E o Antônio, quase vizinho dele, que montava presépio mecânico ma-ra-vi-lho-so! Tinha o dr. Zoroastro, e também o dr. Vandick Del Fávero que foi pro Rio com despedida emocionada e concorrida. Bem perto, com pés na estrada, a fazenda do João Marques, de pescaria, cachaça, garapa e rapadura. Houve sonho para uma praça de esporte, a cidade merecia. Também uma rádio, a tocar música com alguns discos pretos e pesados, que ocuparam por poucos dias os ouvintes. Foi fechada, claro, clandestina, né? Todos estão sérios na foto como sempre acontecia antigamente, os retratados não sabiam como sorrir para o retratista. Mas… veja, a moça segura um ramalhete, está sorrindo e não olha para a máquina, para quem será o olhar dela? Só tem essa foto? Que pena!

NB) O bar do Afonso, citado, trata-se do Bar Piloto, então do Sr. Afonso Ferreira de Oliveira

Texto de João Luiz Lacerda

Postagem, Armando Melo de Castro

domingo, 13 de dezembro de 2020

AS MÁSCARAS DA IMORALIDADE


                                                                             IDI AMIM DADA.

No decorrer de minha vida, as gerações pelas quais passei, fez me defrontar com tantas incoerências humanas. Tantos desajustes e tantos desencontros que me buscam a entender o quanto a vida se transforma, e o quanto o ser humano vive distante de Deus. Mas tenho visto que as gerações que outrora eram contadas aos 25 anos, hoje não passam de 10. Não é difícil observar o quanto as nossas vidas já se modificaram nos 10 últimos anos. O ser humano já não é o mesmo. Ser bom hoje em dia, já não é um dever é uma virtude.

Navegando no lago de minha memória, por exemplo,  lembro-me do polêmico, general Ugandense, Idi Amin Dada, presidente do pequeno país de Uganda, de 1971 a 1979, que foi considerado um dos mais brutos e déspotas da história. Esse excêntrico ditador africano chegou a ser considerado o terror de Uganda pelos seus crimes e aberrações.

Decretou a proibição do uso de cosméticos pelas mulheres de seu país, inclusive cremes, loções, de beleza ou bronzeadores. Ele alegava que  os produtos de beleza tirava a beleza natural das mulheres ugandenses e poderia fazer com que elas perdessem o seu prestígio. Idi Amin achava que a maquiagem rouba a beleza natural das mulheres, pois seria uma parceira da máscara, pois elas escondem o verdadeiro rosto de alguém.

-- Não bastassem as atitudes cômicas do ditador ugandense, como comprar na Inglaterra, as  medalhas com as quais auto o homenageava; o seu governo ficou marcado por violações dos direitos humanos; perseguição de todas as formas; nepotismo e assassinatos.

Idi Amin Dada foi responsabilizado por observadores internacionais e grupos de direitos humanos como responsável por mais de cem mil mortes.

E eu pergunto aos meus amigos: Qual a diferença entre um presidente de Uganda e um ex presidente brasileiro quando ambos apesar de armas diferentes mataram. Isso porque quem rouba o dinheiro público está matando também. E a corrupção é uma arma sanguinária.

Enfim eu pergunto, também, a Deus: Meu pai Celestial, que mundo é este no qual estou meu Pai? Por que  o povo não cumpre os Dez mandamentos de Sua lei? Ajude-nos Pai! Livre-nos dessas máscaras não de cosméticos, da imoralidade que tomou conta do nosso país, quando um ladrão sacramentado, julgado, condenado e preso, consegue se soltar e sair dizendo que é honesto e usando a sua voz pastosa para julgar alguém que acredita em Deus e demonstra virtudes.

Armando Melo de Castro.






quarta-feira, 2 de dezembro de 2020


                                                            Antiga Casa Celestino Bonaccorsi

A FAMÍLIA BONACCORSI EM CANDEIAS.

Prezados amigos:

Cada povo constrói a sua história extraída de sua memória. Portanto, um povo sem memória é um povo sem história, assim diz o filósofo. E um povo sem história, naturalmente irá repetir os erros do passado. ---- A história de Candeias tem dois tempos importantes: antes e depois  dos Bonaccorsi.  E isso é de todo patente que as novas gerações não poderão estar alheias a essa história. Eu suponho que os jovens de hoje ao passarem frente ao prédio onde durante anos foi instalada a CASA CELESTINO BONACCORSI e ver esse nome cravado na parede poderá sentir o desejo de saber quem foi Celestino Bonaccorsi, ou então quem foi a família Bonaccorsi. ------------------------ À vista disso, eu pedi ao nosso querido amigo Armando Bonaccorsi, remanescente da “velha guarda” da família Bonaccorsi e que escreveu um livro sobre essa importante família para Candeias, o qual preparou esse resumo para conhecimento das pessoas interessadas e registro na história de Candeias.

Armando Melo de Castro.

Por Armando Bonaccorsi:             

O ramo da família Bonaccorsi que veio para Minas Gerais, tem origem na Comune di Barga, região Toscana da Itália. Dos nove filhos de Pietro Rocco Bonaccorsi e Maria Lucia Notini, cinco viveram na vila de São Francisco de Oliveira, então distrito desta cidade; Candeias e Timboré, vilarejo situado no município de Formiga. Todos retornaram definitivamente para a Itália. Um deles ficou no fundo do mar!

Pietro Bonaccorsi possuía um sítio em Latriani, muito próximo a Barga. Seus filhos eram nove: padre Rocco, Giovanni Pietro (faleceu ainda criança), Iacopo Bernardino, Luigi, Clementina, Seraphino, Celestino, Eletta e Pietro. Os nomes dos que viveram no Brasil foram aportuguesados e Iacoppo Bernardino passou a ser chamado de Bernadino, Luigi de Luiz, Seraphino de Serafim e Pietro de Pedro.

Das duas irmãs, Clementina era a mãe de Pietro Nardi, que ficou conhecido como Pedrinho Bonaccorsi, pois desde que chegou a Candeias nos primeiros dias de janeiro de 1930, trabalhou no comércio com o tio na Casa Celestino Bonaccorsi até o encerramento da firma. Eletta, casou com Antônio Pieroni em 1910 e foram para os Estados Unidos da América, onde deixaram muitos descendentes. O padre Rocchino e as irmãs não vieram ao Brasil.

Bernardino foi o pioneiro da família a vir para Minas Gerais; desembarcou no porto do Rio de Janeiro no dia 28/06/1890. Chegou sozinho aos 21 anos de idade, mas aguardava-o no porto o tio Antônio Notini, que o havia chamado para trabalhar com ele. Assim, ajudava também a irmã e o cunhado na Itália, ainda se recuperando política e economicamente de tempos difíceis que o povo italiano passava. Dois dias depois rumaram para a vila de Carmo da Mata, distrito de Oliveira/MG.

Antônio Notini era comerciante em Fornaci di Barga e proprietário de terras rurais, onde cultivava cereais, oliveiras e uvas; extraía azeite e fazia vinho para vender. Mas a Itália estava muito confusa, com a economia estraçalhada devido à guerra de sua unificação, quando resolveu vender seu comércio e mudar para o Brasil. Encheu vários baús com diversas mercadorias de sua loja, especialmente tecidos, e embarcou em Gênova rumo ao Rio de Janeiro no ano de 1869. Nesta cidade encontrou dificuldades para se estabelecer, por isso resolveu adentrar os sertões de Minas Gerais com mercadorias transportadas em vários burros para vender por onde passasse; deu certo e tornou-se mascate pelas estradas, arraiais e cidades. Retornava à capital para repor o estoque para novas jornadas, até se estabelecer com uma ‘venda’em Claudio/MG. Voltou a Fornaci di Barga para se casar com Diamante Vitoi e já com duas filhas mudaram para Carmo da Mata. A família cresceu com dez filhos. Os Notini proSperaram e foram os maiores comerciantes do local e proprietários vários negócios e terras rurais. Os filhos diversificaram suas atividades e tornaram-se industriais, mudando e estabelecendo-se em Divinópolis/MG. e Petrópolis/RJ.

Dos irmãos Bonaccorsi que vieram para o Brasil,  Bernardino foi o pioneiro a migrar para o Brasil. Com a família Notini residiu e trabalhou cerca de quatro anos; aprendeu com as primas a falar e escrever em português; com o tio e primos os ofícios do comércio. Preparado e ajudado por Antônio Notini, este o encaminhou à vizinha vila de São Francisco de Oliveira em 1894; com seu aval alugou uma ‘venda’ no Largo do Rosário, situada a uns 150 metros abaixo da única capela da localidade.

No ano seguinte, chegaram a São Francisco os irmãos Luiz e Serafim, constituindo-se a sociedade Bernardino Bonaccorsi & Irmãos. Em agosto de 1896 chegou o quarto irmão, Celestino, com 15 anos de idade. Seguindo a tradição italiana, o irmão mais velho era o cabeça ou chefe, expressada como “il capo” e Bernardino tornou-se o líder nos negócios.

Todos os irmãos e alguns sobrinhos residiram em São Francisco e na mesma casa, estabelecidos com comércio e presencialmente, de 1894 até 1937, cinco anos depois que os irmãos Luiz e Serafim regressaram definitivamente para a Itália.

Os negócios dos irmãos cresceram de maneira extraordinária, pois, em 1898, compraram o imóvel alugado e situado no centro da vila; era um casarão integrado pela área residencial e comercial. Também compraram um terreno vago numa rua abaixo com 7.800 m². de área, que se destinava a pasto para os cavalos dos fregueses; era o estacionamento daquela época! Passaram a ser os principais comerciantes da localidade e recolhiam os maiores impostos junto à Prefeitura de Oliveira. Abriram uma filial no povoado de Vieiras Bravos e tiveram uma destilaria de cachaça.

Trabalharam com muito empenho e privações. Saiam com tropas de burro para vender variadas mercadorias de porta em porta pelos sertões, fazendas e arraiais vizinhos. Levavam mantimentos para cozinhar e muitas noites dormiram debaixo de árvores e em paióis de fazendas. Ao regressar à vila, traziam produtos rurais que pudessem dispor para vender aos seus fregueses.

Nas “vendas’ de antigamente havia de tudo: variados gêneros alimentícios, carne de porco e banha; tecidos e aviamentos; bijuterias e cheiros; calçados; ferragens; ferramentas; arame farpado; sal; querosene; cimento...etc. 

Com a finalidade de expansão, Bernardino foi para Candeias e estabeleceu seu comércio no Largo da Matriz em 1897, cuja firma foi denominada Bernardino Bonaccorsi & Cia. No ano seguinte comprou o imóvel de Cassiano Maximo da Cunha, pai do João Cassiano, fabricante da famosa cachaça local; sendo: “um prédio para residência e comércio”. Hoje é a Av. 17 de Dezembro, onde funcionou a Casa Celestino Bonaccorsi. A área de terreno tinha mais de 6.000 m². e se estendia até a antiga Rua dos Fernandes, também denominada Rua dos Capãos; é a atual Rua Pedro Vieira de Azevedo.

Dez anos após a chegada ao Brasil, Bernardino voltou à Itália pela primeira e última vez no início de junho de 1900, junto com o irmão Luiz para se casarem. Os dois irmãos casaram com duas irmãs, Luiz com Armida em outubro e Bernardino com Guilhermina em dezembro. Embarcaram em Gênova para retornarem em 15 de janeiro de 1901, acompanhados das esposas e do irmão caçula Pietro, então com 11 anos de idade. Após alguns dias de navegação, Bernardino foi acometido de grave infecção que o levou à morte no dia 28/01/1901, (naquela época não existia antibiótico). Seu corpo foi lançado ao fundo do mar, 59 dias após seu casamento. Guilhermina não se sentia bem, com enjoos constantes que atribuía ao balançar do navio. Entretanto, dias depois se revelou a gravidez do primeiro filho.

O destino do casal era Candeias, mas devido ao inesperado e trágico falecimento do marido, Guilhermina acompanhou sua irmã Armida com os cunhados para São Francisco de Paula, onde ficou morando. Nesta vila, Celestino ficou cuidando dos negócios durante as ausências dos sócios em viagem à Itália, e Serafim em Candeias.

Com o falecimento do irmão, Luiz tornou-se o ‘il capo’, assumindo a direção dos negócios e alterou as denominações das sociedades para Luiz Bonaccorsi & Irmãos.

Luiz e Armida tiveram quatro filhos nascidos e batizados em São Francisco de Paula: José, Américo, Alberto e Mario. O casal foi várias vezes  a Fornaci di Barga,  onde a esposa permanecia longos períodos e lá nasceram os demais filhos; Alvarina, Itálo e Mara. As duas filhas só vieram para o Brasil depois de casadas; a primeira casou com o primo Sylvio Bonaccorsi e tiveram  oito filhos; Mara casou com Nicolò Umana e tiveram a filha Ana Maria. Eles residiram em Candeias e depois mudaram para o Rio de Janeiro e Brasília. José e Mario foram morar na Itália; Alberto foi para o Rio de Janeiro, tornando-se comerciante e faleceu com idade avançada.

Américo, o único filho que permaneceu em Candeias, casou com Alice Viglioni e tiveram uma vida social muita ativa, com cinco filhos: Luizinho, Armida, Vander, Sonia e Enio. Atuou em vários negócios comerciais, destacando-se o Hotel Candeense, sempre com grande procura pelos viajantes e outros hóspedes devido às boas instalações e elogiada comida. Ficou muito conhecido na região pela dedicação a arte musical e versatilidade com a clarineta e o saxofone. Além de lider do conjunto musical Jazz Tiro e Queda, foi maestro da Corporação Nossa Sernhora das Candeias e da Banda Musical Santa Cecília de Campo Belo.

Os irmãos Serafim e Pedro também casaram com duas irmãs em Barga; Serafim com Ida em 1910, e Pedro com Marianna em 1919; após seus casamentos retornaram a São Francisco. O primeiro casal não teve filhos, e em São Francisco nasceu a primeira filha do segundo casal, Carolina, em 1920. No ano seguinte, Pedro com a família foram a passeio à terra natal e ocorreu que a esposa não quis voltar; ele é que ia visitá-los  e permanecia longos períodos na Itália, onde nasceram os filhos Francesco e Antônio, que depois de casados vieram com as esposas para Timboré para trabalhar com o pai na sua ‘venda’, máquinas de beneficiar arroz e café, com cultivo agr[iocola e pecuária.

Celestino cuidava dos negócios em Candeias desde 1902, onde casou com a viúva de seu irmão em 1903. Do casamento anterior nasceu Bernardino, o primeiro filho de Guilhermina e com o mesmo nome  do pai. O novo casal teve mais seis filhos, Brasilina (faleceu com poucos meses); Sylvio, Maria, Josephina (Pepina), Celestina e Julieta, que é viva e próximo de completar 105 anos de idade em dezembro.

As sociedades foram divididas com as saídas de Luiz e Serafim que retornaram para a Itália em 1932, ocorrendo a alteração da sociedade em Candeias para a firma Casa Celestino Bonaccorsi Ltda., mantendo-se a filial em Timboré.

Um dos maiores feitos de Celestino ocorreu depois de um período de 17 meses passados na terra natal com toda a família, após o retorno em 1923, quando deu início a constituição da Empresa Força e Luz Candeense S/A., com a necessária autorização dos orgãos competentes para instalação da hidrelétrica. Assim como o planejamento e ionício das construções da barragem no Rio Santana, do canal de desvio das águas para a tubulação de ferro, da casa conjugada para os operadores da usina e da casa das máquinas; aquisição das turbinas geradoras de energia, e especialmente a captação de recursos para a necessária capitalização da sociedade.

Contudo, a maioria das ações foi por ele integralizada junto com seus familiares. Concluídas as etapas da linha transmissora, construção da distribuidora central com transformadores de energia contínua para energia alternada, rede elétrica com postes ade iluminação pública e instalações domiciliares, foi inaugurado o fornecimento de energia elétrica na Vila de Nossa Senhora das Candeias, em 26 de junho de 1926. Fato contínuo foi que a inauguração da energia elétrica resultou em grande lucro para ele, pois só a Casa Bonaccorsi vendia as lâmpadas e os materiais necessários para as instalações domiciliares!

Independente da sociedade com os irmãos, que cessou em 1937, Celestino decidiu investir por conta própria em outras atividades rurais e industriais, com a fábrica de queijos e manteiga; comprando terras e plantando café em Candeias e em Campos Altos/MG.; ampliou os armazéns e galpões para as máquinas de beneficiar arroz e café, com motores novos e mais potentes. Foi uma época oportuna com bons resultados, que o fez decidir pela construção do prédio para instalar sua nova loja comercial no mesmo local da velha. Destinou o piso térreo à área comercial,  com seções de calçados, tecidos e armarinhos, papelaria, bijouterias, ferramentas, gêneros alimentícios; nas vitrines ficavam expostas louças, talheres  e vários artigos para presentes, além das famosas acordeons italianas da marca Scandalli. No 1º andar destinou à moradia da família com muitos cômodos; no 3º andar há uma espaçosa área envidraçada.

Além do comércio tradicional, foi grande negociante de arroz, feijão e milho, tornando-se grande produtor e exportador de café pelos portos de Santos e Rio de Janeiro, através da ferrovia, cujos  vagões destinados ao carregamento do produto ficavam  estacionados em linha exclusiva e ao lado dos seus armazéns, construída especialmente para esse fim. Na época da safra, trabalhavam em seus armazéns e máquinas beneficiadoras vários funcionários, além de cerca de trinta mulheres para a escolha do café, descartando os defeituosos e as impurezas. Atualmente a seleção de vários grãos são feitos eletronicamente por raios laser ou outros métodos. Entretanto, foi muito importante para a comunidade candeense naquela oportunidade pela quantidade de empregos que gerou para tantos e em variadas atividades.

Importante destacar que na época não existiam agências bancárias instaladas na vila e a Casa Bonaccorsi era correspondente do Banco do Comércio e Banco Hipotecário, para diversos serviços financeiros e cobrança de duplicatas mercantis.

Na expressiva atividade comercial e industrial que exerceu em Candeias durante 58 anos, foi fundamental a intermediação econômica para os produtores rurais, nos quais depositava confiança e eram fieis cumpridores de seus compromissos, fornecendo-lhes créditos em todas as compras necessárias em seu comércio, cujos pagamentos eram feitos por ocasião das colheitas de seus produtos. Verdadeiras trocas!

Deve-se destacar que no movimento de emancipação política e administrativa do município, atuou de maneira discreta porque era um estrangeiro, apoiou e ajudou financeiramente para cobrir despesas dos envolvidos na causa, especialmente para as viagens à capital nas trativas políticas.

Celestino era um brasileiro de coração e alma. Adotou Candeias como sua terra e por isso decidiu naturalizar-se brasileiro. Em seguida se engajou efetivamente na política; foi eleito vereador com o maior número de votos e presidente da Câmara Municipal durante todo o seu mandato no período de janeiro de 1951 a janeiro de 1955.

No princípio do ano ano de 1960 passou sentir alguns problemas de saúde e sua família decidiu que fosse para a Itália para tratamento médico, porque em Candeias não haveria como tratá-lo adequadamente, onde insistia em permanecer. Foi para o Rio de Janeiro para tomar o navio rumo à Gênova, porto mais próximo de Barga, sua cidade natal.

Interessante destacar que chegou ao Brasil no dia 16 de agosto de 1896, retornando à Itália em agosto de 1960, depois de 64 anos vividos em São Francisco de Paula e Candeias. Viveu mais 6 anos em Fornaci di Barga, sempre esperançoso de voltar para sua terra adotiva. Eram constantes seus sonhos nas funções de atendimento aos amigos e fregueses da Casa Bonaccorsi, a ao acordar, lágrimas rolavam pelo rosto de saudades.

Celestino faleceu no Hospital de Lucca, capital da Província, no dia 03 de setembro de 1966, aos 85 anos de idade... “morrendo” de saudades de Candeias!

Texto de Armando Bonaccorsi.

Editado por Armando Melo de Castro

 Blog Candeias MG Casos e Acasos.


sábado, 19 de setembro de 2020

A VENDEDORA DE JILÓ E O SR. CANDOLA.

 

----------O Jiló é um fruto sem pai. Até hoje ninguém sabe ao certo de onde ele é natural. Há quem o considere da África; outros dizem que é das Antilhas; muitos afirmam sê-lo da América do Sul, especialmente, do Brasil... É isso mesmo! Já disseram que o jiló é brasileiro.  Portanto, o jiló é realmente um filho sem pai certo.

O coitado do jiló apesar de ser da família das solanáceas, ou seja, da mesma família do tomate, não se vê os dois juntos. O tomate hoje em dia é um fruto de boa fama, apesar de que no passado já ter sido considerado um fruto venenoso. É muito apreciado e preferido bem maduro. Quando verde ninguém quer consumi-lo. No entanto o pobre do jiló, coitado, quanto mais verde mais corre o risco de ser picado. Ninguém quer saber de jiló maduro.

Eu nunca fui a um almoço ou jantar festivo que o jiló estivesse à mesa. Além disso, é um fruto de pouca moral, pois vive na boca dos desbocados: No homem macho o tomate representa os testículos... E o jiló?! Mais uma vez coitado, comumente a gente ouve alguém dizer: “vai tomar no jiló!”.

---Além de tudo isso o seu sabor amargo ficou sendo sinônimo de momentos difíceis da vida... Tudo que amarga faz lembrar o pobre do jiló e a criança o detesta.

---Lembro-me de um baião do Luiz Gonzaga que dizia: “Saudade amarga que nem jiló”.  O amargo do jiló, realmente, faz com que esse fruto seja pouco considerado. Vejamos por exemplo:

---Antigamente, era comum ver alguém vindo da roça, rodar a cidade de Candeias para baixo e para cima com um balaio de jiló. E, nem sempre, voltava para casa após ter feito bons negócios.

---Candido Alves Vilela, mais conhecido por Candola, pessoa muito respeitada; membro da família Vilela, tendo como filhos, Mariquita, Balofo, Geralda, João, Pedrinho, Aldinha e Sabina. Candola morava onde hoje está estabelecida a Loja LEONARDO ‘S’.

---Certa feita passa à porta de sua casa, uma senhora que já havia rodado a cidade toda com o seu balaio de jiló e, já vencida pelo desânimo, pergunta-lhe:

 ---“Sô Jiló, quer comprar Candola?”

---E o Sr. Candola, que não era muito sorridente, responde, sorrindo diante do trocadilho da pobre regateira: “Não! Já me bastam os amargos da vida. E depois o meu nome não é jiló...”.

---E a roceira, após observar que teria cometido uma infeliz troca de nomes, já estava a ponto de pegar aqueles malditos frutos amargos e jogá-los no primeiro buraco que lhe aparecesse. Vai se retirando desalentada, quando o Sr. Candola lhe chama de volta e lhe compra todo o jiló do jacá.Aquela criatura deu um sorriso doce e disse, olhando para os céus:

---Graças a Deus! Nossa Senhora vai ajudar o senhor, Sô Jiló. E muito, muito mesmo.

---Menina, por acaso eu tenho cara de Jiló?

----Não! Não sinhô. O sinhô não tem cara de jiló não. O Senhor tem cara é de candola. Oh! Meu Deus me ajuda!

----E o que é candola, você sabe?

---Uai, Sô Candola... Candola, eu acho que é candola, néE o Sr. Candola, vendo contar os litros e enchendo um grande balde do solanum amargo, já estaria pensando: “O que vou fazer com tudo isso meu Deus”?

---É! A vida é assim: Uns gostam da fruta; outros preferem o caroço.

Armando Melo de Castro

Candeias-MG

 

 

 


domingo, 16 de agosto de 2020

NO VERDOR DOS MEUS ANOS.

 

Hoje quando vejo o mundo em que vivo, abro o baú das minhas lembranças e fico a recordar como era a vida em Candeias no meu tempo de criança. Comumente havia à porta das casas um banco, onde os vizinhos se assentavam para conversar e trocar ideias. As mulheres já desocupadas de seus afazeres tinham como prioridade os assuntos sobre os maridos, os filhos e a comida.

Não existia a televisão e os rádios eram raros. Uma notícia não corria e nem voava tanto quanto hoje. O jornal impresso demorava uma semana para chegar a Candeias. O jornal que antecedia o filme no cinema mostrava apenas o Presidente da República inaugurando obras. A notícia mais rápida era a do Repórter Esso. Esta vinha através do rádio, mas poucos rádios existiam. Um rádio custava muito caro. Quem ouvia uma notícia do Repórter Esso, saia repassando. Uma pessoa quando falava muito ou dava muitas notícias, era sempre apelidada de Repórter Esso. ---

Aos domingos os namorados tinham poucas opções. Durante o dia seria ver o trem passar na estação, quando a Maria Fumaça descia fumegando. Ou então aos campos de futebol. O futebol nesse tempo era bastante animado, ou então o piquenique na serra do Mingote. A noite ir ao cinema ou fazer a chamada avenida, um vai e vem das moças de braços dados defronte ao cinema. -- Anos depois surgiu o Horto Florestal, onde era um ponto turístico da juventude.

As pessoas usavam visitar os amigos e quando recebiam os visitantes eram-lhes servido café e quitanda; geralmente feitas em casa ou compradas diretamente das quitandeiras. ---- Ali os maridos conversavam na sala e as mulheres na

cozinha. Os filhos se juntavam aos outros filhos, mas quando o casal visitado não tinha filhos, os seus deveriam ficar assentados e quietos. Se fizesse algo errado o acerto de contas era quando chegasse a casa. As visitas eram um hábito normal. Pagar as visitas era um gesto educado. ---

As multidões concentravam-se nas festas de igrejas. O único lugar para se estrear uma roupa era na igreja ou no cinema. --- Alias ninguém ousava usar uma roupa antes de ir à primeira vez com ela a uma missa. Não existia essa coisa de moda. A grande parte das mulheres era vista com a mesma roupa várias vezes. A barra de seus vestidos era no meio da canela. Os homens tinham o chamado terno de ver Deus. A grande parte deles colocava terno e gravata para ir à missa. E o trabalhador era visto com as roupas remendadas.

As pessoas na maioria tinham duas ou três peças de roupas. Uma reservada para ir à missa e as outras duas para ficar em casa. Os homens tinham como hábito e entretenimento o jogo de baralho e  visporas em certos pontos entre os amigos. --- Normalmente onde a esposa fazia um tira-gosto e vendia aos jogadores, ali uma porção de pastel e uma garrafa de pinga, o que acabava sendo uma renda complementar para aquele casal. Nos locais onde o jogo varava as noites, havia por ali uma galinhada; um caldo de feijão e outras coisas mais. ---

Poucas eram as noticias de políticas. Quando se falava em Juscelino Kubitscheck a impressão que se tinha era que ele estava do outro lado da terra. A imagem do presidente só era vista no jornal que antecedia o filme no cinema. Esses jornais chegavam à Candeias, às vezes, depois de ter passado mais de um mês. O jornal impresso tinha poucos

assinantes. Eles Chegavam ao destino através dos correios, uma semana após a data da sua emissão. Telefone não tinha. Para dar um telefonema para São Paulo, seria necessário ir até Campo Belo. A viagem para Campo Belo se não fosse num carro próprio teria que ir e dormir, o trem e a jardineira transitavam quase nos mesmos horários. As pensões que existiam próximas da Estação ferroviária de Campo Belo eram bem familiarizadas com o povo de Candeias.

---- Hoje do alto do mundo onde vivo, eu vejo longe o mundo no qual nasci. As minhas Candeias. Era pobre, mas era um mundo danado de bom. Era o mundo da canjiquinha de arroz com couve rasgada; A canja de arroz três quartos; o tutu de feijão com macarrão Pieroni; a fava verde com angu... Aquele almeirão bem amargo... A farofa de ovo caipira com jiló; e a capa de costela? “Ai que trem mais bão”... Linguiça caseira... E aquele torresminho que não vejo mais... O sarapatel. O frango cabidela O biscoito de polvilho frito e o pão de queijo assado no forninho do fogão. O bolo de fubá na caçarola comido acompanhado daquele leite gordo trazido pelo leiteiro do velho João Cassiano. As verduras dos quintais e do velho Zé Morais descendo a rua e gritando “Arface”...

E eu vou só pensando, só desembrulhando as lembranças e sentindo até o gosto daquelas comidas. Eu não se é o meu paladar com o meu olfato que já não combinam mais tanto quanto antes, ou são as comidas de hoje que já não têm aquele mesmo sabor. Engraçado! Aquela vida era difícil e como era!!! Mas era bom parece que o povo não reclamava, ou eu não me lembro de ver o povo reclamar... Engraçado não é? A vida parece uma peça de teatro sem autor e sem precisão de ensaios...

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

 

 

 

 

 

 


sábado, 8 de agosto de 2020

MEU QUERIDO PAI!

 É o dia dos pais do ano de 2020 aqui na terra. E tu não estás aqui quando comemoraríamos esse dia com um almoço, um presente e um abraço como seria o nosso velho costume. --- ---Desde o ano de 1996 que não nos encontramos fisicamente nesta data querida, quando nos despedimos pela tua partida a chamado do nosso Pai Celestial. Mas ficamos combinados de que nos encontraremos um dia nos domínios Celestiais quando o Criador me chamar. Portanto, Até que nos encontremos estaremos em sintonia através do cérebro e o coração.

Eu sinto pai, que tenho sido um filho obediente às tuas orientações. Continuo amando Candeias como tu amavas. Não descuidei de minha mãe como tu me recomendaste, até o dia em que ela foi se juntar a ti. --- Tenho procurado sempre separar o certo do errado, afinal como tu dizias eles andam juntos e é ai que mora o perigo. Continuo bebendo os meus aperitivos, mas do jeito que tu me ensinaste, com moderação. Enfim jamais me esqueço dos teus ensinamentos.

-- Suponho que já tenhas encontrado ai com o teu maior amigo, o Américo Bonaccorsi e os teus filhos Wandinho e Luizinho, e também com os companheiros da música. --- João do Sô Nico, Zinho Borges, Pedrinho do Candola e Zé Vilela, que juntos com o Américo Bonarccorsi tanto animaram os carnavais de Candeias. Com certeza tens visto sempre os teus irmãos João, Maria José, Wantuil e Francisco e o nosso patriarca e querido João José de Castro, o meu amado avô João Delminda. --------- Que me enviem uma bênção em nome do Pai. ----

Suponho-te encontrando com os nossos amigos em comum, Nestor Lamounier; Lulu; Gabriel Carlos; o Cristovam Teixeira, o Vico Teixeira, o Biribico, o João Resende, o Arlindo Barrilinho, o seu compadre Geraldo do Orcilino, o Quintino Enfermeiro, o Miguel Simões e o seu filho Edmundo, O Ermino Furtado... --- Sabes pai, são tantos que guardo na minha memória que nem dá para coloca-los todos aqui.

Fico imensamente feliz quando os amigos recordam-te e fazem referência ao teu bandolim, das pescadas e do teu trabalho no Fórum como oficial de Justiça.

O que tem causado incômodo aqui na terra é uma pandemia que apareceu. Mas estamos todos conscientes de que isso passara como disse Salomão. Afinal sabemos que não há mal que dure sempre e nem bem que não se acabe. -

Quanta lembrança boa eu guardo da minha infância ao teu lado! Os teus presentes de natal! Brinquedos feitos com carinho pelas tuas próprias mãos e colocados em meus sapatos atrás da porta em nome do Papai Noel. A alegria de minhas irmãs com os bonecos de papelão, pobres de qualidade e ricos de amor... As histórias que tu me contavas e entre elas os contos da carochinha, os quais me deixavam tão emocionados!

Quando já morando distante, lembro-me, perfeitamente, das tuas cartas estampando a tua linda caligrafia me trazendo sempre uma recomendação cuidadosa para comigo. Tu sempre me aconselhando com a saúde e o temor a Deus.  -- E ao apor o Deus te abençoe, registrava as frases que estão escritas dentro de mim: “Não te deixes levar por maus caminhos meu filho. Sejas bom e que Deus te abençoe”.

Querido pai, eu ficaria aqui por muito tempo lembrando-te de tudo que fizeste sendo o pai maravilhoso que tu foste. Tudo é tão nítido em minha memória que eu posso até mesmo ouvir a tua voz... Posso ouvir até o teu bandolim soando a mazurca gaúcha, “Mate amargo – a valsa Branca e o Baile da Saudade”. --- Pode parecer que a vida me foi cruel tirando-me por tanto tempo de perto de ti quando aqui estiveste, e eu fui levado pelo trabalho. Mas enfim, não devemos entrar nos desígnios de Deus. Onde quer que tu estejas meu querido pai, com certeza, estarás feliz porque daqui, donde partistes, continuaras vivo nos corações de todos nós que te amamos.

Tê-lo Imortal dentro de mim é não ter motivo para chorar a tua ausência neste momento e sim, agradecer a Deus esse pai que nunca morrerá dentro de mim. E ao pedir-te a bênção neste momento, estarei ouvindo nitidamente a tua voz: “Que Deus o abençoe meu filho”.

Amém! Meu pai!

Armando Melo de Castro.

Candeias MG Casos e Acasos.

 

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quinta-feira, 30 de julho de 2020

O MEU ÚLTIMO ABRAÇO AO AMIGO IÉ-IÉ.


Hoje, logo que ligo o meu computador e me deparo com a triste notícia do falecimento do meu amigo José Rui Ferreira, o Ieié. Recebi essa notícia bastante abalado isso porque Ieié foi meu amigo durante toda a sua vida. E diante dessa notícia, vem à tona de minha memória fatos de nossa amizade.

Lembro-me quando ele ainda bem jovem trabalhava no Bar do Bóvio, conforme uma postagem nossa recentemente no Grupo Sô de Candeias. --- Agora, no final, fomos vizinhos muitos anos na Rua Vereador José Hilário da Silva. Um vizinho alegre bom de papo e sempre com um caso para contar.
Lembro-me quando trabalhei na fábrica de foguetes do seu pai, uma pequena fábrica fundo de quintal. Éramos quatro cada um com uma função: Zé do Leonides o pai dele, ele, eu e o Tarley Vilela. Conversávamos o dia todo. Dona Iraídes, mãe dele era quitandeira, naquele tempo Candeias tinha diversas quitandeiras porque as padarias eram apenas duas e tinham como prioridade a produção de pães. Como era boa a hora do café... Gosto de lembrar da fartura e da gostosura do café de Dona Iraídes.

Nesse tempo Iéié abriu um açougue. Os açougues, então, funcionavam apenas aos sábados. Durante a semana só se encontrava carne de salmoura porque não existiam geladeiras tendo em vista a fragilidade do fornecimento de eletricidade da Companhia força e Luz Candeense. Nesses dias de sábado eu era liberado pelo pai dele para ajuda-lo no açougue. E a minha tarefa era entregar as encomendas.

Depois disso Iéié foi ser viajante da, então famosa, Loja da China. Sua praça de ação seria a Bahia. A Loja tinha viajantes que a representava em todo o Brasil. A principio Iéié vinha mais amiúde visitar a família e os amigos trazia boas noticias da Bahia e da sua adaptação com os baianos e comentava a satisfação do fato conhecer as baianas. Dizia-se que futuramente iria morar na Bahia.
E já começava até a pegar alguns termos das gírias do povo baiano. Por pouco Iéié não tomou o apelido de baiano.

 E assim que o tempo foi passando Iéié sumiu. Não aparecia em Candeias e nem dava notícias para a família. Foi um tempo quente para o seu povo. A Loja da China não tinha notícias, e essa ausência causou uma comoção geral na cidade de Candeias. Corria-se o boato de que na sua última viagem ele teria dito que estava evolvido com uma baiana. E com isso surgiram-se os mais diversos comentários sobe o amigo Iéié.

Sua mãe ficou enferma dada essa ausência, esse sumiço e a ideia de que na Bahia era alto o índice de criminalidade. ---- Já se tinha Iéié como morto. –- Lembro-me de tê-lo colocado nas minhas orações. Mas finalmente quando não se esperava chega uma notícia de que ele estaria para chegar. E chegou, completamente diferente, dando má respostas, nervoso, totalmente diferente daquele Iéié tão educado, tão sorridente que todos conheciam. Completamente desnorteado e sem justificar o seu comportamento.

Mas o tempo como sempre resolve as coisas, deu ao Iéié a sua antiga forma e ele voltou a ser o que era. Era ele um excelente vendedor. Casou-se com a Toninha, uma moça da família Alvarenga e viveram sempre felizes. Pais muito amigos dos filhos Josué e Noemi, filhos criados com muito amor a quem neste momento eu envio os meus sentimentos extensivos aos demis familiares.

Meu caro Iéié receba o meu abraço, com certeza você cumpriu com louvor a sua tarefa aqui na terra, teremos de você boas lembranças e saudade. Que Deus o tenha.

Candeias MG Casos e Acasos
Armando Melo de Castro.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

DONA NINITA ALVARENGA.


Num dos estojos mais delicados da minha memória encontra-se guardado o meu terceiro ano de escola, frequentado no Grupo Escolar Padre Américo, em Candeias, quando foi minha professora, a Sra. Ninita Alvarenga, minha querida Dona Ninita Alvarenga. --- Eu acho tão bom recordar as minhas professoras; mesmo sendo aquelas que usaram a vara de marmelo fornecida pelo Sr. Erasto de Barros, quando me envolvia com algum colega. A vara naquele tempo era um instrumento disciplinar. E quem brigasse ou participasse de encrencas não havia a busca da razão. A vara comia solta. E eu, apesar de um menino bobo, quieto e tímido, não fui salvo. Mas eu sempre tive muita amizade com as minhas professoras, até mesmo com as que me ensinaram a dor da vara. Grandes amigas depois de adulto... E às vezes, até brincava com elas: “Suas varadas doem em mim até hoje...” -- Dona Ninita me deu muitas varadas, mas nenhuma com varas e sim com palavras que às vezes doíam mais do que a vara. Ela com aquele seu tom de voz, bem característico da família Alvarenga era um doce de pessoa.

A minha paixão pelas professoras sempre esteve centrada na querida, Dona Ninita Alvarenga, cujo retrato encontra-se perfeito no álbum das minhas recordações. Ela era linda no seu porte completo. Os seus cabelos pretos levemente ondeantes cortados abaixo da nuca, transparecendo a maciez da seda; um olhar manso e de um negrume quente; o nariz fazendo ângulo com o queixo redondo e suave; os lábios místicos cobertos por um batom vermelho e brando, completando o rosto de um anjo sorridente. A cor clara e um corpo ressaltando uma cintura fina com uns quadris um pouco desenvolvidos, dando mostra do feitio de um violão. Uma correntinha de ouro trazida sempre no pescoço e nele pendente um pequeno crucifixo, como insígnia do Cristianismo. Nas mãos delicadas uma aliança larga no anular esquerdo. Na mão direita o anel de formatura muito bonito. Suas unhas eram coloridas e bem feitas. No braço esquerdo um relógio especialmente feminino. E as suas vestes requintadas, completavam o atavio do seu corpo.

Mas a sedução da simpatia, a soma final dos seus encantos estava na sua voz e no fundo do seu sorriso. E toda vez que eu a via sorrir e pronunciar o meu nome me tomava por um devaneio egoísta, causando-me uma febre de ciúme de meus colegas. --- Eu contava nove anos de idade e sentia por Dona Ninita um amor silencioso e surdo de menino tímido, calado e carente; envolto tão somente nos pensamentos repletos e contidos na pureza da alma e na isenção de pecado. Entendo que eu me sentia diante de um anjo bom quando a frente de Dona Ninita.

O tempo, esse construtor impiedoso, somente me permitiu revê-la vinte anos mais tarde, quando já com vinte e nove anos de idade e já casado. --- Eu era funcionário do Bemge e teria sido transferido de São Paulo para Divinópolis. --- Eu como caixa do Banco, vejo chegar àquela senhora de porte distinto e elegante, trajando um vestido preto, quando me pergunta: “É você o Armando?” E eu, querendo reconhecê-la, fiquei um tanto assustado e confuso, respondo: sim sou eu... E ela comenta: “O Rui Frade foi quem me disse que havia um rapaz de Candeias, com o nome de Armando trabalhando aqui!... Eu imaginei ser você. Eu fui sua professora, você se lembra?” ---E eu respondo totalmente aturdido... Emocionado: Dona Ninita! Que alegria! Como eu haveria de esquecê-la!?

Dada as circunstâncias não pude abraçá-la, naquela hora, mas como desejei isso. Para mim aquele momento foi um grito de Gloria a Deus nas alturas e felicidade para mim aqui na terra. Desde então, tivemos vários contatos, inclusive com o seu marido o Sr. Edson, que teria sido o chefe da Agência de Estatística antes do Sr. Miguel Albanez, o Biribico.

Esse encontro me fez tanto bem. Proporcionou-me uma verdadeira alegria. Eu jamais teria esquecido a meiguice recebida de Dona Ninita na minha infância. E entre tantos gestos de carinho que recebi de tão querida professora, um deles encontra-se nítido nas minhas lembranças, como se tivesse acontecido ainda hoje:

A turma era composta por meninos pobres e ricos. E em virtude do pouco tempo da existência da Escola, os estudantes eram em turmas heterogêneas. Assim, eram grandes as diferenças de idade. ----

Certo dia, Dona Ninita, talvez como parte do programa de ensino, perguntava aos alunos, um a um, o que desejariam ser na vida, no futuro. --- A cada pergunta, o aluno respondia qual a carreira pretendida. E como os sonhos das crianças são insondáveis, foram as mais diversas respostas. Contudo, é de todo patente, que naquele tempo as diferenças sociais eram muito mais marcantes do que nos dias atuais.

Quando a pergunta era feita a um menino rico e esse respondia que queria ser um engenheiro, um médico ou um advogado, a resposta era acolhida com o silêncio dos pobres. Quando a pergunta era feita a um menino pobre e esse respondia que desejava ser algo que não coincidisse com a sua condição de pobre, os alunos de pais abastados riam e sorrateiramente faziam os seus comentários em forma de zombaria, numa manifestação irônica, como se ridículo fosse querer melhorar de vida.

Consciente da minha condição de célula do proletariado, diante daquele clima hostil, e sem fazer uma analise a respeito, eu não fui titubeante ao responder na minha vez que desejaria ser um motorista de caminhão. Mas a parte forte não me perdoou. Uma rizada alta; quase um grito de gozo e em bom som, surgiu: “E no caminhão de quem você vai aprender a dirigir? Só se for à furreca do Zé Firmino!?” Os poucos caminhões que existiam em Candeias eram dirigidos por seus proprietários, exceto o caminhão da prefeitura e da Casa Bonaccorsi. Zé Firmino era possuidor de um velho caminhão, com uma carroçaria adaptada para pequenos transportes. E tratando-se de um veículo pobre e desajeitado, valia de chacota do povo, como sinônimo de pobreza e era chamado de furreca.

Sensibilizado e ofendido, escondi meu rosto sobre as mãos para ocultar as lágrimas. E nesse momento, Dona Ninita, levantou-se de sua mesa, aproximou-se de mim e colocando a mão sobre minha cabeça, disse carinhosamente: O que é isso Armando!? Um menino inteligente como você, educado, estudioso, se importando com o que o seu colega diz? Fique tranquilo meu filho, Você não só vai ser motorista como também vai ter o seu caminhão... E faço votos que seja um caminhão novinho, porque você merece.

E dirigindo-se ao colega que me insultou perguntou-lhe o que gostaria de ser no futuro e teve a resposta eu vou ser um doutor; quando Dona Ninita leu um sermão para ele, que suponho valeu para toda a turma. Um sermão de classe sem agredi-lo, e finalizou: Todo trabalho é digno de muito respeito. Você diz que quer ser um doutor, mas nem sabe que doutor quer ser. Parece que você está pensando em ser apenas melhor que os outros O Armando sabe o que pretende ser, portanto eu gostei mais da resposta dele. Ser um motorista de caminhão. ---- Eu imagino o quanto doeu naquele colega que não chegou a ser doutor. O sermão de Dona Ninita o fez ficar em silêncio o resto da aula. Eu nunca fui caminhoneiro como o meu colega nunca foi doutor.

Hoje, aos 74 anos de idade, pouco me importa a vivida infância proletária. Mas o que me importa, verdadeiramente, foram os carinhos recebidos de pessoas como, Dona Ninita Alvarenga, professora que acrescentava no jeito de professorar algo mais como exemplos de vida em forma de sentimento. Alguma coisa a mais que possa ser usado pela vida afora numa forma de felicidade do intimo e um contentamento de alma sem participação de sofrimentos.

Dona Ninita para mim foi um exemplo de respeito. Não me lembro de vê-la com a vara na mão para assustar um aluno faltoso; mas posso me lembrar da força da sua palavra. 

Lembro-me, como se fosse hoje, quando Dona Ninita no final da aula chamou-me junto ao meu colega agressivo e disse-lhe com voz forte: “ficará muito bonito se você pedir desculpas ao Armando”. E assim foi feito. Abraçamo-nos e nos tornamos muito amigos, grandes amigos.

Muito obrigado Dona Ninita. O seu nome está bem guardado não só no meu cérebro, como também no meu coração.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.








sábado, 18 de julho de 2020

MIDINHO, UM CANDEENSE QUERIDO.

                                                              Archimedes Viglioni, O Midinho.

Entendo que a sociedade tem o dever de exercer a gratidão a um cidadão de bem e que tenha exercido a sua cidadania com amor e responsabilidade. A história de um município precisa reservar um espaço para colocar o nome de pessoas que apesar da sua simplicidade, tenham participado dignamente da nação municipal com amor e dedicação ao seu município. A história de Candeias não pode deixar de fora dela o nome de um Candeenses bairrista e que integrou a sociedade candeense de forma louvável.

Hoje, o nosso Blog estará focalizando o nome de um Candeense muito querido e respeitado. Um amigo pronto para criticar ou elogiar. Um homem que sempre viu os dois lados da moeda e mais: nunca envelheceu, pois o tempo não o fez afastado dos jovens e nem do espírito saudável do boêmio. Estou falando do candeense Archimedes Viglioni Sobrinho.

Archimedes, então conhecido como “Sr. Midinho” nasceu em Candeias em 05 de agosto de 1899 quando o nosso município ainda estava longe de ser emancipado. Filho de Joaquim Salvador e Dona Eulinda Viglioni, (Dona Linda) descendente dos primeiros imigrantes italianos de Pisciota em 1880.

Midinho foi um jovem de espírito livre; alegre; gostava de ouvir e contar piadas e era muito brincalhão. Gostava de uma farra, tinha fama de mulherengo, fazia uso de bebidas alcoólicas e gostava de pescar. ---- Certa vez sumiu de Candeias e foi parar na cidade de Ribeirão Vermelho para trabalhar de Padeiro.  

Depois disso sumiu de novo e foi mais longe. Dessa vez foi para Conservatória, um distrito da cidade de Valença, do Estado do Rio de Janeiro, onde a atividade daquele distrito, especificamente, é a seresta e a boemia. ----

Naquele tempo, os pais das moças se opunham ao casamento de suas filhas com jovens que tinham comportamento liberal. E Midinho em suma, não preenchia os requisitos para um bom candidato ao casamento. Portanto, não conseguiu se livrar dessa resistência quando começou o seu namoro com a Jovem Maria do Carmo, conhecida como Carminha, filha de Dona Benta e que tinha como irmãos o Sr. Erasto de Barros, o Sr. José de Barros, Dona Filomena e Dona Nica, esposa do Sr. Bernardo Bonaccorsi. Familiares de principio rigorosamente conservador.

Por ser assim, um jovem bastante livre, a mãe de Carminha, Dona Benta não queria o casamento de sua filha com aquele moço desregrado. Todavia essas rejeições familiares eram comuns antigamente. Mas, como dizem o amor tem razões que a própria razão desconhece. --- Midinho e Carminha se amavam e os laços do amor são muito fortes. Bem entendido: o verdadeiro amor... Enfim, O amor venceu e com gosto ou sem o gosto da família de Carminha eles se casaram no dia 23 de maio de 1929. Agora ela seria a Carminha do Midinho. E foram felizes. Não tiveram filhos.

Em Candeias Midinho exercia a profissão de cabelereiro/barbeiro. Seu salão era estabelecido onde hoje está situada a Prefeitura Municipal. Ali, então, era a casa de Francisco de Paula Teixeira, o Patriarca da família Teixeira, uma grande casa com diversos cômodos de comercio. Lembro-me dessa casa, tinha várias portas e janelas azuis.

Além de barbeiro, desempenhou outras funções: delegado de polícia, por mais de um período. Os chamados delegados “Calça Curta” que eram nomeados pela política. Foi presidente do Clube Recreativo Candeense e Dono de Tabacaria e bicheiro, no tempo que o jogo do bicho rolava solto. A banca era na sua casa. Vejam que Midinho foi de Delegado a bicheiro dada a sua habilidade de lidar com o povo. Lembro-me dele em todas essas atividades e as desenvolveu com muita eficiência.

Eu entendo que ninguém ama alguém por ser simplesmente uma pessoa bonita, de olhos azuis, verdes ou pretos... Porque trata a sua família bem ou lhe dá muitos presentes. --- O verdadeiro amor é um intruso.  Ele chega e entra sem bater na porta da família. Ele chega preferindo os defeitos do outro; perdoando as ofensas. O amor às veze prefere o jeito de olhar a cor dos olhos... E às vezes despreza o sorriso para preferir os lábios grossos. 

Midinho faleceu no dia 23 de abril de 1988 deixando um vazio impreenchível.  E sua esposa Carminha, em 24 de dezembro de 1989 em plena véspera de natal. Naturalmente foi passar o natal com o seu amado lá no céu.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

UM CANDEENSE BEM LEMBRADO.

 
Wanderley Alvarenga.

Há certos momentos em que somos levados a um passado distante. É como se olhássemos de repente no retrovisor de nossas vidas e lá estivesse à mostra algo quase esquecido. ----- Basta, às vezes, um pequeno fato para que se abram as cortinas de nossa mente e nos faça presente o que teria nos marcados na vida.


Ontem, quando eu saboreava um tutu de feijão daqueles para mineiro nenhum botar defeito, veio à tona de minha memória o nome de um grande amigo já falecido: Wanderley Alvarenga, conhecido por Lei Careta. -----


E naquela sintonia entre o cérebro, a boca e o estômago, eu puxo a ponta de uma meada vinda de um estímulo neurônico me fornecendo uma frequência, o que me fez experimentar um reflexo engastalhado no meu cérebro mesclado de tutu de feijão.  

 

 Ley Careta tinha um barzinho junto ao cinema, e no fim da noite, quando ia fechar o estabelecimento, pegava a sua marmita e fazia sob um pequeno fogareiro aquela porção de tutu, do qual me era dado algumas colheradas para tirar o gosto de uma cachaça João Marques, a pinga famosa em Candeias naquele tempo quando ainda não existia a João Cassiano.

Eu, na flor da minha juventude, diante daquelas colheradas do saboroso tutu de feijão do Ley, mais a dose de cachaça do João Marques, por pouco não sentia um orgasmo alimentar à moda, Gabi Jones, aquela americana que sentia um orgasmo quando comia os seus alimentos preferidos.

Tínhamos uma diferença de idade de quase dez anos. Portanto, fiz dele um professor na minha escola da vida. Não teria sido um bom professor se eu tivesse sido um aluno exemplar. Infelizmente o meu grande amigo Ley exagerava na bebida e não relacionava bem com a família. Tinha sérios problemas psicológicos e o final de sua vida foi dramático. Mas era um amigo que eu prezava muito e o entendia. Eu sempre fui para ele uma caixa de desabafo. Não sei porque ele confiava tanto em mim. ---- Éramos tão amigos que ele me convidou para ser seu compadre antes mesmo de se casar: “Um dia Armando, você será o padrinho do meu primogênito”. E assim fui quando nasceu o seu primeiro filho o Cristian Alvarenga. E ele nunca mais me chamou de Armando e sim de compadre.

De repente, numa evocação virtual sinto-me tomado por um transe mediúnico e volto ao passado, bem no início da nossa amizade, quando eu entrava na adolescência e o meu amigo Ley já era um rapaz adulto.
Eu um meninão inocente, muito mais bobo do que inocente. Época em que entrava para a escola do mundo e recebia algumas aulas do Ley. E numa mexida no retrovisor da minha vida vejo, lá atrás, eu e o meu amigo descendo a Avenida 17 de dezembro:


---Armando, amanhã eu vou a Campo Belo. Vamos?

---Você vai de quê?

---De carona no caminhão leiteiro do Renato do Zico.

 

(Nesse tempo não havia ônibus para Campo Belo, era o trem em apenas um horário e uma jardineira, somente na parte da tarde. O caminhão leiteiro era um transporte para quem ia até Campo Belo na parte da manhã. Caso contrário tinha que dormir lá.)

 

---Vai fazer o que lá, nessa poeirada toda?

 

 (Ainda não havia estrada asfaltada para Campo Belo nesse tempo, era a estradinha passando pelos arrudas)

 

---Vou consultar.

---Consultar? Você está doente?

---Bem! Estou e não estou!

--- Se não está porque vai consultar?

---Eu estou com um pequeno problema.

---Se é pequeno, vai ao Posto daqui...

---Não, não posso. Eu tenho vergonha do Dr. Zoroastro.

---Vergonha de quê?

---É um negócio meio complicado.

---Complicado como?

---Eu peguei um negócio aí.

---Negócio? Que negócio?

---Olha, Armando, eu vou contar, mas não espalha tá?

---Tudo bem! Mas o que é?

---Tomei um chumbo na asa?

---Chumbo na asa? O que é isso?

---Doença!

---Você disse que não está doente!

---Bem quero dizer... Mais ou menos...

---Eu não estou entendendo. Você está ou não está doente?

---Estou com um incômodo. Bem, acaba sendo doença.

---Mas que diabo de doença é essa que é e não é?

---Doença de rua.

---Doença de rua!? E o que é doença de rua?

---Blenorragia.

---Nunca vi falar nisso?

---É o mesmo que gonorreia.

---Gonorreia? E o que é isso?

---Doença de rua...

---Mas que diabo de doença é essa? Afinal onde dói em você?

---No pênis...

---O que é pênis?

---O Pinto.

---O quê? Você está com pinto doente? Nossa!

---E onde você arrumou isso?

---No Zé Bolinha.

---Quem é Zé Bolinha?

---O dono do cabaré.

---Cabaré?!... E ele te pegou a doença?

---Não!!! Foi uma das mulheres dele!!!!! 

---O quê? A mulher dele te pegou doença no pinto?

------ Ah, Armando, Assim, não dá você é bobo demais!

 

(E o meu amigo Ley tinha razão, eu era bobo demais)

 

Coitado do Ley. Ficou desorientado com o chumbo na asa. Afinal, pinto que leva chumbo na asa não consegue trepar no poleiro...

 

Que Deus o tenha meu amigo! Onde quer que esteja receba o meu abraço.


Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos