Num dos
estojos mais delicados da minha memória encontra-se guardado o meu terceiro ano
de escola, frequentado no Grupo Escolar Padre Américo, em Candeias, quando foi
minha professora, a Sra. Ninita Alvarenga, minha querida Dona Ninita Alvarenga.
--- Eu acho tão bom recordar as minhas professoras; mesmo sendo aquelas que usaram
a vara de marmelo fornecida pelo Sr. Erasto de Barros, quando me envolvia com
algum colega. A vara naquele tempo era um instrumento disciplinar. E quem
brigasse ou participasse de encrencas não havia a busca da razão. A vara comia
solta. E eu, apesar de um menino bobo, quieto e tímido, não fui salvo. Mas eu
sempre tive muita amizade com as minhas professoras, até mesmo com as que me
ensinaram a dor da vara. Grandes amigas depois de adulto... E às vezes, até
brincava com elas: “Suas varadas doem em mim até hoje...” -- Dona Ninita me deu
muitas varadas, mas nenhuma com varas e sim com palavras que às vezes doíam mais
do que a vara. Ela com aquele seu tom de voz, bem característico da família
Alvarenga era um doce de pessoa.
A minha paixão pelas professoras sempre esteve centrada na querida, Dona Ninita Alvarenga, cujo retrato encontra-se perfeito no álbum das minhas recordações. Ela era linda no seu porte completo. Os seus cabelos pretos levemente ondeantes cortados abaixo da nuca, transparecendo a maciez da seda; um olhar manso e de um negrume quente; o nariz fazendo ângulo com o queixo redondo e suave; os lábios místicos cobertos por um batom vermelho e brando, completando o rosto de um anjo sorridente. A cor clara e um corpo ressaltando uma cintura fina com uns quadris um pouco desenvolvidos, dando mostra do feitio de um violão. Uma correntinha de ouro trazida sempre no pescoço e nele pendente um pequeno crucifixo, como insígnia do Cristianismo. Nas mãos delicadas uma aliança larga no anular esquerdo. Na mão direita o anel de formatura muito bonito. Suas unhas eram coloridas e bem feitas. No braço esquerdo um relógio especialmente feminino. E as suas vestes requintadas, completavam o atavio do seu corpo.
Lembro-me, como se fosse hoje, quando Dona Ninita no final da aula chamou-me junto ao meu colega agressivo e disse-lhe com voz forte: “ficará muito bonito se você pedir desculpas ao Armando”. E assim foi feito. Abraçamo-nos e nos tornamos muito amigos, grandes amigos.
A minha paixão pelas professoras sempre esteve centrada na querida, Dona Ninita Alvarenga, cujo retrato encontra-se perfeito no álbum das minhas recordações. Ela era linda no seu porte completo. Os seus cabelos pretos levemente ondeantes cortados abaixo da nuca, transparecendo a maciez da seda; um olhar manso e de um negrume quente; o nariz fazendo ângulo com o queixo redondo e suave; os lábios místicos cobertos por um batom vermelho e brando, completando o rosto de um anjo sorridente. A cor clara e um corpo ressaltando uma cintura fina com uns quadris um pouco desenvolvidos, dando mostra do feitio de um violão. Uma correntinha de ouro trazida sempre no pescoço e nele pendente um pequeno crucifixo, como insígnia do Cristianismo. Nas mãos delicadas uma aliança larga no anular esquerdo. Na mão direita o anel de formatura muito bonito. Suas unhas eram coloridas e bem feitas. No braço esquerdo um relógio especialmente feminino. E as suas vestes requintadas, completavam o atavio do seu corpo.
Mas a
sedução da simpatia, a soma final dos seus encantos estava na sua voz e no
fundo do seu sorriso. E toda vez que eu a via sorrir e pronunciar o meu nome me
tomava por um devaneio egoísta, causando-me uma febre de ciúme de meus colegas.
--- Eu contava nove anos de idade e sentia por Dona Ninita um amor silencioso e
surdo de menino tímido, calado e carente; envolto tão somente nos pensamentos
repletos e contidos na pureza da alma e na isenção de pecado. Entendo que eu me
sentia diante de um anjo bom quando a frente de Dona Ninita.
O tempo,
esse construtor impiedoso, somente me permitiu revê-la vinte anos mais tarde,
quando já com vinte e nove anos de idade e já casado. --- Eu era funcionário do
Bemge e teria sido transferido de São Paulo para Divinópolis. --- Eu como caixa
do Banco, vejo chegar àquela senhora de porte distinto e elegante, trajando um
vestido preto, quando me pergunta: “É você o Armando?” E eu, querendo
reconhecê-la, fiquei um tanto assustado e confuso, respondo: sim sou eu... E
ela comenta: “O Rui Frade foi quem me disse que havia um rapaz de Candeias, com
o nome de Armando trabalhando aqui!... Eu imaginei ser você. Eu fui sua
professora, você se lembra?” ---E eu respondo totalmente aturdido...
Emocionado: Dona Ninita! Que alegria! Como eu haveria de esquecê-la!?
Dada as
circunstâncias não pude abraçá-la, naquela hora, mas como desejei isso. Para mim aquele momento foi um grito de Gloria a
Deus nas alturas e felicidade para mim aqui na terra. Desde então, tivemos
vários contatos, inclusive com o seu marido o Sr. Edson, que teria sido o chefe
da Agência de Estatística antes do Sr. Miguel Albanez, o Biribico.
Esse
encontro me fez tanto bem. Proporcionou-me uma verdadeira alegria. Eu jamais
teria esquecido a meiguice recebida de Dona Ninita na minha infância. E entre
tantos gestos de carinho que recebi de tão querida professora, um deles
encontra-se nítido nas minhas lembranças, como se tivesse acontecido ainda
hoje:
A turma
era composta por meninos pobres e ricos. E em virtude do pouco tempo da
existência da Escola, os estudantes eram em turmas heterogêneas. Assim, eram
grandes as diferenças de idade. ----
Certo
dia, Dona Ninita, talvez como parte do programa de ensino, perguntava aos
alunos, um a um, o que desejariam ser na vida, no futuro. --- A cada pergunta,
o aluno respondia qual a carreira pretendida. E como os sonhos das crianças são
insondáveis, foram as mais diversas respostas. Contudo, é de todo patente, que
naquele tempo as diferenças sociais eram muito mais marcantes do que nos dias
atuais.
Quando a
pergunta era feita a um menino rico e esse respondia que queria ser um
engenheiro, um médico ou um advogado, a resposta era acolhida com o silêncio
dos pobres. Quando a pergunta era feita a um menino pobre e esse respondia que
desejava ser algo que não coincidisse com a sua condição de pobre, os alunos de
pais abastados riam e sorrateiramente faziam os seus comentários em forma de
zombaria, numa manifestação irônica, como se ridículo fosse querer melhorar de
vida.
Consciente
da minha condição de célula do proletariado, diante daquele clima hostil, e sem
fazer uma analise a respeito, eu não fui titubeante ao responder na minha vez
que desejaria ser um motorista de caminhão. Mas a parte forte não me perdoou.
Uma rizada alta; quase um grito de gozo e em bom som, surgiu: “E no caminhão de
quem você vai aprender a dirigir? Só se for à furreca do Zé Firmino!?” Os
poucos caminhões que existiam em Candeias eram dirigidos por seus
proprietários, exceto o caminhão da prefeitura e da Casa Bonaccorsi. Zé Firmino era possuidor de um velho caminhão, com
uma carroçaria adaptada para pequenos transportes. E tratando-se de um veículo
pobre e desajeitado, valia de chacota do povo, como sinônimo de pobreza e era
chamado de furreca.
Sensibilizado
e ofendido, escondi meu rosto sobre as mãos para ocultar as lágrimas. E nesse
momento, Dona Ninita, levantou-se de sua mesa, aproximou-se de mim e colocando
a mão sobre minha cabeça, disse carinhosamente: O que é isso Armando!? Um
menino inteligente como você, educado, estudioso, se importando com o que o seu
colega diz? Fique tranquilo meu filho, Você não só vai ser motorista como
também vai ter o seu caminhão... E faço votos que seja um caminhão novinho,
porque você merece.
E
dirigindo-se ao colega que me insultou perguntou-lhe o que gostaria de ser no
futuro e teve a resposta eu vou ser um doutor; quando Dona Ninita leu um sermão
para ele, que suponho valeu para toda a turma. Um sermão de classe sem agredi-lo,
e finalizou: Todo trabalho é digno de muito respeito. Você diz que quer ser um
doutor, mas nem sabe que doutor quer ser. Parece que você está pensando em ser
apenas melhor que os outros O Armando sabe o que pretende ser, portanto eu
gostei mais da resposta dele. Ser um motorista de caminhão. ---- Eu imagino o quanto
doeu naquele colega que não chegou a ser doutor. O sermão de Dona Ninita o fez
ficar em silêncio o resto da aula. Eu nunca fui caminhoneiro como o meu colega
nunca foi doutor.
Hoje, aos
74 anos de idade, pouco me importa a vivida infância proletária. Mas o que me
importa, verdadeiramente, foram os carinhos recebidos de pessoas como, Dona
Ninita Alvarenga, professora que acrescentava no jeito de professorar algo mais
como exemplos de vida em forma de sentimento. Alguma coisa a mais que possa ser
usado pela vida afora numa forma de felicidade do intimo e um contentamento de alma
sem participação de sofrimentos.
Dona
Ninita para mim foi um exemplo de respeito. Não me lembro de vê-la com a vara
na mão para assustar um aluno faltoso; mas posso me lembrar da força da sua
palavra.
Lembro-me, como se fosse hoje, quando Dona Ninita no final da aula chamou-me junto ao meu colega agressivo e disse-lhe com voz forte: “ficará muito bonito se você pedir desculpas ao Armando”. E assim foi feito. Abraçamo-nos e nos tornamos muito amigos, grandes amigos.
Muito
obrigado Dona Ninita. O seu nome está bem guardado não só no meu cérebro, como
também no meu coração.
Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.
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