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domingo, 5 de julho de 2020

ANTÔNIO, O CAÇADOR DE TATUS.


Certa vez quando eu viajava de Candeias para a cidade de Formiga, durante a noite, passou pela frente do meu carro um tatu e eu tive que quase parar para não lhe atropelar. Era um tatu-galinha, daqueles pequenos, cuja carne sempre foi muito admirada pelos caçadores. Diante do fato, veio à tona de minha memória a imagem de uma caçada de tatu da qual eu teria participado anos antes.

Antônio Tatu, como era bem conhecido, viera da comunidade dos Vieiras, município de Candeias, para residir na cidade. Caçava tatu por encomenda e servia aos seus fregueses, admiradores da carne do bicho.
---- Contava, mais ou menos, uns quarenta anos. Era um elemento magricelo, alto, pouca barba e um bigode espesso. Olhos azuis; testa longa e cabelos castanhos bem claros, quase louros, descendo à nuca.  --- Seus trajes, para não considerá-los descorados, eu os diria da cor do chão.

Tinha duas profissões pelas quais era muito procurado. Uma delas era executada durante o dia, quando furava fossas e cisternas. E a outra era a caçada de tatu que fazia à noite. Trabalho que lhe valeu o apelido de Antônio Tatu. --- Ele sempre brincava dizendo que durante o dia ele furava o buraco e à noite caçava no buraco e que a sua vida era num buraco. Porquanto, muita gente pensava que o seu apelido era devido ao fato de ser furador de buracos de fossas e cisternas. De certa forma os dois trabalhos lhe garantiam o ajustar o apelido.

E foi numa caçada dessas que Antônio levou consigo alguns convidados entre eles o meu pai, então, curioso para ver como era caçado o pobre silvestre. E nesta comitiva, eu já me fiz incluso de “contrapeso”, pois, como dizia minha mãe, eu era o rabo do meu pai. E foi uma experiência muito ruim para os meus olhos de menino. Assistir o que me deixou muito abismado.

Um grupo de quatro pessoas perseguia o animal através dos cães. Quando um cachorro dava o sinal de que teria localizado um bicho . ---- o animal corria e se escondia no buraco e este viria a ser localizado pelo cão especializado em caçadas de tatu.
 
Assim, o cão ficava a latir ali na entrada do buraco até a chegada dos caçadores que vinham em disparada, mato afora, a fim de pegar a caça numa verdadeira extravagância física. Ora tropeçando em tocos, ora levando cerca de arame no peito devido ao escuro.

Diante desse flagelo sobre si, o animal aplica a sua defesa abrindo a sua carapaça e se prendendo nas paredes do buraco. Daí, o caçador, usando a arma própria, ou seja, um arpão tipo de uma seta de ferro, afixada na ponta de um cabo de vassoura, o introduz no ânus do pobre animal deixando-o imobilizado. (Ai que dó) Quando não se consegue puxar o bicho pelo rabo, faz-se uma cava ao redor do buraco até alcança-lo e tê-lo em mãos.

Sinceramente, ao presenciar esse tipo de caçada, eu me senti sensibilizado e deduzi que os caçadores são frios e trazem consigo uma índole maldosa. No caso da caçada de tatu, dá para sentir que a fazem com certo requinte de maldade. É uma morte torturante! E eu não gostei de ver aquilo.

Felizmente, com as leis que protegem a matança desses animais, isso vai se tornando coisa do passado, apesar de que deve,  ainda,  existir, por aí, muitos caçadores de tatu e, obviamente, de outros animais. Afinal, o Brasil é o país da clandestinidade e da impunidade diante do descumprimento das leis.

Mas, mudando o assunto de pau para cavaco sem deixar o caçador de tatu de lado, eu, escarafunchando a minha memória, consigo me lembrar de um caso hilariante acontecido com o Antônio Tatu, tão logo tenha vindo dos Vieiras, quando se estabeleceu na cidade com a sua família. Ele tinha um filho meio louro e que estava sempre em sua companhia. Era o seu ajudante furando o chão e nas caçadas de tatu. A meninada o chamava de Tatuzinho.

 Onde um punha o pé, o outro punha o nariz. Os dois, portanto, tinham uma curiosidade em comum: tão logo vieram da roça, queriam conhecer o cinema. Para quem até então vivera na zona rural, pouco conhecia as coisas da cidade, vir a conhecer o cinema seria uma curiosidade natural ao ter ouvido contar as histórias da cidade, o cinema era realmente uma coisa extremamente curiosa para eles.

Foi chegado o grande dia. Antônio Tatu e Tatuzinho iriam ao cinema. E o filme seria com o maior ator de cinema de faroeste da época, Roy Rogers, com o seu cavalo branco, o famoso Trigger.

Num determinado momento, Antônio Tatu dá um grito dentro do cinema por ter visto alguém de tocaia: “Nossa Mãe do Céu!”. o que chamou bastante a atenção do povo ali dentro.

O mais engraçado aconteceria no outro dia, quando Antônio Tatu e Tatuzinho tentavam contar aos amigos o que teriam achado do filme. Todo mundo queria ouvi-los contar e onde eles estava formava-se uma rodinha:

“---Um cavalo bunito dimais da conta! Mas, o cavalero num sabia nem fala. Era um bobão. Paricia que aquele povo do cinema falava igual índio ou a língua deles é incravada até na goela: ---- Um chegou perto do outro e falou assim: Roça run Ual... Roça cau, cau. Aí,cão ratiu. Daí, deu um murro no outro e saiu dano tiro pra tudo quanto é lado. Cubo rau. bummmmmmmmmmm. Tinha hora que o povo até ria deles de tão bobo que eles era”.

Nunca mais ouvi falar de Antônio Tatu e nem do seu filho, Tatuzinho. E assim, o mamífero noctívago pôde apreciar a lua com tranquilidade sem o risco de levar uma fisgada no traseiro pelo arpão do jeca o que, a meu ver, é a morte mais triste do mundo.  Instrumento de caçar o tatú... Ai que dó!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

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