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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

TIGUINHO, O DONZELO.


---------Wanderley Carvalho, o Leley, era um dos meus grandes amigos que residia, em Brasília e faleceu recentemente. Para quem não o conheceu ele era irmão caçula da Iveta mãe do Hailton Cordeiro e do Carmelio Carvalho. --- Leley  de vez em quando, aparecia na terrinha, com a intenção de matar a saudade e rever seus irmãos. Durante o tempo em que morou em Candeias seu ramo de negócio foi bar.

 ---Primeiro quando comprou o Bar do Bóvio ao lado da Igreja do senhor Bom Jesus, posteriormente o transferiu para o sobrado onde está hoje situado o escritório de contabilidade do Sr. José Antônio.

 ---Mudou-se posteriormente para a cidade de São Sebastião do Paraíso, localizada no sul de Minas, próxima a cidade de Passos, onde adquiriu um bar/restaurante muito bem montado.

 ---Eu era bem jovem e fui trabalhar com o Leley, nessa cidade, onde fiquei  todo o ano de 1962. Foi um tempo bom. Sabe-se que um balcão é uma verdadeira escola. Como eu flutuava nesse tempo em busca de conhecimento da vida, acabei aprendendo muita coisa naquele trabalho por onde trabalhei em diversos pontos.

 ---Éramos dois funcionários. Um atendia o balcão e o outro atendia o salão. O meu primeiro colega era o Caiana, meu grande amigo filho do Gerson, bisavô do nosso querido Diego Sena. Caiana posteriormente se tornou, motorista de caminhão vindo a falecer, em um trágico acidente, nas imediações da cidade de Arcos.

 ---Para o serviço de servente do bar, Leley levou o Tiguinho, também, falecido. Indivíduo apalermado, extremamente simplório. Do tipo cabaceiro que busca e leva a cabaça d’água para o trabalhador rural. Aliás, Alcino do João Sidney, irmão do Mozart Sidney que era cafeicultor em Campos Altos havia levado o Tiguinho para esse tipo de trabalho e, por uma questão ínfima, ele abandonou o serviço, colocando o pé na estrada sem dizer nada para ninguém. Voltou para Candeias, seguindo a estrada de ferro e foram vários os dias nessa viagem, dormindo à beira do caminho e pedindo comida nas casas das turmas. Leley que acabou sabendo dessa sua viagem extravagante e o trazia sempre às vistas.

 ---O Bar do Leley situava-se na entrada da cidade de São Sebastião do Paraíso, bem afastado do centro. Contudo, era o ponto predileto dos artistas que visitavam a cidade e da sociedade bem remunerada tendo em vista as boas instalações e a qualidade da comida feita com esmero pelas suas irmãs, Quinha e Iveta, com a participação de sua mãe Dona Maria. Conceituadas prendas na arte culinária.

---As atribuições do Tiguinho seria transportar um engradado de bebida, buscar ou levar alguma coisa e fazer a faxina no final do expediente. No mais ficava por ali. E com isso ele tornou-se conhecido dos fregueses e dado ao seu porte um tanto tolo, passou a fazer o papel de bobo da corte e tudo que lhe falava ele tinha apenas uma resposta: Ouuuuááá!!!!

---O tempo cuidou-se de nos devolver a nossa amada e querida Candeias. O contrato de aluguel entre o Leley e o dono do ponto terminou e este não quis renová-lo.

Novamente, em nossa terra, continuamos amigos e Caiana resolveu cumprir uma velha promessa então feita ao Tiguinho, por diversas vezes, durante a convivência em São Sebastião do Paraíso. 

 ---A promessa seria de quando eles se reencontrassem em Candeias ele levá-lo-ia à zona boemia do Pedro Pitanga e lhe proporcionaria a companhia de uma meretriz para que esta pudesse, então, arrancar dele a virgindade e deixar de ser donzelo, pois afinal, ele já tinha trinta e sete anos e ainda não havia lhe acontecido nada, sexualmente falando. Estava ainda na estaca zero. 

---Foi tudo muito bem combinado. A mulher era uma mulata alta, alentada, mais para gorda. Cabelo enrolado. Rosto cumprido, lábios vermelhos, trajando um vestido esverdeado meio curto, mostrando umas pernas grossas, das quais Tiguinho não tirava os olhos. A ex-donzela, era uma mariposa circulante e estava de passagem por Candeias e cobrou caro pelo serviço. ---- Antes de seguir para a sua tarefa, pediu um trago de rabo-de-galo (pinga com vermute). Traçou aquilo, sem fazer careta, juntou Tiguinho pelo pescoço e ambos seguiram para o quarto, após ter sido previamente informada, sobre a inexperiência sexual do casto freguês, a quem lhe caberia macular a virgindade do seu falo.

---Ali, naquele comércio de prostituição, havia muitas pessoas e como o Tiguinho foi sempre muito conhecido pelo seu jeito de ser, a sua presença despertou aos presentes bastante atenção. Caiana, com aquele seu jeitão divertido, dizia: eu trouxe o Tiguinho aqui para sangrar a “curuja” e eu, como fazia parte da comissão promotora daquela defloração, fiquei a postos para ver o resultado.

---Tendo decorrido uns dez ou quinze minutos, ouve-se um grito da mulher. Daí a pouco a porta se abre! E a mulher assustada diz:

---Isso é homem ou é uma sucuri?! Esse cara é aleijado, home de Deus!!!

---Corremos ao seu encontro e o pegamos o tiguinho pelado e  tremendo, feito uma vara verde, dizendo:

 ---- Uai! Eu só comecei e ela já deu um grito!

 ---Pois é, Tiguinho! Nós bem que tentamos ajudar você, mas uma cobra sucuri mata só de susto.

 Armando Melo de Castro

 

 

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O ÉBRIO E O ABSTÊMIO


Hoje caqui, quando bem maduro, tem o gosto doce da saudade. A minha resposta, um tanto abstrata, tem muito a ver com a saudade que guardo dentro de mim desde a minha infância quando comi, pela primeira vez, um caqui. Foi um presente do Sr. Erasto de Barros, nosso vizinho na Rua Coronel João Afonso. Ele tinha, no quintal de sua casa, um pomar com várias árvores frutíferas e, entre elas, estava um caquizeiro. Talvez, o único da cidade naquele tempo. Naquela época, muita gente tomou conhecimento da existência desta fruta através da gentileza do Sr. Erasto de Barros que gostava de presentear os amigos com aquela fruta incomum nos pomares candeenses. Acredito que é por esse motivo que, toda vez que vejo ou me falam do caqui, vem, à tona de minha memória, a imagem simpática do amigo Erasto de Barros.

Hoje caqui, quando bem maduro, tem o gosto doce da saudade. A minha resposta, um tanto abstrata, tem muito a ver com a saudade que guardo dentro de mim desde a minha infância quando comi, pela primeira vez, um caqui. Foi um presente do Sr. Erasto de Barros, nosso vizinho na Rua Coronel João Afonso. Ele tinha, no quintal de sua casa, um pomar com várias árvores frutíferas e, entre elas, estava um caquizeiro. Talvez, o único da cidade naquele tempo. Naquela época, muita gente tomou conhecimento da existência desta fruta através da gentileza do Sr. Erasto de Barros que gostava de presentear os amigos com aquela fruta incomum nos pomares candeenses. Acredito que é por esse motivo que, toda vez que vejo ou me falam do caqui, vem, à tona de minha memória, a imagem simpática do amigo Erasto de Barros.

       Eu estive fazendo uma pesquisa sobre essa fruta e colhi alguns dados interessantes: 1º) existem diversas variedades, todavia, os mais conhecidos e consumidos no Brasil são: caqui-chocolate e caqui rama forte. É um fruto de cor vermelha e de consistência macia e fibrosa. A casca do caqui-chocolate possui cor alaranjada. Possui um sabor, quando maduro, muito doce. É típico de regiões de clima tropical e subtropical. Cerca de 70 a 80% do caqui é composto por água. É uma fruta rica em proteínas, cálcio, ferro e licopeno. Em média, cada 100 gramas de caqui possui 75 calorias. Em termos de vitaminas, é rico em vitaminas E, A, B1 e B2. A China é o país de origem deste fruto. Um caqui de tamanho grande e maduro pesa, aproximadamente, 100 gramas. Às vezes, pode ser confundido com um tipo de tomate.


Como dizia, o caqui bordeja na minha memória a imagem marcante do senhor Erasto de Barros. Não só como porteiro da Escola Estadual Padre Américo, onde estudei, como também na sua vida rotineira. Um homem que tinha um coração que mal cabia dentro de si. Chorava por qualquer coisa. Era um excelente pai de família. Tratava com dignidade a sua esposa Maria e com total esmero os seus filhos, Cidinha, Ademir, Ademar e Mauro. Um homem nervoso. O seu palavreado, às vezes vulgar, não condizia com o seu real comportamento. Homem honesto, trabalhador, correto em todos os sentidos. Mas, o seu temperamento era explosivo. Quando lhe pisavam no calo, não deixava para depois o que poderia falar na hora.


As pessoas o incitavam porque ele se tornava uma pessoa engraçada, bastante engraçada quando respondia por um insulto ou uma brincadeira de mau gosto. Oportunamente, era uma criança sem maldade. Acreditava fácil em boatos fáceis. Boatos feitos, propositalmente, para vê-lo responder irritado. Era, demasiadamente, apavorado e quando ia viajar, o que raramente acontecia (quase sempre a Campo Belo), da janela do ônibus se despedia de quem ficava: “Olha, boa viagem pro cê, viu, vai com Deus!” E era ele quem estava indo. Quando um de seus filhos fazia alguma coisa errada, ele vinha com aquele seu rompante de trovão e dizia: “Eu vou te matá!” – Tirava o seu sinto, mas, as lambadas iam para o ar, pois, nenhuma acertava o filho arteiro. Ele tentava apenas assustá-lo, enquanto o menino caia na risada de não ser atingido pelo cinto. Se algum de seus filhos ia para rua e demorava a voltar, ele saía, em busca de encontrá-lo, gesticulando com as mãos e falando sozinho: “Hoje, eu esfrego ele no chão.”


Na época em que seus filhos saíram de casa para ganhar a vida em outra cidade, Sô Erasto quase morria. Eu me lembro quando fui para São Paulo e estive morando em uma república com o seu filho, Ademir. Quando eu vinha a Candeias, tinha que contar tudo, nos mínimos detalhes, de como vivia o Ademir, em São Paulo. Para tranqüilizá-lo, era preciso reproduzir tim-tim- por tim-tim como era a vida de seu filho. Os problemas rotineiros enfrentados por um jovem que saía de casa, eu não poderia contar porque isso poderia levá-lo às lágrimas.


Na época de eleição, Sô Erasto ficava, constantemente, agitado. Tudo que lhe dizia ele acreditava. As pessoas que conheciam o seu jeito de ser e o seu linguajar rude incitavam-no para vê-lo hilariante.
   O seu ponto predileto era o Bar Piloto, antiga parada de ônibus, quando ainda não existia em Candeias o terminal rodoviário. O ônibus que fazia a linha de São Paulo era como que fosse seu amigo porque levava e trazia o seu filho, Ademir. Quando vinha a Candeias, toda a cidade já tomava conhecimento pela felicidade em que ficava Sô Erasto. Entretanto, quando Ademir voltava era notório o seu semblante de tristeza. Ninguém se ofendia com o jeitão rústico dele. A sua imagem emitia uma pureza de alma e uma espontaneidade tão grande que as pessoas o respeitavam muito, até mesmo diante de uma tirada ofensiva em um dos seus momentos de explosão.


Certa vez, quando ele estava descendo a Avenida 17 de Dezembro, nas imediações do cinema, pisou de cheio num monte de excremento de cachorro. Num raio de duzentos metros, todo mundo viu que havia acontecido algo com o Sô Erasto e procuravam saber do que se tratava. Então, veio chegando “Maré”. Maré era pedreiro. Homem forte, alto, rosto cheio, cabelo bem aparado, olhar fundo e sorridente. Era natural de Campo Belo e teria vindo para Candeias na época em que iniciou o calçamento da cidade e a construção das praças. Fazia parte de um grupo de campobelenses, entre eles o Nelson Gomes, Zé Gomes e o Carneiro, felizmente, até hoje entre nós.
  Assim que saía do serviço, Maré já passava pelo bar do Tião Cassiano, ao lado do cinema, e só saía de lá completamente “mamado”. Enquanto não ficava naquele “fogaréu”, não tomava o rumo de casa. Ele era, realmente, muito engraçado. Naquele tempo, a cachaça de Candeias mais conhecida era a do João Marques. Logo que ele bebia a primeira pinga, já dizia: “Agora, quem bebe é o Maré. Daqui a pouco quem fala é o João Marques.”
    
 Sô Erasto estava muito nervoso devido o acidente entre o seu pé e a sujeira do cachorro. Falava alto, xingava e mostrava o pé sujo, dizendo que aquilo era porque os fiscais não prestavam. Dizia: "Quando fui fiscal, eu tratava desse bicho era na “bola.” Naquele clima, vinha chegando o Maré já com uma voz pastosa de bêbado, quase engolindo a língua. Então, começa:


---O que ta aconteceno aqui, Sô Erasto. Pra quê essa brabeza?
---Eu pisei em uma merda de cachorro!
---E cadê o cachorro?Ele mordeu no sinhor?
---Sei lá, rapaz!
---Uai! O sinhor num piso nele?
---Eu pisei foi na merda dum cachorro rapaz!
---Péra aí: o sinhor pisô na merda e no cachorro? O sinhor tem que explicá direito, uai! Pisô na bosta de cachorro ou pisô numa merda dum cachorro?Tem diferença, né, Sô Erasto?
---Ah! Vá à merda rapaz!
---Num vô não. Eu num sô lumbriga! Rá rá rá!
---Então, vá pus quinto!
--Vô! Só se fô pus quinto de pinga do João Marque. Rá rá rá!
---Vai pro diabo!Cachaceiro!
---Num vô tamém, não! Eu num gosto do diabo! Rá rá rá!
---Então, vá para o inferno!
---Piorou! Pra lá que eu num vô mesmo! Rá rá rá!
---Olha aqui, rapaz: vai tomá...
---Num vô, não! O sinhor tá apelano dimais, Sô Erasto. Eu venho aqui ajudá o sinhor aí, todo cagado de cachorro. Cunversano aqui, na maió iducação. Quereno ajudá. Só purque o sinhor pisou numa bustinha de cachorro! Tá doido, uai. O sinhor manda eu ir pra merda, só purque o sinhor tá nela? Quer me dá uma passage pu inferno! Ainda vem com esse negócio de rabo aí... Assim ficou feio dimais, né, Sô Erasto! Eu vim aqui ajudá, na maió boa vontade. Tá doido, uai...Aí, eu fico triste. Desse jeito, eu perdi até a vontade de ajudá uai...


Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos
CANDEIAS - MINAS

Hoje caqui, quando bem maduro, tem o gosto doce da saudade. A minha resposta, um tanto abstrata, tem muito a ver com a saudade que guardo dentro de mim desde a minha infância quando comi, pela primeira vez, um caqui. Foi um presente do Sr. Erasto de Barros, nosso vizinho na Rua Coronel João Afonso. Ele tinha, no quintal de sua casa, um pomar com várias árvores frutíferas e, entre elas, estava um caquizeiro. Talvez, o único da cidade naquele tempo. Naquela época, muita gente tomou conhecimento da existência desta fruta através da gentileza do Sr. Erasto de Barros que gostava de presentear os amigos com aquela fruta incomum nos pomares candeenses. Acredito que é por esse motivo que, toda vez que vejo ou me falam do caqui, vem, à tona de minha memória, a imagem simpática do amigo Erasto de Barros.

       Eu estive fazendo uma pesquisa sobre essa fruta e colhi alguns dados interessantes: 1º) existem diversas variedades, todavia, os mais conhecidos e consumidos no Brasil são: caqui-chocolate e caqui rama forte. É um fruto de cor vermelha e de consistência macia e fibrosa. A casca do caqui-chocolate possui cor alaranjada. Possui um sabor, quando maduro, muito doce. É típico de regiões de clima tropical e subtropical. Cerca de 70 a 80% do caqui é composto por água. É uma fruta rica em proteínas, cálcio, ferro e licopeno. Em média, cada 100 gramas de caqui possui 75 calorias. Em termos de vitaminas, é rico em vitaminas E, A, B1 e B2. A China é o país de origem deste fruto. Um caqui de tamanho grande e maduro pesa, aproximadamente, 100 gramas. Às vezes, pode ser confundido com um tipo de tomate.


Como dizia, o caqui bordeja na minha memória a imagem marcante do senhor Erasto de Barros. Não só como porteiro da Escola Estadual Padre Américo, onde estudei, como também na sua vida rotineira. Um homem que tinha um coração que mal cabia dentro de si. Chorava por qualquer coisa. Era um excelente pai de família. Tratava com dignidade a sua esposa Maria e com total esmero os seus filhos, Cidinha, Ademir, Ademar e Mauro. Um homem nervoso. O seu palavreado, às vezes vulgar, não condizia com o seu real comportamento. Homem honesto, trabalhador, correto em todos os sentidos. Mas, o seu temperamento era explosivo. Quando lhe pisavam no calo, não deixava para depois o que poderia falar na hora.


As pessoas o incitavam porque ele se tornava uma pessoa engraçada, bastante engraçada quando respondia por um insulto ou uma brincadeira de mau gosto. Oportunamente, era uma criança sem maldade. Acreditava fácil em boatos fáceis. Boatos feitos, propositalmente, para vê-lo responder irritado. Era, demasiadamente, apavorado e quando ia viajar, o que raramente acontecia (quase sempre a Campo Belo), da janela do ônibus se despedia de quem ficava: “Olha, boa viagem pro cê, viu, vai com Deus!” E era ele quem estava indo. Quando um de seus filhos fazia alguma coisa errada, ele vinha com aquele seu rompante de trovão e dizia: “Eu vou te matá!” – Tirava o seu sinto, mas, as lambadas iam para o ar, pois, nenhuma acertava o filho arteiro. Ele tentava apenas assustá-lo, enquanto o menino caia na risada de não ser atingido pelo cinto. Se algum de seus filhos ia para rua e demorava a voltar, ele saía, em busca de encontrá-lo, gesticulando com as mãos e falando sozinho: “Hoje, eu esfrego ele no chão.”


Na época em que seus filhos saíram de casa para ganhar a vida em outra cidade, Sô Erasto quase morria. Eu me lembro quando fui para São Paulo e estive morando em uma república com o seu filho, Ademir. Quando eu vinha a Candeias, tinha que contar tudo, nos mínimos detalhes, de como vivia o Ademir, em São Paulo. Para tranqüilizá-lo, era preciso reproduzir tim-tim- por tim-tim como era a vida de seu filho. Os problemas rotineiros enfrentados por um jovem que saía de casa, eu não poderia contar porque isso poderia levá-lo às lágrimas.


Na época de eleição, Sô Erasto ficava, constantemente, agitado. Tudo que lhe dizia ele acreditava. As pessoas que conheciam o seu jeito de ser e o seu linguajar rude incitavam-no para vê-lo hilariante.
   O seu ponto predileto era o Bar Piloto, antiga parada de ônibus, quando ainda não existia em Candeias o terminal rodoviário. O ônibus que fazia a linha de São Paulo era como que fosse seu amigo porque levava e trazia o seu filho, Ademir. Quando vinha a Candeias, toda a cidade já tomava conhecimento pela felicidade em que ficava Sô Erasto. Entretanto, quando Ademir voltava era notório o seu semblante de tristeza. Ninguém se ofendia com o jeitão rústico dele. A sua imagem emitia uma pureza de alma e uma espontaneidade tão grande que as pessoas o respeitavam muito, até mesmo diante de uma tirada ofensiva em um dos seus momentos de explosão.


Certa vez, quando ele estava descendo a Avenida 17 de Dezembro, nas imediações do cinema, pisou de cheio num monte de excremento de cachorro. Num raio de duzentos metros, todo mundo viu que havia acontecido algo com o Sô Erasto e procuravam saber do que se tratava. Então, veio chegando “Maré”. Maré era pedreiro. Homem forte, alto, rosto cheio, cabelo bem aparado, olhar fundo e sorridente. Era natural de Campo Belo e teria vindo para Candeias na época em que iniciou o calçamento da cidade e a construção das praças. Fazia parte de um grupo de campobelenses, entre eles o Nelson Gomes, Zé Gomes e o Carneiro, felizmente, até hoje entre nós.
  Assim que saía do serviço, Maré já passava pelo bar do Tião Cassiano, ao lado do cinema, e só saía de lá completamente “mamado”. Enquanto não ficava naquele “fogaréu”, não tomava o rumo de casa. Ele era, realmente, muito engraçado. Naquele tempo, a cachaça de Candeias mais conhecida era a do João Marques. Logo que ele bebia a primeira pinga, já dizia: “Agora, quem bebe é o Maré. Daqui a pouco quem fala é o João Marques.”
    
 Sô Erasto estava muito nervoso devido o acidente entre o seu pé e a sujeira do cachorro. Falava alto, xingava e mostrava o pé sujo, dizendo que aquilo era porque os fiscais não prestavam. Dizia: "Quando fui fiscal, eu tratava desse bicho era na “bola.” Naquele clima, vinha chegando o Maré já com uma voz pastosa de bêbado, quase engolindo a língua. Então, começa:


---O que ta aconteceno aqui, Sô Erasto. Pra quê essa brabeza?
---Eu pisei em uma merda de cachorro!
---E cadê o cachorro?Ele mordeu no sinhor?
---Sei lá, rapaz!
---Uai! O sinhor num piso nele?
---Eu pisei foi na merda dum cachorro rapaz!
---Péra aí: o sinhor pisô na merda e no cachorro? O sinhor tem que explicá direito, uai! Pisô na bosta de cachorro ou pisô numa merda dum cachorro?Tem diferença, né, Sô Erasto?
---Ah! Vá à merda rapaz!
---Num vô não. Eu num sô lumbriga! Rá rá rá!
---Então, vá pus quinto!
--Vô! Só se fô pus quinto de pinga do João Marque. Rá rá rá!
---Vai pro diabo!Cachaceiro!
---Num vô tamém, não! Eu num gosto do diabo! Rá rá rá!
---Então, vá para o inferno!
---Piorou! Pra lá que eu num vô mesmo! Rá rá rá!
---Olha aqui, rapaz: vai tomá...
---Num vô, não! O sinhor tá apelano dimais, Sô Erasto. Eu venho aqui ajudá o sinhor aí, todo cagado de cachorro. Cunversano aqui, na maió iducação. Quereno ajudá. Só purque o sinhor pisou numa bustinha de cachorro! Tá doido, uai. O sinhor manda eu ir pra merda, só purque o sinhor tá nela? Quer me dá uma passage pu inferno! Ainda vem com esse negócio de rabo aí... Assim ficou feio dimais, né, Sô Erasto! Eu vim aqui ajudá, na maió boa vontade. Tá doido, uai...Aí, eu fico triste. Desse jeito, eu perdi até a vontade de ajudá uai...


Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos
CANDEIAS - MINAS

Hoje caqui, quando bem maduro, tem o gosto doce da saudade. A minha resposta, um tanto abstrata, tem muito a ver com a saudade que guardo dentro de mim desde a minha infância quando comi, pela primeira vez, um caqui. Foi um presente do Sr. Erasto de Barros, nosso vizinho na Rua Coronel João Afonso. Ele tinha, no quintal de sua casa, um pomar com várias árvores frutíferas e, entre elas, estava um caquizeiro. Talvez, o único da cidade naquele tempo. Naquela época, muita gente tomou conhecimento da existência desta fruta através da gentileza do Sr. Erasto de Barros que gostava de presentear os amigos com aquela fruta incomum nos pomares candeenses. Acredito que é por esse motivo que, toda vez que vejo ou me falam do caqui, vem, à tona de minha memória, a imagem simpática do amigo Erasto de Barros.

       Eu estive fazendo uma pesquisa sobre essa fruta e colhi alguns dados interessantes: 1º) existem diversas variedades, todavia, os mais conhecidos e consumidos no Brasil são: caqui-chocolate e caqui rama forte. É um fruto de cor vermelha e de consistência macia e fibrosa. A casca do caqui-chocolate possui cor alaranjada. Possui um sabor, quando maduro, muito doce. É típico de regiões de clima tropical e subtropical. Cerca de 70 a 80% do caqui é composto por água. É uma fruta rica em proteínas, cálcio, ferro e licopeno. Em média, cada 100 gramas de caqui possui 75 calorias. Em termos de vitaminas, é rico em vitaminas E, A, B1 e B2. A China é o país de origem deste fruto. Um caqui de tamanho grande e maduro pesa, aproximadamente, 100 gramas. Às vezes, pode ser confundido com um tipo de tomate.


Como dizia, o caqui bordeja na minha memória a imagem marcante do senhor Erasto de Barros. Não só como porteiro da Escola Estadual Padre Américo, onde estudei, como também na sua vida rotineira. Um homem que tinha um coração que mal cabia dentro de si. Chorava por qualquer coisa. Era um excelente pai de família. Tratava com dignidade a sua esposa Maria e com total esmero os seus filhos, Cidinha, Ademir, Ademar e Mauro. Um homem nervoso. O seu palavreado, às vezes vulgar, não condizia com o seu real comportamento. Homem honesto, trabalhador, correto em todos os sentidos. Mas, o seu temperamento era explosivo. Quando lhe pisavam no calo, não deixava para depois o que poderia falar na hora.


As pessoas o incitavam porque ele se tornava uma pessoa engraçada, bastante engraçada quando respondia por um insulto ou uma brincadeira de mau gosto. Oportunamente, era uma criança sem maldade. Acreditava fácil em boatos fáceis. Boatos feitos, propositalmente, para vê-lo responder irritado. Era, demasiadamente, apavorado e quando ia viajar, o que raramente acontecia (quase sempre a Campo Belo), da janela do ônibus se despedia de quem ficava: “Olha, boa viagem pro cê, viu, vai com Deus!” E era ele quem estava indo. Quando um de seus filhos fazia alguma coisa errada, ele vinha com aquele seu rompante de trovão e dizia: “Eu vou te matá!” – Tirava o seu sinto, mas, as lambadas iam para o ar, pois, nenhuma acertava o filho arteiro. Ele tentava apenas assustá-lo, enquanto o menino caia na risada de não ser atingido pelo cinto. Se algum de seus filhos ia para rua e demorava a voltar, ele saía, em busca de encontrá-lo, gesticulando com as mãos e falando sozinho: “Hoje, eu esfrego ele no chão.”


Na época em que seus filhos saíram de casa para ganhar a vida em outra cidade, Sô Erasto quase morria. Eu me lembro quando fui para São Paulo e estive morando em uma república com o seu filho, Ademir. Quando eu vinha a Candeias, tinha que contar tudo, nos mínimos detalhes, de como vivia o Ademir, em São Paulo. Para tranqüilizá-lo, era preciso reproduzir tim-tim- por tim-tim como era a vida de seu filho. Os problemas rotineiros enfrentados por um jovem que saía de casa, eu não poderia contar porque isso poderia levá-lo às lágrimas.


Na época de eleição, Sô Erasto ficava, constantemente, agitado. Tudo que lhe dizia ele acreditava. As pessoas que conheciam o seu jeito de ser e o seu linguajar rude incitavam-no para vê-lo hilariante.
   O seu ponto predileto era o Bar Piloto, antiga parada de ônibus, quando ainda não existia em Candeias o terminal rodoviário. O ônibus que fazia a linha de São Paulo era como que fosse seu amigo porque levava e trazia o seu filho, Ademir. Quando vinha a Candeias, toda a cidade já tomava conhecimento pela felicidade em que ficava Sô Erasto. Entretanto, quando Ademir voltava era notório o seu semblante de tristeza. Ninguém se ofendia com o jeitão rústico dele. A sua imagem emitia uma pureza de alma e uma espontaneidade tão grande que as pessoas o respeitavam muito, até mesmo diante de uma tirada ofensiva em um dos seus momentos de explosão.


Certa vez, quando ele estava descendo a Avenida 17 de Dezembro, nas imediações do cinema, pisou de cheio num monte de excremento de cachorro. Num raio de duzentos metros, todo mundo viu que havia acontecido algo com o Sô Erasto e procuravam saber do que se tratava. Então, veio chegando “Maré”. Maré era pedreiro. Homem forte, alto, rosto cheio, cabelo bem aparado, olhar fundo e sorridente. Era natural de Campo Belo e teria vindo para Candeias na época em que iniciou o calçamento da cidade e a construção das praças. Fazia parte de um grupo de campobelenses, entre eles o Nelson Gomes, Zé Gomes e o Carneiro, felizmente, até hoje entre nós.
  Assim que saía do serviço, Maré já passava pelo bar do Tião Cassiano, ao lado do cinema, e só saía de lá completamente “mamado”. Enquanto não ficava naquele “fogaréu”, não tomava o rumo de casa. Ele era, realmente, muito engraçado. Naquele tempo, a cachaça de Candeias mais conhecida era a do João Marques. Logo que ele bebia a primeira pinga, já dizia: “Agora, quem bebe é o Maré. Daqui a pouco quem fala é o João Marques.”
    
 Sô Erasto estava muito nervoso devido o acidente entre o seu pé e a sujeira do cachorro. Falava alto, xingava e mostrava o pé sujo, dizendo que aquilo era porque os fiscais não prestavam. Dizia: "Quando fui fiscal, eu tratava desse bicho era na “bola.” Naquele clima, vinha chegando o Maré já com uma voz pastosa de bêbado, quase engolindo a língua. Então, começa:


---O que ta aconteceno aqui, Sô Erasto. Pra quê essa brabeza?
---Eu pisei em uma merda de cachorro!
---E cadê o cachorro?Ele mordeu no sinhor?
---Sei lá, rapaz!
---Uai! O sinhor num piso nele?
---Eu pisei foi na merda dum cachorro rapaz!
---Péra aí: o sinhor pisô na merda e no cachorro? O sinhor tem que explicá direito, uai! Pisô na bosta de cachorro ou pisô numa merda dum cachorro?Tem diferença, né, Sô Erasto?
---Ah! Vá à merda rapaz!
---Num vô não. Eu num sô lumbriga! Rá rá rá!
---Então, vá pus quinto!
--Vô! Só se fô pus quinto de pinga do João Marque. Rá rá rá!
---Vai pro diabo!Cachaceiro!
---Num vô tamém, não! Eu num gosto do diabo! Rá rá rá!
---Então, vá para o inferno!
---Piorou! Pra lá que eu num vô mesmo! Rá rá rá!
---Olha aqui, rapaz: vai tomá...
---Num vô, não! O sinhor tá apelano dimais, Sô Erasto. Eu venho aqui ajudá o sinhor aí, todo cagado de cachorro. Cunversano aqui, na maió iducação. Quereno ajudá. Só purque o sinhor pisou numa bustinha de cachorro! Tá doido, uai. O sinhor manda eu ir pra merda, só purque o sinhor tá nela? Quer me dá uma passage pu inferno! Ainda vem com esse negócio de rabo aí... Assim ficou feio dimais, né, Sô Erasto! Eu vim aqui ajudá, na maió boa vontade. Tá doido, uai...Aí, eu fico triste. Desse jeito, eu perdi até a vontade de ajudá uai...


Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos
CANDEIAS - MINAS

Hoje caqui, quando bem maduro, tem o gosto doce da saudade. A minha resposta, um tanto abstrata, tem muito a ver com a saudade que guardo dentro de mim desde a minha infância quando comi, pela primeira vez, um caqui. Foi um presente do Sr. Erasto de Barros, nosso vizinho na Rua Coronel João Afonso. Ele tinha, no quintal de sua casa, um pomar com várias árvores frutíferas e, entre elas, estava um caquizeiro. Talvez, o único da cidade naquele tempo. Naquela época, muita gente tomou conhecimento da existência desta fruta através da gentileza do Sr. Erasto de Barros que gostava de presentear os amigos com aquela fruta incomum nos pomares candeenses. Acredito que é por esse motivo que, toda vez que vejo ou me falam do caqui, vem, à tona de minha memória, a imagem simpática do amigo Erasto de Barros.

       Eu estive fazendo uma pesquisa sobre essa fruta e colhi alguns dados interessantes: 1º) existem diversas variedades, todavia, os mais conhecidos e consumidos no Brasil são: caqui-chocolate e caqui rama forte. É um fruto de cor vermelha e de consistência macia e fibrosa. A casca do caqui-chocolate possui cor alaranjada. Possui um sabor, quando maduro, muito doce. É típico de regiões de clima tropical e subtropical. Cerca de 70 a 80% do caqui é composto por água. É uma fruta rica em proteínas, cálcio, ferro e licopeno. Em média, cada 100 gramas de caqui possui 75 calorias. Em termos de vitaminas, é rico em vitaminas E, A, B1 e B2. A China é o país de origem deste fruto. Um caqui de tamanho grande e maduro pesa, aproximadamente, 100 gramas. Às vezes, pode ser confundido com um tipo de tomate.


Como dizia, o caqui bordeja na minha memória a imagem marcante do senhor Erasto de Barros. Não só como porteiro da Escola Estadual Padre Américo, onde estudei, como também na sua vida rotineira. Um homem que tinha um coração que mal cabia dentro de si. Chorava por qualquer coisa. Era um excelente pai de família. Tratava com dignidade a sua esposa Maria e com total esmero os seus filhos, Cidinha, Ademir, Ademar e Mauro. Um homem nervoso. O seu palavreado, às vezes vulgar, não condizia com o seu real comportamento. Homem honesto, trabalhador, correto em todos os sentidos. Mas, o seu temperamento era explosivo. Quando lhe pisavam no calo, não deixava para depois o que poderia falar na hora.


As pessoas o incitavam porque ele se tornava uma pessoa engraçada, bastante engraçada quando respondia por um insulto ou uma brincadeira de mau gosto. Oportunamente, era uma criança sem maldade. Acreditava fácil em boatos fáceis. Boatos feitos, propositalmente, para vê-lo responder irritado. Era, demasiadamente, apavorado e quando ia viajar, o que raramente acontecia (quase sempre a Campo Belo), da janela do ônibus se despedia de quem ficava: “Olha, boa viagem pro cê, viu, vai com Deus!” E era ele quem estava indo. Quando um de seus filhos fazia alguma coisa errada, ele vinha com aquele seu rompante de trovão e dizia: “Eu vou te matá!” – Tirava o seu sinto, mas, as lambadas iam para o ar, pois, nenhuma acertava o filho arteiro. Ele tentava apenas assustá-lo, enquanto o menino caia na risada de não ser atingido pelo cinto. Se algum de seus filhos ia para rua e demorava a voltar, ele saía, em busca de encontrá-lo, gesticulando com as mãos e falando sozinho: “Hoje, eu esfrego ele no chão.”


Na época em que seus filhos saíram de casa para ganhar a vida em outra cidade, Sô Erasto quase morria. Eu me lembro quando fui para São Paulo e estive morando em uma república com o seu filho, Ademir. Quando eu vinha a Candeias, tinha que contar tudo, nos mínimos detalhes, de como vivia o Ademir, em São Paulo. Para tranqüilizá-lo, era preciso reproduzir tim-tim- por tim-tim como era a vida de seu filho. Os problemas rotineiros enfrentados por um jovem que saía de casa, eu não poderia contar porque isso poderia levá-lo às lágrimas.


Na época de eleição, Sô Erasto ficava, constantemente, agitado. Tudo que lhe dizia ele acreditava. As pessoas que conheciam o seu jeito de ser e o seu linguajar rude incitavam-no para vê-lo hilariante.
   O seu ponto predileto era o Bar Piloto, antiga parada de ônibus, quando ainda não existia em Candeias o terminal rodoviário. O ônibus que fazia a linha de São Paulo era como que fosse seu amigo porque levava e trazia o seu filho, Ademir. Quando vinha a Candeias, toda a cidade já tomava conhecimento pela felicidade em que ficava Sô Erasto. Entretanto, quando Ademir voltava era notório o seu semblante de tristeza. Ninguém se ofendia com o jeitão rústico dele. A sua imagem emitia uma pureza de alma e uma espontaneidade tão grande que as pessoas o respeitavam muito, até mesmo diante de uma tirada ofensiva em um dos seus momentos de explosão.


Certa vez, quando ele estava descendo a Avenida 17 de Dezembro, nas imediações do cinema, pisou de cheio num monte de excremento de cachorro. Num raio de duzentos metros, todo mundo viu que havia acontecido algo com o Sô Erasto e procuravam saber do que se tratava. Então, veio chegando “Maré”. Maré era pedreiro. Homem forte, alto, rosto cheio, cabelo bem aparado, olhar fundo e sorridente. Era natural de Campo Belo e teria vindo para Candeias na época em que iniciou o calçamento da cidade e a construção das praças. Fazia parte de um grupo de campobelenses, entre eles o Nelson Gomes, Zé Gomes e o Carneiro, felizmente, até hoje entre nós.
  Assim que saía do serviço, Maré já passava pelo bar do Tião Cassiano, ao lado do cinema, e só saía de lá completamente “mamado”. Enquanto não ficava naquele “fogaréu”, não tomava o rumo de casa. Ele era, realmente, muito engraçado. Naquele tempo, a cachaça de Candeias mais conhecida era a do João Marques. Logo que ele bebia a primeira pinga, já dizia: “Agora, quem bebe é o Maré. Daqui a pouco quem fala é o João Marques.”
    
 Sô Erasto estava muito nervoso devido o acidente entre o seu pé e a sujeira do cachorro. Falava alto, xingava e mostrava o pé sujo, dizendo que aquilo era porque os fiscais não prestavam. Dizia: "Quando fui fiscal, eu tratava desse bicho era na “bola.” Naquele clima, vinha chegando o Maré já com uma voz pastosa de bêbado, quase engolindo a língua. Então, começa:


---O que ta aconteceno aqui, Sô Erasto. Pra quê essa brabeza?
---Eu pisei em uma merda de cachorro!
---E cadê o cachorro?Ele mordeu no sinhor?
---Sei lá, rapaz!
---Uai! O sinhor num piso nele?
---Eu pisei foi na merda dum cachorro rapaz!
---Péra aí: o sinhor pisô na merda e no cachorro? O sinhor tem que explicá direito, uai! Pisô na bosta de cachorro ou pisô numa merda dum cachorro?Tem diferença, né, Sô Erasto?
---Ah! Vá à merda rapaz!
---Num vô não. Eu num sô lumbriga! Rá rá rá!
---Então, vá pus quinto!
--Vô! Só se fô pus quinto de pinga do João Marque. Rá rá rá!
---Vai pro diabo!Cachaceiro!
---Num vô tamém, não! Eu num gosto do diabo! Rá rá rá!
---Então, vá para o inferno!
---Piorou! Pra lá que eu num vô mesmo! Rá rá rá!
---Olha aqui, rapaz: vai tomá...
---Num vô, não! O sinhor tá apelano dimais, Sô Erasto. Eu venho aqui ajudá o sinhor aí, todo cagado de cachorro. Cunversano aqui, na maió iducação. Quereno ajudá. Só purque o sinhor pisou numa bustinha de cachorro! Tá doido, uai. O sinhor manda eu ir pra merda, só purque o sinhor tá nela? Quer me dá uma passage pu inferno! Ainda vem com esse negócio de rabo aí... Assim ficou feio dimais, né, Sô Erasto! Eu vim aqui ajudá, na maió boa vontade. Tá doido, uai...Aí, eu fico triste. Desse jeito, eu perdi até a vontade de ajudá uai...


Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos
CANDEIAS - MINAS

Hoje caqui, quando bem maduro, tem o gosto doce da saudade. A minha resposta, um tanto abstrata, tem muito a ver com a saudade que guardo dentro de mim desde a minha infância quando comi, pela primeira vez, um caqui. Foi um presente do Sr. Erasto de Barros, nosso vizinho na Rua Coronel João Afonso. Ele tinha, no quintal de sua casa, um pomar com várias árvores frutíferas e, entre elas, estava um caquizeiro. Talvez, o único da cidade naquele tempo. Naquela época, muita gente tomou conhecimento da existência desta fruta através da gentileza do Sr. Erasto de Barros que gostava de presentear os amigos com aquela fruta incomum nos pomares candeenses. Acredito que é por esse motivo que, toda vez que vejo ou me falam do caqui, vem, à tona de minha memória, a imagem simpática do amigo Erasto de Barros.

       Eu estive fazendo uma pesquisa sobre essa fruta e colhi alguns dados interessantes: 1º) existem diversas variedades, todavia, os mais conhecidos e consumidos no Brasil são: caqui-chocolate e caqui rama forte. É um fruto de cor vermelha e de consistência macia e fibrosa. A casca do caqui-chocolate possui cor alaranjada. Possui um sabor, quando maduro, muito doce. É típico de regiões de clima tropical e subtropical. Cerca de 70 a 80% do caqui é composto por água. É uma fruta rica em proteínas, cálcio, ferro e licopeno. Em média, cada 100 gramas de caqui possui 75 calorias. Em termos de vitaminas, é rico em vitaminas E, A, B1 e B2. A China é o país de origem deste fruto. Um caqui de tamanho grande e maduro pesa, aproximadamente, 100 gramas. Às vezes, pode ser confundido com um tipo de tomate.


Como dizia, o caqui bordeja na minha memória a imagem marcante do senhor Erasto de Barros. Não só como porteiro da Escola Estadual Padre Américo, onde estudei, como também na sua vida rotineira. Um homem que tinha um coração que mal cabia dentro de si. Chorava por qualquer coisa. Era um excelente pai de família. Tratava com dignidade a sua esposa Maria e com total esmero os seus filhos, Cidinha, Ademir, Ademar e Mauro. Um homem nervoso. O seu palavreado, às vezes vulgar, não condizia com o seu real comportamento. Homem honesto, trabalhador, correto em todos os sentidos. Mas, o seu temperamento era explosivo. Quando lhe pisavam no calo, não deixava para depois o que poderia falar na hora.


As pessoas o incitavam porque ele se tornava uma pessoa engraçada, bastante engraçada quando respondia por um insulto ou uma brincadeira de mau gosto. Oportunamente, era uma criança sem maldade. Acreditava fácil em boatos fáceis. Boatos feitos, propositalmente, para vê-lo responder irritado. Era, demasiadamente, apavorado e quando ia viajar, o que raramente acontecia (quase sempre a Campo Belo), da janela do ônibus se despedia de quem ficava: “Olha, boa viagem pro cê, viu, vai com Deus!” E era ele quem estava indo. Quando um de seus filhos fazia alguma coisa errada, ele vinha com aquele seu rompante de trovão e dizia: “Eu vou te matá!” – Tirava o seu sinto, mas, as lambadas iam para o ar, pois, nenhuma acertava o filho arteiro. Ele tentava apenas assustá-lo, enquanto o menino caia na risada de não ser atingido pelo cinto. Se algum de seus filhos ia para rua e demorava a voltar, ele saía, em busca de encontrá-lo, gesticulando com as mãos e falando sozinho: “Hoje, eu esfrego ele no chão.”


Na época em que seus filhos saíram de casa para ganhar a vida em outra cidade, Sô Erasto quase morria. Eu me lembro quando fui para São Paulo e estive morando em uma república com o seu filho, Ademir. Quando eu vinha a Candeias, tinha que contar tudo, nos mínimos detalhes, de como vivia o Ademir, em São Paulo. Para tranqüilizá-lo, era preciso reproduzir tim-tim- por tim-tim como era a vida de seu filho. Os problemas rotineiros enfrentados por um jovem que saía de casa, eu não poderia contar porque isso poderia levá-lo às lágrimas.


Na época de eleição, Sô Erasto ficava, constantemente, agitado. Tudo que lhe dizia ele acreditava. As pessoas que conheciam o seu jeito de ser e o seu linguajar rude incitavam-no para vê-lo hilariante.
   O seu ponto predileto era o Bar Piloto, antiga parada de ônibus, quando ainda não existia em Candeias o terminal rodoviário. O ônibus que fazia a linha de São Paulo era como que fosse seu amigo porque levava e trazia o seu filho, Ademir. Quando vinha a Candeias, toda a cidade já tomava conhecimento pela felicidade em que ficava Sô Erasto. Entretanto, quando Ademir voltava era notório o seu semblante de tristeza. Ninguém se ofendia com o jeitão rústico dele. A sua imagem emitia uma pureza de alma e uma espontaneidade tão grande que as pessoas o respeitavam muito, até mesmo diante de uma tirada ofensiva em um dos seus momentos de explosão.


Certa vez, quando ele estava descendo a Avenida 17 de Dezembro, nas imediações do cinema, pisou de cheio num monte de excremento de cachorro. Num raio de duzentos metros, todo mundo viu que havia acontecido algo com o Sô Erasto e procuravam saber do que se tratava. Então, veio chegando “Maré”. Maré era pedreiro. Homem forte, alto, rosto cheio, cabelo bem aparado, olhar fundo e sorridente. Era natural de Campo Belo e teria vindo para Candeias na época em que iniciou o calçamento da cidade e a construção das praças. Fazia parte de um grupo de campobelenses, entre eles o Nelson Gomes, Zé Gomes e o Carneiro, felizmente, até hoje entre nós.
  Assim que saía do serviço, Maré já passava pelo bar do Tião Cassiano, ao lado do cinema, e só saía de lá completamente “mamado”. Enquanto não ficava naquele “fogaréu”, não tomava o rumo de casa. Ele era, realmente, muito engraçado. Naquele tempo, a cachaça de Candeias mais conhecida era a do João Marques. Logo que ele bebia a primeira pinga, já dizia: “Agora, quem bebe é o Maré. Daqui a pouco quem fala é o João Marques.”
    
 Sô Erasto estava muito nervoso devido o acidente entre o seu pé e a sujeira do cachorro. Falava alto, xingava e mostrava o pé sujo, dizendo que aquilo era porque os fiscais não prestavam. Dizia: "Quando fui fiscal, eu tratava desse bicho era na “bola.” Naquele clima, vinha chegando o Maré já com uma voz pastosa de bêbado, quase engolindo a língua. Então, começa:


---O que ta aconteceno aqui, Sô Erasto. Pra quê essa brabeza?
---Eu pisei em uma merda de cachorro!
---E cadê o cachorro?Ele mordeu no sinhor?
---Sei lá, rapaz!
---Uai! O sinhor num piso nele?
---Eu pisei foi na merda dum cachorro rapaz!
---Péra aí: o sinhor pisô na merda e no cachorro? O sinhor tem que explicá direito, uai! Pisô na bosta de cachorro ou pisô numa merda dum cachorro?Tem diferença, né, Sô Erasto?
---Ah! Vá à merda rapaz!
---Num vô não. Eu num sô lumbriga! Rá rá rá!
---Então, vá pus quinto!
--Vô! Só se fô pus quinto de pinga do João Marque. Rá rá rá!
---Vai pro diabo!Cachaceiro!
---Num vô tamém, não! Eu num gosto do diabo! Rá rá rá!
---Então, vá para o inferno!
---Piorou! Pra lá que eu num vô mesmo! Rá rá rá!
---Olha aqui, rapaz: vai tomá...
---Num vô, não! O sinhor tá apelano dimais, Sô Erasto. Eu venho aqui ajudá o sinhor aí, todo cagado de cachorro. Cunversano aqui, na maió iducação. Quereno ajudá. Só purque o sinhor pisou numa bustinha de cachorro! Tá doido, uai. O sinhor manda eu ir pra merda, só purque o sinhor tá nela? Quer me dá uma passage pu inferno! Ainda vem com esse negócio de rabo aí... Assim ficou feio dimais, né, Sô Erasto! Eu vim aqui ajudá, na maió boa vontade. Tá doido, uai...Aí, eu fico triste. Desse jeito, eu perdi até a vontade de ajudá uai...


Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos
CANDEIAS - MINAS

       Eu estive fazendo uma pesquisa sobre essa fruta e colhi alguns dados interessantes: 1º) existem diversas variedades, todavia, os mais conhecidos e consumidos no Brasil são: caqui-chocolate e caqui rama forte. É um fruto de cor vermelha e de consistência macia e fibrosa. A casca do caqui-chocolate possui cor alaranjada. Possui um sabor, quando maduro, muito doce. É típico de regiões de clima tropical e subtropical. Cerca de 70 a 80% do caqui é composto por água. É uma fruta rica em proteínas, cálcio, ferro e licopeno. Em média, cada 100 gramas de caqui possui 75 calorias. Em termos de vitaminas, é rico em vitaminas E, A, B1 e B2. A China é o país de origem deste fruto. Um caqui de tamanho grande e maduro pesa, aproximadamente, 100 gramas. Às vezes, pode ser confundido com um tipo de tomate.


Como dizia, o caqui bordeja na minha memória a imagem marcante do senhor Erasto de Barros. Não só como porteiro da Escola Estadual Padre Américo, onde estudei, como também na sua vida rotineira. Um homem que tinha um coração que mal cabia dentro de si. Chorava por qualquer coisa. Era um excelente pai de família. Tratava com dignidade a sua esposa Maria e com total esmero os seus filhos, Cidinha, Ademir, Ademar e Mauro. Um homem nervoso. O seu palavreado, às vezes vulgar, não condizia com o seu real comportamento. Homem honesto, trabalhador, correto em todos os sentidos. Mas, o seu temperamento era explosivo. Quando lhe pisavam no calo, não deixava para depois o que poderia falar na hora.


As pessoas o incitavam porque ele se tornava uma pessoa engraçada, bastante engraçada quando respondia por um insulto ou uma brincadeira de mau gosto. Oportunamente, era uma criança sem maldade. Acreditava fácil em boatos fáceis. Boatos feitos, propositalmente, para vê-lo responder irritado. Era, demasiadamente, apavorado e quando ia viajar, o que raramente acontecia (quase sempre a Campo Belo), da janela do ônibus se despedia de quem ficava: “Olha, boa viagem pro cê, viu, vai com Deus!” E era ele quem estava indo. Quando um de seus filhos fazia alguma coisa errada, ele vinha com aquele seu rompante de trovão e dizia: “Eu vou te matá!” – Tirava o seu sinto, mas, as lambadas iam para o ar, pois, nenhuma acertava o filho arteiro. Ele tentava apenas assustá-lo, enquanto o menino caia na risada de não ser atingido pelo cinto. Se algum de seus filhos ia para rua e demorava a voltar, ele saía, em busca de encontrá-lo, gesticulando com as mãos e falando sozinho: “Hoje, eu esfrego ele no chão.”


Na época em que seus filhos saíram de casa para ganhar a vida em outra cidade, Sô Erasto quase morria. Eu me lembro quando fui para São Paulo e estive morando em uma república com o seu filho, Ademir. Quando eu vinha a Candeias, tinha que contar tudo, nos mínimos detalhes, de como vivia o Ademir, em São Paulo. Para tranqüilizá-lo, era preciso reproduzir tim-tim- por tim-tim como era a vida de seu filho. Os problemas rotineiros enfrentados por um jovem que saía de casa, eu não poderia contar porque isso poderia levá-lo às lágrimas.


Na época de eleição, Sô Erasto ficava, constantemente, agitado. Tudo que lhe dizia ele acreditava. As pessoas que conheciam o seu jeito de ser e o seu linguajar rude incitavam-no para vê-lo hilariante.
   O seu ponto predileto era o Bar Piloto, antiga parada de ônibus, quando ainda não existia em Candeias o terminal rodoviário. O ônibus que fazia a linha de São Paulo era como que fosse seu amigo porque levava e trazia o seu filho, Ademir. Quando vinha a Candeias, toda a cidade já tomava conhecimento pela felicidade em que ficava Sô Erasto. Entretanto, quando Ademir voltava era notório o seu semblante de tristeza. Ninguém se ofendia com o jeitão rústico dele. A sua imagem emitia uma pureza de alma e uma espontaneidade tão grande que as pessoas o respeitavam muito, até mesmo diante de uma tirada ofensiva em um dos seus momentos de explosão.


Certa vez, quando ele estava descendo a Avenida 17 de Dezembro, nas imediações do cinema, pisou de cheio num monte de excremento de cachorro. Num raio de duzentos metros, todo mundo viu que havia acontecido algo com o Sô Erasto e procuravam saber do que se tratava. Então, veio chegando “Maré”. Maré era pedreiro. Homem forte, alto, rosto cheio, cabelo bem aparado, olhar fundo e sorridente. Era natural de Campo Belo e teria vindo para Candeias na época em que iniciou o calçamento da cidade e a construção das praças. Fazia parte de um grupo de campobelenses, entre eles o Nelson Gomes, Zé Gomes e o Carneiro, felizmente, até hoje entre nós.
  Assim que saía do serviço, Maré já passava pelo bar do Tião Cassiano, ao lado do cinema, e só saía de lá completamente “mamado”. Enquanto não ficava naquele “fogaréu”, não tomava o rumo de casa. Ele era, realmente, muito engraçado. Naquele tempo, a cachaça de Candeias mais conhecida era a do João Marques. Logo que ele bebia a primeira pinga, já dizia: “Agora, quem bebe é o Maré. Daqui a pouco quem fala é o João Marques.”
    
 Sô Erasto estava muito nervoso devido o acidente entre o seu pé e a sujeira do cachorro. Falava alto, xingava e mostrava o pé sujo, dizendo que aquilo era porque os fiscais não prestavam. Dizia: "Quando fui fiscal, eu tratava desse bicho era na “bola.” Naquele clima, vinha chegando o Maré já com uma voz pastosa de bêbado, quase engolindo a língua. Então, começa:


---O que ta aconteceno aqui, Sô Erasto. Pra quê essa brabeza?
---Eu pisei em uma merda de cachorro!
---E cadê o cachorro?Ele mordeu no sinhor?
---Sei lá, rapaz!
---Uai! O sinhor num piso nele?
---Eu pisei foi na merda dum cachorro rapaz!
---Péra aí: o sinhor pisô na merda e no cachorro? O sinhor tem que explicá direito, uai! Pisô na bosta de cachorro ou pisô numa merda dum cachorro?Tem diferença, né, Sô Erasto?
---Ah! Vá à merda rapaz!
---Num vô não. Eu num sô lumbriga! Rá rá rá!
---Então, vá pus quinto!
--Vô! Só se fô pus quinto de pinga do João Marque. Rá rá rá!
---Vai pro diabo!Cachaceiro!
---Num vô tamém, não! Eu num gosto do diabo! Rá rá rá!
---Então, vá para o inferno!
---Piorou! Pra lá que eu num vô mesmo! Rá rá rá!
---Olha aqui, rapaz: vai tomá...
---Num vô, não! O sinhor tá apelano dimais, Sô Erasto. Eu venho aqui ajudá o sinhor aí, todo cagado de cachorro. Cunversano aqui, na maió iducação. Quereno ajudá. Só purque o sinhor pisou numa bustinha de cachorro! Tá doido, uai. O sinhor manda eu ir pra merda, só purque o sinhor tá nela? Quer me dá uma passage pu inferno! Ainda vem com esse negócio de rabo aí... Assim ficou feio dimais, né, Sô Erasto! Eu vim aqui ajudá, na maió boa vontade. Tá doido, uai...Aí, eu fico triste. Desse jeito, eu perdi até a vontade de ajudá uai...


Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos
CANDEIAS - MINAS

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

UMA CARTA MEDIÚNICA



CARTA MEDIÚNICA  AO MEU AMIGO E COMPADRE WANDERLEY ALVARENGA.

Prezado compadre:

Como a gente não conhece os lugares para onde nós vamos depois da morte, eu suponho que você esteja no céu. ----- Eu sei que você andou brigando e falando bobagens com Jesus Cristo, quando estava aqui na terra, mas sei também que Jesus perdoa e já deve tê-lo perdoado.  ------ Esta é uma carta espiritual que você vai lê-la à medida que a escrevo em estado mediúnico. Não é uma carta postal daquelas usadas nos nossos tempos, quando entregava ao correio e já começava a esperar a resposta demorada.

Vamos, portanto, recordar um pouco do nosso tempo, quando você saiu quase chorando para ir procurar trabalho em Brasília; lembrar do barzinho no prédio do cinema e das suas namoradas das quais você não firmava com nenhuma, pois todas tinha um defeito, até que você conquistou a comadre Aparecida e tiveram o primeiro filho, Christian, para o qual eu honrosamente fui convidado para padrinho, para quem peço as bênçãos de Deus.

Você se lembra querido Ley de quando você foi para Brasília. Eu morrendo de inveja de ver você partir e você invejado de me ver ficar. Eu com os meus 17 anos e você lá com os seus 27. Tínhamos uma diferença de dez anos, mas éramos dois adolescentes. Naquele tempo a adolescência em Candeias durava mais.

Você me escreveu aquela carta dramática? Aquela carta que você começou assim:
“Parece Armando, que a distância se compraz em judiar com a gente. Atravesso a avenida com o coração espedaçado pela angústia e pela saudade de minha querida terra a minha amada, Candeias!” --- Lembro-me que fui correndo olhar no dicionário o que era a palavra “compraz” e ainda fiquei pensando: o meu amigo Ley está ouvindo muito discurso de deputado lá em Brasília.

Como você gostava de Candeias Ley... Nas suas diversas saídas na busca do futuro lá fora, não conseguiu se fixar em lugar nenhum fora de Candeias, e a nossa terra naquele tempo fazia penar quem ficava e chorar quem saia.

Anos depois você com um pequeno capital abriu um barzinho na lojinha da entrada do cinema.  Hoje, quando eu dava uma volta pelas gavetas das minhas memórias, eu estive assentado num banco da praça, bem defronte ao cinema onde você teria recentemente inaugurado o barzinho. Naquele lugar que, por tantas vezes juntos, em uma época tão remota, mas, tão doce, tão presente, eu contando os meus vinte anos já morando fora e você com os seus trinta, você me disse todo feliz numa alusão à abertura do boteco:
 “Armando, as mulheres são muito interesseiras! Só por causa dessa meia dúzia de garrafas na prateleira, já estou cheio de pretendentes.”

Você gostava de palavras diferentes, gostava de fazer versos e frases; adorava ler dicionários. Quando você via uma palavra diferente, já a tomava para incluir no seu vocabulário. Às vezes as empregava mal, mas isso não vinha ao caso, porque quem as ouvia nem sempre também as entendia.

 E uma coisa que você gostava era quando alguém lhe perguntava o significado de certa palavra. Você explicava tal qual um professor. ---- Aconchegar, olvidar, marital, admoestação, píncaro, âmago, são algumas das palavras que me lembro, entre outras, que você estava sempre arrumando um jeitinho de emprega-las na sua conversa.

Certa vez, o Zé Moreira discutindo com você lhe disse que você vivia iscrafunchando a vida dos outros e você para lhe dar o troco disse:
“Não! Eu não “iscrafuncho”, eu escarafuncho.”.

Outra coisa que eu nunca me esqueci, foi o dia que o Ênio Bonaccorsi comeu todos os pedaços de doce que existiam em um prato na vitrina do seu boteco. Quando ele saiu, você deu com a língua nos dentes e disse para nós, os outros fregueses:
“O Ênio está se transformando num grande glutã.” Foi quando alguém lhe disse: não é glutã Ley, é glutão. E você, meu amigo, como sempre cavando um empate quando perdia uma disse: “Com certeza o meu dicionário está errado”.

Você se lembra de quando nós trabalhamos no teatro? Você tinha uma memória privilegiada, incomparável e decorava o seu e os papéis dos demais atores. Tratando-se de uma peça antiga tinha muitas palavras diferentes e você nadou e rolou esnobando as palavras chamadas difíceis.  ---- Certa vez você disse que estivera aconchegado no sansão, foi uma piada para a turma. Às vezes você facilitava quando empregava uma palavra diferente.

 Não tenho como me esquecer das suas paixões quando arrumava uma namorada nova. Aliás, você se apaixonava e desapaixonava com tanta facilidade meu querido Ley! Na mesma hora que você estava naquele entusiasmo, fazendo poesias, fazendo frases para a garota, muito beijinho, muita balinha de hortelã para apurar o hálito, você já estava desgostoso. ----- Uma vez você começou a namorar uma moça da roça chamada Antônia; nos primeiros encontros você só a teria visto à noite. Contudo, tendo chegado à festa do Rosário, você a viu durante o dia, isso foi o bastante para você terminar o namoro.  ------- 

Eu lhe perguntei: o que houve Ley? e você disse prontamente:
“Sabe, Armando, não suporto mulher com o calcanhar rachado. Dá-me a impressão de que ela é toda rachada, descuidada. Não suporto também  aquelas rodelas de suor debaixo das axilas... Não dá, o que me dá é a impressão de que ela é toda fedorenta!”

Esteja com Deus meu querido compadre. A nossa Candeias não existe mais e os candeenses de hoje não iriam querê-la, garanto.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.




sábado, 1 de outubro de 2011

OS GATOS DO TELHADO (Segunda Parte)


Certa vez, chegou para ser armado, na Praça Antonio Furtado, um parquinho desses bem fuleiro. Chamava-se “Parque Estrela do Sul”. O proprietário era um mulato alto, cabeleira cheia, sem bigode, rosto muito bem barbeado. Dentes brancos como leite, Pescoço grosso e cara boa como se estivesse satisfeito com aquela vida miserável de viver de cidade em cidade. Morava em uma barraca junto ao parque. Falava baixo e mansamente como se fosse um padre aconselhando uma ovelha. Usava camisas coloridas e soltas pra fora das calças da marca Lee, quando o jeans começou a aparecer aqui, em Candeias. Botinas de pelica tipo “Beatles”. Fumante charmoso. Naquele tempo, não havia cigarros de filtro. Ele usava sempre uma boquilha na qual colocava um pequeno chumaço de algodão. Dizia ser para amenizar o malefício do fumo. Chamava-se André, mas, gostava de ser chamado de Dezinho. Dizia ser natural da cidade mineira de São João Nepomuceno.
Sua esposa era uma mulher bonita do tipo “perua”. Não se sabe se eram casados ou amancebados. Tinha um sorriso atraente e desembaraçado. Cabelos longos, castanhos bem claros. Brincos argolados, bem grandes. Bem maquiada. Não era gorda e nem magra. Era um meio termo que dava para ver carne e toucinho. Comunicativa ao extremo. Conversava e brincava com todo mundo. Eram pessoas bem afeiçoadas e bem vestidas para quem pertencia a um parque daquele padrão. Naquele tempo, em que as mulheres, praticamente, não usavam calças compridas ela desfilava meio ao parque salientando as suas nádegas volumosas e que chamava a atenção da meninada, da rapaziada e dos velhos. E ainda causava despeito nas mulheres que sempre comentavam:
---Essa mulher! Num sei não. Esse trem num deve que presta!
---Será que ela respeita aquele homem?
---Mulher de calça comprida e ainda vermelha... Sei lá!
A meninada, também, não ficava alheia. O João Índio, o sapeca da turma, andou comentando:
---Logo, na hora de deitá, eu vou rezá e pedir a Deus pra mim sonhá com aquela muié do jeitinho que eu tô pensando. De vagarzinho, sem pressa. Começando pela boca e indo desenvolvendo.
Vicente Fumeiro, um acanhado da turma, ousou falar:
---Eu sou um pobre coitado, mas, tô aqui só pensando!
Dos homens, os comentários eram outros:
---Que trenhão, hein, sô? Ela tem cara de quem dá...
---Será? Uai, se ela quisesse uns milinho eu até que dava...
---Dificil é cantá ela. Com aquele baita negão por perto...
---Eu vi ela dando bola pro Zé Caria, --- comentou o Vicetinho Vilela...
---Cê ta brincano! Será que ele vai cacifar a banca? Num acridito! ---- Disse o  Sebastião do Arlindo...


Zacarias, cujo nome se transformou em Zé Caria, era o gostosão da paróquia. Parecia um artista de circo de touradas. Não tinha um palmo de terra, mas era metido a fazendeiro. Comprava uma vaquinha aqui outra ali, Ora vendia para açougueiros, outras vezes matava em sua própria casa, salgava e ia vendendo na sua porta aquela lambança robusta. Vendia galinha, carneiro, cabrito, que ficavam presos num cercado, ao lado de sua casa e que causava um tremendo mau cheiro. A vizinhança vivia reclamando. Às vezes, eu penso que o povo antigo tinha mais anticorpos.


Zé Caria era um bobo alegre. Todo circo, parque e barraca de cigano que chegava à cidade ele já arranjava um jeito de chegar e fazer amizade. Nos circos, era para entrar de graça. Com os ciganos, era para trocar cavalos e nos parques, era para aparecer. Ele achava chique ter amizade com os donos desses itinerantes. Às vezes, até arrumava um jeito de trabalhar numa barraca.


Era barganhista. Vivia trocando cavalo velho por outro mais novo ou vice-versa. Quando tinha cigano na cidade, ele ficava junto a eles o tempo todo. Na hora de examinar o animal, arreganhava a boca do bicho e olhava dente por dente para saber a idade.

 Estatura média, bunda caída, um bigode chinês e os dentes amarelados pelo fumo. Gostava de contar vantagens. A mulher que olhasse para ele já saia falando que a fulana tava lhe querendo. Vivia sempre com um chapéu de lebre de abas, bem largas. Um lenço no pescoço. Botas de sola branca e camisas estampadas. Às vezes, dava para pensar que gostava de se calcar em uma imagem de algum “cawboy” americano. Postava-se como John Waine, montava feito Allan Ladd e fumava no estilo Antony Steffen. Mas, coitado! Estava muito longe disso. Enfim, era uma figura ridícula, principalmente, quando se falava em mulheres. Seus comentários se tornavam risíveis.


Começou a espalhar, por ali, um boato de que Zé Caria estaria fornicando a dona do parque. E, se alguém fizesse com ele o comentário, sustentava que sim. E ainda acrescia de que o marido dela ficava preso no estúdio, no serviço de alto-falante e era, nesses momentos, que aproveitava e dava uma entradinha, às escondidas, na barraca e lhe atracava com beijos e abraços. Zé Caria era considerado o homem mais bobo e atrevido pelas mulheres. Havia quem dissesse que um dia morreria vítima de uma bala de chumbo ou por uma faca afiada. Corria, a boca livre, o boato de que aquela safadeza poderia ter um desfecho dramático, cedo ou tarde.

Passado alguns dias, o dono do parque, o Dezinho, saiu falando que ia fazer uma viagem a Formiga para comprar discos. A viagem, nesse tempo, demorava um dia. Era feita de trem que passava em Candeias às 11 horas da manhã e voltava às seis da tarde.


Zé Caria ficou afoito. Com certeza, deve ter passado pela sua mente safada, muitos pensamentos bizarros. Por exemplo, de que iria comer um sanduíche de calça vermelha. Naturalmente, iria comer a maçã da Isabel com a sua banana maçã a exemplo de Adão e Eva. A cabeça do Zé Caria estava mais assanhada do que urubu aguardando o seu rei para furar o couro.


Três horas da tarde, Zé Caria entra na barraca onde estaria a alcova alheia. Lá dentro o amor gritava alto sem nem um pingo de preocupação com que se alguém passasse por perto. A porta da barraca estava fechada e o casal agia como dois gatos no telhado. Nessas alturas do campeonato, João Índio, o sapeca, e Ratinho, o bom de bola, com certeza, já estariam atrás da barraca escutando toda aquela farra o que lhes fez sair contando para Deus e o mundo:
---Eu quero 20 mil!
---Cê ficou doida?
---Doida não! É 20 mil!
---Cê ficou louca?
---Louca não, é vinte mil.
---Cê ficou biruta?
---Biruta não, é 20 mil.
---Eu não tenho isso!
---Azá seu, é 20 mil.
---Mas tá muito caro!
---Por que não perguntou o preço?É 20 mil...
---Eu pensei que era na base do amor!
---Agora você é que ficou doido!
---Uai, eu num sabia que ocê cobrava não!
---Ah! Você pensou que eu era uma santa ou uma boba?
---Sem o dinheiro você não sai daqui.
---E ocê sua doida me vai prendê aqui? E se o cabrito chegá?
---Deixa chegá!
---O quê? Cê ficou doida?
---Você é que vai ficar doido.
Naquela mexida, o tempo passa e o Dezinho chega. Bate na porta da barraca e o Zé Caria quase sujando as calças diz:
---Sô Dezinho! Foi ela qui me chamou aqui. Eu num tenho curpa de nada. Eu até num quiria vim não, mas ela qui insistiu...
--- Foi ocê qui chamou o Sô Zé Caria aqui Isabel?
--- Fui eu sim.
--- E ele brincou de gatinho?.
---Brincou e ainda queria mais.
---Pagou?
--- Não. Não quer me pagar. Eu quero 20 mil...
--- Fica carma muié. Ele vai pagá... Num vai Sô Zé?
E, naquele desespero, Zé Caria pergunta:
---Num dá pra fazê um diferencinha não, Sô Dezinho?É muito dinheiro.
---Dá meu bem, seu fofo, se ocê for camarada comigo cai pra 10...
---O quê?O sinhor é disso Sô Dezinho? Eu num acredio! Não! Eu pago os vinte. Do sinhor eu num dou conta, não.

O boato correu na cidade. Zé Caria vendeu suas coisas e pagou os vigaristas. Sumiu de Candeias e nunca mais foi visto.

Esse negócio de brincar de gatinho em alcova alheia!... Sei não!...


Armando Melo de Castro
candeiasmg.blogspot.com
Candeias - Minas

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