CARTA MEDIÚNICA AO MEU AMIGO E
COMPADRE WANDERLEY ALVARENGA.
Prezado
compadre:
Como a
gente não conhece os lugares para onde nós vamos depois da morte, eu suponho
que você esteja no céu. ----- Eu sei que você andou brigando e falando bobagens
com Jesus Cristo, quando estava aqui na terra, mas sei também que Jesus perdoa
e já deve tê-lo perdoado. ------ Esta é
uma carta espiritual que você vai lê-la à medida que a escrevo em estado
mediúnico. Não é uma carta postal daquelas usadas nos nossos tempos, quando
entregava ao correio e já começava a esperar a resposta demorada.
Vamos,
portanto, recordar um pouco do nosso tempo, quando você saiu quase chorando
para ir procurar trabalho em Brasília; lembrar do barzinho no prédio do cinema e das
suas namoradas das quais você não firmava com nenhuma, pois todas tinha um
defeito, até que você conquistou a comadre Aparecida e tiveram o primeiro
filho, Christian, para o qual eu honrosamente fui convidado para padrinho, para quem peço as bênçãos de Deus.
Você se
lembra querido Ley de quando você foi para Brasília. Eu morrendo de inveja de ver você partir e
você invejado de me ver ficar. Eu com os meus 17 anos e você lá com os seus
27. Tínhamos uma diferença de dez anos, mas éramos dois adolescentes. Naquele
tempo a adolescência em Candeias durava mais.
Você me
escreveu aquela carta dramática? Aquela carta que você começou assim:
“Parece
Armando, que a distância se compraz em judiar com a gente. Atravesso a avenida
com o coração espedaçado pela angústia e pela saudade de minha querida terra a
minha amada, Candeias!” --- Lembro-me que fui correndo olhar
no dicionário o que era a palavra “compraz” e
ainda fiquei pensando: o meu amigo Ley está ouvindo muito discurso de deputado lá em Brasília.
Como você gostava de Candeias Ley... Nas
suas diversas saídas na busca do futuro lá fora, não conseguiu se fixar em
lugar nenhum fora de Candeias, e a nossa terra naquele tempo fazia penar quem
ficava e chorar quem saia.
Anos depois você com um pequeno capital
abriu um barzinho na lojinha da entrada do cinema. Hoje,
quando eu dava uma volta pelas gavetas das minhas memórias, eu estive assentado
num banco da praça, bem defronte ao cinema onde você teria recentemente
inaugurado o barzinho. Naquele lugar que, por tantas vezes juntos, em uma época
tão remota, mas, tão doce, tão presente, eu contando os meus vinte anos já
morando fora e você com os seus trinta, você me disse todo feliz numa alusão à
abertura do boteco:
“Armando, as
mulheres são muito interesseiras! Só por causa dessa meia dúzia de garrafas na
prateleira, já estou cheio de pretendentes.”
Você
gostava de palavras diferentes, gostava de fazer versos e frases; adorava ler
dicionários. Quando você via uma palavra diferente, já a tomava para incluir no
seu vocabulário. Às vezes as empregava mal, mas isso não vinha ao caso, porque
quem as ouvia nem sempre também as entendia.
E uma coisa que você gostava era quando alguém
lhe perguntava o significado de certa palavra. Você explicava tal qual um
professor. ---- Aconchegar, olvidar, marital, admoestação, píncaro, âmago, são
algumas das palavras que me lembro, entre outras, que você estava sempre arrumando
um jeitinho de emprega-las na sua conversa.
Certa vez,
o Zé Moreira discutindo com você lhe disse que você vivia iscrafunchando a vida
dos outros e você para lhe dar o troco disse:
“Não! Eu
não “iscrafuncho”, eu escarafuncho.”.
Outra
coisa que eu nunca me esqueci, foi o dia que o Ênio Bonaccorsi comeu todos os
pedaços de doce que existiam em um prato na vitrina do seu boteco. Quando ele
saiu, você deu com a língua nos dentes e disse para nós, os outros fregueses:
“O Ênio
está se transformando num grande glutã.” Foi quando alguém lhe disse: não é glutã
Ley, é glutão. E você, meu amigo, como sempre cavando um empate quando perdia
uma disse: “Com certeza o meu dicionário está errado”.
Você se lembra de quando
nós trabalhamos no teatro? Você tinha uma memória privilegiada, incomparável e
decorava o seu e os papéis dos demais atores. Tratando-se de uma peça antiga tinha muitas
palavras diferentes e você nadou e rolou esnobando as palavras chamadas
difíceis. ---- Certa vez você disse que estivera
aconchegado no sansão, foi uma piada para a turma. Às vezes você facilitava
quando empregava uma palavra diferente.
Não tenho como me esquecer das suas paixões
quando arrumava uma namorada nova. Aliás, você se apaixonava e desapaixonava
com tanta facilidade meu querido Ley! Na mesma hora que você estava naquele
entusiasmo, fazendo poesias, fazendo frases para a garota, muito beijinho,
muita balinha de hortelã para apurar o hálito, você já estava desgostoso. -----
Uma vez você começou a namorar uma moça da roça chamada Antônia; nos primeiros
encontros você só a teria visto à noite. Contudo, tendo chegado à festa do
Rosário, você a viu durante o dia, isso foi o bastante para você terminar o
namoro. -------
Eu lhe perguntei: o que houve Ley? e você disse prontamente:
Eu lhe perguntei: o que houve Ley? e você disse prontamente:
“Sabe,
Armando, não suporto mulher com o calcanhar rachado. Dá-me a impressão de que
ela é toda rachada, descuidada. Não suporto também aquelas rodelas de suor debaixo
das axilas... Não dá, o que me dá é a impressão de que ela é toda fedorenta!”
Esteja com Deus meu querido compadre. A nossa Candeias não existe mais e os candeenses de hoje não iriam querê-la, garanto.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.
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