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quinta-feira, 30 de julho de 2020

O MEU ÚLTIMO ABRAÇO AO AMIGO IÉ-IÉ.


Hoje, logo que ligo o meu computador e me deparo com a triste notícia do falecimento do meu amigo José Rui Ferreira, o Ieié. Recebi essa notícia bastante abalado isso porque Ieié foi meu amigo durante toda a sua vida. E diante dessa notícia, vem à tona de minha memória fatos de nossa amizade.

Lembro-me quando ele ainda bem jovem trabalhava no Bar do Bóvio, conforme uma postagem nossa recentemente no Grupo Sô de Candeias. --- Agora, no final, fomos vizinhos muitos anos na Rua Vereador José Hilário da Silva. Um vizinho alegre bom de papo e sempre com um caso para contar.
Lembro-me quando trabalhei na fábrica de foguetes do seu pai, uma pequena fábrica fundo de quintal. Éramos quatro cada um com uma função: Zé do Leonides o pai dele, ele, eu e o Tarley Vilela. Conversávamos o dia todo. Dona Iraídes, mãe dele era quitandeira, naquele tempo Candeias tinha diversas quitandeiras porque as padarias eram apenas duas e tinham como prioridade a produção de pães. Como era boa a hora do café... Gosto de lembrar da fartura e da gostosura do café de Dona Iraídes.

Nesse tempo Iéié abriu um açougue. Os açougues, então, funcionavam apenas aos sábados. Durante a semana só se encontrava carne de salmoura porque não existiam geladeiras tendo em vista a fragilidade do fornecimento de eletricidade da Companhia força e Luz Candeense. Nesses dias de sábado eu era liberado pelo pai dele para ajuda-lo no açougue. E a minha tarefa era entregar as encomendas.

Depois disso Iéié foi ser viajante da, então famosa, Loja da China. Sua praça de ação seria a Bahia. A Loja tinha viajantes que a representava em todo o Brasil. A principio Iéié vinha mais amiúde visitar a família e os amigos trazia boas noticias da Bahia e da sua adaptação com os baianos e comentava a satisfação do fato conhecer as baianas. Dizia-se que futuramente iria morar na Bahia.
E já começava até a pegar alguns termos das gírias do povo baiano. Por pouco Iéié não tomou o apelido de baiano.

 E assim que o tempo foi passando Iéié sumiu. Não aparecia em Candeias e nem dava notícias para a família. Foi um tempo quente para o seu povo. A Loja da China não tinha notícias, e essa ausência causou uma comoção geral na cidade de Candeias. Corria-se o boato de que na sua última viagem ele teria dito que estava evolvido com uma baiana. E com isso surgiram-se os mais diversos comentários sobe o amigo Iéié.

Sua mãe ficou enferma dada essa ausência, esse sumiço e a ideia de que na Bahia era alto o índice de criminalidade. ---- Já se tinha Iéié como morto. –- Lembro-me de tê-lo colocado nas minhas orações. Mas finalmente quando não se esperava chega uma notícia de que ele estaria para chegar. E chegou, completamente diferente, dando má respostas, nervoso, totalmente diferente daquele Iéié tão educado, tão sorridente que todos conheciam. Completamente desnorteado e sem justificar o seu comportamento.

Mas o tempo como sempre resolve as coisas, deu ao Iéié a sua antiga forma e ele voltou a ser o que era. Era ele um excelente vendedor. Casou-se com a Toninha, uma moça da família Alvarenga e viveram sempre felizes. Pais muito amigos dos filhos Josué e Noemi, filhos criados com muito amor a quem neste momento eu envio os meus sentimentos extensivos aos demis familiares.

Meu caro Iéié receba o meu abraço, com certeza você cumpriu com louvor a sua tarefa aqui na terra, teremos de você boas lembranças e saudade. Que Deus o tenha.

Candeias MG Casos e Acasos
Armando Melo de Castro.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

DONA NINITA ALVARENGA.


Num dos estojos mais delicados da minha memória encontra-se guardado o meu terceiro ano de escola, frequentado no Grupo Escolar Padre Américo, em Candeias, quando foi minha professora, a Sra. Ninita Alvarenga, minha querida Dona Ninita Alvarenga. --- Eu acho tão bom recordar as minhas professoras; mesmo sendo aquelas que usaram a vara de marmelo fornecida pelo Sr. Erasto de Barros, quando me envolvia com algum colega. A vara naquele tempo era um instrumento disciplinar. E quem brigasse ou participasse de encrencas não havia a busca da razão. A vara comia solta. E eu, apesar de um menino bobo, quieto e tímido, não fui salvo. Mas eu sempre tive muita amizade com as minhas professoras, até mesmo com as que me ensinaram a dor da vara. Grandes amigas depois de adulto... E às vezes, até brincava com elas: “Suas varadas doem em mim até hoje...” -- Dona Ninita me deu muitas varadas, mas nenhuma com varas e sim com palavras que às vezes doíam mais do que a vara. Ela com aquele seu tom de voz, bem característico da família Alvarenga era um doce de pessoa.

A minha paixão pelas professoras sempre esteve centrada na querida, Dona Ninita Alvarenga, cujo retrato encontra-se perfeito no álbum das minhas recordações. Ela era linda no seu porte completo. Os seus cabelos pretos levemente ondeantes cortados abaixo da nuca, transparecendo a maciez da seda; um olhar manso e de um negrume quente; o nariz fazendo ângulo com o queixo redondo e suave; os lábios místicos cobertos por um batom vermelho e brando, completando o rosto de um anjo sorridente. A cor clara e um corpo ressaltando uma cintura fina com uns quadris um pouco desenvolvidos, dando mostra do feitio de um violão. Uma correntinha de ouro trazida sempre no pescoço e nele pendente um pequeno crucifixo, como insígnia do Cristianismo. Nas mãos delicadas uma aliança larga no anular esquerdo. Na mão direita o anel de formatura muito bonito. Suas unhas eram coloridas e bem feitas. No braço esquerdo um relógio especialmente feminino. E as suas vestes requintadas, completavam o atavio do seu corpo.

Mas a sedução da simpatia, a soma final dos seus encantos estava na sua voz e no fundo do seu sorriso. E toda vez que eu a via sorrir e pronunciar o meu nome me tomava por um devaneio egoísta, causando-me uma febre de ciúme de meus colegas. --- Eu contava nove anos de idade e sentia por Dona Ninita um amor silencioso e surdo de menino tímido, calado e carente; envolto tão somente nos pensamentos repletos e contidos na pureza da alma e na isenção de pecado. Entendo que eu me sentia diante de um anjo bom quando a frente de Dona Ninita.

O tempo, esse construtor impiedoso, somente me permitiu revê-la vinte anos mais tarde, quando já com vinte e nove anos de idade e já casado. --- Eu era funcionário do Bemge e teria sido transferido de São Paulo para Divinópolis. --- Eu como caixa do Banco, vejo chegar àquela senhora de porte distinto e elegante, trajando um vestido preto, quando me pergunta: “É você o Armando?” E eu, querendo reconhecê-la, fiquei um tanto assustado e confuso, respondo: sim sou eu... E ela comenta: “O Rui Frade foi quem me disse que havia um rapaz de Candeias, com o nome de Armando trabalhando aqui!... Eu imaginei ser você. Eu fui sua professora, você se lembra?” ---E eu respondo totalmente aturdido... Emocionado: Dona Ninita! Que alegria! Como eu haveria de esquecê-la!?

Dada as circunstâncias não pude abraçá-la, naquela hora, mas como desejei isso. Para mim aquele momento foi um grito de Gloria a Deus nas alturas e felicidade para mim aqui na terra. Desde então, tivemos vários contatos, inclusive com o seu marido o Sr. Edson, que teria sido o chefe da Agência de Estatística antes do Sr. Miguel Albanez, o Biribico.

Esse encontro me fez tanto bem. Proporcionou-me uma verdadeira alegria. Eu jamais teria esquecido a meiguice recebida de Dona Ninita na minha infância. E entre tantos gestos de carinho que recebi de tão querida professora, um deles encontra-se nítido nas minhas lembranças, como se tivesse acontecido ainda hoje:

A turma era composta por meninos pobres e ricos. E em virtude do pouco tempo da existência da Escola, os estudantes eram em turmas heterogêneas. Assim, eram grandes as diferenças de idade. ----

Certo dia, Dona Ninita, talvez como parte do programa de ensino, perguntava aos alunos, um a um, o que desejariam ser na vida, no futuro. --- A cada pergunta, o aluno respondia qual a carreira pretendida. E como os sonhos das crianças são insondáveis, foram as mais diversas respostas. Contudo, é de todo patente, que naquele tempo as diferenças sociais eram muito mais marcantes do que nos dias atuais.

Quando a pergunta era feita a um menino rico e esse respondia que queria ser um engenheiro, um médico ou um advogado, a resposta era acolhida com o silêncio dos pobres. Quando a pergunta era feita a um menino pobre e esse respondia que desejava ser algo que não coincidisse com a sua condição de pobre, os alunos de pais abastados riam e sorrateiramente faziam os seus comentários em forma de zombaria, numa manifestação irônica, como se ridículo fosse querer melhorar de vida.

Consciente da minha condição de célula do proletariado, diante daquele clima hostil, e sem fazer uma analise a respeito, eu não fui titubeante ao responder na minha vez que desejaria ser um motorista de caminhão. Mas a parte forte não me perdoou. Uma rizada alta; quase um grito de gozo e em bom som, surgiu: “E no caminhão de quem você vai aprender a dirigir? Só se for à furreca do Zé Firmino!?” Os poucos caminhões que existiam em Candeias eram dirigidos por seus proprietários, exceto o caminhão da prefeitura e da Casa Bonaccorsi. Zé Firmino era possuidor de um velho caminhão, com uma carroçaria adaptada para pequenos transportes. E tratando-se de um veículo pobre e desajeitado, valia de chacota do povo, como sinônimo de pobreza e era chamado de furreca.

Sensibilizado e ofendido, escondi meu rosto sobre as mãos para ocultar as lágrimas. E nesse momento, Dona Ninita, levantou-se de sua mesa, aproximou-se de mim e colocando a mão sobre minha cabeça, disse carinhosamente: O que é isso Armando!? Um menino inteligente como você, educado, estudioso, se importando com o que o seu colega diz? Fique tranquilo meu filho, Você não só vai ser motorista como também vai ter o seu caminhão... E faço votos que seja um caminhão novinho, porque você merece.

E dirigindo-se ao colega que me insultou perguntou-lhe o que gostaria de ser no futuro e teve a resposta eu vou ser um doutor; quando Dona Ninita leu um sermão para ele, que suponho valeu para toda a turma. Um sermão de classe sem agredi-lo, e finalizou: Todo trabalho é digno de muito respeito. Você diz que quer ser um doutor, mas nem sabe que doutor quer ser. Parece que você está pensando em ser apenas melhor que os outros O Armando sabe o que pretende ser, portanto eu gostei mais da resposta dele. Ser um motorista de caminhão. ---- Eu imagino o quanto doeu naquele colega que não chegou a ser doutor. O sermão de Dona Ninita o fez ficar em silêncio o resto da aula. Eu nunca fui caminhoneiro como o meu colega nunca foi doutor.

Hoje, aos 74 anos de idade, pouco me importa a vivida infância proletária. Mas o que me importa, verdadeiramente, foram os carinhos recebidos de pessoas como, Dona Ninita Alvarenga, professora que acrescentava no jeito de professorar algo mais como exemplos de vida em forma de sentimento. Alguma coisa a mais que possa ser usado pela vida afora numa forma de felicidade do intimo e um contentamento de alma sem participação de sofrimentos.

Dona Ninita para mim foi um exemplo de respeito. Não me lembro de vê-la com a vara na mão para assustar um aluno faltoso; mas posso me lembrar da força da sua palavra. 

Lembro-me, como se fosse hoje, quando Dona Ninita no final da aula chamou-me junto ao meu colega agressivo e disse-lhe com voz forte: “ficará muito bonito se você pedir desculpas ao Armando”. E assim foi feito. Abraçamo-nos e nos tornamos muito amigos, grandes amigos.

Muito obrigado Dona Ninita. O seu nome está bem guardado não só no meu cérebro, como também no meu coração.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.








sábado, 18 de julho de 2020

MIDINHO, UM CANDEENSE QUERIDO.

                                                              Archimedes Viglioni, O Midinho.

Entendo que a sociedade tem o dever de exercer a gratidão a um cidadão de bem e que tenha exercido a sua cidadania com amor e responsabilidade. A história de um município precisa reservar um espaço para colocar o nome de pessoas que apesar da sua simplicidade, tenham participado dignamente da nação municipal com amor e dedicação ao seu município. A história de Candeias não pode deixar de fora dela o nome de um Candeenses bairrista e que integrou a sociedade candeense de forma louvável.

Hoje, o nosso Blog estará focalizando o nome de um Candeense muito querido e respeitado. Um amigo pronto para criticar ou elogiar. Um homem que sempre viu os dois lados da moeda e mais: nunca envelheceu, pois o tempo não o fez afastado dos jovens e nem do espírito saudável do boêmio. Estou falando do candeense Archimedes Viglioni Sobrinho.

Archimedes, então conhecido como “Sr. Midinho” nasceu em Candeias em 05 de agosto de 1899 quando o nosso município ainda estava longe de ser emancipado. Filho de Joaquim Salvador e Dona Eulinda Viglioni, (Dona Linda) descendente dos primeiros imigrantes italianos de Pisciota em 1880.

Midinho foi um jovem de espírito livre; alegre; gostava de ouvir e contar piadas e era muito brincalhão. Gostava de uma farra, tinha fama de mulherengo, fazia uso de bebidas alcoólicas e gostava de pescar. ---- Certa vez sumiu de Candeias e foi parar na cidade de Ribeirão Vermelho para trabalhar de Padeiro.  

Depois disso sumiu de novo e foi mais longe. Dessa vez foi para Conservatória, um distrito da cidade de Valença, do Estado do Rio de Janeiro, onde a atividade daquele distrito, especificamente, é a seresta e a boemia. ----

Naquele tempo, os pais das moças se opunham ao casamento de suas filhas com jovens que tinham comportamento liberal. E Midinho em suma, não preenchia os requisitos para um bom candidato ao casamento. Portanto, não conseguiu se livrar dessa resistência quando começou o seu namoro com a Jovem Maria do Carmo, conhecida como Carminha, filha de Dona Benta e que tinha como irmãos o Sr. Erasto de Barros, o Sr. José de Barros, Dona Filomena e Dona Nica, esposa do Sr. Bernardo Bonaccorsi. Familiares de principio rigorosamente conservador.

Por ser assim, um jovem bastante livre, a mãe de Carminha, Dona Benta não queria o casamento de sua filha com aquele moço desregrado. Todavia essas rejeições familiares eram comuns antigamente. Mas, como dizem o amor tem razões que a própria razão desconhece. --- Midinho e Carminha se amavam e os laços do amor são muito fortes. Bem entendido: o verdadeiro amor... Enfim, O amor venceu e com gosto ou sem o gosto da família de Carminha eles se casaram no dia 23 de maio de 1929. Agora ela seria a Carminha do Midinho. E foram felizes. Não tiveram filhos.

Em Candeias Midinho exercia a profissão de cabelereiro/barbeiro. Seu salão era estabelecido onde hoje está situada a Prefeitura Municipal. Ali, então, era a casa de Francisco de Paula Teixeira, o Patriarca da família Teixeira, uma grande casa com diversos cômodos de comercio. Lembro-me dessa casa, tinha várias portas e janelas azuis.

Além de barbeiro, desempenhou outras funções: delegado de polícia, por mais de um período. Os chamados delegados “Calça Curta” que eram nomeados pela política. Foi presidente do Clube Recreativo Candeense e Dono de Tabacaria e bicheiro, no tempo que o jogo do bicho rolava solto. A banca era na sua casa. Vejam que Midinho foi de Delegado a bicheiro dada a sua habilidade de lidar com o povo. Lembro-me dele em todas essas atividades e as desenvolveu com muita eficiência.

Eu entendo que ninguém ama alguém por ser simplesmente uma pessoa bonita, de olhos azuis, verdes ou pretos... Porque trata a sua família bem ou lhe dá muitos presentes. --- O verdadeiro amor é um intruso.  Ele chega e entra sem bater na porta da família. Ele chega preferindo os defeitos do outro; perdoando as ofensas. O amor às veze prefere o jeito de olhar a cor dos olhos... E às vezes despreza o sorriso para preferir os lábios grossos. 

Midinho faleceu no dia 23 de abril de 1988 deixando um vazio impreenchível.  E sua esposa Carminha, em 24 de dezembro de 1989 em plena véspera de natal. Naturalmente foi passar o natal com o seu amado lá no céu.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

UM CANDEENSE BEM LEMBRADO.

 
Wanderley Alvarenga.

Há certos momentos em que somos levados a um passado distante. É como se olhássemos de repente no retrovisor de nossas vidas e lá estivesse à mostra algo quase esquecido. ----- Basta, às vezes, um pequeno fato para que se abram as cortinas de nossa mente e nos faça presente o que teria nos marcados na vida.


Ontem, quando eu saboreava um tutu de feijão daqueles para mineiro nenhum botar defeito, veio à tona de minha memória o nome de um grande amigo já falecido: Wanderley Alvarenga, conhecido por Lei Careta. -----


E naquela sintonia entre o cérebro, a boca e o estômago, eu puxo a ponta de uma meada vinda de um estímulo neurônico me fornecendo uma frequência, o que me fez experimentar um reflexo engastalhado no meu cérebro mesclado de tutu de feijão.  

 

 Ley Careta tinha um barzinho junto ao cinema, e no fim da noite, quando ia fechar o estabelecimento, pegava a sua marmita e fazia sob um pequeno fogareiro aquela porção de tutu, do qual me era dado algumas colheradas para tirar o gosto de uma cachaça João Marques, a pinga famosa em Candeias naquele tempo quando ainda não existia a João Cassiano.

Eu, na flor da minha juventude, diante daquelas colheradas do saboroso tutu de feijão do Ley, mais a dose de cachaça do João Marques, por pouco não sentia um orgasmo alimentar à moda, Gabi Jones, aquela americana que sentia um orgasmo quando comia os seus alimentos preferidos.

Tínhamos uma diferença de idade de quase dez anos. Portanto, fiz dele um professor na minha escola da vida. Não teria sido um bom professor se eu tivesse sido um aluno exemplar. Infelizmente o meu grande amigo Ley exagerava na bebida e não relacionava bem com a família. Tinha sérios problemas psicológicos e o final de sua vida foi dramático. Mas era um amigo que eu prezava muito e o entendia. Eu sempre fui para ele uma caixa de desabafo. Não sei porque ele confiava tanto em mim. ---- Éramos tão amigos que ele me convidou para ser seu compadre antes mesmo de se casar: “Um dia Armando, você será o padrinho do meu primogênito”. E assim fui quando nasceu o seu primeiro filho o Cristian Alvarenga. E ele nunca mais me chamou de Armando e sim de compadre.

De repente, numa evocação virtual sinto-me tomado por um transe mediúnico e volto ao passado, bem no início da nossa amizade, quando eu entrava na adolescência e o meu amigo Ley já era um rapaz adulto.
Eu um meninão inocente, muito mais bobo do que inocente. Época em que entrava para a escola do mundo e recebia algumas aulas do Ley. E numa mexida no retrovisor da minha vida vejo, lá atrás, eu e o meu amigo descendo a Avenida 17 de dezembro:


---Armando, amanhã eu vou a Campo Belo. Vamos?

---Você vai de quê?

---De carona no caminhão leiteiro do Renato do Zico.

 

(Nesse tempo não havia ônibus para Campo Belo, era o trem em apenas um horário e uma jardineira, somente na parte da tarde. O caminhão leiteiro era um transporte para quem ia até Campo Belo na parte da manhã. Caso contrário tinha que dormir lá.)

 

---Vai fazer o que lá, nessa poeirada toda?

 

 (Ainda não havia estrada asfaltada para Campo Belo nesse tempo, era a estradinha passando pelos arrudas)

 

---Vou consultar.

---Consultar? Você está doente?

---Bem! Estou e não estou!

--- Se não está porque vai consultar?

---Eu estou com um pequeno problema.

---Se é pequeno, vai ao Posto daqui...

---Não, não posso. Eu tenho vergonha do Dr. Zoroastro.

---Vergonha de quê?

---É um negócio meio complicado.

---Complicado como?

---Eu peguei um negócio aí.

---Negócio? Que negócio?

---Olha, Armando, eu vou contar, mas não espalha tá?

---Tudo bem! Mas o que é?

---Tomei um chumbo na asa?

---Chumbo na asa? O que é isso?

---Doença!

---Você disse que não está doente!

---Bem quero dizer... Mais ou menos...

---Eu não estou entendendo. Você está ou não está doente?

---Estou com um incômodo. Bem, acaba sendo doença.

---Mas que diabo de doença é essa que é e não é?

---Doença de rua.

---Doença de rua!? E o que é doença de rua?

---Blenorragia.

---Nunca vi falar nisso?

---É o mesmo que gonorreia.

---Gonorreia? E o que é isso?

---Doença de rua...

---Mas que diabo de doença é essa? Afinal onde dói em você?

---No pênis...

---O que é pênis?

---O Pinto.

---O quê? Você está com pinto doente? Nossa!

---E onde você arrumou isso?

---No Zé Bolinha.

---Quem é Zé Bolinha?

---O dono do cabaré.

---Cabaré?!... E ele te pegou a doença?

---Não!!! Foi uma das mulheres dele!!!!! 

---O quê? A mulher dele te pegou doença no pinto?

------ Ah, Armando, Assim, não dá você é bobo demais!

 

(E o meu amigo Ley tinha razão, eu era bobo demais)

 

Coitado do Ley. Ficou desorientado com o chumbo na asa. Afinal, pinto que leva chumbo na asa não consegue trepar no poleiro...

 

Que Deus o tenha meu amigo! Onde quer que esteja receba o meu abraço.


Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos

 



domingo, 12 de julho de 2020

BENEDITA DO PORFIRO E A ROLA.



BENEDITA DO PORFIRO E A ROLA.

Descendo a Avenida Alvino Ferreira, indo para o Alto da Igrejinha, no Bairro Jaci, encontrava-se a Chácara do Porfirio. Entre os filhos do Porfirio, havia a Benedita, portanto, Benedita do Porfirio, sua filha mais nova.

 Moça beata, balzaquiana, contando os seus trinta e cinco anos, branca, bem branca, fala mole, cabelos ondulados, dentes amontoados, fanhosa, buço compatível com bigode masculino e uma barriga tipo pera; coisa de quem não se preocupa com dietas para emagrecer. Se no mundo existem pessoas sistemáticas, eu posso garantir que nunca vi, em toda a minha vida, alguém mais ranheta.

Por ser a caçula, viu morrer a família toda. Não tinha mais os seus pais e nem irmãos e seus sobrinhos não a toleravam dado ao seu temperamento sistemático, esquisito e maníaco. ---- Não conseguia empregar-se em virtude da sua morosidade para executar qualquer tarefa. Na cidade já conhecida e muitos já sabiam da sua incondicionalidade de assumir um emprego. Vivia de “deu-em-deu”, morando de favor nas casas dos outros em troca de cama e comida pelos seus parcos serviços domésticos. 

Após a sua refeição lavava o seu prato e pronto.  Se tomava café, lavava apenas a sua xícara. Levantava-se após as oito ou nove horas da manhã e não tinha pressa para nada. Quando entrava no banheiro, este se tornava seu monopólio. -------- Se por ventura, estivesse à sombra de um telhado prestes a desabar, talvez, o esperasse cair para sair correndo. Saindo para ir a algum lugar, o tempo não era o seu problema, mesmo porque, Benedita detestava relógios. Se ela soubesse que iria morrer de repente, com certeza pediria trinta dias de prazo.

Descuidada em demasia. Copos, xícaras e pratos viviam caindo de suas mãos. Sua lentidão era, então, atribuída a tudo: trabalhar, falar, andar, comer, pensar, enfim: até para tomar um copo d'água, Benedita era lenta. 

Era preciso ter paciência demasiada para tolerar a lentidão da moça. Portanto, não conseguia emprego, pois a sua morosidade espantava qualquer dona de casa interessada e tinha mais: Qualquer coisinha poderia ser tomada por ofensa. Era como se dizem: espinhada, desconfiada e danada para entender as coisas de forma errada e verbalmente agressiva.

Jamais teria tocado em um homem. Não tinha nenhuma história nesse sentido. Tudo era pecado, tudo era banal e tudo era coisa do diabo. Em determinadas horas, estava de posse de uma agulha e linha, trabalhando um pano de crochê que jamais alguém o vira terminado.

Quando estava sem onde morar, pedia alguém, pousada por alguns dias até arrumar um local para ficar. Daí, ela se acomodava e não saía deixando a família hospedeira numa situação, às vezes, difícil e constrangedora pela dificuldade de ver-se livre dela. Convidada a sair, o fazia protestando, xingando e rogando pragas àqueles que teriam lhe ajudado. Era, portanto, Benedita do Porfírio, uma pessoa muito complicada.

Certa vez, viu-se, completamente, sem alento. Teria ficado já em diversas casas em suas condições costumeiras e já não lhe estava fácil arrumar onde ficar. Toda casa na qual ficara, saiu inimiga das pessoas e falando mal.

A Vila Vicentina não lhe aceitava por ser, ainda, uma mulher jovem e que poderia cuidar do seu sustento. Todavia, no fundo, Benedita gostava mesmo era de morar de graça e não ter um compromisso efetivo com o trabalho.

Nesse momento de sua vida, procurou a nossa casa. Pediu a minha mãe pousada por apenas uma semana, quando já teria arrumado onde ficar definitivamente a partir da próxima semana. ------ Minha mãe, apesar da falta de condições de então, mas tendo em vista o curto tempo previsto e envolvida no seu espírito caritativo, concedeu-lhe abrigo, apesar de nossa casa não ter quarto de hospede e ser de pouco espaço. Reservou-lhe um canto da sala onde pudesse colocar um colchão. Sobre a alimentação partiu para aquela filosofia de pobre: “panela que come cinco, come seis”.

Entretanto, ela não saiu no tempo prometido. O lugar onde ela teria dito que arrumara era simplesmente conjectura que furou no lavrado. --- E com isso ela foi se acomodando, sem nenhuma previsão de sair, tomando a liberdade da casa, porque não levantava cedo e às vezes, chegava alguém em nossa casa e não tínhamos como receber na sala. Aquilo que seria por uma semana já acumulava três meses.

Diante disso, a situação foi se tornando insuportável. Um simples favor que não prometia tranquilidade, pois a moça não tinha ninguém por ela e sendo uma pessoa completamente despreparada para o trabalho, poderia cair sobre a minha mãe a responsabilidade. E isso começou a causar muita preocupação. Até que minha mãe abriu o verbo: “Olha Benedita não tenho mais condições de ajudar você, portanto, você vai ter que arrumar com urgência outro lugar para ficar. A minha casa não está preparada para receber um hóspede por tanto tempo.”.

Ela respondeu mal, dizendo que tinha trabalhado em troca dos favores. Isso foi motivo de riso, porque ela num único dia que foi lavar a louça quebrou um prato e um copo. Motivo pelo qual minha mãe não a deixou por mais a mão em nada. A única coisa que ela fez durante os três meses foi bordar um pequeno forro de mesa. Uma coisa simples que qualquer bordadeira o faria em dois dias. Era até engraçado vê-la com aquele forro nas mãos.

Até que, enfim, ela saiu. e ainda ficou mais de uma semana. Meia emburrada com a minha mãe. --- Pegou as suas roupas e se foi. Voltando-se quinze dias depois para buscar uma peça de roupa que havia deixado esquecida.

Após chegar, com uma cara de poucos amigos, disse para a minha mãe que teria arrumado um lugar muito melhor que a nossa casa onde supunha que ninguém a dispensaria, assim, numa forma indireta de se fazer entender. Quando minha mãe, na maior das inocências, lhe diz:

---A Maria do Dondico me disse que viu você entrar na Rola do Estevão.

Ao ouvir essa frase, Benedita virou uma serpente e ninguém nunca havia lhe visto falar tão alto, parecia que havia perdido o fanho sendo clara e agressiva: Falava, abanava e, por pouco, não agrediu a minha mãe:

---"Eu não entrei na rola de ninguém não sua égua. ---Eu sou uma moça de boa família. Sou virgem e vou morrer virgem porque sou pura e honesta, sua excomungada! Eu não sou mulher de zona não cadela...”.
A sua reação mostrava, claramente, não ser ela  tão pura como dizia... Os palavrões que ela disse foram pesados. E a minha mãe muito assustada murchou-se e não falou mais nada. 

(NB) Rola era a esposa do Sr. Estevão, comerciante no ponto onde fora estabelecido o Armazém do Divino Machado e todos a tratavam de Rola do Estevão. No entanto, ela não havia entrado na casa do Estevão e sim nas proximidades. A Maria do Dondico teria dado a informação errada.

Armando Melo de Castro




sábado, 11 de julho de 2020

ANTIGOS BARES DE CANDEIAS.


Este texto foi transferido para o livro Candeias MG casos e acasos.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

PADRE JOSÉ ALBANEZ.

                                                                                    Padre José Albanez

O Padre José Albanez nasceu no dia 21 de novembro de 1925 em Candeias, MG, descendente de humildes imigrantes italianos que aqui se aportaram, trazidos por ocasião do advento da ferrovia no final do século XIX.

Foram seus pais: Miguel Albanez e Carmélia Albanez. Seus avós paternos: Leonardo Albanez e Luzia Albanez e avós Maternos: Nicolas Tórtura e Thereza Tórtura.

José Albanez pertencia a uma prole de dez irmãos: Silvio, Afonso, Francisco, José, Miguel, Maria, Ângela, Carmelita, Luzia e Tereza.

José Albanez nasceu numa época em que Candeias vivia a condição de vila e muito carente de recursos. Cursou a escola primária de nossa terra até o terceiro ano, pois não havia o curso primário completo. Portanto, foi para a cidade de Congonhas do Campo, levado pelo Padre Rui, então, pároco de Candeias, onde completou o curso primário, tendo recebido o diploma no dia 26 de novembro de 1938, com distinção “10”. Nessa época, José Albanez já demonstrava a sua vocação sacerdotal. 

Com a ajuda do Padre Rui, José Albanez seguiu para Belo Horizonte, onde foi iniciar os seus estudos no Seminário Sagrado Coração de Jesus. Seus estudos foram marcados por muitas dificuldades; isso porque apesar dos favorecimentos que a igreja proporcionava aos estudantes, necessário se fazia a complementação financeira; sendo que, a sua família dispunha de poucos recursos.

José Albanez, seminarista dedicado e de exemplar comportamento, veio a ser beneficiado com uma bolsa de estudos na Itália onde iria estudar teologia. Lá permaneceu por quatro anos formando-se, também, em direito canônico. Chegou assim com louvor ao seu ministério, depois de uma trajetória estudantil muito brilhante ao concluir os seus estudos superiores na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

De volta ao Brasil veio para Candeias, onde celebrou a sua primeira missa em sua terra natal na Igreja Matriz. Daí foi prestar serviços na Diocese de Oliveira-MG, como professor de latim e historia do Brasil do Seminário Sagrado Coração de Jesus, instituição da qual se tornaria posteriormente Reitor.

Participou da comitiva que acompanhou o Presidente Juscelino Kubistchek em Roma;
Após prestar relevantes serviços à Diocese de Oliveira, resolveu ir para São Paulo. Lá trabalhou em diversos estabelecimentos de ensino, entre eles, Colégio Paroquial “São Paulo do Belém”, tendo recebido nesse tempo o diploma de “Cidadão Belenense”.
Foi professor de latim do Ministério da Educação e Cultura;

Passou a prestar serviços a Cúria Metropolitana no princípio da década de 70, onde foi efetivado definitivamente ao Clero Arquidiocesano, em 16 de maio de 1974; nomeado pelo Arcebispo Metropolitano de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.

Na Cúria Metropolitana de São Paulo, chegou ao importante cargo de secretário, tendo, ali, prestado relevantes serviços; além de representante oficial do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

Falava diversos idiomas entre eles, Italiano, Francês, Espanhol, Inglês e Alemão. Tradutor de diversas obras católicas editadas pela Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Detentor do diploma da Venerável Irmandade de São Pedro dos Clérigos, da Arquidiocese de São Paulo. Professor e capelão dos Irmãos Maristas. Colunista do Jornal O Glória, órgão das Associações do Colégio Nossa Senhora da Glória. Colunista do Jornal, O São Paulo. Membro superior do Tribunal da Causa de Beatificação e Canonização de Madre Paulina. Escritor de diversos artigos nos diversos jornais e revistas católicos de São Paulo. Membro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Por ser formado em direito canônico, e profundo conhecedor das leis da igreja, comumente era solicitado para debates na televisão.

Esteve sempre ligado a Candeias através de seus familiares ali residentes. Colaborava com a nossa paróquia nas suas visitas, oportunidade em que celebrava missas e fazia batizados. Existem diversas pessoas que receberam, através dele, o sacramento diante da Pia Batismal, na igreja Matriz de nossa cidade.

Possuía a sua casa residencial em Candeias, na Rua João Caetano de Faria, onde residia a sua irmã Ângela Albanez. Era sua pretensão vir a fixar residência em Candeias após a sua aposentadoria. Contudo, faleceu de repente, em 08 de abril Ade 1987, em São Paulo, aos 61 anos de idade quando se encontrava em plena atividade de suas funções.
Está sepultado em Candeias, no Cemitério São Francisco.

Eu tive a satisfação de ter assistido a sua primeira missa em Candeias. E posteriormente em São Paulo estive várias vezes com ele quando ele era pároco da paróquia do bairro do Belém e em sua residência em são Paulo. Era um sacerdote da ala conservadora.

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

domingo, 5 de julho de 2020

ANTÔNIO, O CAÇADOR DE TATUS.


Certa vez quando eu viajava de Candeias para a cidade de Formiga, durante a noite, passou pela frente do meu carro um tatu e eu tive que quase parar para não lhe atropelar. Era um tatu-galinha, daqueles pequenos, cuja carne sempre foi muito admirada pelos caçadores. Diante do fato, veio à tona de minha memória a imagem de uma caçada de tatu da qual eu teria participado anos antes.

Antônio Tatu, como era bem conhecido, viera da comunidade dos Vieiras, município de Candeias, para residir na cidade. Caçava tatu por encomenda e servia aos seus fregueses, admiradores da carne do bicho.
---- Contava, mais ou menos, uns quarenta anos. Era um elemento magricelo, alto, pouca barba e um bigode espesso. Olhos azuis; testa longa e cabelos castanhos bem claros, quase louros, descendo à nuca.  --- Seus trajes, para não considerá-los descorados, eu os diria da cor do chão.

Tinha duas profissões pelas quais era muito procurado. Uma delas era executada durante o dia, quando furava fossas e cisternas. E a outra era a caçada de tatu que fazia à noite. Trabalho que lhe valeu o apelido de Antônio Tatu. --- Ele sempre brincava dizendo que durante o dia ele furava o buraco e à noite caçava no buraco e que a sua vida era num buraco. Porquanto, muita gente pensava que o seu apelido era devido ao fato de ser furador de buracos de fossas e cisternas. De certa forma os dois trabalhos lhe garantiam o ajustar o apelido.

E foi numa caçada dessas que Antônio levou consigo alguns convidados entre eles o meu pai, então, curioso para ver como era caçado o pobre silvestre. E nesta comitiva, eu já me fiz incluso de “contrapeso”, pois, como dizia minha mãe, eu era o rabo do meu pai. E foi uma experiência muito ruim para os meus olhos de menino. Assistir o que me deixou muito abismado.

Um grupo de quatro pessoas perseguia o animal através dos cães. Quando um cachorro dava o sinal de que teria localizado um bicho . ---- o animal corria e se escondia no buraco e este viria a ser localizado pelo cão especializado em caçadas de tatu.
 
Assim, o cão ficava a latir ali na entrada do buraco até a chegada dos caçadores que vinham em disparada, mato afora, a fim de pegar a caça numa verdadeira extravagância física. Ora tropeçando em tocos, ora levando cerca de arame no peito devido ao escuro.

Diante desse flagelo sobre si, o animal aplica a sua defesa abrindo a sua carapaça e se prendendo nas paredes do buraco. Daí, o caçador, usando a arma própria, ou seja, um arpão tipo de uma seta de ferro, afixada na ponta de um cabo de vassoura, o introduz no ânus do pobre animal deixando-o imobilizado. (Ai que dó) Quando não se consegue puxar o bicho pelo rabo, faz-se uma cava ao redor do buraco até alcança-lo e tê-lo em mãos.

Sinceramente, ao presenciar esse tipo de caçada, eu me senti sensibilizado e deduzi que os caçadores são frios e trazem consigo uma índole maldosa. No caso da caçada de tatu, dá para sentir que a fazem com certo requinte de maldade. É uma morte torturante! E eu não gostei de ver aquilo.

Felizmente, com as leis que protegem a matança desses animais, isso vai se tornando coisa do passado, apesar de que deve,  ainda,  existir, por aí, muitos caçadores de tatu e, obviamente, de outros animais. Afinal, o Brasil é o país da clandestinidade e da impunidade diante do descumprimento das leis.

Mas, mudando o assunto de pau para cavaco sem deixar o caçador de tatu de lado, eu, escarafunchando a minha memória, consigo me lembrar de um caso hilariante acontecido com o Antônio Tatu, tão logo tenha vindo dos Vieiras, quando se estabeleceu na cidade com a sua família. Ele tinha um filho meio louro e que estava sempre em sua companhia. Era o seu ajudante furando o chão e nas caçadas de tatu. A meninada o chamava de Tatuzinho.

 Onde um punha o pé, o outro punha o nariz. Os dois, portanto, tinham uma curiosidade em comum: tão logo vieram da roça, queriam conhecer o cinema. Para quem até então vivera na zona rural, pouco conhecia as coisas da cidade, vir a conhecer o cinema seria uma curiosidade natural ao ter ouvido contar as histórias da cidade, o cinema era realmente uma coisa extremamente curiosa para eles.

Foi chegado o grande dia. Antônio Tatu e Tatuzinho iriam ao cinema. E o filme seria com o maior ator de cinema de faroeste da época, Roy Rogers, com o seu cavalo branco, o famoso Trigger.

Num determinado momento, Antônio Tatu dá um grito dentro do cinema por ter visto alguém de tocaia: “Nossa Mãe do Céu!”. o que chamou bastante a atenção do povo ali dentro.

O mais engraçado aconteceria no outro dia, quando Antônio Tatu e Tatuzinho tentavam contar aos amigos o que teriam achado do filme. Todo mundo queria ouvi-los contar e onde eles estava formava-se uma rodinha:

“---Um cavalo bunito dimais da conta! Mas, o cavalero num sabia nem fala. Era um bobão. Paricia que aquele povo do cinema falava igual índio ou a língua deles é incravada até na goela: ---- Um chegou perto do outro e falou assim: Roça run Ual... Roça cau, cau. Aí,cão ratiu. Daí, deu um murro no outro e saiu dano tiro pra tudo quanto é lado. Cubo rau. bummmmmmmmmmm. Tinha hora que o povo até ria deles de tão bobo que eles era”.

Nunca mais ouvi falar de Antônio Tatu e nem do seu filho, Tatuzinho. E assim, o mamífero noctívago pôde apreciar a lua com tranquilidade sem o risco de levar uma fisgada no traseiro pelo arpão do jeca o que, a meu ver, é a morte mais triste do mundo.  Instrumento de caçar o tatú... Ai que dó!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

A BOCA E A VAGINA.

Um leitor candeense e residente na cidade de Arinos, Estado de Minas Gerais, leu as postagens do nosso blog e fez um comentário sucinto relembrando o nome de um amigo seu, o Osmar dentista, quando o conheceu nos tempos em que assistiam a missa, munidos de uma fita azul celeste; eram eles membros da Congregação Mariana.

Diante de um nome tão significativo, resolvo, então, expor, neste texto, o nome do meu amigo, Osmar da Sota, posteriormente, Dr. Osmar Soares Alves.

Às vezes, pode parecer desagradável a gente fazer um comentário sobre um profissional falecido e que estaria isento de quaisquer culpas diante de um determinado comportamento. Talvez, pelo fato de se tratar de uma questão de ordem cultural. Mas, levemos em conta que as nossas narrativas são, normalmente, históricas e a nossa intenção, quase sempre, é acompanhar a evolução. Mostrar as regras do jogo do seu tempo. Regras que não mudariam através de uma só pessoa e nem de uma só cidade. Afinal, tratam-se, muitas das vezes, de um contexto geral.

No caso da odontologia, a questão era nacional. Logo, o atraso desta ciência não existia somente em Candeias. Era preciso avançar porque os nossos “práticos” não tinham fontes de evolução. Apenas o tempo poderia fazer isso e como fez em Candeias, a partir do momento em que chegou à mossa cidade um cirurgião dentista diplomado, oriundo da cidade de Barbacena, o Dr. Luiz Santos.

O Brasil, hoje, tem uma das melhores odontologias do mundo. As pessoas, atualmente, têm assistência governamental. As prefeituras municipais prometem tratamento e os empregadores se preocupam com isso. Coisas que, antigamente, não existiam, nem por perto.

Portanto, é importante a gente testemunhar que algo de bom acontece no nosso país. Já podemos sorrir mais à vontade e não é preciso que as pessoas tapem a boca, com as mãos, no momento de soltarem um sorriso. Isso é gratificante. Nada mais desagradável, mais triste, do que alguém esconder o seu sorriso diante do seu interlocutor. Talvez, omita, até mesmo, uma alegria ou um gesto de carinho para evitar o sorriso.

José Barreto foi o mais tradicional e o mais respeitado dentista prático de Candeias. Sem dúvida, o mestre dos demais dentistas candeenses. Isso nos tempos em que a nossa cidade ainda não era habitada por nenhum dentista diplomado e a odontologia engatinhava no Brasil. Era ele o professor da causa. Todos os demais práticos, no ramo odontológico, que aqui existiram, trabalharam junto dele. Seu gabinete ficava na sua residência onde mora, hoje, o Sr. Pedro Freire, bem nas proximidades do Largo da Matriz. Posteriormente, transferiu-se para Belo Horizonte, onde tinha um filho cirurgião dentista diplomado, Dr. Cândido Barreto, (Candinho) nosso professor de francês, no Ginásio de Candeias.

Voltando ao Dr.Osmar Soares, o Osmar da Sota, para os mais íntimos, era ele um rapaz humilde, religioso, Congregado Mariano, sacristão do Monsenhor Castro e que trabalhou com Zé Barreto como protético. Naquele tempo, prótese era apenas dentadura, ponte e pivô. Dali, Osmar resolveu montar o seu próprio gabinete. E pôde, por muitos anos, exercer a profissão de dentista como prático até quando chegou para Candeias um dentista diplomado que resolveu denunciar os dentistas práticos, levando-os a migrarem para as roças ou para outras cidades onde não existiam dentistas.

Outros deixaram a profissão, como no caso do Cristóvão Teixeira, foi ser motorista e dada a sua pouca experiência no ramo, acabou tendo um acidente com um caminhão cheio de carvão levando-o à morte.

Boanerges Pacheco era casado com uma fazendeira e se acomodou vivendo de rendas. Ele tinha alguns imóveis de aluguel. O sobrado onde fica o escritório do Sr. Zé Antônio, próximo da Igreja Matriz era de sua propriedade.

Nesse tempo Osmar já teria se casado com a professora Zizica, filha do Sr. Miguel Martins de Castro e tinha filhos. Ele sobressaía em meio a essa confraria de dentistas. Era cheio de ideias no ramo da odontologia e nunca teria feito outra coisa na vida e não desistiu. Foi trabalhar em Baiões, comunidade próxima de Candeias, que pertence, ao Município de Formiga. Esteve também no Município de Camacho e, apesar das dificuldades encontradas, se locomovia de motocicleta para esses locais. ---- E como era muito esforçado e gostava daquilo que fazia, conseguiu tirar dessa peleja, o sustento da sua família e fazer a sua faculdade de odontologia, na cidade de Itaúna, indo, até a referida cidade, todos os fins de semana, pois nesse tempo poderia ser assim.

Ainda nessa mesma época elegeu-se vereador por dois mandatos e foi um dos candidatos mais votados.

Certa vez, no auge da sua luta pela vida, ele me disse com os olhos lacrimejantes: “Um dia eu volto a trabalhar em Candeias sem ninguém pra me barrar, você vai ver Armando...”. ---- E eu vi ----

Osmar venceu. Venceu na vida. Formou-se cirurgião dentista. Agora, não tinha mais gabinete. Era dono de um consultório bem montado junto a sua residência, na Rua Francisco Bernardino de Sena. Andava em carro do ano. Tinha uma casa confortável e uma escadinha de filhos, bem cuidados. Teria sido um exemplo da persistência e da vontade de vencer. Mas ele já não era o mesmo. Agora, bebia e, a cada dia, aumentava as doses. Sua profissão começou a ficar em débito com a responsabilidade. Já não frequentava a igreja, como antes. Já não se entendia com a esposa e nem com a família dela. E quando era chamado de “Osmar”, repreendia: “Agora eu sou doutor. Dr. Osmar”. E, para outros, dizia: “Eu não sou dentista; eu sou odontólogo”.
E explicava que a odontologia era um ramo da medicina. Ou seja, que ele era um tipo de médico. Naturalmente, ele tinha razão de pensar assim. Contudo, na prática, dada à cultura odontológica, o dentista é bem conhecido como um cirurgião que opera na boca das pessoas. Não caberia outra explicação para uma clientela leiga. No entanto, ele colocou, na fachada de seu consultório, uma placa com os dizeres: “Dr. Osmar Soares Alves – Odontólogo”.

Aquilo era como se estivesse exigindo de seus clientes um reconhecimento maior pelo fato de ser um dentista diplomado. Contudo, ele fazia o mesmo que sempre fez, entretanto, ele era, agora, formado e o que fazia era embasado na ciência. Mas, todo mundo sabia disso e o respeitava. Desnecessário seria a imponência.

Enfim: Osmar, agora, o Dr. Osmar, perdeu a humildade. E tornou-se alcoólatra. Mudou-se para a cidade de Formiga e, por lá, passou por uma dificuldade muito grande na sua vida. Perdeu uma filha em um acidente de carro. Tempos depois, Dr. Osmar volta para Candeias. Desacreditado pela sua clientela.

Certo dia, eu me encontrei com ele numa venda, na Rua Coronel João Afonso, na antiga venda do Pedro do Chico Freire. Ali estava ele meio embriagado. E, nesses momentos, as pessoas fugiam dele. Sua imagem era o protótipo do fracasso. E, num dado momento, tão escasso, ultimamente, em sua vida, tentou falar de ideias comigo e, aparentemente, empolgado disse:

---Armando! Eu estou para defender uma tese dentro da Odontologia. Vou abafar. Vou arrasar. Meu nome vai para a história. Você vai ver um candeense na história.

Perguntei-lhe: Mas, que tese é essa, Osmar? O que de tão importante está fermentando em seu cérebro inteligente? E ele responde, dando uma tragada no copo de aguardente:

---A tese que eu vou defender é para acabar com boa parte do desconforto das mulheres, em exame ginecológico. Eu vou defender que a parte interna da vagina estende-se até à porção inicial do útero, região denominada de fórnice da vagina. Todo esse conjunto é denominado canal vaginal e tem uma semelhança muito grande com a boca. Isso quer dizer que uma mulher tem a boca do mesmo tamanho da vagina. E muita coisa pode ser feita através da boca.

Isso nada mais era do que um motivo de chacota. Uma alucinação escondida dentro, bem dentro, do seu ser. E, diante de tamanho disparate, eu lhe perguntei:

Quer que eu o deixe em casa, Osmar? Você não me parece bem!

E, em resposta, ele diz:

---Não! Obrigado!  -------- Põe mais uma aqui pra mim, Pedro!... Eu tenho muita coisa para botar em prática Armando...

Nesse momento, senti que o meu amigo, Osmar, naufragava no álcool, após ter flutuado por tanto tempo nas turbulentas águas da vida. Foi a última vez que o vi.

Algum tempo depois, embriagado, bateu com o seu carro numa casa onde está hoje, o Rancho Rural, vindo a falecer.

 Que Deus o tenha meu amigo, Osmar, ou melhor, Dr. Osmar!


Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.