Antigo pátio do Grupo Escolar Padre Américo.
Hoje, aos
77 anos de idade, olhando para essa fotografia, é como dar um mergulho nas
profundezas do oceano da minha vida. Eu chego a emocionar-me, pois é como se eu
estivesse voltando a minha infância quando nesse pátio eu convivi durante o meu
curso primário desde o primeiro ano que começou no dia 3 de fevereiro de 1953 e terminou no dia 8 de dezembro de 1958, aí
no meu querido e amado Grupo Escolar Padre Américo, hoje Escola Estadual Padre
Américo. Eu tinha, então, há poucos dias, completado 7 anos de idade. Ainda sem
o uniforme, pois era o dia da chamada. --- Trajando calça curta, cor de burro
fugido, camisinha de meia e uma blusa de tricô vermelha, com um bolsinho do
lado esquerdo do peito com as iniciais AMC bordadas em branco com letras
garrafais. --- No primeiro dia minha mãe me levou até ao portão da Escola, me
beijou e eu entrei, todo acanhado, retraído e amedrontado. Era um menino tímido
e talvez tenha sido esta a primeira vez em que eu me senti sozinho. Assim que
ouvi o meu nome ser chamado, me aproximei e fui orientado pela professora dona
Ninita Alvarenga. É bom lembrar que nesse tempo os pais não iam à escola fazer
a matricula dos filhos. As professoras é quem iam às casas.
No
primeiro ano de escola as aulas eram na parte da tarde e o segundo, terceiro e
quarto anos, ainda tinham poucos alunos, eram na parte da manhã. A escola tinha
apenas três anos e matriculava alunos de idades desiguais com conhecimentos
totalmente diferentes. Apesar de já estar funcionando há três anos, ainda
estava com o problema da heterogeneidade dos alunos na forma multicultural,
como também em sua capacidade de adquirir conhecimentos. Muitos alunos já
teriam estudado em casa com os pais, ou em escolas particulares, ou também nas
escolas reunidas. Interessante dizer que havia alunos que sabiam ler, mas não
sabiam escrever. Não existia, até então, um local onde agrupassem todas as
classes de alunos. O Grupo Escolar Padre Américo foi, então, um grande avanço
para a educação em Candeias.,
A escola
contava, portanto, com 6 salas destinadas para as aulas; uma sala para a diretora
e a cantina. Não existia uma sala para as professoras. A diretora era a Dona Stela Marques da Silva, esposa do Dr.
Zoroastro Marques. Compunham o corpo docente da escola na parte da tarde para o
primeiro ano as professoras: Maria do Carmo Alvarenga, a minha professora que
no ano seguinte seria a nova Diretora em substituição a Dona Stela que iria se
aposentar. Ieda Bonaccorsi, Ione Bonaccorsi; Neném Eleutério; Carmelita Albanez
e Dona Elisa Paiva no seu último ano de magistério. A diretora não tinha
auxiliares.
Os
horários das aulas do turno da manhã era das 7 às 11 horas. E do turno da tarde
das 12 às 16. Após os horários de início havia 15 minutos de carência. Daí o
portão era fechado e para entrar era complicado. --- Dentro desses 15
minutos, a classe já estava reunida, o aluno abria a porta e perguntava para a
professora se ela o aceitava, se o aluno era visto como indisciplinado ou
costumeiro naqueles atrasos não era aceito e ele voltava para casa. Se tinha
alguma justificativa pelo atraso era permitida a sua entrada. --- Nesse caso
havia desculpas de todo jeito; uns porque estavam com dor de barriga; outros
porque o despertador não despertou; outros porque estavam com dor de dente; mais
aqueles que estavam esperando a mãe ir comprar café ou açúcar. E assim
aconteciam as desculpas mais engraçadas e se algum dos colegas rissem das
desculpas, a professora punia de alguma forma.
Quando o
aluno faltava de aula, ele era questionado porque não teria marcado presença no
dia anterior. Certa vez uma menina do bairro da Lage, --- parece que ela tinha uma
certa debilidade,--- ao justificar a sua falta anterior, disse que faltou porque
teria feito xixi na cama, e ela dormia com o uniforme para se levantar pronta.
Os alunos que riram da história foram condenados a escrever 50 vezes a frase
“Devo respeitar os meus colegas” --- O lamentável disso era porque viria a
gastar várias folhas do caderno do “Para casa”. A pobreza naquele tempo era
tanta que os alunos escreviam nas capas dos cadernos para aproveita-lo ao
máximo.
Havia
nesse tempo a existência de um inspetor municipal, alguém da sociedade comum
que era nomeado pelos partidos políticos. Eles raramente apareciam na escola e
se apresentavam como inspetores e se colocavam a disposição dos alunos. A bem
da verdade ninguém sabia afinal o que era a atribuição desses inspetores. --- A
palavra inspetor tem como sinônimo fiscalizar, cobrar etc. E ninguém sabia o
que eles inspecionavam. Diziam que estariam a nossa disposição, mas ninguém
sabia que disposição era essa. As professoras também não diziam. O diploma de
curso primário era assinado pela diretora, a professora do aluno e o inspetor.
Lembro-me de que tivemos por muito tempo como inspetor, que inclusive assinou o
meu certificado de aprovação do curso primário, o Sr. Nestor Lamounier.
As
cantineiras eram as filhas do Sr. João do Ibraim, assim chamadas, Toninha, a
chefe da Cantina e as suas irmãs, aparecida e Tereza. Quando o aluno fazia algo
errado que precisava do conhecimento dos pais, a Tereza é quem ia levar o
bilhete da professora para os pais. Eu gostava muito da Aparecida. Nunca mais a
vi depois que sai da escola.
O
porteiro era o Sr. Erasto de Barros. Ele tinha a língua solta, e
quando ficava nervoso falava o que vinha na boca. Quando entupia um dos vasos
dos banheiros, era dele a tarefa de desentupi-lo. E se a tarefa estivesse
difícil ele ficava falando sozinho, coisa assim como: “Vai cagar duro assim lá
no inferno.” “Esse diabo deve ter comido estanho”
A terça feira era o dia da revista. A professora revistava o pescoço, os ouvidos e as unhas. Se as unhas não tivessem aparadas, no dia seguinte seria novamente revistado, se não tivesse sido aparadas o aluno tinha que ir à sua casa especialmente para isso e voltar.
No
horário do recreio uma das professoras era designada para a disciplina no
pátio. Essa professora ficava rodando o pátio com uma vara de marmelo na mão,
cedida pelo Sr. Erasto de Barros que tinha pés de marmelo no seu quintal. Os
meninos daquele tempo eram muito briguentos. E quando começava uma briguinha a
professora já chegava e dava uma varada em cada lombo e os dois saiam correndo.
Para quem não sabe o que é vara de marmelo, eu posso dizer que basta uma varada
para dispensar a segunda. Algumas professoras chegavam e bancavam a juíza; repreendiam, dava
conselhos e acalmavam os ânimos. Mas tinham outras que já chegava riscando o mapa nas
costas do briguento, principalmente aqueles já famosos. Esses apanhavam dobrado
Na sala de aula além do medo da vara tinha que ir para a frente, dependendo da falta, ficava de pé ou de joelhos com os braços abertos com o rosto próximo da parede. E se alguém risse, ia também fazer companhia ou era expulso para fora da sala. Ser colocado para fora da sala até o término da aula era humilhante porque ficava manjado por quem transitava por ali. Esse castigo quem era um
grande freguês dele era o Renê, para quem se lembra do Renê, era filho do Chico
de Assis e da Ponica Viglioni. O Renê era verbalmente agressivo e respondia as professoras. O dico do Josias era freguês de ficar sem
recreio. O Marly Reis por dar cola para os colegas era sempre convidado a ficar de pé lá na frente. O interessante é que a gente não ficava com raiva das professoras,
ficava sim era com vergonha delas depois. Além disso as professoras eram consideradas a primeira mãe e os pais davam a elas o maior apoio. Se o aluno apanhasse na escola chegava em casa apanhava também. E eu acho que ninguém saiu revoltado por causa dessa cultura. Pelo contrário havia muito respeito e aquele aluno que não se consertava, ele acabava sendo expulso da escola pelo resto do ano. Praticamente todos os dias tinha uma briga na saída da escola. Mas nessas as professoras não entravam.
Na base
dessa caixa d’água vista na foto, tinha uma torneira, era onde a gente bebia
água. A escola não tinha água filtrada. Ainda na foto pode-se ver os canteiros
do nosso Clube Agrícola. Quinzenalmente os alunos eram levados a aprender fazer
canteiros e plantar hortaliças. Quando tinha o que colher eram vendidas pelas
cantineiras e o dinheiro era destinado ao Clube de Leitura. O Clube de leitura
era um caixote bem grande, que ficava num canto da sala com uma cortina de
chita, e três prateleiras. Ali ficava algo comprado com o dinheiro das
verduras. Era o protótipo da pobreza. Os alunos que faziam parte do Clube
Agrícola não pagavam para ler o que tinha no Clube de leitura, os demais
pagariam $0,50 por mês e muitos não podiam pagar.
Os alunos
do Clube Agrícola tinham a obrigação de chegar mais cedo ou sair mais tarde
para regar as plantas com regadores improvisados ou doados pelos latoeiros da
cidade que nesse tempo eram muitos. As tarefas eram revezadas. A minha tarefa e
mais 3 colegas era arrumar esterco para adubar as plantas. Isso teria que ser
feito fora o horário de Escola. Eu e o Zé Teixeira, filho do Chico Teixeira (Zé
Pança) como dois dos encarregados de arrumar esterco de vaca para os canteiros
de nossa responsabilidade, certa vez, nesta busca, o Silvio do Juca do Nico
gentilmente nos ofereceu e nos disse que poderíamos buscar tal adubo lá no
curral da fazenda do seu pai. --- Eu e Zé Pança, ficamos alegres com a
proposta, pegamos a carrocinha do Zé e fomos, chegamos lá não vimos ninguém,
enchemos um saco do produto, mais a carrocinha e quando íamos saindo do curral,
o Juca do Nico Chega e nos fez devolver o esterno no mesmo lugar em que
pegamos. Falamos a ele que o Silvio é quem tinha dado o esterco, que não
estávamos roubando, ele disse que era nossa mentira. – Esse tipo de coisa a
gente não esquece.
Nesse pátio plantei uma
árvore na semana da árvore. Eu fui o aluno sorteado para plantar a árvore ao
redor de todos os alunos da escola. O Sr. Erasto furou o buraco e eu coloquei a muda e todos os meninos ajudaram a jogar um pouquinho de terra no pé da árvore. Durante anos eu passava e via aquela árvore. Era como uma filha para mim, até que um dia eu não a vi mais. É tão bom ter isso na cabeça para poder
lembrar de vez em quando...
Eu não sei, mas me parece que os meninos daquele tempo
eram mais à vontade durante o recreio. As meninas brincavam de dama, de roda,
e de outras coisas. Os meninos era garrafão, futebol e pegar. ---
As provas finais consistiam em uma prova oral e outra escrita que era corrigida
na cidade de Formiga. Depois desta prova o aluno ficava vários dias aguardando
o resultado para saber se ia participar ou não da festa de formatura. Isso era
um martírio porque se não fosse aprovado teria que repetir o ano. Repetir o ano
era triste. A gente ficava manjado em casa, manjado pelas professoras
além de sentir que teria perdido não um ano de escola, mas um ano de vida.
Armando
Melo de Castro