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domingo, 22 de março de 2020

UMA VIAGEM DE CARRO.



Um carro, por mais velho que fosse, na década de 50, era um luxo. Eu nunca havia entrado num carro e vivia imaginando este dia quando chegasse e chegou quando um compadre do meu pai, Sr. Otávio Martins o convidou para ir numa viagem à usina velha de Candeias, naquele tempo em pleno funcionamento e era o ponto turístico dos candeenses. ----- não existia ainda a Cemig. ---- Meu pai não estava querendo me levar, mas eu aprontei uma choradeira e logo fui liberado para entrar naquele  carro velho.  Eu acho que nem Yuri Gagarin se emocionou tanto quando entrou no seu foguete, rumo ao espaço.

Ao ver o meu pai sendo convidado, me senti também convidado. E já me postei como tal, quando ouvi da impossibilidade de me levar. No que a defesa natural de uma criança foi desabada: o choro. Vendo-me chorar, Otávio insistiu para que eu fosse também, incluído na lotação que já contava seis pessoas dentro do galipão. Parecia sardinha na lata, e eu todo feliz, parecia até fazer parte de uma comitiva do Papa.


Se cem anos de vida eu tivesse, durante cem anos eu me lembraria dos 10 minutos vividos nesse dia. Eu, no colo do meu pai, enquanto o carro foi descendo, vagarosamente, passando pelos buracos da Rua Coronel João Afonso. Eu estava na maior felicidade do mundo. Alucinado, empolgado, encantado muito mais do que Gagarin, quando voou ao céu profundo com a sua Vostok. E mais ainda do que Colombo, quando encontrou o Novo Mundo.


Após passar a ponte, ao começar a galgar o morro, ouviu-se um estalo. Um grande estalo, debaixo do carro. E, junto com o estalo, Otávio murmurou: - “ai ai ai! Deve ter quebrado.” E quebrou mesmo...


O Nestor Lamounier foi chamado e ficou confirmado que o motor do carro havia quebrado e que não teria recurso. Foi uma decepção para todos, mas para mim, foi uma decepção maior. Era aquela a primeira viagem que eu fazia de carro. E apenas um estalo roubou-me toda aquela felicidade. Era um sonho meu entrar num carro. Dar uma volta de carro. Sentir o cheiro de um carro. E agora, após ter conseguido a realização desse intento, a custo de lágrimas, o destino vem me roubá-lo? Era muito azar. Se eu imaginasse quem seria o “pé frio” que estava ali naquele carro eu o teria apedrejado. Aliás, isso nem seria azar seria um castigo dos céus. Só podia ser...

Para rebocar o carro para a mecânica, a forma encontrada foram quatro juntas de bois que o arrastou, morro acima, aos gritos de um carreiro e o mecânico no volante. E eu, da porta de minha casa, vi passar aquela carreata fúnebre aos meus olhos cujo carro eu nunca mais pude ver novamente. Toda vez que vou até à antiga usina, eu não fico sem imaginar como teria sido aquela viagem que eu não fiz e que teria sido uma das alegrias da minha vida frustrando a minha pobre infância pelo resto de minha vida.


No transcorrer da minha vida, já tive diversos carros. Mas, nenhum deles, jamais, terá me causado tanta emoção como o galipão do Otávio Martins.


Dizem que o homem é um produto do meio, portanto, aí está a pobreza transformada em lirismo perante Deus. o homem e a felicidade --- Mas como diz o poeta: “A felicidade existe e está sempre perto da gente. É pena que nós a procuramos longe do lugar onde estamos”. Foram só 10 minutos, mas foram válidos.


 Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

segunda-feira, 16 de março de 2020

PIOR QUE O CORONAVIRUS É O MEDO.



Minha mulher amanheceu hoje dizendo da necessidade de ir ao supermercado buscar reforços para a nossa dispensa, porque o coronavírus vai arrasar. Dai a preocupação dela comentando: “Na Itália estão todos em casa; na China já morreram tantos; O Zema já trancou as escolas; o Bolsonaro falou isso... E mais isso e mais aquilo”.

Sinceramente eu até lamento não comungar com essa preocupação. Mas não consigo e chego à conclusão de que o meu mundo foi outro. Nele não tinha internet; não tinha televisão; não tinha Jornal da Globo, e nem da Record... A fonte de notícia mais importante era o Repórter Esso, um noticiário radiofônico de 5 minutos de hora em hora. Era tão rápido que os ouvintes tinham que ficar com o ouvido no rádio e às vezes na hora da notícia parecia que o vento levava a voz do locutor e se perdia parte da notícia. Além disso, eram poucas as pessoas que possuíam um rádio. O rádio era um aparelho caro e valvulado, não existiam os rádios portáteis transistorizados.

Diante dessa mexida frenética a respeito do coronavírus eu fico pensando que o medo é pior que qualquer doença; e me recordo que fui criado já esperando as chamadas doenças do tempo, todas contagiosas. Não havia vacinas, se haviam não chegavam ao povão. Varicela, catapora, caxumba, sarampo, coqueluche, doenças que deixavam sequelas e matavam se não fossem tratadas cuidadosamente. Para cada uma tinha um tipo de repouso. Eu tive todas elas. Mas já as esperava. A caxumba era a que mais assustava e preocupava; eram dois inchaços que davam debaixo das orelhas que tinham que ser protegidos, caso contrário baixava para o saco escrotal e o cristão ficava castrado sem poder futuramente gerar filhos. –----

 A catapora era uma varicela mais leve, mas cobria o corpo da gente de pereba deixando cicatrizes para o resto da vida. Eu tenho até hoje as marcas da catapora. As marcas da varicela eram ainda maiores. A coqueluche era uma tosse que leva o filho de Deus a perder o fôlego e ficava até roxo, era preciso às vezes enfiar o dedo na garganta do doente, para puxar o catarro. O sarampo o doente deveria ficar preso dentro de um quarto sem tomar vento. Eu tive todas essas doenças.

Não podia ir à escola e o aluno costumava ficar tão prejudicado que perdia o ano, pois naquele tempo não havia recuperação nas escolas. --- Isso sem falar daquelas mais perigosas: A varíola; a tuberculose e a lepra. Todas contagiosas. Na rua onde houvesse um tuberculoso as pessoas tinham medo até de passar por ela. Só existia a vacina para varíola. Essa vacina causava duas feridas terríveis no braço de quem a tomava. ---

No mais, eram comuns os problemas de garganta e ouvido. Garganta era curada com gargarejo de água de sal grosso; ouvido era dente de alho e azeite de mamona; Gripe chá de laranja com sal e limão da china. --- Como cada gripe altera o vírus, cada uma levava o nome de uma pessoa importante que tivesse contraído o vírus. Uma gripe brava  em 1963 tomou o nome Maria Tereza, a esposa do então Presidente da República, João Goulart.


Para intestino preso eram várias as opções; Não existia “Lactopurga” e sim purgantes de sal amargo, sal de Glauber ou raiz de jalapa. ----- Uma vez por ano tomava-se um lombrigueiro feito de semente de abóbora ou de bucha. Comia aquela farofa às quatro horas da manhã e algum tempo depois tomava um purgante daqueles. Nesse dia o cristão não saia de casa.

O chamado intestino entupido era mais grave, quando chupava jabuticaba com caroço, principalmente aquelas do caroço grande. Elas não prendiam apenas os intestinos, elas causavam um entupimento terrível no cristão.
Para adultos era usado o clister que também era chamado de lavagem. Consistia em injetar um chá morno nos intestinos do filho de Deus, através do fiofó, até ele se borrar todo.

Para as crianças era uma bombinha de borracha injetada com água no mesmo lugar.  ---- Eu me lembro, certa vez eu chupei jabuticaba à vontade, daquelas do caroço bem grande, nada me desentupia, e eu fui crucificado com uma bombinha de borracha daquelas só de lembrar eu me estremeço. Enfim, Toda mãe de família era uma técnica em fitoterapia, ministrava e receitava chás dos mais diversos e curava as doenças. Pouco se ia numa farmácia. Ah! Ia me esquecendo. Nesse tempo tinha um tal de andaço. Seria uma pequena epidemia.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.

terça-feira, 10 de março de 2020

O LEITÃO RONCOLHO.



José do Cirino nasceu em algum lugar no Bairro da Gruta na cidade de Candeias. Foi considerado, em seu tempo, por seus amigos, o homem mais mentiroso do Brasil. Ninguém acreditava em uma só palavra do que ele dizia. As pessoas gostavam de conversar com ele para ver a criatividade de sua mente que gerava mentiras recheadas de detalhes as quais levavam o ouvinte novato a se parecer com uma lebre de frente a um lobo faminto ou, melhor dizendo, fazendo-lhe vítima de uma crença perversa. 

De estatura mediana, forte, meio calvo, boca grande, dentuço e, quando ria, parecia que havia uma serra articulada na boca. Portanto, ao mastigar e articular sua boca, parecia uma tremonha que transformaria uma rapadura dura em pó. Era do tipo enrolado. Como diz o jargão popular: "Mais enrolado do que pau de fumo". Não parava em serviço algum. Foi servente de pedreiro, capinador, apanhador de café, ajudante de caminhão e mais uma série de serviços. O que aparecia na frente, ele fazia. 

Apesar de ser considerado um homem trabalhador, era sem persistência. Não sabia esquentar o lugar no qual estava. E, assim, acabou sendo levado, por um de seus filhos, para a cidade de Ferraz de Vasconcelos no Estado de São Paulo. Por lá morreu e foi enterrado. 

O outro personagem de nossa história é outro Zé.   ----    Zé Barbeiro foi um barbeiro de meia tesoura, morador da Rua Coronel João Afonso. Seu salão ficava situado onde se encontra, atualmente, a residência da Marisa, filha do Milton Alves. Um solteirão desses que a gente não sabe o porquê de não ter se casado. Se, se foi por isso ou por aquilo, ou ainda, por não gostar “daquilo”. Um cidadão um tanto esquisito, desses que ao ser contrariado dá chiliques e usa e abusa de trejeitos. Possuía uma voz mole, bem preguiçosa. Cabelinho bem aparadinho, barbinha bem escanhoadinha, sapatinho bem engraxadinho, dentes bem escovadinhos, unhas bem aparadinhas, calça e camisa muito bem passadinhas e um passo bastante balangado parecido com aqueles de modelos em passarelas.

Zé Barbeiro ficava o dia todo empanado em um jaleco branco, todo alvejado, parecendo um enfermeiro de uma clínica de luxo. Gostava muito de prosear com a rapaziadinha. Para mim, particularmente, o Zé barbeiro era o Zezé daquela música carnavalesca: “Olha a cabeleira do Zezé”. Só lhe faltava à cabeleira. Eu penso até que ele teria sido um enviado para servir a sua comunidade, mas resolveu ficar escondido nos fundos do armário.

No natal de 1959, Zé Barbeiro ganhou um leitão do seu padrinho fazendeiro. Naturalmente, o porquinho lhe foi presenteado para ser comido assado durante as festas. Era um gesto comum, naquele tempo, o povo da roça dar um leitão ou um frango de presente para um amigo ou afilhado da cidade. Todavia, o barbeiro não quis matar o leitão e inventou de dá-lo à meia para ser engordado, tendo em vista a falta de espaço para um chiqueiro no seu quintal. Como regra, ele entregaria o animal a alguém para criá-lo e o criador, naturalmente, lhe devolveria metade do bicho por ocasião do seu abate. 

E para tal sociedade, Zé Barbeiro convidou o seu xará Zé do Cirino, a os quais não eram bem conhecidos e nem bem indicados para um pacto porqueiro. Isso porque um era muito certinho e o outro era muito “erradão”

Para quem não se conheciam muito bem um especialista em mentiras, enrolado e grande militante na arte da enganação esse tipo de sociedade costumava dar em briga na hora da partilha, ou seja, um queria um determinado corte do porco que o outro, por sua vez, também o tinha como preferência. E o criador do porco sempre levava a vantagem na óptica do dono do animal. -----Zé do Cirino, que não enjeitava nada, aceitou de cara o que lhe seria um grande negócio.

Naquela época, era um fato normal as pessoas criarem porcos na cidade, em chiqueiros de seus quintais. Isso gerava muito problema porque o mau cheiro incomodava os vizinhos e muitos viviam em litígio por causa da criação de porcos neste estilo até que uma lei foi feita para acabar com essa prática. Contudo, até então, um chiqueiro em um quintal era coisa comum e sempre se encontrava de preferência um suíno caruncho ou piau sendo criado de forma bem doméstica.

 Era uma peleja criar um porquinho em casa, todavia, quando o matava era uma festa que começava com o choro do bicho de madrugada na hora da morte. A vizinhança que ajuntava à lavagem já ficava na expectativa da dimensão do pedaço que lhe caberia. E se o pedaço não fosse satisfatório, havia quem mudaria o rumo da lavagem para outro criador. (Lavagem, neste caso, trata-se de sobras de comida juntamente com a água da lavação dos utensílios de cozinha). Eu, até hoje, não entendo é se nessa lavagem ia água de sabão.

Imediatamente, Zé do Cirino foi preparado o chiqueiro no fundo do quintal de sua casa e, logo, saiu procurando fornecedor de lavagem bem como farelo de arroz na máquina do Emídio Alves que seriam pagos com carne de porco. Foi, ainda, até à Manteigueira do Bonaccorsi para pedir alguns litros de soro que lhe seriam fornecidos diariamente. Os funcionários da Manteigueira, Chico e Expedito, foram também prometidos a ganhar um bom pedaço do suíno. Os casqueiros para o chiqueiro foram conseguidos, gratuitamente, na Serraria do Dé Cassiano que, também, recebeu a promessa de ganhar um pedaço do bicho. E assim, Zé do Cirino em tudo prometia ou se comprometia com um pedaço do porco ou com uma linguiça. No fim, prometia até chouriço, um tira-gosto de sarapatel e assim por diante. Enfim, o porco do Zé do Cirino, ao que se via, quando morto não daria para saldar os compromissos. Parecia que ele teria adquirido uma manga de porcos.

O Leitãozinho foi trazido e colocado no chiqueiro. Porém, ele era tão pequeno que não foi fácil imaginar o que seria tratá-lo até vê-lo gordo ao ponto do abate. Com certeza, aquilo deu ao Zé do Cirino um desânimo danado. Ele pensou que o leitão já seria de meia ceva e, de repente, aparecem com aquele filhote.

Algum tempo depois, foi chamado o Zé Capador que, ao examinar o animal, deu a triste notícia de que o bicho era roncolho e, assim, lhe foi dito que porco roncolho é de difícil engorda. Não tem serventia para cachaço, enfim, o melhor seria matá-lo ao invés de engordá-lo. Palavra de um especialista em porcos. 

O que fazer, então? Naturalmente, esta foi a pergunta que Zé do Cirino fez a si mesmo diante da afirmação do capador. Entretanto, e os compromissos assumidos anteriormente? A situação ficou um tanto complicada. Demonstrou-se muito entusiasmo e de repente...

Numa noite, para piorar, o porco sumiu do chiqueiro do Zé do Cirino. E agora? Mais essa! A verdade é que todo mundo foi ludibriado. Todavia, o Zé Barbeiro não aceitou o argumento de que o porquinho dele foi subtraído sem mais e sem menos.

Ele que era um cidadão comportado, mas, quando ficava nervoso quase saía do armário. E, naquele tempo, para sair do armário tinha que ser muito macho. Ao receber a notícia de que o animal havia sumido, imbuiu-se em todos os seus jeitos e trejeitos e começou:

---Oia aqui Xará, ocê é um iscumunguento, sabia? Sumir com o meu leitãozinho, uai. Ganhado do meu padrinho de batismo. Ele ia virar um lindo capado se ocê tivesse tido cuidado. Eu tô achano que ocê robô o meu leitãozinho, seu danado. Eu nunca vi falá que leitão saisse de chiqueiro sem ser visto e sem gritar.

---Oia, aqui, Izé. Eu num robei leitão ninhum, viu. Se ocê perdeu a parte do leitão, eu perdi a pensão que eu dei pra ele. Pensa o qui ocê quisé e tiau e bença. E dispois tem mais: o seu leitão tinha só um grão. Leitão de um grão só num produz porque é porco viado.

---Some daqui, Izé! Senão eu te matooooooooooooo.

Era o que ele mais queria. Sair dali e dar o assunto por encerrado.

Dois dias depois, Zé do Cirino com a cara cheia de pinga, no Bar do Ermino, onde, nos dias de hoje, funciona o Bar do Vicentinho Vilela, na Rua Professor Portugal, estava convidando os seus amigos para ir à sua casa comer um pedaço de leitão que ele havia ganhado por ocasião de seu aniversário.

Armando Melo de Castro
Candeias casos e acasos MG


quinta-feira, 5 de março de 2020

ERA UMA FLOR, ERA UMA CACHORRINHA!


 Todas as manhãs por volta das sete horas, após me levantar e tomar o meu café, abro a janela da minha sala que dá para a rua e cá de cima do quarto andar, fico olhando o que se passa na rua, como se tivesse num camarote assistindo um teatro da vida real.

Vejo o sobe e desce de alunos e professores da escola que existe lá em cima na ponta da rua; também vejo os operários assentados na entrada de uma grande construção ao lado do prédio onde eu moro, aguardando o momento de entrar para o serviço; vejo a mexida dos porteiros e faxineiros do chamado prédio do Itamar Franco (Prédio onde morou o ex-presidente da República) tomou esse nome por ter sido a morada do politico famoso.

Afinal a minha falta de compromisso me faz com que eu passe a conhecer cá de longe quem sobe e desce apenas de vista. Enquanto tomo o meu solzinho daqui da janela vou apreciando o movimento da rua e convivendo com ele. Enfim, fazendo daqui da janela do meu aposento o que um aposentado sempre faz: Nada!

O que sempre me atraiu neste convívio matinal com a rua onde eu moro, é um senhor de estatura média, meio careca e com cara de quem conta os seus oitenta e tantos anos. ---- Ele todos os dias subindo a rua acompanhando uma cachorrinha que vinha sempre à sua frente uns três ou quatro passos. ---- A cadelinha, naturalmente adestrada não adiantava os passos, considerando os passos trôpegos do velho à medida que o nível da rua fosse ganhando elevação. E se ele parasse para conversar com alguém ela voltava e se acomodava ao seu lado.

A pontualidade desse senhor para passar diariamente pelos meus olhos era tão grande que eu passei a ter hora marcada para abrir a janela e apreciar o convívio dele com o animalzinho. O fato levou-me um dia descer à rua e puxar conversa com aquele senhor e saber o seu nome: Antenor, o nome dele. E a cachorrinha uma poodle branca, pequenina, muito bem cuidada e nome “Flor”, ---- Flor era conhecida por todos os moradores da rua. 

Até que um dia do mês de janeiro, ambos sumiram das minhas vistas. Eu abria a janela na esperança de vê-los passar, mas não os via. Mês passado eu o vi passar sozinho. --- Desci quase correndo até a rua no intuito de perguntar aquele senhor onde estava a sua cachorrinha. E ele com lagrima nos olhos, contara-me a história:

Eu fui à praia em Cabo Frio em janeiro com a minha família. Levamos a flor. Lá ela adoeceu. Já era idosa e tinha um probleminha de coração. Foi levada para o hospital onde ficou internada. Assim que teve uma melhora, o veterinário a liberou para a viagem, viemos embora.

Chegando aqui em Juiz de Fora, imediatamente eu a levei ao hospital veterinário ela fez exames e foi liberada. Assim, que cheguei a Casa, ela morreu. Morreu como um passarinho.

Deu dó ver os olhos de o velho Antenor lacrimejar. Não lágrimas propriamente dos olhos, mas sim lágrimas do coração. Parecia que havia perdido um filho. ---- Diante daquele cenário, os meus olhos também reclamaram pela ausência daquela flor em forma de um animal. Eu sentira, naquele momento um grande pesar.

Posteriormente, por poucas vezes pude ver o velho Antenor subir a rua, agora sem a sua “Flor” daqui de cima eu lhe acenava com a mão no que era correspondido. Um aceno triste de quem está fustigado pelas chicotadas do tempo.

Ontem, quando passava pela barraca de frutas existente na esquina, perguntei ao fruteiro, se não teria visto passar por ali o Sr. Antenor, e a resposta foi chocante: “Ele morreu! Você não soube?! A filha dele disse que desde que a cachorrinha dele morreu nunca mais ele esteve bem... Coitado"

Finalizando, concluo que ter um animal de estimação é ter uma fonte de amor bem viva dentro de nós. Os animais não se cansam de amar os seus donos e não pedem nada em troca. E se a morte busca esse animal a fonte de amor continua plantada dentro da gente. É o mesmo que criar um filho dependendo do nosso carinho e do nosso amor.

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

domingo, 1 de março de 2020

EU FUI UM TREM CHATO!


Viajando pela estrada de minha vida, fiz uma parada num ponto do qual eu guardo vivas lembranças de um fato que me ocorreu no principio dos anos 60, quando ainda eu era um adolescente.

Na década de 50 o correio brasileiro chegou a ser considerado o pior do mundo. Na década de 90 chegou a ser o melhor do mundo, segundo a Revista Forbes. ------- A partir da era PT, as roubalheiras nos correios foram tantas que hoje se pode dizer que os Correios brasileiros estão falidos, à vista do que foram.

  Naquele tempo o transporte das postagens era feito de trem. Os jornais chegavam às mãos dos leitores com até dez dias de atraso. Eles vinham com vagar, de trem, do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Eram poucos os assinantes.

As cartas e outras correspondências eram, comumente, extraviadas. Uma carta, por exemplo, para São Paulo, se não fosse aviada através de porte registrado, constantemente era consumida pela viagem. Remessas de dinheiro extraviavam-se, para onde? Só Deus sabe. E o pior, a responsabilidade não era arcada pelo correio. Não adiantava reclamar. Se reclamasse, ai então, a coisa piorava: os funcionários do correio detestavam reclamações.

Naquela busca de adolescente, querendo se firmar numa vocação ou numa profissão, eu, envolvido nas fortes propagandas que circulavam, resolvi fazer um curso de rádio por correspondência. ----- Matriculei-me, portanto, no até hoje, existente, “Instituto de Rádio Técnico Monitor”, de São Paulo. Pagava por mês CR$ 15, 00 e o quanto me era difícil o dinheiro para esse meu projeto!

Bastara-me uma só vez para que o meu dinheiro sumisse e eu desistisse de continuar estudando rádio. Foi uma frustração. Mas o que mais me chamava à atenção eram os funcionários da agência dos correios de Candeias. Eu não sei quantos funcionários têm hoje aquela agência, mas imagino que não se compara com o quadro daquele tempo.

Com o fato de incrementar o telégrafo na Agência de Candeias, teria vindo o telegrafista, Sr. Nelson e Chefe da casa. O governo teria criado diversos benefícios para os soldados da Força Expedicionária, na II Guerra Mundial. Os chamados pracinhas. Nada mais justo. Eram pessoas com problemas financeiros... Problemas psicológicos, etc. Mas, o governo os colocou nos interstícios dos correios; tivesse ou não vagas, lá entraram. Haviam também os apadrinhados políticos. E nessa leva a agência dos correios de Candeias, tornou-se num verdadeiro trem da alegria.

Os guerreiros beneficiados foram os Srs. Clovis Cambraia Alvarenga, e Humberto Pulhez. Teriam, com certeza, merecimento para receber um benefício do governo, tendo em vista trazerem consigo a maldição da guerra, ou seja, os traumas involuntários. Justo se vê, todavia, tratar-se de duas pessoas totalmente despreparadas para o cargo a que foram submetidos; apesar de louváveis e merecedores.

De outra forma, um remanejamento da ferrovia, foi levado para os correios o Sr. Ovídio Ferreira. Um cidadão, então, visto pelos jovens como esquisito, mal-humorado e excêntrico... 

Um carteiro fardado tal qual um soldado, teria ganhado o cargo como um presente político.  Para ter uma ideia, apenas o carteiro, naquele tempo, tinha um salário de vinte e quatro mil cruzeiros mensais e causava admiração em todo o mundo, como diziam, para entregar uma meia dúzia de cartas. Na época, lembro-me de vê-lo comentar que o seu salário era de dois mínimos e meio. E raramente ele era visto pela rua entregando alguma carta.

Grita-me aos olhos aquele quadro de funcionários da agência dos correios de Candeias quando eu lá chegava e perguntava humildemente:- -- Tem carta para mim Sr. Ovídio? “E uma seca resposta.” Não! Você já esteve aqui ontem!...” “Dá um tempo ai uai"!... Vejam só a incoerência daquele servidor, porque se a carta não chegasse ontem, poderia chegar hoje. Mas...

No outro dia, eu empanado na minha timidez, na minha vergonha e no medo da resposta perguntava de novo: Tem carta para mim Sr. Ovídio: "Não! Esse trem de rádio demora mesmo... Você vem aqui todo dia, vai ser chato trem"!

Vi que falava sério. Para o Sr. Ovídio que trabalhou muitos anos de sua vida na ferrovia, era um homem que morava sozinho, sem descendentes familiares, solteirão, não era de se estranhar o seu habito de tratar a tudo e a todos como trem.

Senti-me humilhado e para completar o dinheiro enviado pelo correio para pagar a prestação teria sido extraviado. Abandonei a ideia. E as raras vezes em que voltei ao correio, nunca mais me dirigi ao Sr. Ovídio. ---- Mas hoje agradeço a ele  uma lição de vida. Do lado de dentro de um balcão, fiz tudo para não ser um trem chato. A sua falta de jeito fez-me mais precavido. Foi um limão do qual eu fiz uma limonada.

Armando Melo de Castro

Candeias MG casos e acasos