José do
Cirino nasceu em algum lugar no Bairro da Gruta na cidade de Candeias. Foi
considerado, em seu tempo, por seus amigos, o homem mais mentiroso do Brasil.
Ninguém acreditava em uma só palavra do que ele dizia. As pessoas gostavam de
conversar com ele para ver a criatividade de sua mente que gerava mentiras
recheadas de detalhes as quais levavam o ouvinte novato a se parecer com uma
lebre de frente a um lobo faminto ou, melhor dizendo, fazendo-lhe vítima de uma
crença perversa.
De
estatura mediana, forte, meio calvo, boca grande, dentuço e, quando ria,
parecia que havia uma serra articulada na boca. Portanto, ao mastigar e
articular sua boca, parecia uma tremonha que transformaria uma rapadura dura em
pó. Era do tipo enrolado. Como diz o jargão popular: "Mais enrolado do que
pau de fumo". Não parava em serviço algum. Foi servente de pedreiro,
capinador, apanhador de café, ajudante de caminhão e mais uma série de
serviços. O que aparecia na frente, ele fazia.
Apesar de
ser considerado um homem trabalhador, era sem persistência. Não sabia esquentar
o lugar no qual estava. E, assim, acabou sendo levado, por um de seus
filhos, para a cidade de Ferraz de Vasconcelos no Estado de São Paulo. Por lá
morreu e foi enterrado.
O outro
personagem de nossa história é outro Zé. ---- Zé
Barbeiro foi um barbeiro de meia tesoura, morador da Rua Coronel João Afonso.
Seu salão ficava situado onde se encontra, atualmente, a residência da Marisa,
filha do Milton Alves. Um solteirão desses que a gente não sabe o porquê de não
ter se casado. Se, se foi por isso ou por aquilo, ou ainda, por não
gostar “daquilo”. Um cidadão um tanto esquisito, desses que ao ser
contrariado dá chiliques e usa e abusa de trejeitos. Possuía uma voz mole, bem
preguiçosa. Cabelinho bem aparadinho, barbinha bem escanhoadinha, sapatinho bem
engraxadinho, dentes bem escovadinhos, unhas bem aparadinhas, calça e camisa
muito bem passadinhas e um passo bastante balangado parecido com aqueles de
modelos em passarelas.
Zé Barbeiro
ficava o dia todo empanado em um jaleco branco, todo alvejado, parecendo um
enfermeiro de uma clínica de luxo. Gostava muito de prosear com a rapaziadinha.
Para mim, particularmente, o Zé barbeiro era o Zezé daquela música
carnavalesca: “Olha a cabeleira do Zezé”. Só lhe faltava à cabeleira. Eu penso
até que ele teria sido um enviado para
servir a sua comunidade, mas resolveu ficar escondido nos fundos do armário.
No natal
de 1959, Zé Barbeiro ganhou um leitão do seu padrinho fazendeiro. Naturalmente,
o porquinho lhe foi presenteado para ser comido assado durante as festas. Era
um gesto comum, naquele tempo, o povo da roça dar um leitão ou um frango de
presente para um amigo ou afilhado da cidade. Todavia, o barbeiro não quis matar o leitão e inventou de
dá-lo à meia para ser engordado, tendo em vista a falta de espaço
para um chiqueiro no seu quintal. Como regra, ele entregaria o animal a alguém
para criá-lo e o criador, naturalmente, lhe devolveria metade do bicho por
ocasião do seu abate.
E para
tal sociedade, Zé Barbeiro convidou o seu xará Zé do Cirino, a os quais não
eram bem conhecidos e nem bem indicados para um pacto porqueiro. Isso porque um
era muito certinho e o outro era muito “erradão”
Para quem
não se conheciam muito bem um especialista em mentiras, enrolado e grande
militante na arte da enganação esse tipo de sociedade costumava dar em briga na
hora da partilha, ou seja, um queria um determinado corte do porco que o outro,
por sua vez, também o tinha como preferência. E o criador do porco sempre
levava a vantagem na óptica do dono do animal. -----Zé do Cirino, que não enjeitava nada, aceitou
de cara o que lhe seria um grande negócio.
Naquela
época, era um fato normal as pessoas criarem porcos na cidade, em chiqueiros de
seus quintais. Isso gerava muito problema porque o mau cheiro incomodava os
vizinhos e muitos viviam em litígio por causa da criação de porcos neste estilo
até que uma lei foi feita para acabar com essa prática. Contudo, até então, um
chiqueiro em um quintal era coisa comum e sempre se encontrava de preferência
um suíno caruncho ou piau sendo criado de forma bem doméstica.
Era uma peleja criar um porquinho em casa,
todavia, quando o matava era uma festa que começava com o choro do bicho de
madrugada na hora da morte. A vizinhança que ajuntava à lavagem já ficava na
expectativa da dimensão do pedaço que lhe caberia. E se o pedaço não fosse
satisfatório, havia quem mudaria o rumo da lavagem para outro criador.
(Lavagem, neste caso, trata-se de sobras de comida juntamente com a água da
lavação dos utensílios de cozinha). Eu, até hoje, não entendo é se nessa lavagem ia água de sabão.
Imediatamente,
Zé do Cirino foi preparado o chiqueiro no fundo do quintal de sua casa e, logo,
saiu procurando fornecedor de lavagem bem como farelo de arroz na máquina do
Emídio Alves que seriam pagos com carne de porco. Foi, ainda, até à Manteigueira
do Bonaccorsi para pedir alguns litros de soro que lhe seriam fornecidos
diariamente. Os funcionários da Manteigueira, Chico e Expedito, foram também
prometidos a ganhar um bom pedaço do suíno. Os casqueiros para o chiqueiro
foram conseguidos, gratuitamente, na Serraria do Dé Cassiano que, também,
recebeu a promessa de ganhar um pedaço do bicho. E assim, Zé do Cirino em tudo
prometia ou se comprometia com um pedaço do porco ou com uma linguiça. No fim,
prometia até chouriço, um tira-gosto de sarapatel e assim por diante. Enfim, o
porco do Zé do Cirino, ao que se via, quando morto não daria para saldar os
compromissos. Parecia que ele teria adquirido uma manga de porcos.
O
Leitãozinho foi trazido e colocado no chiqueiro. Porém, ele era tão pequeno que
não foi fácil imaginar o que seria tratá-lo até vê-lo gordo ao ponto do abate.
Com certeza, aquilo deu ao Zé do Cirino um desânimo danado. Ele pensou que o
leitão já seria de meia ceva e, de repente, aparecem com aquele filhote.
Algum
tempo depois, foi chamado o Zé Capador que, ao examinar o animal, deu a triste
notícia de que o bicho era roncolho e, assim, lhe foi dito que porco roncolho é
de difícil engorda. Não tem serventia para cachaço, enfim, o melhor seria
matá-lo ao invés de engordá-lo. Palavra de um especialista em porcos.
O que
fazer, então? Naturalmente, esta foi a pergunta que Zé do Cirino fez a si mesmo
diante da afirmação do capador. Entretanto, e os compromissos assumidos
anteriormente? A situação ficou um tanto complicada. Demonstrou-se muito
entusiasmo e de repente...
Numa
noite, para piorar, o porco sumiu do chiqueiro do Zé do Cirino. E agora? Mais
essa! A verdade é que todo mundo foi ludibriado. Todavia, o Zé Barbeiro não
aceitou o argumento de que o porquinho dele foi subtraído sem mais e sem menos.
Ele que
era um cidadão comportado, mas, quando ficava nervoso quase saía do armário. E,
naquele tempo, para sair do armário tinha que ser muito macho. Ao receber a
notícia de que o animal havia sumido, imbuiu-se em todos os seus jeitos e
trejeitos e começou:
---Oia aqui Xará, ocê é um iscumunguento,
sabia? Sumir com o meu leitãozinho, uai. Ganhado do meu padrinho de batismo.
Ele ia virar um lindo capado se ocê tivesse tido cuidado. Eu tô achano que ocê
robô o meu leitãozinho, seu danado. Eu nunca vi falá que leitão saisse de chiqueiro
sem ser visto e sem gritar.
---Oia, aqui, Izé. Eu num robei leitão ninhum,
viu. Se ocê perdeu a parte do leitão, eu perdi a pensão que eu dei pra ele.
Pensa o qui ocê quisé e tiau e bença. E dispois tem mais: o seu leitão tinha só
um grão. Leitão de um grão só num produz porque é porco viado.
---Some
daqui, Izé! Senão eu te matooooooooooooo.
Era o que
ele mais queria. Sair dali e dar o assunto por encerrado.
Dois dias
depois, Zé do Cirino com a cara cheia de pinga, no Bar do Ermino, onde, nos
dias de hoje, funciona o Bar do Vicentinho Vilela, na Rua Professor Portugal,
estava convidando os seus amigos para ir à sua casa comer um pedaço de leitão
que ele havia ganhado por ocasião de seu aniversário.
Armando
Melo de Castro
Candeias
casos e acasos MG
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