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domingo, 1 de março de 2020

EU FUI UM TREM CHATO!


Viajando pela estrada de minha vida, fiz uma parada num ponto do qual eu guardo vivas lembranças de um fato que me ocorreu no principio dos anos 60, quando ainda eu era um adolescente.

Na década de 50 o correio brasileiro chegou a ser considerado o pior do mundo. Na década de 90 chegou a ser o melhor do mundo, segundo a Revista Forbes. ------- A partir da era PT, as roubalheiras nos correios foram tantas que hoje se pode dizer que os Correios brasileiros estão falidos, à vista do que foram.

  Naquele tempo o transporte das postagens era feito de trem. Os jornais chegavam às mãos dos leitores com até dez dias de atraso. Eles vinham com vagar, de trem, do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Eram poucos os assinantes.

As cartas e outras correspondências eram, comumente, extraviadas. Uma carta, por exemplo, para São Paulo, se não fosse aviada através de porte registrado, constantemente era consumida pela viagem. Remessas de dinheiro extraviavam-se, para onde? Só Deus sabe. E o pior, a responsabilidade não era arcada pelo correio. Não adiantava reclamar. Se reclamasse, ai então, a coisa piorava: os funcionários do correio detestavam reclamações.

Naquela busca de adolescente, querendo se firmar numa vocação ou numa profissão, eu, envolvido nas fortes propagandas que circulavam, resolvi fazer um curso de rádio por correspondência. ----- Matriculei-me, portanto, no até hoje, existente, “Instituto de Rádio Técnico Monitor”, de São Paulo. Pagava por mês CR$ 15, 00 e o quanto me era difícil o dinheiro para esse meu projeto!

Bastara-me uma só vez para que o meu dinheiro sumisse e eu desistisse de continuar estudando rádio. Foi uma frustração. Mas o que mais me chamava à atenção eram os funcionários da agência dos correios de Candeias. Eu não sei quantos funcionários têm hoje aquela agência, mas imagino que não se compara com o quadro daquele tempo.

Com o fato de incrementar o telégrafo na Agência de Candeias, teria vindo o telegrafista, Sr. Nelson e Chefe da casa. O governo teria criado diversos benefícios para os soldados da Força Expedicionária, na II Guerra Mundial. Os chamados pracinhas. Nada mais justo. Eram pessoas com problemas financeiros... Problemas psicológicos, etc. Mas, o governo os colocou nos interstícios dos correios; tivesse ou não vagas, lá entraram. Haviam também os apadrinhados políticos. E nessa leva a agência dos correios de Candeias, tornou-se num verdadeiro trem da alegria.

Os guerreiros beneficiados foram os Srs. Clovis Cambraia Alvarenga, e Humberto Pulhez. Teriam, com certeza, merecimento para receber um benefício do governo, tendo em vista trazerem consigo a maldição da guerra, ou seja, os traumas involuntários. Justo se vê, todavia, tratar-se de duas pessoas totalmente despreparadas para o cargo a que foram submetidos; apesar de louváveis e merecedores.

De outra forma, um remanejamento da ferrovia, foi levado para os correios o Sr. Ovídio Ferreira. Um cidadão, então, visto pelos jovens como esquisito, mal-humorado e excêntrico... 

Um carteiro fardado tal qual um soldado, teria ganhado o cargo como um presente político.  Para ter uma ideia, apenas o carteiro, naquele tempo, tinha um salário de vinte e quatro mil cruzeiros mensais e causava admiração em todo o mundo, como diziam, para entregar uma meia dúzia de cartas. Na época, lembro-me de vê-lo comentar que o seu salário era de dois mínimos e meio. E raramente ele era visto pela rua entregando alguma carta.

Grita-me aos olhos aquele quadro de funcionários da agência dos correios de Candeias quando eu lá chegava e perguntava humildemente:- -- Tem carta para mim Sr. Ovídio? “E uma seca resposta.” Não! Você já esteve aqui ontem!...” “Dá um tempo ai uai"!... Vejam só a incoerência daquele servidor, porque se a carta não chegasse ontem, poderia chegar hoje. Mas...

No outro dia, eu empanado na minha timidez, na minha vergonha e no medo da resposta perguntava de novo: Tem carta para mim Sr. Ovídio: "Não! Esse trem de rádio demora mesmo... Você vem aqui todo dia, vai ser chato trem"!

Vi que falava sério. Para o Sr. Ovídio que trabalhou muitos anos de sua vida na ferrovia, era um homem que morava sozinho, sem descendentes familiares, solteirão, não era de se estranhar o seu habito de tratar a tudo e a todos como trem.

Senti-me humilhado e para completar o dinheiro enviado pelo correio para pagar a prestação teria sido extraviado. Abandonei a ideia. E as raras vezes em que voltei ao correio, nunca mais me dirigi ao Sr. Ovídio. ---- Mas hoje agradeço a ele  uma lição de vida. Do lado de dentro de um balcão, fiz tudo para não ser um trem chato. A sua falta de jeito fez-me mais precavido. Foi um limão do qual eu fiz uma limonada.

Armando Melo de Castro

Candeias MG casos e acasos
















2 comentários:

Nayara Brito disse...

Hahaha... muita boa a história! Aliás eu estou sempre lendo os textos. Tem alguma história da família do Sr. Amador Leite?

Nayara Brito disse...

Hahaha...Muito bom o texto! Aliás estou sempre lendo suas histórias. Tem alguma sobre a família do Sr. Amador Leite?