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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

O MEU PRIMO VICENTE!

   
Eu tenho um primo que se chama Vicente de Castro, meu contemporâneo, que como eu também recebeu o nome na pia batismal da antiga Igreja Matriz de Candeias. Ambos nascemos na Rua Coronel João Afonso, praticamente sob o mesmo teto, isso porque os nossos pais moravam numa casa de parede-meia e os quartos em que nascemos tinham localização contígua.
Tínhamos quase a mesma idade. Eu, apenas um ano e pouco mais velho, fazia dele o meu maior amigo. Brincávamos no mesmo terreiro; chupávamos frutas do mesmo pé, dependurados no mesmo galho. E por vezes, tomávamos varadas de marmelo, nas pernas, no mesmo momento; cada um de seu pai, quando vinham apartar as nossas brigas por causa de algum capricho disputado.
O tempo, esse aspecto sempre em vigília e incumbido de alterar o destino das pessoas, separou-nos na adolescência. E durante anos, poucas foram às vezes que nos vimos. Mas, o destino, que nem sempre obedece ao que o tempo determina, nos fez reencontrarmos na mesma cidade, trinta anos depois, ou seja, na cidade de Lagoa da Prata: Eu, gerente de uma agência bancária, e ele, como operador de máquinas da Usina de Açúcar.
Vicente, agora, não era o mesmo. Tornou-se bem diferente daquele Vicente de outrora. Aquele que não aceitava acompanhar-me ao catecismo porque não era muito chegado a igrejas; que só levava vantagem nas nossas brigas; que apesar de ser um menino já fumava escondido e que me falava as chamadas bobagens de cabeça de adolescente e sorria, maldosamente, enquanto eu, com cara de bobo, nada entendia.
Depois de muitos anos fui encontrar um Vicente diferente. Um Vicente crente falando do céu como se fosse um hotel de luxo para onde os privilegiados de Deus ficarão hospedados, após a morte. Está sempre dizendo que encontrou Jesus, como se Jesus estivesse perdido dele. Aquele primo, então, que quase fugia da igreja, agora se tornou num conhecedor dos capítulos e versículos da Bíblia mais do que as linhas de suas próprias mãos.
O comentário que faço a respeito do primo crente é, todavia, isento de crítica maldosa. Muito pelo contrário, eu tenho por ele um grande respeito pela forma de ser e pelo fato de que a nossa amizade vem desde quando tomamos conhecimento pela vida em Candeias. E ele como não teve irmãos, faz de mim o seu irmão.
Hoje, eu morando em Juiz de Fora e ele na cidade de Lagoa da Prata, fomos unidos de novo pela internet, conversamos quase todos os dias, relembramos fatos de nossa infância e colocamos a nossa conversa em dia. Vicente, é o amigo convivente que me sobrou da infância.
O primo é “cabeça de área” da Igreja, Assembleia de Deus. Isso porque se encontra entre o pastor e os fieis. Apesar de ter estudado pouco é bastante prático e autodidata. Conhece a Bíblia de cor e salteado. Os seus problemas e aqueles dos quais vem ao seu conhecimento, são debitados integralmente a Jesus Cristo. Na ausência do Pastor, sobe ao púlpito e faz uma sermoa agradável. É conhecido e amigo de toda a confraria.
Às vezes, quando eu ia visitá-lo, comumente o encontrava-o reunido com algum irmão de fé. Em sua casa, quase sempre está ele, no maior papo, com o seu irmão em Cristo, o irmão Tonho, famoso pela sua teimosia.
Irmão Tonho daqui irmão Vicente dali e, assim, comem o papo no mesmo prato. O irmão Tonho, também, tem a Bíblia na pontinha da língua. Eu fico ali, sem entrar no assunto, assistindo aquele papo empanado num sentimento, que a meu ver está além da fé apesar de achar muito bonito aquela irmandade, aquela devoção dentro daqueles corações candidizados.
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Os dois irmãos em Cristo são muito amigos, mas, certa vez, tiveram uma altercação ferrenha:
Eu cheguei à sua residência quando lá estavam os dois se preparando para uma pescadinha, próximo à cidade. O Vicente com um chapéu de palha em listras vermelhas e azuis, tipo festa junina; e o irmão Tonho com um casquete, modelo militar, e uma calça amarela, bastante usada, parecendo um capataz de coronel aposentado usando resto de farda faltando-lhe, apenas, as estrelas. As camisetas eram iguais, com os dizeres: “O Senhor é o meu pastor”.
Cumbuca de iscas, matula, varas na mão e pé na estrada, ou melhor bicicletas na estrada e lá se foram.
Uma hora depois, estavam os dois, à beira do rio, pescando e conversando animadamente; naturalmente, sobre os livros sagrados. Imagino até que estivessem discutindo a genealogia de Jesus Cristo e quem sabe? De forma supositiva, estariam tentando descobrir quem teria sido a bisavó de Abraão... --- Talvez estivessem comentando, também, onde estivera Jesus Cristo dos 12 aos 30 anos de idade... Pode ser, também, que naquele papo santo procurassem decifrar o que Jesus discutiu com os doutores quando ele tinha os 12 anos. Isso, com certeza não estaria claro para o primo Vicente e seu amigo Tonho. Outra coisa que eu suponho, também, deve ter sido discutido enquanto pescavam foi quem teria assinado a carta aos Hebreus. Afinal, nada prova que foi o Apóstolo Paulo.
De repente, um sobressalto! O inesperado acontece: Uma grande cobra, enrolada, bem pertinho do Irmão Tonho.
Ao ver a peçonhenta venenosa fitando-lhes os olhos, Irmão Tonho quase morreu de susto. Foi um deus-nos-acuda. Com um pedaço de pau conseguiram matar o bicho e jogá-lo no rio. Daí começou o debate ofídico:
--Cê viu que baita de jararacuçu, irmão Vicente?
--Aquilo nunca foi jararacuçu, irmão Tonho...
--Como não foi irmão Vicente! Jararacuçu e dos grandes...
--Cê num viu o chocalho, na ponta do rabo dela? Era Cascavel, irmão Tonho...
--Que mané cascavel, irmão Vicente! Ocê parece que não entende de cobra
(Rindo maliciosamente) ---Entender de cobra não é o meu fraco não, Irmão Tonho...
--Eu nasci na roça e conheço tudo quanto é cobra...
-Ôa.Ôa! Ôa, irmãoTonho! Oia, eu cumêdo docê. Negócio de cobra, tô fora, kakaka...
--Ô irmão Vicente, ôcê ta me adisrespeitano! Eu sô home sério e de respeito...
--Que isso, irmão Tonho...!? Eu to é brincano com cê!
-Mas, isso é brincadêra mardosa, irmão Vicente! Um crente num brinca disso!
--Que isso irmão Tonho?
Ali, acabou a pescaria e a amizade também. Por mais que os amigos tentassem não conseguiram fazer com que os dois reatassem a amizade. O irmão Vicente vivia pedindo ao Senhor Jesus que abrisse a cabeça do irmão Tonho. Até que um dia Jesus Cristo resolveu atende-lo.
Chegou para pastorar a igreja deles um novo pastor. Rapaz dinâmico, bem falante, convincente e que ficou sabendo da história. Fez a eles um convite para uma reunião de reconciliação, no que foi atendido prontamente pelos dois. Após o abraço de fim da contenda, e terem recebido uma bênção especial do pastor, o irmão Vicente brada alto e em bom som:
---Agora tá tudo bem entre nós dois né irmão Tonho?
Diante disso o irmão Tonho responde com toda a ênfase:
---- Tá, irmão Vicente, graças ao Senhor. Mas que aquela cobra era Jararacuçu, irmão Vicente isso era! Eu tenho certeza!
Pois é: Fanatismo religioso temperado com teimosia, nem Jesus Cristo aguenta.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A PERDA DE UM FILHO.


Regina Alves de Castro

A mulher aos 30 anos entra na sua robusteza, vigorosa, convicta e preparada para o amor. A mulher nessa idade se transforma na balzaquiana, aludida pelo romance: “A Mulher dos Trinta Anos” do escritor francês, Honoré de Balzac, quando uma mulher muito infeliz encontra o verdadeiro amor e a felicidade nessa idade.

Minha filha Regina --- Trinta dias antes de completar trinta anos, naturalmente para se tornar numa balzaquiana feliz, envolvida por uma doença maldita, resolveu partir desta vida levada por suas próprias mãos.

Imagino ser muito difícil para os pais que nunca passaram por um fato dessa natureza, poder avaliar o sofrimento de um pai e de uma mãe, diante de uma situação dessas. No meu caso eu tive que chorar por mim e pela mãe dela que já havia partido antes.

O sentimento de perda nunca está presente nos corações dos pais. Mesmo estando o filho doente, a esperança dos pais nunca termina. Mas diante da perda dessa natureza, a impotência dos pais é natural diante de uma dor sem nome, cujas lágrimas não deixam que ela seque. Mas com certeza rouba-lhes o ânimo e a vida quase perde o sentido.

Não há como medir o tamanho da dor quando se perde um filho. É uma dor incomparável, maldosa, desastrosa como se fosse a subtração violenta das forças que impede um pai e uma mãe de proteger um filho indefeso aos seus olhos. Uma violência que rouba o filho fisicamente, e faz aumentar o amor que explode como uma bomba dentro dos pais.

Não existe consolo para um pai que perdeu um filho. Não é fácil aceitar a inversão da ordem natural da vida. Podemos nos preparar para enterrar os pais, jamais saberemos fazer o mesmo para enterrar os filhos.

A única solidariedade que pode ser encontrada pelos pais que perde um filho é na lágrima. Lagrimas fervendo e queimando o rosto atormentado diante da morte. Não tente confortar uma mãe e um pai que perderam um filho com palavras soltas. Serão palavras jogadas fora. Proponha-lhes, apenas, dar tempo ao tempo. Só o tempo determinado por Deus poderá ajudar na dor desta ferida que jamais será cicatrizada, mas que o tempo poderá transforma-la em saudade, que dói muito também, contudo, mais leve e suportável.

Minha filha: Você nunca se distanciou de mim, porque você está muito viva aqui dentro do meu coração e presente no meu cérebro. Consigo ouvir nitidamente a sua voz nesta saudade imortal que felizmente o tempo não destrói. O tempo ajudou-me a esconder as lágrimas, mas não evita-las. Infelizmente a morte não permite risos e é por isso que tenho os olhos embaciados pelas lágrimas. Um beijo...
Que Deus a abençoe.
S/pai.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos