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terça-feira, 30 de abril de 2019

O FISCAL DA PREFEITURA DE CANDEIAS.


Um emprego difícil de executar; dos mais difíceis dos quais eu já pude observar até hoje, é o de fiscal de prefeitura do interior. ---- Aquele que se dispor a ser um funcionário dessa área terá, com toda a certeza, de ouvir muita conversa ---- ouvir desaforos e ter a paciência de Jó. ------Ser fiscal de prefeitura, em pequenas cidades, é, sem dúvida, nadar contra a correnteza, é fazer chover num veranico, é lamber os próprios cotovelos, é beliscar azulejo ou, ainda, reciclar papel higiênico.

 O cidadão tem que enfrentar vereadores, secretários do prefeito, o prefeito e o pior: toda a população da cidade. Isso porque cada um está olhando somente para o seu lado e o fiscal terá que olhar o lado de todos.

Quanto menor for a cidade, maior será o número de eleitores exclusivistas. Se o eleitor faz parte daqueles que elegeram o prefeito, ele se acha com o direito a um atendimento vip. ---- Se não for integrante desse reduto, todos os envolvidos na prefeitura, passam a ser, no seu entendimento, um bando de xepeiros. E os políticos, por sua vez, não querem desagradar os seus eleitores. Afinal, eleitor é sinônimo de voto e voto vale ouro para os candidatos.  

 O voto pode ser também, um atestado de imoralidade tanto de quem vota como de quem é votado. Em uma cidade grande, essa febre política é mais bem administrada pelos políticos que alugam os seus cabos eleitorais.

Mas, voltando aos fiscais e remexendo em uma das gavetas de minhas lembranças, relembro um caso que houve entre o meu tio João Delminda e o fiscal da Prefeitura Municipal de Candeias na década de 50, João Alvarenga.

É de se saber que as pessoas da linhagem Alvarenga, aqui de Candeias, são pessoas, educadas, doutrinadas, pontificadas, lecionadas e gentis. E João Alvarenga era um legítimo Alvarenga: respeitoso, prestativo, atencioso, explicado e obsequioso. Parece até que teria sido escolhido a dedo para a função.

Magro, alto, pouca barba, chapéu e paletó de brim sempre tragando um cigarro de palha era visto rodando a cidade, buscando bicicletas, carroças de tração animal para serem emplacadas; chiqueiros de porcos e galinheiros fétidos; construções fora do alinhamento, todas essas eram algumas das atribuições do fiscal mais eficiente que eu conheci.

Os proprietários de bicicletas desse tempo pagavam o imposto de emplacamento. As bicicletas eram emplacadas pela prefeitura e lembro-me que o preço era Cr$ 30,00 (trinta cruzeiros) por ano, incluindo a placa que era afixada entre os raios de uma das rodas ou na ponta do para-lama traseiro. A placa continha o ano, as iniciais da P.M.C (Prefeitura Municipal de Candeiais) e o número. Tinha o formato e o tamanho de uma tampa de apagador.

Meu tio tinha uma bicicleta, entretanto, sempre fugia do João Alvarenga para não pagar o imposto. Achava que pelo fato de usar a bicicleta apenas para andar pelas roças não precisava pagar o emplacamento. Quando o fiscal descobriu que ele fugia da raia da sua fiscalização, passou a frequentar a sua selaria que existia na Rua Coronel João Afonso.

João Alvarenga chegava e, na maior educação, cumprimentava, ficava por ali um pouco aguardando o meu tio falar alguma coisa, mas como ele não falava, João Alvarenga aguardava o momento de dar o bote:

---Vamos emplacar a bichinha, hoje, Xará?
---Hoje, eu tô meio quebrado, João...
---Não tem importância não, Xará, eu passo aqui outra hora, então...

Assim, ia embora e meu tio comentava:

---Eu nunca vi um cabôco mais preguento nesse mundo. Parece que é só eu que tem bicicreta aqui nas Candeia, uai!...

Passaram-se dois dias, vinha o João Alvarenga de novo!

---Oi, Xará, como é que vai? Tem trabalhado muito?
---Que nada, João, tem poco serviço. É por isso que ainda não puis placa na bicicreta.
--- Não, Xará! Não se preocupa, não! Uma hora vai dá certo. Depois, eu passo aqui de novo.

Assim que ele saía o comentário era fatal:

----Eu num guento esse João Alvarenga! Ele é macio dimais, sô! Manso dimais. Se ele ficasse brabo, ficava mais fáci pra mim... A bicicreta é pra eu ir pescá, pra quê que eu vô impracá isso?

Passaram-se mais dois dias e lá vem o fiscal de novo e, assim, foi um punhado de vezes até que um dia:

---Olá, Xará! Bom dia! Como andam as coisas? E, hoje, nós podemos emplacar a bichinha?

---Óia, aqui, João! Vou falá uma coisa procê. Eu resorvi vendê a bicicreta e, quando eu vendê, quem comprá paga o imposto. Eu tô ficando com vergonha docê, tendo essa trabaiêra de vim aqui quais que todo dia. E, dispois, não tem me sobrado cobre pra eu te pagá. E eu quase não ando nessa bicicreta, sô! E ocê sabe, né, trinta contos, nessa pindaíba que eu tenho andado, me faz muita farta.

---Xará, isso não vai acontecer de jeito algum. Você não vai vender a bicicleta não Xara! Onde já se viu isso: um amigo meu precisar vender a bicicleta para pagar o imposto. ----- Olha, eu vou fazer uma coisa para você que eu nunca fiz para ninguém. Eu tenho visto que os seus serviços aumentaram. Então, vou emplacar a sua bicicleta e você me paga de três vezes, ou seja, Cr$ 10,00 (dez cruzeiros) por mês. Contudo, tem um problema, Xará! Eu vou ter que lhe dar uma placa que ninguém quer por causa do número.
--- E qualé o número, João?
--- É o 24, Xará...

Diante disso, meu tio enfiou a mão no bolso, pegou três notas de 10 e gritou, bem alto:

---Impraca logo essa merda dessa bicicreta, João! Impraca isso sem praca, mesmo. Só fartava agora ocê querê me infiá um número desse, tem dó, sô...

E João Alvarenga, todo vitorioso, tirou do bolso do paletó uma plaquinha e disse:

--- Veja, Xará! Eu encontrei, aqui no meu bolso, a placa de n° 32. Olha só que numerozinho, chique... Vê só que palpitão para o bicho!

---- Que mané parpitão João, eu nunca juguei no camêlo sô...

E João alvarenga saiu dizendo:

---Agora, é só o ano que vem, Xará...

E meu tio João, com a boca totalmente fora de sintonia com a mente, disse:

---Vá com Deus!

Mas a mente, com certeza, estava dizendo: --- Vá com o diabo! E vá correndo João!

[Armando Melo de Castro.




domingo, 28 de abril de 2019

ASSIM ERA PITUXA.

                                                                                      Pituxa

O cachorro é um animal iluminado. O sentimento entre o homem e o cachorro é mútuo e difícil de ser explicado. E o mais interessante é que se trata de um sentimento puro especialmente por parte do animal que às vezes nos dá a impressão de que ama mais o seu dono do que a si mesmo. 

---Morreu Pituxa, a nossa cadelinha querida, contando treze anos de idade. ---

 Muitas vezes eu pensei que Pituxa fosse mais que uma cachorrinha!   Afinal, como podia ser tão carinhosa daquele jeito? Tão requintada; tão educada sendo uma cadela!?... Pituxa nunca incomodou os vizinhos, nunca fez sujeira dentro de casa; almoçava com todos os três da casa! Se se estava com fome pedia alimento com educação. ----- Pituxa dava atenção a todos.... Era tão domestica que atendia o menor sinal que lhe fosse feito. E tinha as suas preferências alimentares das mãos de cada um de nós, como por exemplo, os palitinhos de carnaza, eram de minhas mãos; carne era das mãos da Bruna ração e outras variedades eram das mãos da Lilita. --- 

E quando a gente chegava à janela do apartamento, Pituxa batia as patinhas dianteiras, como se batesse palmas, pedindo para lhe mostrar a rua. ---- E no carro, como Pituxa ficava alegre olhando pela janela, o movimento da rua! ----- Pituxa parecia ser a cachorrinha mais feliz do mundo, com o movimento da rua.

E quando aguardava para sairmos a passear, o seu medo de ser deixada em casa era grande. Dai o seu desassossego... Como Pituxa era parte da família!... Se não pudesse ser levada tínhamos que sair sem muita conversa porque ela já manjava que ia haver rua. 

 As palavras vamos sair; rua; passear; não podiam ser pronunciadas se ela não fosse ser levada. Sair e passear era o que ela mais gostava.  ----- 

À medida que Pituxa ia se envelhecendo, eu não queria me lembrar disso. Eu queria pensar que a nossa cachorrinha fosse imortal ou que eu fosse morrer primeiro.----- Agora ela nos deixou, partiu levada pelos braços de são Francisco de Assis. ----- Adoeceu para morrer----- Ao ver os seus objetos que ficaram, seu bebedouro, o seu pratinho de ração, a sua cama e tudo mais que lhe diz respeito, sentimo-nos afogados numa grande saudade, numa grande dor por essa ausência.

E diante desse vazio imenso deixado por uma cadelinha que só sabia amar, dá para sentir mais uma certeza de que não somos donos de nada nesta vida e o quanto somos pobres diante da morte.


Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos

quinta-feira, 11 de abril de 2019

O MEU QUARTO ANO - CURSO PRIMÁRIO

                                          Maria do Carmo Bonaccorsi  - Foto Jesiane Langsdorff


A minha vida de estudante foi bastante marcada pela terceira série do curso primário no Grupo Escolar Padre Américo. ---- A escola era, ainda, nova e muita coisa não havia entrado nos seus eixos. --- Muitos alunos, como eu, talvez tivéssemos a necessidade de uma análise por uma psicóloga escolar ou sido indicado para um professor do padrão do americano, Ron Clark.

Apesar dos altos e baixos, que a vida me oferecia, felizmente eu consegui me recuperar e vir a ser o aluno disciplinado e dedicado, como fora no primeiro e segundo ano e amigo de  minhas professoras, ---- exceto uma: a substituta de Dona Ninita Alvarenga, ---- mesmo porque, esta me parece, nunca ter sido amiga de ninguém. ----

Agora, eu era outro. Tornara-me arredio, isolado dos colegas indisciplinados e me pautava sempre junto daqueles mais queridos pelas professoras. ----- Certa vez a diretora da escola encontrou-se com o meu pai no Bar Piloto e disse-lhe que eu teria mudado muito e para melhor, e quis saber o que meu pai teria arrumado comigo. Então ele disse: “Eu acho que foi a mãe dele”.

O corpo docente da Escola Padre Américo, ainda, mantinha professoras leigas e ou vindas de outras cidades. Formar-se professora naquele tempo era um privilégio de poucas.  ---- Teriam que se deslocar para outras cidades o que teria um custo alto. As professoras, normalmente, eram filhas de pessoas bem aquinhoadas, e quase sempre casadas com maridos endinheirados. Portanto, os seus salários eram destinados á manutenção da aparência. Mesmo porque, considerar-se-ia antiético uma professora dar aula de chinelo de dedo ou de calça comprida.

A professora de então, era mais bem reconhecida, o que infelizmente hoje não acontece. A situação delas era na grande parte estável, haja vista, que durante o governo de Bias Fortes elas ficaram quase seis meses sem receber os seus salários e não fizeram greve e nem barulho. ----- 
(Bias Fortes foi um governador de Minas que dormiu no dia que assumiu e acordou-se no dia em que deixou o governo. Assim era a sua fama.).

Não havia na escola os favorecimentos que existem hoje com boas verbas para a Caixa Escolar, mantenedora dos alunos carentes. Tal qual aos alunos, a Caixa Escolar também era pobre. --- pois não tinha os recursos necessários para manter com dignidade os alunos carentes com merenda e material escolar. Os suprimentos vinham principalmente das festas que a Escola promovia.

O ano de 1958 chegou. ----- A volta à escola encheu-me a consciência de alegria e esperança. Eu jurara que seria um aluno responsável e cumpridor dos deveres e já teria cumprido a promessa no ano anterior. Eu estava comprometido com minha mãe e com Jesus Cristo. --- Minha mãe me fizera jurar perante Cristo de que mudaria o meu comportamento.

Minha professora seria Dona Maria do Carmo Bonaccorsi; famosa como brava e disciplinadora rígida. Isso já não me assustava. Havia quem me não acreditava, mas eu sim, eu tinha a certeza de que o ano de 1958 seria o meu ultimo ano no Padre Américo. --- Depois viriam outras etapas, como curso de admissão ao ginásio, ginasial e contabilidade. Mas já foram outros tempos e também fora de Candeias.

Dona Maria do Carmo Bonaccorsi ficou sendo minha grande amiga desde os primeiros dias de aula o que me fez comprometido com ela também. ---- Lembro-me da data do seu aniversário, dia 16 de julho, quando ela fazia 31 anos... Plena balzaquiana, quando a homenageamos na sala com um bolo oferecido por uma de nossas colegas.

Lembro-me, também, de quando foi o centenário da cidade de Formiga, ela teria ido à festa daquela cidade, e voltou contando detalhes para nós. Foi quando eu fiquei sabendo que Formiga era chamada de Cidade das Areias Brancas e eu alimentei essa curiosidade por muito tempo até ir conferir isso.
 Eu nunca vi Dona Maria do Carmo usar a vara de marmeleiro, fornecida pelo seu Tio Erasto de Barros. --- Ela tinha um olhar duro e nem sempre mostrava os dentes. Ficava vermelha quando nervosa e a sua aula era ouvida pelos vizinhos da escola porque falava alto. ----

A nossa turma tinha um colega indisciplinado, o meu grande amigo até hoje, morador da cidade de Oliveira, cabeleireiro e homossexual assumido desde menino. ---- Renê Ferreira de Oliveira. ---- Dada a sua condição ele era mais chegado às meninas e era difícil conter a sua conversa durante a aula. ---- Sabia a vida de todo mundo na cidade. Numa discussão com ele ninguém vencia principalmente se tratasse de pessoa com o rabo preso. ---- No ano anterior, a professora Ana Zélia de Melo se meteu a discutir com ele, e saiu com a moral esfolada, talvez sem merecer.

Renê seria bom amigo, mas para inimigo nem pensar. Era inteligente, mas não levava o estudo a sério. ---- Filho de Dona Eponina, irmã do Sr. Willian Viglioni. ---- Era repetente obstinado. ---- Dona Maria do Carmo o consertou. --Quando ele começava, ela se levantava, abria a porta e olhava para ele e dizia: “Renê, por favor, saia da sala. Você está perturbando a minha aula, assim quando você estiver decidido a se comportar, bata na porta”. Ele nunca batia na porta, até que um dia bateu; ela o colocou para dentro lhe fez um sermão deixando-o em silêncio. E assim foi lhe dando um jeito. 

Dona Maria do Carmo não tinha alunos preferenciais; para ela eram todos iguais. ---- Lembro-me de um fato bem perto de mim: No dia da nossa formatura, ainda lá no cinema, Dona Eponima, mãe do Renê abraçou-a e lhe agradeceu chorando: “Só você Ducarmo para desencalhar o Renê”!

Finalmente chegou o fim do ano de 1958. ---- As provas nesse tempo iam para ser corrigidas na cidade de Formiga. ---- Essa espera do resultado era um martírio, um sofrimento para os alunos. Mas eu tinha certeza de que teria sido aprovado, como fui. Nenhum aluno dessa turma de Dona Maria do Carmo Bonaccorsi foi reprovado.

A nossa festa de formatura no dia 8 de janeiro, não perderia para nenhuma festa de formatura de uma faculdade. O Corpo docente da escola todo presente à mesa. Autoridades civis e militares e a grande autoridade eclesiástica, na pessoa do então Monsenhor Castro, com o seu discurso maravilhoso, com a sua eloquência e o seu vasto recurso de oratória. ---- Um deputado que teria sido convidado também falou. Enfim um festão.

Concluíram o curso primário comigo os seguintes colegas:
Antônia Aparecida Vilela, Antônio Ítalo Freire, Clarice Alvarenga, Hélio Melo da Silva, Jadir Melo da Silva, Jesus Alves Resende, João Faria, José Gonçalves, Márcio Miguel Teixeira, Marlene aparecida Martins, Marli dos Reis Alves, Nelli Manda Ramos Melo, Neri Ferreira Barbosa, Odete Lopes da Trindade, Raimundo Ferreira de Oliveira, Renê Ferreira de Oliveira, Sebastiana dos Santos, Sebastião Alves de Resende, Silvio José Rodrigues, Silvio Lopes da Silva, Teresinha Luiza Alves, Teresinha Mori, Zélia Alves Alvarenga e Zilene Vilela Alvarenga.

O certificado de conclusão do curso foi assinado, então, pela Diretora Maria do Carmo Alvarenga; a professora Maria do Carmo Bonaccorsi e o Inspetor, Sr. Nestor Lamounier. --- Nesse tempo o Inspetor era indicado pela política e Visitava a escola esporadicamente numa missão política. ---- Outro que também foi Inspetor Escolar nos primórdios do Padre Américo, foi o amigo Miguel Albanez, o nosso querido Biribico.

Para minha tristeza, Dona Maria do Carmo Bonaccorsi, faleceu recentemente. Era a última de minhas professoras. Quando eu estava em Candeias e a via à porta de sua casa, eu ia até lá cumprimentá-la.   E sempre recordávamos juntos aqueles tempos. Eu sentia que a Escola Padre Américo era parte de sua vida. ----- Ela tinha a mesma idade de minha mãe e eram muito amigas desde a infância. Partiram quase juntas para junto de Deus. -----

Onde quer que esteja Dona Maria do Carmo, receba o meu abraço carinhoso do seu eterno aluno.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.

sábado, 6 de abril de 2019

O MEU TERCEIRO ANO DE ESCOLA



O meu terceiro ano do curso primário, no então Grupo Escolar Padre Américo, foi muito difícil e cercado por muitos transtornos. A minha alegria de ter passado com louvor, do segundo para o terceiro ano, durou pouco.
----A partir do mês de maio do ano de 1955, eu, aquele aluno disciplinado e envergonhado, me transformei completamente de comportamento e as causas foram diversas, o que me levou a tomar duas bombas, ou melhor ser reprovado em dois anos porque naquele tempo o aluno não tinha chance de recuperação. O sistema de ensino era totalmente diferente da forma que é feito hoje. Portanto, durante os anos de 56 e 57 eu estive repetindo a terceira série. Foram dois anos de acidente físico e doenças de tempo.

Jamais esquecerei o nome da minha professora, no ano de 1955: Dona Ninita Alvarenga. --- Eu amava Dona Ninita --- Era a professora mais bonita da escola. E ela tinha por mim um carinho especial. Não sei por quê? Mas eu sentia isso. --- Dela eu não tinha vergonha porque ia até a sua casa, quando tinha dúvida em algum exercício ou qualquer outra coisa. Eu gostava tanto dela que às vezes inventava um pretexto para ir visita-la. ---

Sua residência ficava na esquina ao lado da casa paroquial, onde morou o Juca do Nico. Minha mãe ficou impressionada de ver como me transformei como aluno de Dona Ninita. Se existe paixão de aluno por professora, eu fui apaixonado por Dona Ninita Alvarenga. Ela não era querida só por mim e sim por todos. ---- Casada com o Sr. Edson, chefe da Agência de Estatística e geografia de Candeias.

Certo dia, Dona Ninita chegou para dar a aula e eu notei que ela estava triste. Na hora do recreio, eu me aproximei dela e perguntei: A senhora está triste Dona Ninita? E a resposta foi sim Armando, estou triste. No final da aula eu vou falar porque eu estou triste. ----

Aquilo me deixou incomodado. Eu já não tive sossego até o final da aula. --- E no final, a notícia seria a pior que eu e meus colegas poderíamos ouvir. Eu devo ter sentido mais. Mas a turma toda sentiu e grande parte, assim como eu, não teve como segurar as lágrimas o que a fez chorar também. ----- O seu marido teria sido transferido para Divinópolis --- e a mudança seria dentro de poucos dias. ---- Uma semana depois ela se desligou e partiu deixando o seu endereço para quem quisesse lhe escrever. A minha carta foi a primeira que ela recebeu. Ela me respondeu e eu guardei esta resposta durante anos.

Vinte e cinco anos depois eu fui encontrar com Dona Ninita em Divinópolis, quando estive lotado lá na Agência do Bemge. Nosso encontro foi uma festa.

Com a saída de Dona Ninita, ficamos durante vários dias sem uma professora fixa. --- A nossa sala virou uma bagunça. Uma hora era a diretora que nos dava aula e se fosse solicitada para resolver algum problema da diretoria, a turma ficava sozinha e ai a bagunça crescia. Outra hora era uma professora leiga, completamente alheia ao programa de ensino; às vezes a diretora se servia de uma das cantineiras pra tomar conta da turma temporariamente, o que não funcionava.

Enfim, a diretora numa equação difícil, dissolveu uma sala de alunos do primeiro ano, distribuindo-os em outras salas, uma vez que o número de alunos do primeiro ano era de cinco salas. Assim sobrou a professora para substituir Dona Ninita.

Só que esta professora era a pior professora da escola. Os pais de alunos ficavam contrariados quando ficavam sabendo que seus filhos seriam alunos dela. Ela só dava aula para o primeiro ano. Uma professora sem domínio algum, com uma articulação vocal ruim, sem diálogo com o aluno. O certo é que essa professora teria escolhido a profissão errada. ------

A disciplina não foi recuperada porque nós os alunos, sentíamos subtraídos, prejudicados e revoltados com a ausência da nossa querida Dona Ninita. Nós que considerávamos a nossa, a melhor professora da escola, estávamos nas mãos da pior. ---- Resultado: A reprovação no final do ano foi de 80% dos alunos, que deveriam repetir o ano em 1956. Talvez tenha sido o maior bombardeio da história da escola.

Em virtude do Grupo Escolar Padre Américo, ser uma escola, ainda nova, muitas dificuldades ainda eram enfrentadas naquele tempo, ----- A faixa etária dos alunos era muito variada e não havia heterogeneidade em nenhuma das turmas. Em todas as classes tinham alunos com grande diferença de idade porque se matricularam mais tarde. Havia muitas vagas na escola e as professoras iam de casa em casa fazer as matriculas dos alunos. As causas que justificavam um aluno repetente eram as mais diversas e isso prejudicava em muito o trabalho das professoras. E a escola era muito rígida na aprovação do aluno --- Muitos não terminavam o curso pelos mais diversos motivos, porque naquele tempo a criança trabalhava e os pais achavam que escola era para aprender fazer as quatro operações de aritmética, assinar o nome e ler alguma coisa.

Não havia uma classificação intelectual. Tinha aluno que apresentava muita dificuldade de aprendizado; alguns tinham problemas como audição, visão etc. --- Uns eram indisciplinados, faltavam muito às aulas, davam problemas e se tornavam num inimigo inconsciente das professoras.

Chegado o ano de 1956, formou-se uma das maiores turmas de repetentes da terceira série. Uma classe que tinha normalmente vinte alunos mais ou menos e esta teria sido composta por mais de trinta. ----- A classe foi formada pelos bombardeados da nossa turma; ---- outros da segunda turma do terceiro ano e mais alguns, novatos que teriam vindo do segundo ano, mas apresentavam algum problema.

Eu sei dizer que a minha turma do ano de 1956, teria que estar com o lombo preparado para a vara de marmeleiro. --- com os joelhos calejados para ficar de joelho à frente do quadro negro com o rosto próximo da parede; ser colocado para fora da sala; ficar sem recreio durante uma, duas ou três semanas; cumprirem o castigo e na pior das hipóteses, ser levado para o gabinete. --- Ser levado para o gabinete era como um prisioneiro que vai para a solitária. Lá teria que ouvir um sermão da diretora com ameaças de expulsão ou chamar a presença do pai. Tinha pai que já dava uns arrancos nos filhos, lá na presença da diretora.

A nossa professora era uma novata vinda da cidade de Itapecerica, irmã da Elisa Mori, mãe do Zé Arcanjo. Chamava-se Ana Zélia de Melo ---- Ela já veio tão prevenida contra nós, que ao entrar na sala, um colega, que tinha o apelido de fumeiro, fez uma gracinha e causou riso nos demais. Ela já pegou a vara de marmeleiro e soltou uma lambada nas costas do fumeiro que parece até que a vara deu um assovio. E desde então ela dava aula com a vara na mão.

Naquele tempo, era comum a formação de pequenas gangs entre os alunos. --- Os mais fortes formavam as gangs e os mais fracos apoiavam para ser protegidos. --- Eu, por exemplo, pertencia a gang do Silvio do Juca do Nico, que era briguento. --- Quem não pertencia a uma gang, corria o risco de apanhar muito se arrumasse uma encrenca. ---- 

Um dia o Silvio comprou uma briga com o Getúlio do João Machado, e ajuntou os companheiros do Getúlio e do Silvio, foi um brigão feio. Era ficar sem recreio quando alguém brigava durante o recreio. --- Mas difícil era o dia que não tinha uma briga na saída da escola às 11 horas. Lá não tinha castigo porque estava na rua. ---- Os meninos mais fracos adoravam assistir e torcer -

Certa vez eu e o Dico do Josías arrumamos uma briga durante o recreio e como nós éramos da mesma sala o castigo foi igual. Fomos condenados a ficar um mês de castigo e sem recreio. Não podíamos nem ir ao banheiro. ---- Às vezes de acordo com o bom humor da professora, éramos autorizados a ir ao banheiro depois do recreio.

As meninas usavam levar flores para colocar na jarra que ficava à mesa da professora e nas janelas. Como o aperto faz o sapo pular, eu e o Dico enchemos os vidros e a jarra da professora de urina. Quando as meninas se surpreenderam, o nosso castigo foi reajustado.

Eu que já fazia parte dos alunos manjados pelas professoras, dias antes, havia enfiado a minha pena no braço do Márcio do Dedé do Alonso, isso porque ele assentava na minha frente e ficava balançando a carteira e dava uma olhadinha de insulto para trás quando eu estava escrevendo. Aquilo me irritava. ---- Reclamar para a professora, ela vinha e cortava os dois na vara.

Meu pai foi chamado na escola por causa da gravidade do caso e da minha indisciplina. ---- Ele deixou bem recomendado para a diretora, ---- Dona Maria do Carmo Alvarenga, ----- que era para me dar o almoço e avisa-lo para que ele me desse à sobremesa em casa. ---- E a diretora repassou para todas as professoras essa ordem do meu pai. --- Nesse tempo a professora era a dona da razão. Se eu contasse em casa que apanhei da professora eu corria o risco de levar outra sova era muito grande.

E assim, num outro dia durante o recreio a Dona Zélia Eleutério, responsável naquele dia pela disciplina do recreio, aproximou-se de mim com a vara na mão e começou a me sovar as costas até a vara quebrar e ela dizendo, isso é receita do seu pai. E eu sem saber o motivo daquela coça. ---- A causa teria sido porque ela me confundiu com o Joel Pacheco --- nós éramos parecidos. -O Joel havia dado um murro no Vicentinho Vilela e eu apanhei no lugar dele. –

Além de todos esses problemas, eu sofri nesse ano sarampo, caxumba, coqueluche e levei um tombo de um pé de laranja, o que me deixou afastado muitas vezes da escola. Eram doenças contagiosas, chamadas de tempo. Não havia vacinas e a gente ficava esperando a doença chegar para ser imunizado. ---- Resultado: bomba, eu teria que repetir o ano em 1957. ----

Quando eu contei para o meu pai que havia tomado bomba e que iria repetir o terceiro ano, ele virou uma fera: ----- Não quis nem saber das doenças e nem do tombo. As duas vezes que ele teria sido chamado na escola pela diretora, deixou-me profundamente marcado por ele, como um aluno relapso e malandro. E foi claro:

”Não, não e não, agora chega”. Você não vai mais estudar. --- Eu vou arrumar um serviço para você. --- Se nem a vara de marmelo conserta você, é porque você não tem conserto. ---- E leu aquele sermão de uma Sexta feira Santa. ---- Eu comecei a chorar, mas as minhas lágrimas não o amoleceram não. ----
Minha mãe logo depois disse para mim nos meus ouvidos: “Fica quieto; você vai estudar sim, eu darei um jeito nisso”. “A hora que o seu pai acalmar eu converso com ele”. --- Minha mãe era muito habilidosa e comia o mingau pelas beiradas.

Fui matriculado e o ano de 1957, eu voltei a ser o Armando de antes, de medo do meu pai e respeito a minha mãe. --- Passei para o quarto ano com louvor. Os meus colegas aprovados na terceira série foram: Ângelo Salviano --- Antônia Aparecida Vilela --- Arnaldo Miranda Correa --- Celina Aparecida de Castro --- Dalva Moreira Martins --- Flávio Ribeiro do Nascimento --- Francisco de Castro ---- Hélio Melo da Silva --- Jadir Melo --- Jesus Alves Resende --- José Teixeira de Oliveira --- Miguel Martins de Castro Filho --- Neri Ferreira Barbosa --- Raimundo Ferreira de Oliveira ---- Ronaldo Moreira ---- Sebastião Alves Resende --- Sebastião Cândido da Costa --- Silvio Lopes de Resende --- Teresinha Luiza Alves ---- Vicente Luiz da Mata e Zélia Alves Alvarenga.

Agora chegava o ano de 1958 eu estava tranquilo. Depois da dura que meu pai me deu e a promessa que fiz à minha mãe. Eu criara vergonha na cara. Diziam que eu era inteligente, mas era malandro.
O quarto ano depois eu conto.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG casos e Acasos.















terça-feira, 2 de abril de 2019

O MEU SEGUNDO ANO DE ESCOLA.



O meu segundo ano de escola foi, talvez, o meu melhor ano do curso primário. Eu teria saído muito bem nas provas finais do primeiro ano. --- No meu tempo de escola tudo era diferente comparando-se com os dias atuais. O aluno só ficava sabendo se teria passado de ano por ocasião da chamada no mês de fevereiro na volta das aulas.  ---- Era uma agonia essa espera do aluno para saber se teria sido aprovado ou não. ---

Nesse tempo não havia essas chances que o aluno tem hoje de recuperar uma nota baixa. Não havia boletins, e nem provas mensais. Era a prova final e pronto. Se não fosse aprovado com uma nota com o mínimo de cinco pontos, era “bomba” sem dó e sem piedade. Teria que repetir o ano e número de repetentes era enorme ---- Eu tive colegas que repetiram todos.

O primeiro ano havia, além da prova escrita, a prova oral. --- Essas provas chamadas provas finais eram aplicadas por duas professoras diferentes que não teriam regido a sua turma.

No dia da prova escrita o aluno só poderia levar o lápis, a borracha e uma folha de papel almaço. No primeiro ano ainda não se escrevia à tinta. ---- A prova oral seria no outro dia, e o aluno não tinha nenhuma ideia do que lhe seria perguntado. Eram perguntas simples, mas que faziam parte dos ensinamentos de conhecimentos gerais durante as aulas. A prova oral somente era aplicada se o aluno já tivesse sido aprovado na prova escrita.

No segundo ano seria tudo diferente em ­comparação ao primeiro ano. ---- O meu material escolar teria sido acrescido de um tinteiro de tinta Sucury; uma pena e o cabo; um mata borrão, isso porque no segundo ano os alunos já começavam a escrever a tinta e aprender a usar a pena. --- Um caderno grosso para pontos. Nesse ano os alunos estudavam a geografia e a história do município e mais três cadernos para exercícios, ditados, aritmética etc. e um caderno de caligrafia. Um lápis nº 2 e borracha.

Não existia esse monte de material escolar que a gente vê hoje. Os alunos andam abarrotados de cadernos e livros. ---- No meu tempo muitos alunos não tinham nem pasta; levavam os cadernos nas mãos.

Os meus colegas do segundo ano de escola foram: Agda Salviano --- Antônia Almeida --- Antoninha aparecida Salatiel --- Antônio Barreto --- Antônio Eustáquio Teixeira --- Antônio Sidney de Sousa --- Bnedito José Miranda --- Celina Albanez Freire --- Desi Pereira --- Francisco Ferreira --- Francisco Quintino --- Francisco Vicente da Silva --- José Teixeira de Oliveira --- José Teixeira de Sena --- Lázaro Gibran --- Lenira Guimarães --- Maria Aparecida Menezes --- Maria Auxiliadora da Silva --- Maria Eulália Salviano --- Nanci Cecília de Sousa --- Paulo Moreira --- Willian Ferreira.
O meu colega de carteira no segundo ano foi o Antônio Sidney de Soua (Titoco) amizade que mantivemos até à sua morte. 
A professora era a senhorita Enir Parreira Lara.

Como no primeiro ano, às terças feiras era o dia da revista, ou seja, o dia em que a professora examinava o visual de todos os alunos. Unhas cortadas e uniformes limpos. Nesta oportunidade a professora ensinava a necessidade de escovar os dentes, os banhos regularmente; ---- a saúde e a higiene. ----
Fazia parte do programa escolar todo tipo de ensinamento sobre comportamento. A moral e cívica estava presente ---- Como deveríamos tratar os mais velhos; as autoridades e os pais. Respeitar as leis e os símbolos da nação. Cantar os hinos do Brasil e como se comportar perante a Bandeira Nacional.

No ano de 1954 o Grupo Escolar Padre Américo completaria 4 anos de sua inauguração. E seria o ano de formatura da primeira turma que tivesse realmente iniciado o curso ali desde o primeiro ano.

A escola tinha dois turnos de manhã e a tarde. A parte da tarde era destinada aos alunos do primeiro ano. E segundo, terceiro e quarto eram de manhã. As aulas começavam às 7 horas.

Como exercício de casa, o chamado “Para Casa” a professora dava um exercício de português e Aritmético compatível com os ensinamentos do programa do segundo ano-.

Eu contava oito anos de idade e apesar de ser um menino estudioso e cumpridor dos seus deveres, eu era então aquele menino bobo, tímido, corria das professoras na rua de vergonha delas. E quando a professora me chamava lá na frente para dar o ponto, eu tremia e quase esquecia o texto. –

O meu segundo ano de escola foi para mim o melhor de todos. Mas no terceiro ano tudo seria diferente. Muitas coisas me aconteceram e eu me tornei num aluno relapso. Isso eu conto no próximo texto.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG Casos e Acasos.