O meu terceiro ano do curso
primário, no então Grupo Escolar Padre Américo, foi muito difícil e cercado por
muitos transtornos. A minha alegria de ter passado com louvor, do segundo para
o terceiro ano, durou pouco.
----A partir do mês de maio
do ano de 1955, eu, aquele aluno disciplinado e envergonhado, me transformei
completamente de comportamento e as causas foram diversas, o que me levou a
tomar duas bombas, ou melhor ser reprovado em dois anos porque naquele tempo o aluno não tinha chance de
recuperação. O sistema de ensino era totalmente diferente da forma que é feito
hoje. Portanto, durante os anos de 56 e 57 eu estive repetindo a terceira
série. Foram dois anos de acidente físico e doenças de tempo.
Jamais esquecerei o nome da
minha professora, no ano de 1955: Dona Ninita Alvarenga. --- Eu amava Dona
Ninita --- Era a professora mais bonita da escola. E ela tinha por mim um carinho
especial. Não sei por quê? Mas eu sentia isso. --- Dela eu não tinha vergonha
porque ia até a sua casa, quando tinha dúvida em algum exercício ou qualquer
outra coisa. Eu gostava tanto dela que às vezes inventava um pretexto para ir
visita-la. ---
Sua residência ficava na
esquina ao lado da casa paroquial, onde morou o Juca do Nico. Minha mãe ficou
impressionada de ver como me transformei como aluno de Dona Ninita. Se existe
paixão de aluno por professora, eu fui apaixonado por Dona Ninita Alvarenga.
Ela não era querida só por mim e sim por todos. ---- Casada com o Sr. Edson,
chefe da Agência de Estatística e geografia de Candeias.
Certo dia, Dona Ninita
chegou para dar a aula e eu notei que ela estava triste. Na hora do recreio, eu
me aproximei dela e perguntei: A senhora está triste Dona Ninita? E a resposta
foi sim Armando, estou triste. No final da aula eu vou falar porque eu estou
triste. ----
Aquilo me deixou incomodado.
Eu já não tive sossego até o final da aula. --- E no final, a notícia seria a
pior que eu e meus colegas poderíamos ouvir. Eu devo ter sentido mais. Mas a turma
toda sentiu e grande parte, assim como eu, não teve como segurar as lágrimas o
que a fez chorar também. ----- O seu marido teria sido transferido para
Divinópolis --- e a mudança seria dentro de poucos dias. ---- Uma semana depois
ela se desligou e partiu deixando o seu endereço para quem quisesse lhe escrever. A minha carta foi a primeira que ela recebeu. Ela me respondeu e eu
guardei esta resposta durante anos.
Vinte e cinco anos depois eu
fui encontrar com Dona Ninita em Divinópolis, quando estive lotado lá na
Agência do Bemge. Nosso encontro foi uma festa.
Com a saída de Dona Ninita,
ficamos durante vários dias sem uma professora fixa. --- A nossa sala virou uma
bagunça. Uma hora era a diretora que nos dava aula e se fosse solicitada para
resolver algum problema da diretoria, a turma ficava sozinha e ai a bagunça
crescia. Outra hora era uma professora leiga, completamente alheia ao programa
de ensino; às vezes a diretora se servia de uma das cantineiras pra tomar conta
da turma temporariamente, o que não funcionava.
Enfim, a diretora numa
equação difícil, dissolveu uma sala de alunos do primeiro ano, distribuindo-os
em outras salas, uma vez que o número de alunos do primeiro ano era de cinco
salas. Assim sobrou a professora para substituir Dona Ninita.
Só que esta professora era a
pior professora da escola. Os pais de alunos ficavam contrariados quando
ficavam sabendo que seus filhos seriam alunos dela. Ela só dava aula para o primeiro
ano. Uma professora sem domínio algum, com uma articulação vocal ruim, sem
diálogo com o aluno. O certo é que essa professora teria escolhido a profissão
errada. ------
A disciplina não foi
recuperada porque nós os alunos, sentíamos subtraídos, prejudicados e
revoltados com a ausência da nossa querida Dona Ninita. Nós que considerávamos
a nossa, a melhor professora da escola, estávamos nas mãos da pior. ----
Resultado: A reprovação no final do ano foi de 80% dos alunos, que deveriam
repetir o ano em 1956. Talvez tenha sido o maior bombardeio da história da
escola.
Em virtude do Grupo Escolar
Padre Américo, ser uma escola, ainda nova, muitas dificuldades ainda eram
enfrentadas naquele tempo, ----- A faixa etária dos alunos era muito variada e
não havia heterogeneidade em nenhuma das turmas. Em todas as classes tinham
alunos com grande diferença de idade porque se matricularam mais tarde. Havia
muitas vagas na escola e as professoras iam de casa em casa fazer as matriculas
dos alunos. As causas que justificavam um aluno repetente eram as mais diversas
e isso prejudicava em muito o trabalho das professoras. E a escola era muito
rígida na aprovação do aluno --- Muitos não terminavam o
curso pelos mais diversos motivos, porque naquele tempo a criança trabalhava e
os pais achavam que escola era para aprender fazer as quatro operações de
aritmética, assinar o nome e ler alguma coisa.
Não havia uma classificação
intelectual. Tinha aluno que apresentava muita dificuldade de aprendizado;
alguns tinham problemas como audição, visão etc. --- Uns eram indisciplinados,
faltavam muito às aulas, davam problemas e se tornavam num inimigo inconsciente
das professoras.
Chegado o ano de 1956,
formou-se uma das maiores turmas de repetentes da terceira série. Uma classe
que tinha normalmente vinte alunos mais ou menos e esta teria sido composta por
mais de trinta. ----- A classe foi formada pelos bombardeados da nossa turma; ----
outros da segunda turma do terceiro ano e mais alguns, novatos que teriam vindo
do segundo ano, mas apresentavam algum problema.
Eu sei dizer que a minha
turma do ano de 1956, teria que estar com o lombo preparado para a vara de
marmeleiro. --- com os joelhos calejados para ficar de joelho à frente do
quadro negro com o rosto próximo da parede; ser colocado para fora da sala;
ficar sem recreio durante uma, duas ou três semanas; cumprirem o castigo e na
pior das hipóteses, ser levado para o gabinete. --- Ser levado para o gabinete
era como um prisioneiro que vai para a solitária. Lá teria que ouvir um sermão
da diretora com ameaças de expulsão ou chamar a presença do pai. Tinha pai que
já dava uns arrancos nos filhos, lá na presença da diretora.
A nossa professora era uma
novata vinda da cidade de Itapecerica, irmã da Elisa Mori, mãe do Zé Arcanjo.
Chamava-se Ana Zélia de Melo ---- Ela já veio tão prevenida contra nós, que ao
entrar na sala, um colega, que tinha o apelido de fumeiro, fez uma gracinha e causou
riso nos demais. Ela já pegou a vara de marmeleiro e soltou uma lambada nas
costas do fumeiro que parece até que a vara deu um assovio. E desde então ela
dava aula com a vara na mão.
Naquele tempo, era comum a formação de pequenas gangs entre os alunos. --- Os mais fortes formavam as gangs e os mais fracos apoiavam para ser protegidos. --- Eu, por exemplo, pertencia a gang do Silvio do Juca do Nico, que era briguento. --- Quem não pertencia a uma gang, corria o risco de apanhar muito se arrumasse uma encrenca. ----
Um dia o
Silvio comprou uma briga com o Getúlio do João Machado, e ajuntou os
companheiros do Getúlio e do Silvio, foi um brigão feio. Era ficar sem recreio
quando alguém brigava durante o recreio. --- Mas difícil era o dia que não
tinha uma briga na saída da escola às 11 horas. Lá não tinha castigo porque
estava na rua. ---- Os meninos mais fracos adoravam assistir e torcer -
Certa vez eu e o Dico do
Josías arrumamos uma briga durante o recreio e como nós éramos da mesma sala o
castigo foi igual. Fomos condenados a ficar um mês de castigo e sem recreio.
Não podíamos nem ir ao banheiro. ---- Às vezes de acordo com o bom humor da
professora, éramos autorizados a ir ao banheiro depois do recreio.
As meninas usavam levar flores
para colocar na jarra que ficava à mesa da professora e nas janelas. Como o aperto
faz o sapo pular, eu e o Dico enchemos os vidros e a jarra da professora de
urina. Quando as meninas se surpreenderam, o nosso castigo foi reajustado.
Eu que já fazia parte dos
alunos manjados pelas professoras, dias antes, havia enfiado a minha pena no
braço do Márcio do Dedé do Alonso, isso porque ele assentava na minha frente e
ficava balançando a carteira e dava uma olhadinha de insulto para trás quando
eu estava escrevendo. Aquilo me irritava. ---- Reclamar para a professora, ela vinha
e cortava os dois na vara.
Meu pai foi chamado na escola por causa da
gravidade do caso e da minha indisciplina. ---- Ele deixou bem recomendado para
a diretora, ---- Dona Maria do Carmo Alvarenga, ----- que era para me dar o
almoço e avisa-lo para que ele me desse à sobremesa em casa. ---- E a diretora
repassou para todas as professoras essa ordem do meu pai. --- Nesse tempo a
professora era a dona da razão. Se eu contasse em casa que apanhei da
professora eu corria o risco de levar outra sova era muito grande.
E assim, num outro dia
durante o recreio a Dona Zélia Eleutério, responsável naquele dia pela
disciplina do recreio, aproximou-se de mim com a vara na mão e começou a me sovar
as costas até a vara quebrar e ela dizendo, isso é receita do seu pai. E eu sem
saber o motivo daquela coça. ---- A causa teria sido porque ela me confundiu
com o Joel Pacheco --- nós éramos parecidos. -O Joel havia dado um murro no
Vicentinho Vilela e eu apanhei no lugar dele. –
Além de todos esses
problemas, eu sofri nesse ano sarampo, caxumba, coqueluche e levei um tombo de
um pé de laranja, o que me deixou afastado muitas vezes da escola. Eram doenças
contagiosas, chamadas de tempo. Não havia vacinas e a gente ficava esperando a
doença chegar para ser imunizado. ---- Resultado: bomba, eu teria que repetir o
ano em 1957. ----
Quando eu contei para o meu
pai que havia tomado bomba e que iria repetir o terceiro ano, ele virou uma fera:
----- Não quis nem saber das doenças e nem do tombo. As duas vezes que ele
teria sido chamado na escola pela diretora, deixou-me profundamente marcado por
ele, como um aluno relapso e malandro. E foi claro:
”Não, não e não, agora
chega”. Você não vai mais estudar. --- Eu vou arrumar um serviço para você. ---
Se nem a vara de marmelo conserta você, é porque você não tem conserto. ---- E
leu aquele sermão de uma Sexta feira Santa. ---- Eu comecei a chorar, mas as
minhas lágrimas não o amoleceram não. ----
Minha mãe logo depois disse
para mim nos meus ouvidos: “Fica quieto; você vai estudar sim, eu darei um
jeito nisso”. “A hora que o seu pai acalmar eu converso com ele”. --- Minha mãe
era muito habilidosa e comia o mingau pelas beiradas.
Fui matriculado e o ano de
1957, eu voltei a ser o Armando de antes, de medo do meu pai e respeito a minha
mãe. --- Passei para o quarto ano com louvor. Os meus colegas aprovados na
terceira série foram: Ângelo Salviano --- Antônia Aparecida Vilela --- Arnaldo
Miranda Correa --- Celina Aparecida de Castro --- Dalva Moreira Martins ---
Flávio Ribeiro do Nascimento --- Francisco de Castro ---- Hélio Melo da Silva
--- Jadir Melo --- Jesus Alves Resende --- José Teixeira de Oliveira --- Miguel
Martins de Castro Filho --- Neri Ferreira Barbosa --- Raimundo Ferreira de
Oliveira ---- Ronaldo Moreira ---- Sebastião Alves Resende --- Sebastião
Cândido da Costa --- Silvio Lopes de Resende --- Teresinha Luiza Alves ----
Vicente Luiz da Mata e Zélia Alves Alvarenga.
Agora chegava o ano de 1958
eu estava tranquilo. Depois da dura que meu pai me deu e a promessa que fiz à
minha mãe. Eu criara vergonha na cara.
Diziam que eu era inteligente, mas era malandro.
O quarto ano depois eu
conto.
Armando Melo de Castro.
Candeias MG casos e Acasos.
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