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sábado, 6 de abril de 2019

O MEU TERCEIRO ANO DE ESCOLA



O meu terceiro ano do curso primário, no então Grupo Escolar Padre Américo, foi muito difícil e cercado por muitos transtornos. A minha alegria de ter passado com louvor, do segundo para o terceiro ano, durou pouco.
----A partir do mês de maio do ano de 1955, eu, aquele aluno disciplinado e envergonhado, me transformei completamente de comportamento e as causas foram diversas, o que me levou a tomar duas bombas, ou melhor ser reprovado em dois anos porque naquele tempo o aluno não tinha chance de recuperação. O sistema de ensino era totalmente diferente da forma que é feito hoje. Portanto, durante os anos de 56 e 57 eu estive repetindo a terceira série. Foram dois anos de acidente físico e doenças de tempo.

Jamais esquecerei o nome da minha professora, no ano de 1955: Dona Ninita Alvarenga. --- Eu amava Dona Ninita --- Era a professora mais bonita da escola. E ela tinha por mim um carinho especial. Não sei por quê? Mas eu sentia isso. --- Dela eu não tinha vergonha porque ia até a sua casa, quando tinha dúvida em algum exercício ou qualquer outra coisa. Eu gostava tanto dela que às vezes inventava um pretexto para ir visita-la. ---

Sua residência ficava na esquina ao lado da casa paroquial, onde morou o Juca do Nico. Minha mãe ficou impressionada de ver como me transformei como aluno de Dona Ninita. Se existe paixão de aluno por professora, eu fui apaixonado por Dona Ninita Alvarenga. Ela não era querida só por mim e sim por todos. ---- Casada com o Sr. Edson, chefe da Agência de Estatística e geografia de Candeias.

Certo dia, Dona Ninita chegou para dar a aula e eu notei que ela estava triste. Na hora do recreio, eu me aproximei dela e perguntei: A senhora está triste Dona Ninita? E a resposta foi sim Armando, estou triste. No final da aula eu vou falar porque eu estou triste. ----

Aquilo me deixou incomodado. Eu já não tive sossego até o final da aula. --- E no final, a notícia seria a pior que eu e meus colegas poderíamos ouvir. Eu devo ter sentido mais. Mas a turma toda sentiu e grande parte, assim como eu, não teve como segurar as lágrimas o que a fez chorar também. ----- O seu marido teria sido transferido para Divinópolis --- e a mudança seria dentro de poucos dias. ---- Uma semana depois ela se desligou e partiu deixando o seu endereço para quem quisesse lhe escrever. A minha carta foi a primeira que ela recebeu. Ela me respondeu e eu guardei esta resposta durante anos.

Vinte e cinco anos depois eu fui encontrar com Dona Ninita em Divinópolis, quando estive lotado lá na Agência do Bemge. Nosso encontro foi uma festa.

Com a saída de Dona Ninita, ficamos durante vários dias sem uma professora fixa. --- A nossa sala virou uma bagunça. Uma hora era a diretora que nos dava aula e se fosse solicitada para resolver algum problema da diretoria, a turma ficava sozinha e ai a bagunça crescia. Outra hora era uma professora leiga, completamente alheia ao programa de ensino; às vezes a diretora se servia de uma das cantineiras pra tomar conta da turma temporariamente, o que não funcionava.

Enfim, a diretora numa equação difícil, dissolveu uma sala de alunos do primeiro ano, distribuindo-os em outras salas, uma vez que o número de alunos do primeiro ano era de cinco salas. Assim sobrou a professora para substituir Dona Ninita.

Só que esta professora era a pior professora da escola. Os pais de alunos ficavam contrariados quando ficavam sabendo que seus filhos seriam alunos dela. Ela só dava aula para o primeiro ano. Uma professora sem domínio algum, com uma articulação vocal ruim, sem diálogo com o aluno. O certo é que essa professora teria escolhido a profissão errada. ------

A disciplina não foi recuperada porque nós os alunos, sentíamos subtraídos, prejudicados e revoltados com a ausência da nossa querida Dona Ninita. Nós que considerávamos a nossa, a melhor professora da escola, estávamos nas mãos da pior. ---- Resultado: A reprovação no final do ano foi de 80% dos alunos, que deveriam repetir o ano em 1956. Talvez tenha sido o maior bombardeio da história da escola.

Em virtude do Grupo Escolar Padre Américo, ser uma escola, ainda nova, muitas dificuldades ainda eram enfrentadas naquele tempo, ----- A faixa etária dos alunos era muito variada e não havia heterogeneidade em nenhuma das turmas. Em todas as classes tinham alunos com grande diferença de idade porque se matricularam mais tarde. Havia muitas vagas na escola e as professoras iam de casa em casa fazer as matriculas dos alunos. As causas que justificavam um aluno repetente eram as mais diversas e isso prejudicava em muito o trabalho das professoras. E a escola era muito rígida na aprovação do aluno --- Muitos não terminavam o curso pelos mais diversos motivos, porque naquele tempo a criança trabalhava e os pais achavam que escola era para aprender fazer as quatro operações de aritmética, assinar o nome e ler alguma coisa.

Não havia uma classificação intelectual. Tinha aluno que apresentava muita dificuldade de aprendizado; alguns tinham problemas como audição, visão etc. --- Uns eram indisciplinados, faltavam muito às aulas, davam problemas e se tornavam num inimigo inconsciente das professoras.

Chegado o ano de 1956, formou-se uma das maiores turmas de repetentes da terceira série. Uma classe que tinha normalmente vinte alunos mais ou menos e esta teria sido composta por mais de trinta. ----- A classe foi formada pelos bombardeados da nossa turma; ---- outros da segunda turma do terceiro ano e mais alguns, novatos que teriam vindo do segundo ano, mas apresentavam algum problema.

Eu sei dizer que a minha turma do ano de 1956, teria que estar com o lombo preparado para a vara de marmeleiro. --- com os joelhos calejados para ficar de joelho à frente do quadro negro com o rosto próximo da parede; ser colocado para fora da sala; ficar sem recreio durante uma, duas ou três semanas; cumprirem o castigo e na pior das hipóteses, ser levado para o gabinete. --- Ser levado para o gabinete era como um prisioneiro que vai para a solitária. Lá teria que ouvir um sermão da diretora com ameaças de expulsão ou chamar a presença do pai. Tinha pai que já dava uns arrancos nos filhos, lá na presença da diretora.

A nossa professora era uma novata vinda da cidade de Itapecerica, irmã da Elisa Mori, mãe do Zé Arcanjo. Chamava-se Ana Zélia de Melo ---- Ela já veio tão prevenida contra nós, que ao entrar na sala, um colega, que tinha o apelido de fumeiro, fez uma gracinha e causou riso nos demais. Ela já pegou a vara de marmeleiro e soltou uma lambada nas costas do fumeiro que parece até que a vara deu um assovio. E desde então ela dava aula com a vara na mão.

Naquele tempo, era comum a formação de pequenas gangs entre os alunos. --- Os mais fortes formavam as gangs e os mais fracos apoiavam para ser protegidos. --- Eu, por exemplo, pertencia a gang do Silvio do Juca do Nico, que era briguento. --- Quem não pertencia a uma gang, corria o risco de apanhar muito se arrumasse uma encrenca. ---- 

Um dia o Silvio comprou uma briga com o Getúlio do João Machado, e ajuntou os companheiros do Getúlio e do Silvio, foi um brigão feio. Era ficar sem recreio quando alguém brigava durante o recreio. --- Mas difícil era o dia que não tinha uma briga na saída da escola às 11 horas. Lá não tinha castigo porque estava na rua. ---- Os meninos mais fracos adoravam assistir e torcer -

Certa vez eu e o Dico do Josías arrumamos uma briga durante o recreio e como nós éramos da mesma sala o castigo foi igual. Fomos condenados a ficar um mês de castigo e sem recreio. Não podíamos nem ir ao banheiro. ---- Às vezes de acordo com o bom humor da professora, éramos autorizados a ir ao banheiro depois do recreio.

As meninas usavam levar flores para colocar na jarra que ficava à mesa da professora e nas janelas. Como o aperto faz o sapo pular, eu e o Dico enchemos os vidros e a jarra da professora de urina. Quando as meninas se surpreenderam, o nosso castigo foi reajustado.

Eu que já fazia parte dos alunos manjados pelas professoras, dias antes, havia enfiado a minha pena no braço do Márcio do Dedé do Alonso, isso porque ele assentava na minha frente e ficava balançando a carteira e dava uma olhadinha de insulto para trás quando eu estava escrevendo. Aquilo me irritava. ---- Reclamar para a professora, ela vinha e cortava os dois na vara.

Meu pai foi chamado na escola por causa da gravidade do caso e da minha indisciplina. ---- Ele deixou bem recomendado para a diretora, ---- Dona Maria do Carmo Alvarenga, ----- que era para me dar o almoço e avisa-lo para que ele me desse à sobremesa em casa. ---- E a diretora repassou para todas as professoras essa ordem do meu pai. --- Nesse tempo a professora era a dona da razão. Se eu contasse em casa que apanhei da professora eu corria o risco de levar outra sova era muito grande.

E assim, num outro dia durante o recreio a Dona Zélia Eleutério, responsável naquele dia pela disciplina do recreio, aproximou-se de mim com a vara na mão e começou a me sovar as costas até a vara quebrar e ela dizendo, isso é receita do seu pai. E eu sem saber o motivo daquela coça. ---- A causa teria sido porque ela me confundiu com o Joel Pacheco --- nós éramos parecidos. -O Joel havia dado um murro no Vicentinho Vilela e eu apanhei no lugar dele. –

Além de todos esses problemas, eu sofri nesse ano sarampo, caxumba, coqueluche e levei um tombo de um pé de laranja, o que me deixou afastado muitas vezes da escola. Eram doenças contagiosas, chamadas de tempo. Não havia vacinas e a gente ficava esperando a doença chegar para ser imunizado. ---- Resultado: bomba, eu teria que repetir o ano em 1957. ----

Quando eu contei para o meu pai que havia tomado bomba e que iria repetir o terceiro ano, ele virou uma fera: ----- Não quis nem saber das doenças e nem do tombo. As duas vezes que ele teria sido chamado na escola pela diretora, deixou-me profundamente marcado por ele, como um aluno relapso e malandro. E foi claro:

”Não, não e não, agora chega”. Você não vai mais estudar. --- Eu vou arrumar um serviço para você. --- Se nem a vara de marmelo conserta você, é porque você não tem conserto. ---- E leu aquele sermão de uma Sexta feira Santa. ---- Eu comecei a chorar, mas as minhas lágrimas não o amoleceram não. ----
Minha mãe logo depois disse para mim nos meus ouvidos: “Fica quieto; você vai estudar sim, eu darei um jeito nisso”. “A hora que o seu pai acalmar eu converso com ele”. --- Minha mãe era muito habilidosa e comia o mingau pelas beiradas.

Fui matriculado e o ano de 1957, eu voltei a ser o Armando de antes, de medo do meu pai e respeito a minha mãe. --- Passei para o quarto ano com louvor. Os meus colegas aprovados na terceira série foram: Ângelo Salviano --- Antônia Aparecida Vilela --- Arnaldo Miranda Correa --- Celina Aparecida de Castro --- Dalva Moreira Martins --- Flávio Ribeiro do Nascimento --- Francisco de Castro ---- Hélio Melo da Silva --- Jadir Melo --- Jesus Alves Resende --- José Teixeira de Oliveira --- Miguel Martins de Castro Filho --- Neri Ferreira Barbosa --- Raimundo Ferreira de Oliveira ---- Ronaldo Moreira ---- Sebastião Alves Resende --- Sebastião Cândido da Costa --- Silvio Lopes de Resende --- Teresinha Luiza Alves ---- Vicente Luiz da Mata e Zélia Alves Alvarenga.

Agora chegava o ano de 1958 eu estava tranquilo. Depois da dura que meu pai me deu e a promessa que fiz à minha mãe. Eu criara vergonha na cara. Diziam que eu era inteligente, mas era malandro.
O quarto ano depois eu conto.

Armando Melo de Castro.
Candeias MG casos e Acasos.















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