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sábado, 26 de novembro de 2011

UMA DEFUMAÇÃO ESPERTA

Foto para ilustração do texto.
Tem gente que não tem o chamado “desconfiômetro”, ou seja, princípios de boas maneiras na escolha da hora de visitar alguém. ---- Um exemplo disso é visitar uma pessoa que teve um parente morto e passar dos quinze minutos protocolares que a etiqueta recomenda. ---- Ficar o tempo todo jogando a tarefa do consolo para Deus: “Deus vai lhe dar o conforto”; Deus vai lhe ajudar. De outra forma é ficar especulando a pessoa como se aquilo fosse um depoimento policial.  ---

O visitante quer saber porque o defunto morreu; como foi etc. E essas pessoas nem notam que estão sendo inoportunas. Isso para quem perdeu um ente querido é um martírio ter que ficar falando do morto, principalmente se foi de acidente. O enlutado quer mais é descansar na sua dor. Afinal ele normalmente está transpassado.  ---- Quer visitar, quer telefonar, quer se manifestar, dê um tempo. A pessoa que perdeu o ente querido não tem presa para receber o carinho dos amigos.

Estando o ser humano extremamente frágil, nesses momentos, a pessoa fica descrente, letárgica e pouco se importando para o que as pessoas estão falando. É claro que existem as exceções. A morte de alguém em uma família não é considerada uma devolução para Deus e sim uma perda e nenhum humano gosta de perder nada e principalmente uma pessoa querida. O subconsciente do enlutado cobra de Deus essa perda e a fé apenas vem a ser resgatada com o passar do tempo.

Outros fazem visitas em horários da lida caseira, das novelas e das refeições. Por mais íntima que seja a amizade, esse tipo de visita incomoda.

Eu morava em Lagoa da Prata e minha mulher teria viajado, quando eu resolvi fazer um almoço para mim e minha filha que teria um compromisso escolar. Preparei uma salada, dois bifes, batatinha para fritar e refoguei o arroz. Já ia preparar o feijão, quando a campainha tocou.

Fui atender a porta, quando me dou com um casal. Cada qual com uma Bíblia na mão. E eu já pude imaginar do que se tratava. Era, sem dúvida, um casal de Testemunhas de Jeová. Uns pastores volantes que aparecem nas casas da gente, geralmente, no horário de almoço. Contudo, como tenho o hábito de receber bem as pessoas na minha casa, fiz tudo para ser gentil, mas existem aberrações tão extraordinárias que não dá para levar.

---Pois não...

--- O senhor tem cinco minutos para nos atender?

--- Bem, eu estou preparando o almoço. Minha filha vai para a escola e o meu tempo está contado...

---Mas, serão apenas cinco minutos.

---Se for para falar de religião, em cinco minutos eu... Tudo bem, então! Sendo somente cinco minutos, eu nem vou lhes convidar para entrar.

---O senhor já leu a Bíblia?

---Já! Já li a Bíblia completamente.

---E o que achou?

---Achei, parcialmente, interessante.

.---Mas, por que parcialmente? A Bíblia é toda interessante!

---Para os senhores. Para mim não basta lê-la e sim estuda-la profundamente.

---Qual a parte que o senhor achou mais interessante?

Nesse momento eu interpelei: Olhe meus amigos, vocês disseram cinco minutos e esse tempo já passou. Não dá para discutir a Bíblia desse jeito e nesse tempo. ---- Mas os dois mensageiros de Jeová insistiram e continuaram:

---O senhor pode citar algum livro que o senhor gostou?

---Sim! Claro! Todos que fazem referência direta a Jesus Cristo, desde que na essência da palavra.

---E o Velho Testamento, o que o senhor diz?

---Muita alegoria, especialmente o Pentateuco com ênfase para a Gênese.

A essas alturas, eu não queria ser mal educado e o meu arroz deveria estar queimando. Fui lá dentro tirei a penela do fogo, voltei e abri o meu sermão:

---Vejam, meus amigos. Vocês vão me dar licença, entretanto, não dá mais! Eu estou muito ocupado. Vocês disseram que seriam apenas cinco minutos e já foram mais de quinze. Discutir a Bíblia numa situação dessas é impossível. A minha panela começou a queimar. Aliás, eu queria sugerir a vocês que fizessem esse trabalho em outro horário. Em uma hora dessas, as pessoas estão envolvidas com as refeições, não é verdade?

--- Mas, é nessas horas que a gente encontra as pessoas em casa! Olha! Já que o senhor tirou a panela do fogo, gostaríamos que nos desse mais um minutinho, afinal de contas, estamos gostando de conversar com o senhor.

Pensei cá comigo: e eu não estou gostando nada de ouvi-los seus merdas. E disse-lhes:

---Então, por favor, sejam breves, porque senão eu vou me atrapalhar.

---O senhor sabe que os dias estão contados?

---Dias? Quais dias?

---Os do juízo final.

---Olhem, meus amigos! Entrem, enquanto ou vou lá dentro.

Fui até a sala de jantar e com a minha voz bastante alterada como que de um pai de santo e comecei:

---Eu cavalo, entidade capangueiro tô.

Dei um espaço e continuei:

---Curumbeiro, nem vai dá! --- Esprito aqui falange amola eu! Fluido mau! Rabo de saia e perna de calça. Eu vai fazê mironga. Manda imbora! Não vorta, manda morada, Égun! Ajeita eu sem sussego pá amalá... Eu num aguentá! Vai fazê mironnnnnnnnnnnga...

E comecei a cantar com voz alterada:

---Vô defumá é agora! Ajucá, essa defumação abacé foi quem mandô pra levá perna de calça e rabo de saia daqui e sumi pra lá.

Tão logo sai lá fora, o casal de chatos teriam já saído pelo portão e apavorados sem se despedirem já iam embora a passos largos. Deram uma olhada para trás e me olharam como se estivessem vendo o diabo. -------Gente! Que Deus me perdoe, mas eu não dou conta dessa gente! ---- Mas foi bom eu entender um pouquinho de macumba e me fazer livre através do preconceito deles.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.






quinta-feira, 17 de novembro de 2011

COM CIÚME DO SANTO


A história católica diz que São Benedito nasceu na Itália e era Capuchinho. No mosteiro onde morava, exerceu várias funções, entre elas, a de cozinheiro.

Ele era, extremamente, preocupado com os mais pobres. Muitos o procuravam no mosteiro buscando sua ajuda, haja vista a falta de alimentação que os acometia. Muitas vezes, levado pelo seu sentimento caritativo, tomava de alimentos do convento e os escondia, entre suas vestes, a fim de levá-los para matar a fome dos necessitados.
Conta-se que, numa dessas saídas, seu Superior lhe surpreendeu, perguntando-lhe: “O que levas debaixo do seu manto, irmão Benedito?” E o santo responde, tranquilamente: “São Rosas, meu senhor”! E abrindo o manto, de fato, estavam as mais belas rosas no lugar dos alimentos, tirando a dúvida do Superior.

E, assim, aconteceu o primeiro milagre de São Benedito que ficou denominado como o milagre das rosas.

Existem duas imagens que representam São Benedito: Na primeira, ele está com o menino Jesus em seus braços e, na segunda, com flores nas mãos, como marca do seu primeiro milagre.

O santo negro, conhecido por Santo Preto, conquistou o coração dos católicos e é muito popular. Comumente, a sua imagem é vista nas cozinhas e dispensas dos brasileiros. Muitos católicos gostam de simbolizar a sua presença, oferecendo-lhe o primeiro café da manhã. Ele é o protetor dos cozinheiros e cozinheiras.

 Fé é fé. A fé pode parecer uma metáfora ou uma abstração. Bem dosada, ela serve de qualquer jeito. Desde que não pegue uma montanha em peso para removê-la ou que a sua obra não a faça morta. Mas, o pior é quando a fé se torna cega. A fé cega pertence aos que não a têm na sua essência. É a fé do egoísmo que se torna no espírito da coisa e por que não dizer que se torna em uma mercadoria que uma igreja charlatã, rouba do seu fornecedor e o transforma em freguês? 

O nome de são Benedito me faz dar uma olhadinha no retrovisor da minha vida, e ver Dona Estar, já comentada aqui neste Blog, num tempo quando fomos visinhos na Rua Coronel João Afonso na década de 50. 

Após ter levado uma vida irregular sob os olhos da sociedade, Dona Ester se casou com o Sr. João de Paiva, o pedreiro Joãozinho, como era mais conhecido. Era um homem simples, cumpridor dos seus deveres. Tinha o hábito de tirar um dia, dentro de uma temporada, para mamar umas pingas. Ninguém sabia quando seria esse dia. Era sempre uma surpresa para toda a vizinhança e até mesmo para Dona Ester que começava falando e terminava chorando, quando o via naquele estado de embriaguês.

Joãozinho era o contraste de Dona Ester. Baixinho, careca, rosto miúdo e bastante branco. Olhos azuis, dentes quebrados, narigudo, orelha de abano, parecia um coelho. Barba rala e uma voz fanhosa e baixa. No seu dia-a-dia, era mais manso do que um pardal. Tratava bem a esposa, era respeitoso com ela e lhe entregava todo o dinheiro do trabalho. Até o pedaço de fumo era ela quem comprava para ele. Mas, se tomasse umas pingas, sua figura mudava completamente. Falava alto e o fanho da sua voz sumia. A porta de sua casa se transformava num picadeiro de circo. Ofendia tanto a pobre mulher, a ponto das pessoas sentirem pena dela. Ainda bem que isso acontecia de duas a três vezes por ano.

Na normalidade do cotidiano, Joãozinho chegava a sua casa, completamente, sóbrio, tomava o seu banho, jantava e assentava-se à porta da rua fazendo o seu cigarrinho de palha, onde sempre aparecia alguém para conversar.

Toda a vez que ouço falar de São Benedito, logo vem, na minha memória, a imagem de Joãozinho na porta de sua casa falando mal, em voz alta, de sua pobre mulher que se encontrava no interior da casa. Dona Ester era devota de São Benedito. Apesar de ter a cor parda, ela era neta de escravos e, talvez, por isso, se declarava devota de quase todos os santos negros, São Benedito, São Maurício, Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, e outros. Vivia fazendo novenas e oferecendo promessas aos seus santos. Entretanto, o Santo pelo qual ela dava uma atenção maior era para São Benedito. Estava sempre exclamando: “Meu São Benedito”!!! E aquilo, na hora que o Joãozinho estivesse turbinado, seria uma afronta a sua pessoa, uma afronta moral que dava início à encrenca:

---Invém ocê de novo quesse diabo desse Santo Binidito, Muié? Eu já num te falei que num quero sabê desse nome aqui in casa? Mas, qui diabo, sô! Cadê os ôto santo preto qui ocê gosta? Purquê tem qui cê esse Binidito? Um santo quesse nome num fais milagre coisa ninhuma, sua vaca! Ocê puxa tanto o saco dele que dá até café pra ele, pois eu vô pô pinga pra ele, quero vê se ele fica tonto! Sua égua. Sua mula véia. Esse santo só fais ingrizia. Vê se arruma um santo mio pró cê ficá chamano. Quando cê berra o nome desse santo me dá vontade de te pô a mão. Vê lá se isso é nome de santo! Trem ruim. Isso é santo de figa. Se fosse um santo tão bão, num tinha dexado ocê passá fome, sua vaca! Ocê memo vive falano que passou fome. E onde qui tava esse santo negão que nunca te ajudô em nada.? Discarada! Safada das maió! Bisca ordinária! Cachorra sem dono! Quarqué cuisinha já vem: “ ai, meu São Binidito!!!” Eu sei, sua mula! Quando ocê fala o nome desse santo, ocê tá lembrando é do Jereba, aquele arriero safado, cachorro sem vergonha, isploradô de muié, freqüentadô de cabaré! Aquele trem vagabundo morreu, mais ocê continua tarada com ele. Se ocê sonha arto com ele eu te mato. Eu tô de oio no seu sono, sua mula! Agora, quem trata dô cê é eu, intão ocê é só minha e tem qui tirá esse santo da cabeça porque esse diabo desse santo é uma discurpa amarela. Sua tarada!, Vaca, mula, égua, cachorra... Eu ainda vô morrê de raiva. Sua mula! Eu tenho nojo de tudo que é Binidito. Eu vô pidi a Deus pra me mandá pus infernos pra eu incontra quesse traia desse Binidito, fazedô de arreio.
Tinha qui tê um santo quesse nome. Isso é coisa do diabo. Só pode sê!

Moral da história: Dona Ester teria sido amante de Benedito Arreieiro e o trazia vivo na sua memória e Joãzinho tirava três dias, no ano, para desabafar o seu ciúme sobre aquilo que, talvez, pudesse observar sobre o comportamento de sua mulher em relação ao seu passado.

É como dizia a Rachel de Queiroz: “Eu queria contar uma história gentil, mas, só deu miséria”.

Armando Melo de Castro
Candeiasmg casos e acasos
Candeias – Minas Gerais


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

PROCURA-SE UM "CRENTE"


A história católica diz que São Benedito nasceu na Itália e era Capuchinho. No mosteiro onde morava, exerceu várias funções, entre elas, a de cozinheiro.

Ele era, extremamente, preocupado com os mais pobres. Muitos o procuravam no mosteiro buscando sua ajuda, haja vista a falta de alimentação que os acometia. Muitas vezes, levado pelo seu sentimento caritativo, tomava de alimentos do convento e os escondia, entre suas vestes, a fim de levá-los para matar a fome dos necessitados.
Conta-se que, numa dessas saídas, seu Superior lhe surpreendeu, perguntando-lhe: “O que levas debaixo do seu manto, irmão Benedito?” E o santo responde, tranquilamente: “São Rosas, meu senhor”! E abrindo o manto, de fato, estavam as mais belas rosas no lugar dos alimentos, tirando a dúvida do Superior.

E, assim, aconteceu o primeiro milagre de São Benedito que ficou denominado como o milagre das rosas.

Existem duas imagens que representam São Benedito: Na primeira, ele está com o menino Jesus em seus braços e, na segunda, com flores nas mãos, como marca do seu primeiro milagre.

O santo negro, conhecido por Santo Preto, conquistou o coração dos católicos e é muito popular. Comumente, a sua imagem é vista nas cozinhas e dispensas dos brasileiros. Muitos católicos gostam de simbolizar a sua presença, oferecendo-lhe o primeiro café da manhã. Ele é o protetor dos cozinheiros e cozinheiras.

 Fé é fé. A fé pode parecer uma metáfora ou uma abstração. Bem dosada, ela serve de qualquer jeito. Desde que não pegue uma montanha em peso para removê-la ou que a sua obra não a faça morta. Mas, o pior é quando a fé se torna cega. A fé cega pertence aos que não a têm na sua essência. É a fé do egoísmo que se torna no espírito da coisa e por que não dizer que se torna em uma mercadoria que uma igreja charlatã, rouba do seu fornecedor e o transforma em freguês? 

O nome de são Benedito me faz dar uma olhadinha no retrovisor da minha vida, e ver Dona Estar, já comentada aqui neste Blog, num tempo quando fomos visinhos na Rua Coronel João Afonso na década de 50. 

Após ter levado uma vida irregular sob os olhos da sociedade, Dona Ester se casou com o Sr. João de Paiva, o pedreiro Joãozinho, como era mais conhecido. Era um homem simples, cumpridor dos seus deveres. Tinha o hábito de tirar um dia, dentro de uma temporada, para mamar umas pingas. Ninguém sabia quando seria esse dia. Era sempre uma surpresa para toda a vizinhança e até mesmo para Dona Ester que começava falando e terminava chorando, quando o via naquele estado de embriaguês.

Joãozinho era o contraste de Dona Ester. Baixinho, careca, rosto miúdo e bastante branco. Olhos azuis, dentes quebrados, narigudo, orelha de abano, parecia um coelho. Barba rala e uma voz fanhosa e baixa. No seu dia-a-dia, era mais manso do que um pardal. Tratava bem a esposa, era respeitoso com ela e lhe entregava todo o dinheiro do trabalho. Até o pedaço de fumo era ela quem comprava para ele. Mas, se tomasse umas pingas, sua figura mudava completamente. Falava alto e o fanho da sua voz sumia. A porta de sua casa se transformava num picadeiro de circo. Ofendia tanto a pobre mulher, a ponto das pessoas sentirem pena dela. Ainda bem que isso acontecia de duas a três vezes por ano.

Na normalidade do cotidiano, Joãozinho chegava a sua casa, completamente, sóbrio, tomava o seu banho, jantava e assentava-se à porta da rua fazendo o seu cigarrinho de palha, onde sempre aparecia alguém para conversar.

Toda a vez que ouço falar de São Benedito, logo vem, na minha memória, a imagem de Joãozinho na porta de sua casa falando mal, em voz alta, de sua pobre mulher que se encontrava no interior da casa. Dona Ester era devota de São Benedito. Apesar de ter a cor parda, ela era neta de escravos e, talvez, por isso, se declarava devota de quase todos os santos negros, São Benedito, São Maurício, Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, e outros. Vivia fazendo novenas e oferecendo promessas aos seus santos. Entretanto, o Santo pelo qual ela dava uma atenção maior era para São Benedito. Estava sempre exclamando: “Meu São Benedito”!!! E aquilo, na hora que o Joãozinho estivesse turbinado, seria uma afronta a sua pessoa, uma afronta moral que dava início à encrenca:

---Invém ocê de novo quesse diabo desse Santo Binidito, Muié? Eu já num te falei que num quero sabê desse nome aqui in casa? Mas, qui diabo, sô! Cadê os ôto santo preto qui ocê gosta? Purquê tem qui cê esse Binidito? Um santo quesse nome num fais milagre coisa ninhuma, sua vaca! Ocê puxa tanto o saco dele que dá até café pra ele, pois eu vô pô pinga pra ele, quero vê se ele fica tonto! Sua égua. Sua mula véia. Esse santo só fais ingrizia. Vê se arruma um santo mio pró cê ficá chamano. Quando cê berra o nome desse santo me dá vontade de te pô a mão. Vê lá se isso é nome de santo! Trem ruim. Isso é santo de figa. Se fosse um santo tão bão, num tinha dexado ocê passá fome, sua vaca! Ocê memo vive falano que passou fome. E onde qui tava esse santo negão que nunca te ajudô em nada.? Discarada! Safada das maió! Bisca ordinária! Cachorra sem dono! Quarqué cuisinha já vem: “ ai, meu São Binidito!!!” Eu sei, sua mula! Quando ocê fala o nome desse santo, ocê tá lembrando é do Jereba, aquele arriero safado, cachorro sem vergonha, isploradô de muié, freqüentadô de cabaré! Aquele trem vagabundo morreu, mais ocê continua tarada com ele. Se ocê sonha arto com ele eu te mato. Eu tô de oio no seu sono, sua mula! Agora, quem trata dô cê é eu, intão ocê é só minha e tem qui tirá esse santo da cabeça porque esse diabo desse santo é uma discurpa amarela. Sua tarada!, Vaca, mula, égua, cachorra... Eu ainda vô morrê de raiva. Sua mula! Eu tenho nojo de tudo que é Binidito. Eu vô pidi a Deus pra me mandá pus infernos pra eu incontra quesse traia desse Binidito, fazedô de arreio.
Tinha qui tê um santo quesse nome. Isso é coisa do diabo. Só pode sê!

Moral da história: Dona Ester teria sido amante de Benedito Arreieiro e o trazia vivo na sua memória e Joãzinho tirava três dias, no ano, para desabafar o seu ciúme sobre aquilo que, talvez, pudesse observar sobre o comportamento de sua mulher em relação ao seu passado.

É como dizia a Rachel de Queiroz: “Eu queria contar uma história gentil, mas, só deu miséria”.

Armando Melo de Castro
Candeiasmg casos e acasos
Candeias – Minas Gerais


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

NO SILÊNCIO DAS BANANEIRAS



Às vezes, eu ouço dizer que o mundo de hoje está perdido. Que a pouca vergonha está tomando conta do mundo. --- Que, a continuar desse jeito, não se sabe aonde iremos parar. Que a vida, antigamente era mais fácil de ser vivida. Que o povo era mais honesto; o mundo mais saudável e uma gente mais séria, etc, etc... Quando ouço algum comentário dessa natureza, eu chego a ficar bobo como é que ainda existem pessoas tão cegas neste mundo a ponto de não reconhecer que a obra de Deus não merece regressão.

 A meu ver, nem tudo vem piorando e sim melhorando e muito. Ora, as pessoas que vivem há mais de cinquenta anos e dizem essas baboseiras, com certeza, possuem uma visão estreita. Isso porque podemos ver, a olho nu, que o mundo de hoje é muito melhor, é mais civilizado e mais adiantado em todos os sentidos. 

Dizer que a vida, antigamente, era melhor; que o povo era mais isso ou mais aquilo é querer cobrir o corpo com a língua. É verdade que, nos dias de hoje, a droga vem prejudicando a vida, mas antes a vida era a própria droga. As pessoas andavam com roupas remendadas, quase não havia aposentadorias, trabalhava-se de sol a sol e não tinha remuneração para tanto. Morria-se com doenças terríveis como sarampo, varicela, caxumba, gripe espanhola, gripe asiática. Dar a luz a um filho era o maior risco de vida; não se falava em cesariana e o parto era uma questão de vida e morte. Um parto complicado acabava com a morte do filho ou da mãe. Isso sem falar nas doenças desconhecidas. 

Não havia um diagnóstico como nos dias atuais e, também, não havia assistência social nenhuma. A miséria ardia aos olhos dos pobres. Faltava emprego, faltavam escolas, faltava luz elétrica sem falar em segurança, telefone, televisão, rádio. A lamparina, o banho de bacia, o pilão, as roupas remendadas, ainda faziam parte do nosso dia-a-dia Enfim, vivíamos num mundo pobre. Mais do que pobre, era miserável. Um mundo de cão. Hoje, não. Hoje, não chegamos a um patamar satisfatório, todavia, melhorou muito. Antes rico era rico e pobre era pobre. À bem da verdade, antes, nem os ricos viviam a vida dos pobres de hoje. 

Há dias, estive conversando com uma senhora que me veio com esse discurso e eu fiquei só ouvindo. Dizia-se escandalizada com a vida dos dias atuais, principalmente, com a pouca vergonha das pessoas, especialmente, das mulheres. Diante do exposto, tentei lhe mostrar que estava um tanto enganada com relação ao mundo antigo e o mundo moderno. Entretanto, como dizia Jesus Cristo: “O pior cego é aquele que não quer enxergar”.

É fácil analisar: Antes as pessoas faziam as coisas às escondidas e, atualmente, fazem à vista de todo mundo. Hoje um jovem transa com a vizinha e não está nem aí pelo que dizem. Um casal se casa e, se não deu certo, já parte para outra. Eu acho que o povo de hoje é muito mais prático. Não estão preocupados com os patrulheiros do alheio. Isso é uma questão cultural. É o conflito de gerações, natural na obra da criação de Deus. Sem esse conflito a vida para e não há progresso. E ainda tem mais: Todo mundo quer ser livre, quer ter liberdade; e a sociedade vive gritando a liberdade para todos e a libertinagem está na cabeça de cada um. Conclui-se que o melhor é acostumar-se com isso e deixar de criticar o comportamento dos outros.

Em época remota, tinha o tal do compadre estar andando com a comadre e isso fervilhava a língua do povo. A “pouca vergonha” acontecia muito em família. Sogro com a nora. Cunhado com cunhada. Padrinho com a afilhada e muito mais.

Certa vez, quase saiu morte aqui em Candeias por causa de um sogro que estava passarinhando, em grande volúpia, a sua digníssima nora, distinta esposa do seu filho e grande mãe do seu neto. Sogro e nora foram encontrados flutuando na própria cama do filho que viajava e voltou de repente. Isso aí deu pano pra manga. Deu água pra barba. Deu chulé no pé da cama e, por pouco, não deu um parricídio.

O mais engraçado é que as pessoas envolvidas pensam que ninguém está vendo. Vão se acostumando de tal forma com a coisa que passam a ficar desprovidos de cuidados. Enquanto isso, os patrulheiros vão esparramando a notícia e os curiosos querem ver aquilo que, antigamente, era chamado de pouca vergonha, e, hoje, vai perdendo a conotação com esse nome. Nos dias atuais, todo mundo tem vergonha de ser vergonhoso. O negócio hoje é se mostrar. Bobo é quem entra nesses assuntos. A conclusão é que cada um viva a sua vida porque quem fala muito pode estar se assentando no próprio rabo.

Bem de frente a minha antiga morada, na Rua Coronel João Afonso, existia uma velha casa abandonada, onde hoje está a residência do José Geraldo Eustáquio. Ali, teria sido a morada de uma senhora bastante idosa e que vivia sozinha. Pessoa simplória que tratava dos ratos e das baratas a quem ela os tinha como companhias. Essa senhora se chamava Maria do Fortunato. A coitada passou os seus últimos dias de vida na miséria sobre os cuidados da vizinhança. O quintal da sua casa era cheio de árvores frutíferas e mato. Os meninos moradores da rua viviam vasculhando os pés de amora, pitanga, laranja e limão da china. Nos fundos, havia uma grande moita de bananeira e, como o acesso para seu quintal era aberto, a meninada transitava, por ali, na maior tranquilidade.

Os cachos de bananas sumiam misteriosamente. Não se via quem os colhiam porque essa subtração era feita sempre à noite. A rua era quase escura e a luz que iluminava a cidade era muito fraca. Ainda não existia aqui em Candeias a Cemig. Era a Empresa de Força e Luz Candeense, de propriedade do Sr. Celestino Bonaccorsi. Essa penumbra poderia favorecer a entrada no quintal da velha casa sem ser visto nitidamente.

Meu primo Vicente, que contava uns doze anos de idade, se destacava entre a turma que vasculhava o quintal da velha. Teria ele encontrado um cacho de bananas amoitado que, com certeza, seria retirado, posteriormente, pelo autor do corte. Nessa condição, Vicente aguardou o silêncio da noite chegar para fazer aquilo que dá ao cristão, cem anos de perdão, ou seja, roubar um ladrão. Nessa expectativa, ficou o tempo todo aguardando a hora de cumprir a sua intenção.

Tão logo se viu dentro das condições para tal, atravessou a rua, adentrou o quintal da tapera e foi direto até a moita de bananeira para subtrair o belo cacho da fruta tão apreciada. Foi quando levou um susto danado. Voltou correndo para casa e contou para o seu pai que o espírito de Dona Maria estava gemendo na moita de bananas.

 Mas, o meu tio, supondo que poderia ser algum casal clandestino, não quis ir lá comprovar de que se tratava o barulho. Contudo, foi tomado por uma grande curiosidade no que lhe fez ficar de olho no buraco da janela. Nessas alturas do campeonato, todo mundo já procurava um buraco entre as janelas da frente da casa que eram duas. Era uma grande expectativa. Quem seria? Essa era a pergunta que todos formulavam e aguardavam a resposta.

Depois de algum tempo, viram sair primeiro a mulher. Foi uma surpresa total. Aliás, foi mais um susto do que surpresa quando reconheceram a nossa vizinha. Esposa de um grande amigo nosso. Aliás, amigos de todos da rua. Uma esposa muito dedicada ao marido e à sua ninhada de filhos em número de seis. Uma mulher sem atrativos; magra, nariz vermelho, olhos avermelhados, um fio de sobrancelhas, nádegas minguadas, seios tipo maracujá no ponto, rosto miúdo, dentes amarelados. As pernas eram finas, feito cabra. Sempre se trajando com um vestido modelado num só corte de fazenda barata. Enfim, só seria desejável por algum tarado porque o perfil da adúltera não poderia proporcionar um prazer que pudesse levar o nome de sexual. Seu marido, coitado! Gordinho, barrigudinho, baixinho, fraquinho, agora “chifrudão” e um pintinho dormindo em cima dos ovos. 

Todos estavam aguardando, ansiosos, pela “cara do cara.” Quando ele aparece, olhando para baixo e para cima, sem saber que estava sendo observado da casa defronte através dos buracos das janelas. Era dom Juan ou, talvez, o Rodolph Valentino numa imagem diferente: magro, alto, negro, braços fortes e pés grandes, talvez de tamanho 44 pra cima.

Depois desse dia, o meu tio, que tinha uma língua desassossegada, contava até o tempo em que os dois ficavam na moita trocando banana por maçã, como se fossem Adão e Eva no paraíso da bananeira. Sem deixar também de comentar sobre o tamanho dos pés do Dom Juan, calculando, com isso, a dimensão do seu inhame.

Pois ai está, meus amigos, antigamente uma mulher safada era chamada de “puta de bananeira” Tem quem pensa que os vizinhos, as comadres e compadres antigos eram mais sérios; pois as bananeiras e os lençóis de seda que o diga.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos