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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A ROLA DO ESTEVÃO


Descendo a Avenida Alvino Ferreira, indo para o Alto da Igrejinha, no Bairro Jaci, encontrava-se a Chácara do Porfirio. Entre os filhos do Porfirio, havia a Benedita, portanto, Benedita do Porfirio, sua filha mais nova.

 Moça beata, balzaquiana, contando os seus trinta e cinco anos, branca, bem branca, fala mole, cabelos ondulados, dentes amontoados, fanhosa, buço compatível com bigode masculino e uma barriga tipo pera; coisa de quem não se preocupa com dietas para emagrecer. Se no mundo existem pessoas sistemáticas, eu posso garantir que nunca vi, em toda a minha vida, alguém mais ranheta.

Por ser a caçula, viu morrer a família toda. Não tinha mais os seus pais e nem irmãos e seus sobrinhos não a toleravam dado ao seu temperamento sistemático, esquisito e maníaco. ---- Não conseguia empregar-se em virtude da sua morosidade para executar qualquer tarefa. Na cidade já conhecida e muitos já sabiam da sua incondicionalidade de assumir um emprego. Vivia de “deu-em-deu”, morando de favor nas casas dos outros em troca de cama e comida pelos seus parcos serviços domésticos. 

Demorava mais de duas horas para lavar a louça após uma refeição. Levantava-se após as oito ou nove horas da manhã e não tinha pressa para nada. Quando entrava no banheiro, este se tornava seu monopólio. -------- Se por ventura, estivesse à sombra de um telhado prestes a desabar, talvez, o esperasse cair para sair correndo. Saindo para ir a algum lugar, o tempo não era o seu problema, mesmo porque, Benedita detestava relógios.

Descuidada em demasia. Copos, xícaras e pratos viviam caindo de suas mãos. Sua lentidão era, então, atribuída a tudo: trabalhar, falar, andar, comer, pensar, enfim: até para tomar um copo de água, Benedita era lenta. O tipo que para morrer de repente pediria prazo.

Era preciso ter paciência demasiada para tolerar a lentidão da moça. Portanto, não conseguia emprego, pois a sua morosidade espantava qualquer dona de casa interessada e tinha mais: Qualquer coisinha poderia ser tomada por ofensa. Era como se dizem: espinhada, desconfiada e danada para entender as coisas de forma errada.

Jamais teria tocado em um homem. Não tinha nenhuma história nesse sentido. Tudo era pecado, tudo era banal e tudo era coisa do diabo. Em determinadas horas, estava de posse de uma agulha e linha, trabalhando um pano de crochê que jamais alguém o vira terminado.

Quando estava sem onde morar, pedia alguém, pousada por alguns dias até arrumar um local para ficar. Daí, ela se acomodava e não saía deixando a família hospedeira numa situação, às vezes, difícil e constrangedora pela dificuldade de ver-se livre dela. Convidada a sair, o fazia protestando, xingando e rogando pragas àqueles que teriam lhe ajudado. Era, portanto, Benedita do Porfírio, uma pessoa muito complicada.

Certa vez, viu-se, completamente, sem alento. Teria ficado já em diversas casas em suas condições costumeiras e já não lhe estava fácil arrumar onde ficar. Toda casa na qual ficara, saiu inimiga das pessoas e falando mal.

A Vila Vicentina não lhe aceitava por ser, ainda, uma mulher jovem e que poderia cuidar do seu sustento. Todavia, no fundo, Benedita gostava mesmo era de morar de graça e não ter um compromisso efetivo com o trabalho.

Nesse momento de sua vida, procurou a nossa casa. Pediu a minha mãe pousada por apenas uma semana, quando já teria arrumado onde ficar definitivamente a partir da próxima semana. ------ Minha mãe, apesar da falta de condições de então, mas tendo em vista o curto tempo previsto e envolvida no seu espírito caritativo, concedeu-lhe abrigo, apesar de nossa casa não ter quarto de hospede e ser de pouco espaço. Reservou-lhe um canto da sala onde pudesse colocar um colchão e a alimentação naquela filosofia de pobre: “panela que come cinco, come seis”.

Entretanto, ela não saiu no tempo prometido. O lugar onde ela teria dito que arrumara era simplesmente conjectura que furou no lavrado. --- E com isso ela foi se acomodando, sem nenhuma previsão de sair, tomando a liberdade da casa, porque não levantava cedo e às vezes, chegava alguém em nossa casa e não tínhamos como receber na sala. Aquilo que seria por uma semana já acumulava três meses.

Diante disso, a situação foi se tornando insuportável. Um simples favor que não prometia tranquilidade, pois a moça não tinha ninguém por ela e sendo uma pessoa completamente despreparada para o trabalho, poderia cair sobre a minha mãe a responsabilidade sobre ela. E isso começou a causar muita preocupação. Até que minha mãe abriu o verbo: “Olha Benedita não tenho mais condições de ajudar você, portanto, você vai ter que arrumar com urgência outro lugar para ficar. A minha casa não está preparada para receber um hóspede por tanto tempo.”.

Ela respondeu mal, dizendo que tinha trabalhado em troca dos favores. Isso foi motivo de riso, porque ela num único dia que foi lavar a louça quebrou um prato e um copo. Motivo pelo qual minha mãe não a deixou por mais a mão em nada. A única coisa que ela fez durante os três meses foi bordar um pequeno forro de mesa.


Até que, enfim, ela saiu. Pegou as suas roupas e se foi. Voltando-se quinze dias depois para buscar uma peça de roupa que havia deixado esquecida.

Após chegar, com uma cara de poucos amigos, disse para a minha mãe que teria arrumado um lugar muito melhor que a nossa casa onde supunha que ninguém a dispensaria, assim, numa forma indireta de se fazer entender. Quando minha mãe, na maior das inocências, lhe diz:

---A Maria do Dondico me disse que viu você entrar na Rola do Estevão.

Ao ouvir essa frase, Benedita virou uma serpente e ninguém nunca havia lhe visto falar tão alto, parecia que havia perdido o fanho sendo clara e agressiva: Falava, abanava e, por pouco, não agrediu a minha mãe:

---"Eu não entrei na rola de ninguém não sua égua. ---Eu sou uma moça de boa família. Sou virgem e vou morrer virgem porque sou pura e honesta, sua excomungada! Eu não sou mulher de zona não cadela...”.
A sua reação mostrava, claramente, não ser ela  tão pura como dizia...

(NB) Rola era a esposa do Sr. Estevão, comerciante no ponto onde fora estabelecido o Armazém do Divino e todos a tratavam de Rola do Estevão. No entanto, ela não havia entrado na casa do Estevão e sim nas proximidades. A Maria do Dondico teria dado a informação errada.

Armando Melo de Castro
Candeias MG casos e acasos

























sábado, 24 de dezembro de 2011

UM DESENCONTRO COM O NATAL

                                                               Foto Wikipédia
Certa vez, eu fui convidado para uma ceia de natal cuja fartura, nunca vista por mim, deixou-me, deveras, encabulado na minha condição de proletário. Eu jamais teria participado de coisa igual. Compunha-se a mesa de iguarias das mais diversificadas possíveis, contendo produtos nacionais e, também, importados. Uma grande variedade de carnes, castanhas, vinhos, etc.

A família composta apenas por mãe e filho, portugueses, fizera tanta comida que daria para alimentar mais de vinte pessoas. No entanto, apenas eu e mais um fomos os convidados presentes. Isso, naturalmente, fez com que a dona da casa, no afã de mostrar os seus dotes culinários, quisesse que fosse consumido todo aquele banquete. Com isso, insistia, de forma pouco recomendável, servindo-me, constante e diretamente ao prato, fazendo com que eu me perdesse entre a fome, a vontade de comer e o sustento. No final, eu já não podia olhar mais pela mesa principesca, pois, os excessos faziam-me embrulhar o estômago, tendo em vista o meu cuidado em ser educado e não deixar restos no prato.

Foi, sem dúvida, o mais farto de todos os natais da minha vida. Contudo, foi, igualmente, e com toda certeza, o pior de todos. Daí para frente, eu passei a ver o natal de forma angustiante. O sentimento natalino que, até então, habitava o meu coração passou a não existir mais. A festa do nascimento de Jesus que outrora me trazia as alegrias do Papai Noel, deixou de habitar o meu coração. A meu ver, a união da família, nesse dia, já não tinha o mesmo sentido. Passei a perceber um ambiente, verdadeiramente, monótono, contudo, feliz e real. A legitimidade da reunião familiar retratando a candura de Maria e a humildade de José diante do nascimento do filho. Prefiro, portanto, sentir dentro de mim a imagem dos presépios me transportando ao verdadeiro mundo pelo qual o filho de Deus chegou.

Ao sair daquela festa, deparei-me com um quadro, até hoje, acomodado nos fundos dos meus olhos. Vi uma pobre mãe apanhando restos de comida num latão de lixo e dando aos seus filhos assentados na beira do passeio, enquanto aquelas crianças comiam aquela soca como se fosse o melhor manjar do mundo. Enquanto isso, meninos vizinhos riam daquela cena de cuja estupidez da vida agredia, violentamente, aqueles filhos de Deus.

Jamais, por mais que eu viva, me esquecerei de cena tão deprimente. Portanto, para mim, o natal perdeu todo o seu brilho. Nunca mais senti as emoções de uma festa natalina. Para mim, isso é um teatro cuja peça mal escrita não tem quase nada, ou nada, a ver com o menino Deus.
As pessoas se reúnem para se deliciarem com um pedaço de carne. Carne de um animal que na noite de natal aqueceu o Messias aquele que viria como Salvador, ou então, a carne do animal de porco que o Velho Testamento reputa como imunda. Reúnem-se, simplesmente, para cear quando o coração já não se encontra alimentado de amor. O amor que Cristo pregou.

Esses paradoxos fazem com que eu não acredite mais no natal e o perceba como uma festa hipócrita pela qual a diferença humana se torna gritante.



O natal é uma data convencional, sustentada pelo comércio que não comunga com nenhum princípio religioso.



Armando Melo de Castro
Candeiasmg. Casos e acasos
Candeias – Minas

Cronica relacionada: Um triste Natal:

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O ADOLESCENTE E O TOCA-DISCO.


Imagem para ilustração do texto.
 No meu tempo de adolescente, as coisas eram muito diferentes dos dias atuais. Os namoros eram para casamento. Não tinha esse negócio de “ficar”. Esse termo era próprio dos adultos na prostituição quando transavam ou dormiam juntos, comentavam: “Eu fiquei com fulana”. Hoje, quando ouço uma adolescente dizer: “Eu e fulano ficamos”. Ou nós somos “ficantes”, eu até me arrepio de ver como as coisas mudaram. 

Já não se tem tranca na língua. A pessoa fala e escreve o que bem pensa. Analisando o mundo de hoje, concluo que uma das grandes responsáveis por essa mudança é a televisão. Recentemente, no programa do Jô Soares, eu vi e ouvi em muito bom som, os participantes falarem o apelido da vagina e do pênis como se estivessem falando numa tabuleta ou num baralho. Falavam sobre o ânus como se esse fosse um jacu. 

O mundo vem se transformando a passos rápidos a nossa cultura. Antes, cada Estado da federação tinha a sua característica. Agora, vai ficando tudo por igual. Enfim, são novos tempos. O tempo não muda só de chuva para sol e nem de sol para chuva. O tempo muda de cara e é o que estamos vendo.

Hoje em dia, os namorados transam dentro de suas casas. Conheço mãe que diz achar isso natural e que é muito melhor do que imaginar a sua filha em um motel. Para mim pode parecer um absurdo já que sou avô, entretanto, para os pais de hoje, está tudo normal. A virgindade, aos olhos da maioria da gente moderna, é uma caretice. Coisa que no passado era levada muito a sério. A música de hoje só fala em sexo. O romance caiu de moda e o sexo tomou o seu lugar além de vir com especificidades: sexo anal, sexo oral, sexo explícito, espanhola, 69, troca-troca, cata cavaco, frango assado, canguru perneta; e tanta coisa mais que eu fico até vermelho diante de certos jovens. 

Enfim, fazer o quê? Essa geração que aí está é a responsável pelo mundo de seus filhos e, nessa questão, é muito difícil julgar porque a obra da criação impõe progresso, e, desde que o mundo é mundo, existe o conflito de gerações. É difícil ficar citando o que é certo e ou o que é errado. Portanto, a meu ver, o melhor é entender que a libertinagem é um vocábulo fora do dicionário moderno. Quem muda o mundo são os jovens. Nós, os velhos, temos um futuro curto. O nosso presente é vago e o passado está quase morto.

Não quero com isso dizer que no passado o povo era bento e sem erros e pecados. Não quero dizer que eu fui um santo. Mas havia o silêncio. A boca nem sempre falava o que pensava. Era gostoso pensar em segredo, imaginar uma safadeza. Um escurinho do cinema, estar na moita ou num corredor escuro. Uma mão meio abobada... Ah, como era bom o escuro! Às vezes, a gente via o sol no escuro. A vida era cheia de incógnitas. Cheia de segredinhos e fofocas. O namoro escondido... Como era bom namorar escondido. A pessoa, às vezes, estava, por tempos, sendo a causa de um comentário e não sabia de nada. O pecado existia, mas existia também o respeito e o receio. ----- Pensava que estava enganando e no fundo estava sendo alvo de crítica maliciosa. Afinal, o escondido fazia parte das nossas emoções e a descoberta era o castigo.

Atualmente, tudo se fala ---- tudo se comenta e tudo é aberto. ---- E eu fico aqui cheio de dúvida se isso é melhor ou pior.

Obviamente, que eu já fui um adolescente cheio de sonhos. Sonhos que se transformavam em desejos ocultos. ----- E isso, sem dúvida foi para mim uma ferramenta que compensava o entendimento entre o meu inconsciente com o consciente. ----- Como já disse, anteriormente, era um menino bobo, tímido ao extremo. Não era bom de conversa e nem sabia me apresentar a uma menina. Não cumprimentava alguém olhando em seus olhos. Trazia comigo a insegurança e morria de medo do ridículo. Tive que lutar muito contra isso.

Mas, cá dentro do meu mundo, eu era cheio de ideias. Pensava o que queria porque Deus teria me dado esse atributo. Não podia falar o que pensava. Entretanto, podia pensar o que falava. Assim, eu dava dicas de que era realmente um bobão. Todavia, no fundo, no fundo, eu era corajoso, safado, desavergonhado e descarado. Na verdade, eu era alguém para mim e outro para os outros. Porém, muito longe de me comparar aos jovens de hoje.

----- O cabaré era a escola onde se aprendia a beijar, a transar e até a gostar de uma mulher. Era o sonho de qualquer adolescente conhecer a zona boêmia. As mestras prostitutas se propunham a prestar um bom serviço e existiam aquelas que eram verdadeiras artistas e eu já me imaginava frequentando aquela escola fazendo a minha matrícula através de uma visita ao cabaré do Zé Bolinha ---- até que, em um dia de carnaval, recebi um convite de um amigo meu, o Zé Mori Alvarenga, ----- para dar uma chegada lá na mulherada. ----- Eu não pensei duas vezes em aceitar o convite. Ele era mais velho, já experiente e eu com uma companhia dessas estaria como se, ao meu lado, tivesse o professor que eu queria.

Zé Mori Alvarenga e eu, nesse tempo, éramos serventes de pedreiro na construção da praça central de Candeias. Teria me contado que na zona se gastava muito dinheiro e que iríamos dividir duas cervejas. Não poderia escutar a conversa das mulheres porque senão elas arrancavam o couro da gente. Zé era prevenido e deu-me a primeira aula no campo da safadeza. Iríamos ali para apreciar o movimento. Só que eu gostei da descontração do ambiente e queria mais. Assim, planejei uma nova visita ali para alguns dias depois. Agora, já sozinho.

Eu possuía um toca discos de 78 rotações (não havia LPs nesse tempo) com um pequeno amplificador de som que eu comprei, de segunda mão, de uma senhora chamada, Ana Pimenta. Paguei o aparelho com muito sacrifício juntando cruzeiro por cruzeiro. Custara a importância de $7.000 mil cruzeiros (unidade monetária antiga) comprado com dinheiro que teria juntado desde o tempo em que teria trabalhado na oficina mecânica do Zé do anjo, ganhando um salário de $1.000 cruzeiros por mês. Na época, esses aparelhos, apesar de rudimentares, eram muito caros ao contrário de hoje que são fartos e fáceis de serem adquiridos. Sete mil cruzeiros era muito dinheiro e dava para fazer mais de uma boa farra e bancar o rico por uma noite.

Diante disso, eu tive uma ideia: Vou voltar ao cabaré, mas, agora, vou com dinheiro. Vendi o meu toca discos por cinco mil cruzeiros para o filho de um vizinho fazendeiro, tal de Pedrinho. Um menino bem mais novo do que eu e meio bobo.

Fiquei com cinco mil cruzeiros no bolso e com o cabelo besuntado de Brilhantina Glostora, ----- perfume Madeira do Oriente nas orelhas, ----- leite de colônia até nas pernas e um maço de cigarros Columbia (o mais caro da época) segui para o cabaré. Empanado em uma calça marrom e um paletó preto, roupas de ver Deus sendo usadas para ver o diabo. Depois de preparar a janela para a volta mais tarde, sai...

Nunca me senti tão rico na vida. Eu parecia o dono do cabaré e causei a melhor impressão nas mulheres. O dono do prostíbulo, que só era gentil quando via dinheiro, tratou-me não como um proletário, mas sim, como um latifundiário.

A mulherada nadou e rolou no rabo-de-galo (pinga com vermute), e na cerveja (quente) --- Nesse tempo quase não havia bebida gelada ---- e no tira-gosto de mortadela (o chamado pão com salame). Tocaram-se músicas próprias do ambiente e, pela primeira vez, eu dancei. ---- Dancei com a mulherada toda. ---- Elas me ensinavam tudo. Lembro-me que passei a ser alvo de disputa entre elas. Contudo, eu escolhi uma mais bonitinha, que me ensinou a dar um beijo caprichado, pois, eu não sabia nada. -----

Senti-me como um galo no terreiro, no meio da galinhada. Eu que não tinha, ainda, o hábito de usar bebidas alcoólicas e fui acordar lá pelas tantas da madrugada, com alguém me mandando embora, pois eu estava roncando muito. ---- A cabeça parecia estar estourada, a boca com gosto de cabo de guarda-chuva e o bolso sem um vintém de sobra. Saí rua afora como o mais idiota de todos os homens.

No outro dia de manhã, o pai do comprador do aparelho aparece com ele à porta de nossa casa. Veio bravo falar com o meu pai para desmanchar o negócio, pois, seu filho lhe teria furtado o dinheiro debaixo do colchão para comprar aquela porcaria.

Naquele momento, eu curtia a primeira ressaca da minha vida. Mas, estava com a alma lavada porque já teria fornecido ao mundo grande parte da minha inocência. ---- O resto não será difícil imaginar. Deus deu um jeito... ---

Eu fui bobo, mas não fui santo. Hoje eu sou santo, mas não sou bobo. ---- O tempo se incumbiu disso. ---- À vezes penso: Acho que foi melhor ser bobo. ---  É o conflito de gerações.

Armando Melo de Castro
Candeias MG casos e acasos
CANDEIAS – MINAS GERAIS

domingo, 11 de dezembro de 2011

O MÉDICO E O PALHAÇO

Foto apenas para ilustrar o texto

Eu tinha os meus dez anos de idade e estava sempre acompanhando o meu avô João Delminda. Ora na cidade, nas visitas aos amigos, e, em outras vezes, eu o acompanhava até às escolas onde era professor. Ele foi professor durante muitos anos em escolas municipais, nas comunidades dos Cassianos e Caixeiros.

Entre os seus netos, eu sempre pude contar com uma dose de carinho muito especial quando ele me questionava sobre coisas fundamentais na vida de um homem. Seus alunos não se limitavam aos meninos da roça. Muitos da cidade estudavam com ele e o acompanhavam, diariamente, na caminhada de ida e volta da cidade até à comunidade rural onde, naturalmente, estava lecionando. Estão, entre alguns de seus alunos, o João Cassiano Filho e o seu irmão, Cassiano; Zé Vermelho e seus irmãos, dentre muitos outros que no momento me falha a memória.

Nesse tempo, apenas nos Vieiras e nos Pereiras existiam prédios próprios para as escolas rurais. Nas demais comunidades, o dono da fazenda, em que era estabelecida a escola, fornecia um cômodo que era improvisado. Naquela época, os professores, em sua maioria, eram homens e autodidatas. Além do meu avô, tinham outros como: Zé Cristiano (Filho do Padre Américo), Tote da Vitória, Josino Mestre e outros.
Eu era, portanto, um companheiro fiel. Lembro-me, certa vez, quando eu o acompanhei até ao Bairro da Lage a fim de visitar um amigo natural da cidade Ribeirão Preto/SP e que, após suas andanças mundo afora, aportou em Lavras de onde veio escrever um capítulo da sua vida aqui em Candeias.

Ambrolino saiu de sua terra, Ribeirão Preto, quando tinha vinte anos de idade e nunca mais voltou por lá. Teria sido criado num orfanato e não conhecia nenhum de seus parentes. Talvez, magoado com a sua origem, resolveu percorrer o mundo e de lá saiu acompanhando um circo de cavalinho.

Começou trabalhando como auxiliar de palco, pois, naqueles tempos, os circos tinham um palco onde eram encenadas diversas peças teatrais, tanto comédias como dramas. 

Daí, Ambrolino chegou a fazer uma experiência no trapézio quando uma queda lhe fez manco de uma perna vindo, consequentemente, a encerrar a sua carreira de artista circense como palhaço. O palhaço Chupeta. Dizia sempre que escolheu este nome porque a sua vida teria sido uma chupeta em que ele sugava e nunca saía nada. Foi um menino sem infância, depois, um jovem sem namorada porque vivia de déu em déu e nunca teria se casado. Teve um caso com uma colega de circo do qual vieram dois filhos. Infelizmente, a mulher o abandonou, sem mais e sem menos, tornando-se, assim, pai e mãe de dois garotos o que o levou a deixar o circo de lado e se aportar na cidade de Lavras, por ocasião de sua passagem por lá.
Em Lavras, trabalhou de guarda noturno onde arrumou uma companheira que muito lhe ajudou na criação dos filhos. Sendo pobre, não tinha como forma-los e a saída foi orientá-los a integrar o Oitavo Batalhão da Polícia Militar em Lavras. Com o tempo ficou sem a sua companheira que faleceu. Posteriormente, seu destino foi vir morar com um dos seus filhos que prestava serviço em Candeias, como policial.
Ambrolino era religioso, caridoso e tomou amizade com o meu avô através da Sociedade São Vicente de Paula.

Fiquei sabendo que ele teria sido palhaço em um dia, quando  conversava com o meu avô. Ele dizia:

---É, João! A vida de palhaço não é só brincadeira, não! Quantas vezes eu ri estando com vontade de chorar, rapaz. A mãe dos meus filhos me deixou em um dia em que ia cantar no circo a dupla sertaneja Zé Fortuna e Pitangueira (na época era uma das duplas mais famosas do Brasil). Nesse dia, disseram que eu estava mais engraçado do que os outros dias, mas na verdade, eu estava, o tempo todo, era com muita vontade de chorar.

Certa vez, a turma da escola levou em cena um espetáculo no cinema. Tudo que era atração da cidade foi apresentada. Lembro-me que se apresentaram o seresteiro Bigode, um barbeiro que tocava e cantava muito bem. Meu pai com o seu bandolim. Vicente do Augusto com o solo maravilhoso do seu violão e muitas outras atrações. Atrás, nos camarins, estava aquele senhor idoso, meio careca, baixo e de olhar tristonho. Observava toda a movimentação dos artistas amadores que se preparavam para entrar em cena. Uns para cantar, outros para tocar e outros para representar.

Eu, que fazia parte desse evento, conhecia aquele velho quieto em um canto. Quando alguém se aproximando dele, disse-lhe: Sr. Ambrolino, acho que já pode começar a se preparar. O senhor vai ser o último número.

E o velho, abrindo uma pequena maleta, tirou os seus preparativos de palhaço. Uma bola de tênis de mesa vermelha (o nariz), uma cabeleira amarelada, um batom vermelho, etc. e um material branco. A partir daí, começou a se transformar em um palhaço sob a curiosidade dos presentes.
É chegada a sua vez. O apresentador era um jovem por nome de Milton que deu uma ênfase ao apresentar o número:

---E, agora, senhoras e senhores! Uma grande surpresa. Vamos apresentar um artista circense que já percorreu grande parte do Brasil. Com vocês, o palhaço Chupeta, aqui presente para a nossa alegria:

Surge, por detrás da cortina verde do cinema, aquela figura transformada. Parecia que o seu sorriso ia de encontro com as orelhas. Após saudar a platéia com aquele charme de palhaço, agradeceu a oportunidade que a sociedade de Candeias estava lhe dando para subir ao palco mais uma vez em sua vida, após tantos anos sem ver uma platéia. E com a voz um pouco engasgada, anunciou o seu número que seria apresentado:

---Meus amigos de Candeias, eu vou agora tentar arrancar da minha mente preguiçosa a história de um palhaço, de autoria de Henrique Hine, em uma adaptação de Mendes de oliveira: O Tédio

Venho, doutor, fazer-lhe uma consulta!
A doença que me maltrata a mocidade e o espírito vem de uma chaga que nunca cicatriza.
Muito embora, comum a tanta gente, tanto me torna pensativo e doente que já não sei o que é paz nem alegria.
Sendo o doutor, o mais sábio clínico do mundo, sois também um filósofo notável do peito humano. Conhecedor profundo, curareis este mal inabalável que me destrói o organismo, fibra por fibra, que me enevoa e engrossa o cérebro.
Eu tenho um coração que já não vibra.
Suporto uma cabeça que não pensa.
Essa doença mortal, um mau presságio,
que me envenena, que me escurece os dias é como os beijos dado a dinheiro, numa noite de orgias.

---- O amigo tem razão. Padece, realmente!
Contudo, a infermidade, o tédio que o devora, é um produto fatal do século de agora.
Uma emoção vibrante, um abalo violento, pode curá-lo.
Creio que apenas em um momento. O tédio é uma sombria, uma fatal loucura. É a treva interior, a grande noite escura. Onde se esquece tudo: a sorte, a vida amada, o nosso próprio ser e só se lembra do nada. Diga-me: alguma vez amou? Nunca, em seu peito, vibraram as paixões ou o temporal desfeito como as vagas de um mar que se agita e encapela ao soturno rumor do vento e da tempestade?

--- Nunca, doutor, nunca!

---Pois, meu caro, procure a agitação constante, um prazer esquisito, um gozo triunfante! Visite a Grécia, o Oriente, a Terra Santa... Os lugares onde tudo hoje se evoca e decanta, as glórias de uma idade imorredoura que amesquinha e deslumbra a geração moderna.

---- Em muitas festas, doutor, passei a mocidade. Percorri viajando o mundo e a humanidade, como Judas errante! E entre as mulheres todas cujos lábios beijei em transas e bodas, em mulher nenhuma eu vi sobre a terra tamanha que para mim não fosse uma visão estranha. Como parti, voltei. Sem achar alívio para este mal que assim me trás cativo.

--- Então, frequente o circo, amigo! A figura alegre do famoso palhaço que a esta cidade inteira palmas e aclamações, constantemente, arranca! Talvez, ele lhe restitua a gargalhada franca!

---Vejo, doutor, que o meu caso é perdido. O truão de que falas, o palhaço querido que anda no circo, assim tão aplaudido, tem um riso de morte, um riso mascarado, que encobre a dor sem fim
do tédio e do cansaço.
Sou eu doutor, sou eu este Palhaço!

Alguns dias depois desta sua ultima apresentação, Ambrolino foi levado às pressas para o hospital, São Vicente, de Campo Belo. De lá para a cidade de Lavras onde veio a falecer por não resistir as consequências de uma parada cardíaca.

Onde quer que esteja, Sr. Ambrolino, receba o meu abraço e, com certeza, estará batendo um papinho aí com o meu avô.

Armando Melo de Castro
Candeias casos e acasos
CANDEIAS – MINAS GERAIS

domingo, 4 de dezembro de 2011

O SOBACO RAPADO

                                       Atríz Taís Araújo ---- Foto para ilustrar o texto.
Eu me sinto estarrecido com a violência do homem contra a mulher. Não existe, a meu ver, um ato de covardia mais humilhante. A força do homem não lhe foi concedida por Deus para atos dessa natureza e sim para defender a mulher que, na constituição da família, entra com a parte da sensibilidade tão necessária ao ser humano na sua formação. --------- Portanto, entendo que a força do homem é para proteger a mulher. ------- É verdade que existem mulheres exaltadas e agressivas que não reconhecem a inferioridade da sua força física e avançam nos homens principiando um atrito. Mas esse não é o caso da personagem da nossa história e nem justificaria hum homem levantar a mão contra uma mulher.

Eu tenho bem guardado, nas gavetas da minha memória, um fato triste que presenciei, quando criança, na residência de um casal Lourdinha e Tiãozinho, ---- Eu frequentava a sua casa que tinha um grande quintal onde eu brincava com o seu filho Jesus, mais ou menos da minha idade. Por mais que eu viva, jamais me esquecerei do drama que assisti ali naquela residência e que ficou marcado como um ferro candente no meu cérebro para o resto de minha vida.


Lourdinha, uma mulher de traços lindos, morena escura, canelas finas, corpo mediano, lindo e sedutor, capaz de atender os mais exigentes anseios masculinos, porém, faltava-lhe trato. ---- Um banho de loja e alguns cuidados, com certeza, lhe faria sósia da famosa Taís Araújo, atriz da Rede Globo de Televisão. ----- Se ao nascer lhe tivesse sido dado um endereço diferente para aportar-se neste mundo, o destino de Lourdinha poderia ter sido muito diferente.

No entanto o torrão natal que lhe foi concedido foi nos fundos de uma fazenda, sendo depois sido transferida para um canto da cidade de Candeias.  Como filha de pessoas humildes sem nenhuma perspectiva de vida. Nascera num meio pobre, o pai lavrador e a mãe doméstica. Contudo, faltou-lhe um meio favorável e sendo o homem um produto do meio, podemos reconhecer que Lourdinha foi favorecida pela natureza nas a sorte nunca lhe teve presente.

A pobreza eleva o ser humano que sabe viver com dignidade diante das dificuldades. Mas a vida sempre apresenta uma promessa de sonhos que todos esperam no seu amanhã. Mas o destino de Lourdinha não lhe prometia nada se não lhe bastassem os problemas que a vida lhe teria oferecido oriundos do berço. ---- O único sonho de Lourdinha realizado em toda a sua vida, foi ter participado das coroações da Mãe Maria no mês de Maio. Ela conseguiu ganhando de presente, já usadas, as asas e veste de anjo de uma amiga que já teria passado da idade para tal.

Aos 17 anos durante uma Festa do Rosário, se envolveu em namoro com um cidadão fora dos bons princípios morais, sem ânimo para o trabalho e o pior: cheio de tendências negativas. Era dado à bebida alcoólica e nos excessos se transformava totalmente de comportamento e personalidade. --- É de todo sabido que o álcool não sendo usado com moderação, faz efeitos diversificados e pode até chegar ao agravamento levando o ser humano a caminhos tortuosos, caminhos contrários aos bons costumes impostos pela sociedade.

Lourdinha conheceu Sebastião em uma Festa do Rosário. Dias depois com a pose de bom mocinho aproximou-se dos pais da moça para pedir autorização para o namoro. Como contava com dezesseis anos e ele já rapaz feito, com uma profissão, (Era um pedreiro de meia colher) o namoro foi autorizado tendo em vista os pais julgarem-na ter os dotes necessários pra o casamento, pois, sabia cozinhar, lavar e cozer. -------- Logo depois, se casaram com a aprovação da família que via para a filha uma reserva de futuro,

Sebastião era pedreiro do tipo meia colher. Era conhecido por Tiãozinho, mas, não tinha nada de “inho”. Era um mulatão forte, alto, cabelo bem aparado, rosto largo, dentuço, nariz tala larga e uma boca de dimensão respeitável que esguichava uma voz pastosa, principalmente, quando estava bêbado. Tipo encrenqueiro. Não se dava bem, nem mesmo, com os seus pais. Brigava por coisas ínfimas como, por exemplo, se alguém lhe tomasse o seu pedaço de frango preferido já era motivo para um falatório danado.
Chamava o pai de bobo e a mãe de ignorante, em um tempo em que os filhos beijavam as mãos dos pais. Era grosseiro e estúpido enquanto a mulher era uma figura delicada e amável.

Quase sempre, entrava em conflitos nos botequins quando exagerava nos goles e, ao chegar a casa, tinha a mão solta sobre a família, principalmente, na pobre mulher que vivia com o rosto sempre mostrando as marcas da violência do marido. Os pais, comumente, em conformidade com a história bíblica dos “Setenta vezes sete” (Mateus 18/22) não se envolviam e o pior é que não existia lei que punisse isso. Aquela velha história de que em “briga de marido e mulher não se mete a colher” era coisa efetiva. Para certas mulheres, a sua própria casa poderia ser vista como um protótipo do inferno.

O irmão caçula de Lourdinha iria casar-se na cidade de Campo Belo e a família foi toda mobilizada para a cerimônia. Tiãozinho teria descartado a sua presença, mesmo porque não teria como comprar roupas e nem arcar com um presente. Permitiu que a mulher viajasse desde que não lhe coubesse nenhuma despesa o que lhe foi bancada pelo seu irmão que tinha uma posição financeira boa.

Três dias foi o tempo de ausência de Lourdinha enquanto esteve hospedada com seus familiares na cidade de Campo Belo. Naquele afã da festa, as mulheres se arrumaram com esmero. Lourdinha foi levada a mudar o seu visual, pinçando as sobrancelhas, depilando as axilas, buço, etc. Isso, com certeza, teria mexido, talvez, com a única gota de vaidade que lhe restava.

O filho mais velho do casal não teria ido. Permanecera com o pai. Eu e ele éramos amigos e sempre nos juntávamos para brincar de bolinha de gude e rodar pião no quintal de sua casa que ficava nas proximidades da venda do Antônio do Orcilino, hoje mercearia do Rogério, na Rua Coronel João Afonso, com Rua José Furtado.

Lembro-me como se fosse hoje. Eu estava presente, quando chegou Lourdinha, toda feliz, com um visual mais cuidado, ainda dentro do vestido da festa, presente de sua mãe. O cabelo teria ganhado um banho de óleo e o rosto retocado. Trazia no colo a filha caçula e um embrulho com alguns doces, bombons, pedaços de bolos, ou seja, um pouco da festa para agradar o marido e o filho.

Ela não sabia o que lhe esperava:
Logo depois, ainda naquele calor da chegada, quando Lourdinha dava a mim e ao seu filho as delícias da festa, Tiãozinho vem chegando. Não teria ido trabalhar e já estava embriagado. Quando bateu os olhos empapuçados sobre a mulher e a vê com um novo visual começou com os ataques verbais que logo passariam aos ataques físicos:
Tomou-lhe das mãos o embrulho dos doces da festa e o atirou longe. E aos gritos dizia:

--- Vagabunda! Que negócio é esse de subaco rapado. E esses ôio pelado? Onde qui ocê tirô isso? Até a boca tá rapada. Que mais que ocê rapô? O que ocê andô fazeno nesse inferno de casamento? Deve tá tudo rapado sua “puta”, sem vergonha. Ocê tá mais é pareceno uma vaca do Zé Bolinha. (Zé Bolina era o dono da zona do meretrício). Muié, igual ocê, pricisa é morre! Sua ordinária. Trem ruim. Ocê juntô com a cachorrada da sua famía pra vortá desse jeito igual uma vagabunda de zona. Eu vô te mostrá sua safada, ispera aí.

Pegou a pobre mulher às tapas e lhe tomou pela nuca arrastando-lhe até a uma caixa d’água próxima à porta da cozinha e lhe mergulhou a cabeça causando-lhe um estado de desespero tão grande difícil até mesmo de descrever. Lourdinha estava ali, às portas da morte. Daí o canalha soltou a pobre mulher que se foi ao chão, cujo vestido novo se misturou com a lama da beira da caixa.

O rosto refletia a presença da morte. Eu e seu filho, Jésus, (chorando) com os olhos arregalados, assustados, impotentes, intimamente desesperados, assistimos àquele quadro de terror, quando aquele homem que mais parecia um animal irracional tomou-se da mulher e a depositou numa cama saindo em seguida para a rua.

 Diante disso, eu e o seu filho saímos desesperados até a venda do Antônio do Orcilino e pedimos socorro o que fez logo com que a casa se enchesse de gente.

 A partir desse dia, algo muito sério aconteceu com Lourdinha. Talvez, uma forte lesão cerebral. Ela nunca mais foi a mesma. Ficava o tempo todo olhando em uma só direção. Não ria, não chorava, tornou-se uma criatura vegetativa. Não dava notícia de nada e não falava coisa com coisa. Os filhos que outrora andavam limpos e saudáveis já não mostravam esse quadro. Tiãozinho vivia bêbado. Saía cedo e voltava à noite. Não fosse a família de Lourdinha, esta e os seus filhos teriam morrido de fome.

Após algum tempo, mudaram-se para a cidade de Formiga e eu, nunca mais, tive notícia dessa família. Até que um dia, muitos anos depois, no Bar do Vicentinho Vilela, alguém se aproximou de mim e perguntou:

---Disseram-me que você é o Armando?
---Sim, pois não...
---Eu sou o Jésus da Lourdinha. Talvez, você não se lembre de mais de mim. Moro em Belo Horizonte e sou motorista de táxi.
---Claro que me lembro de Jésus! Como iria me esquecer de você, meu amigo!

Após um abraço emocionante, perguntei:

---E sua mãe? Como está?
---Minha mãe morreu muito nova, logo após nossa mudança daqui. Ela nunca mais se entendeu como gente!

Naquele momento, caíram duas lágrimas que se encontravam guardadas nos fundos dos meus olhos, há muitos anos! Não tive coragem de perguntar pelo seu pai e, felizmente, ele não me disse nada a respeito dele.

Eu gostaria tanto de não ter esta história para contar! Ela me transporta ao inferno das mulheres violentadas por demônios que pensam que são homens.
É triste! É muito triste!...

Armando Melo de Castro
Candeiasmg.Casos e Acasos
Candeias -MG