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domingo, 16 de agosto de 2020

NO VERDOR DOS MEUS ANOS.

 

Hoje quando vejo o mundo em que vivo, abro o baú das minhas lembranças e fico a recordar como era a vida em Candeias no meu tempo de criança. Comumente havia à porta das casas um banco, onde os vizinhos se assentavam para conversar e trocar ideias. As mulheres já desocupadas de seus afazeres tinham como prioridade os assuntos sobre os maridos, os filhos e a comida.

Não existia a televisão e os rádios eram raros. Uma notícia não corria e nem voava tanto quanto hoje. O jornal impresso demorava uma semana para chegar a Candeias. O jornal que antecedia o filme no cinema mostrava apenas o Presidente da República inaugurando obras. A notícia mais rápida era a do Repórter Esso. Esta vinha através do rádio, mas poucos rádios existiam. Um rádio custava muito caro. Quem ouvia uma notícia do Repórter Esso, saia repassando. Uma pessoa quando falava muito ou dava muitas notícias, era sempre apelidada de Repórter Esso. ---

Aos domingos os namorados tinham poucas opções. Durante o dia seria ver o trem passar na estação, quando a Maria Fumaça descia fumegando. Ou então aos campos de futebol. O futebol nesse tempo era bastante animado, ou então o piquenique na serra do Mingote. A noite ir ao cinema ou fazer a chamada avenida, um vai e vem das moças de braços dados defronte ao cinema. -- Anos depois surgiu o Horto Florestal, onde era um ponto turístico da juventude.

As pessoas usavam visitar os amigos e quando recebiam os visitantes eram-lhes servido café e quitanda; geralmente feitas em casa ou compradas diretamente das quitandeiras. ---- Ali os maridos conversavam na sala e as mulheres na

cozinha. Os filhos se juntavam aos outros filhos, mas quando o casal visitado não tinha filhos, os seus deveriam ficar assentados e quietos. Se fizesse algo errado o acerto de contas era quando chegasse a casa. As visitas eram um hábito normal. Pagar as visitas era um gesto educado. ---

As multidões concentravam-se nas festas de igrejas. O único lugar para se estrear uma roupa era na igreja ou no cinema. --- Alias ninguém ousava usar uma roupa antes de ir à primeira vez com ela a uma missa. Não existia essa coisa de moda. A grande parte das mulheres era vista com a mesma roupa várias vezes. A barra de seus vestidos era no meio da canela. Os homens tinham o chamado terno de ver Deus. A grande parte deles colocava terno e gravata para ir à missa. E o trabalhador era visto com as roupas remendadas.

As pessoas na maioria tinham duas ou três peças de roupas. Uma reservada para ir à missa e as outras duas para ficar em casa. Os homens tinham como hábito e entretenimento o jogo de baralho e  visporas em certos pontos entre os amigos. --- Normalmente onde a esposa fazia um tira-gosto e vendia aos jogadores, ali uma porção de pastel e uma garrafa de pinga, o que acabava sendo uma renda complementar para aquele casal. Nos locais onde o jogo varava as noites, havia por ali uma galinhada; um caldo de feijão e outras coisas mais. ---

Poucas eram as noticias de políticas. Quando se falava em Juscelino Kubitscheck a impressão que se tinha era que ele estava do outro lado da terra. A imagem do presidente só era vista no jornal que antecedia o filme no cinema. Esses jornais chegavam à Candeias, às vezes, depois de ter passado mais de um mês. O jornal impresso tinha poucos

assinantes. Eles Chegavam ao destino através dos correios, uma semana após a data da sua emissão. Telefone não tinha. Para dar um telefonema para São Paulo, seria necessário ir até Campo Belo. A viagem para Campo Belo se não fosse num carro próprio teria que ir e dormir, o trem e a jardineira transitavam quase nos mesmos horários. As pensões que existiam próximas da Estação ferroviária de Campo Belo eram bem familiarizadas com o povo de Candeias.

---- Hoje do alto do mundo onde vivo, eu vejo longe o mundo no qual nasci. As minhas Candeias. Era pobre, mas era um mundo danado de bom. Era o mundo da canjiquinha de arroz com couve rasgada; A canja de arroz três quartos; o tutu de feijão com macarrão Pieroni; a fava verde com angu... Aquele almeirão bem amargo... A farofa de ovo caipira com jiló; e a capa de costela? “Ai que trem mais bão”... Linguiça caseira... E aquele torresminho que não vejo mais... O sarapatel. O frango cabidela O biscoito de polvilho frito e o pão de queijo assado no forninho do fogão. O bolo de fubá na caçarola comido acompanhado daquele leite gordo trazido pelo leiteiro do velho João Cassiano. As verduras dos quintais e do velho Zé Morais descendo a rua e gritando “Arface”...

E eu vou só pensando, só desembrulhando as lembranças e sentindo até o gosto daquelas comidas. Eu não se é o meu paladar com o meu olfato que já não combinam mais tanto quanto antes, ou são as comidas de hoje que já não têm aquele mesmo sabor. Engraçado! Aquela vida era difícil e como era!!! Mas era bom parece que o povo não reclamava, ou eu não me lembro de ver o povo reclamar... Engraçado não é? A vida parece uma peça de teatro sem autor e sem precisão de ensaios...

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

 

 

 

 

 

 


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