Depois de ouvir dizer que Rui Barbosa teria dito ter
muito, ainda, para aprender da língua portuguesa, entendo que ninguém tem
convicção de, realmente, entende-la perfeitamente.
Lembro-me do meu colega de curso primário; o
inteligente colega de seresta; meu professor de inglês, matéria a qual eu não
aprendi nada; apenas algumas palavras porque não tive vocação; o meu grande amigo,
Flávio Ribeiro do Nascimento, levado por Deus ainda jovem, quando Flávio sempre
dizia: prefiro lecionar inglês a português. Inglês é fácil, português é
difícil. E aquela observação me fazia confuso.
Lembro-me, também, de outro amigo, o Zé Quirino, um candeense, superdotado intelectual, que aprendia línguas ouvindo rádio em ondas curtas nas altas madrugadas. Ele também disse: a língua portuguesa é muito difícil. É mais fácil aprender inglês sem mestre...
O Dr. Fernando Sousa Lima, o
primeiro diretor do Ginásio de Candeias e promotor da comarca, também teria
dito: os grandes gramáticos vivem discutindo teses sobre a língua portuguesa.
Ela é muito difícil.
Mas, tanto o meu amigo Flávio, como
o Dr. Fernando e o intelectual candeense, Zé Quirino, não pensavam como o meu
amigo Wanderley Alvarenga, o conhecido Ley Careta.
O amigo Ley Careta não via tanta
dificuldade na língua portuguesa. Muito pelo contrário: ele a achava fácil e
explicava:
Eu sou um discípulo do Chacrinha:
“Se eu posso complicar para que simplificar”? O que me interessa esse negócio
de verbo, substantivo e sujeito? E eu lá quero saber quem é o sujeito? Eu faço
o meu português do meu jeito e com sujeito; com substantivo; com verbo etc.
Igual todo mundo, só que eu invento a minha formula e todo mundo gosta e
entende. Eu faço poesias; faço discurso; faço cartas e modéstia à parte, todo
mundo diz que eu falo muito bem. Por exemplo: Águia de Aia? A poesia que eu
gosto de declamar! Quem era o sujeito? Era o Rui Barbosa. – Uma comida
substanciosa; substantivo – Jesus de Nazaré? Verbo encarnado. E ai vai...”.
Diante de tais explicações, muitos como eu, ignorantes no verdor da idade, admiravam o meu amigo Ley Careta dez anos mais velho, com a sua sabedoria e a sua forma de interpretar as coisas. Dai refletia o rifão: “Na terra de cego quem tem um olho é rei”. Ou se for cego também, dá para se entender.
Aos 17 anos de idade, eu fui
cobrador de jardineira. Para quem não sabe, jardineira era aquele ônibus
antigo. Tratava-se de veículo com lotação de apenas vinte e quatro passageiros.
Não tinha nenhum tipo de conforto e o porta-malas ficava sobre o teto do
veículo. Uma pequena escada na traseira por onde o cobrador havia de subir com
a mala que quando pesada era um castigo. A empresa não tinha nem nome e o
proprietário era o Zé do Ângelo Afonso. Portanto, todos diziam a jardineira do
Zé do Anjo.
A linha era de Candeias x Oliveira e em Oliveira havia uma baldeação para um ônibus mais confortável da Empresa Pinheiro Ltda. Este era o caminho para quem ia à Belo Horizonte. Aquela estradinha de terra, passando pela fazenda do João Pinto, Retiro, São Francisco e Oliveira.
Trazíamos sempre um cacho de
bananas verdes no carro para tapar os buracos do radiador e uma lata para
enchê-lo de água em todos os córregos que ficavam no itinerário.
O motorista era o Jésus Teixeira.
E a viagem era um sinônimo de pobreza em meio à poeira, atoleiros, frangos,
ovos, verduras e de quando em vez pintava para viajar um leitão, esse já morto,
normalmente colocado num cesto. Grande parte da bagagem ia à meio aos
passageiros.
Como não havia rodoviária, o
ponto de partida e de chegada da jardineira ficava à porta do Bar do Raimundo
do Antero, ao lado do antigo Posto de Saúde, nas imediações do Foto Freire.
Numa dessas viagens, aparece como passageiro o meu amigo Ley Careta. Estava indo para Brasília onde buscaria em novos horizontes dias melhores.
Brasília, recém-fundada e como
capital do país oferecia condição de trabalho satisfatória. Portanto, prometia
ao meu amigo Ley um futuro cheio de esperanças. O amigo empanado no seu terno
branco, de linho, gravatinha, agora, preta de bolinhas brancas com um lencinho
no bolso superior do paletó, combinando com a gravata. Sapatos, cinto marrom e
meias-pretas em total combinação. Estava uma “gracinha” como diria a Hebe
Camargo. Parecia estar indo a “Hollyood” para as filmagens do seu próximo
filme.
Sentado na poltrona de número 2
quando a jardineira passava pelo campo do Clube Atlético Candeense, antiga rota
da estrada que ligava Candeias a Campo Belo e Oliveira, o amigo solta aquele
suspiro e diz: “Adeus Candeias! Não sei quando a verei novamente”.
Foi um momento triste. Os olhos
do meu amigo lacrimejavam e eu tentei lhe consolar. E na conversa disse-me que
havia escrito uma carta muito bem escrita para o Vice-Presidente da República,
então João Goulart, a qual teria sido respondida. Com a sua memória prodigiosa
contou-me o teor da carta nos seus mínimos detalhes:
“Excelentíssimo, e prezadíssimo Dr. Jango: ”Sirvo-me da presente carta para pedir ao amigo de partido, PTB, um emprego. Sou eleitor do famoso Dr. Zoroastro Marques da Silva, (Dr. Zoroastro era do PSD e fazia coligação com o PTB) colega de faculdade do Dr. Juscelino e nosso chefe maior. Foi ele quem me autorizou a escrever ao nobre Vice Presidente esta modesta carta. Devo deixar claro que não faço exigências. Qualquer emprego me serve. Sou um rapaz pobre e quero começar por baixo. Dou preferência para faxineiro do Palácio, mas na impossibilidade, qualquer outra coisa serve para mim. Se for atendido, ficarei imensamente feliz e poderei fazer muito por nosso partido aqui, em minha querida Candeias. Espero uma resposta positiva e já de antemão agradeço, com recomendações do Dr. Zoroastro Marques da Silva. Assinado: Wanderley Alvarenga.
Tendo decorrido alguns dias, o meu amigo teria recebido da Vice Presidência da Republica um cartão com a assinatura de um assessor: “O Vice Presidente acolheu o seu pedido o qual será designado para local não especificado”. Esse cartão foi visto por boa parte da nação candeense. E ao ser mostrado ao Sr Álvaro Teixeira, dono do cartório, ele deu aquela sua risadinha matreira dos Teixeiras e disse: “Vai ser bobo Ley, isso ai eles mandam até para os cachorros...”. Mas o Ley não acreditou no que ouviu do experiente Álvaro Teixeira e teria dito: “O Vico está com inveja porque ele é da UDN”.
Este era o motivo da viagem do
meu amigo Ley. Indo cheio de esperanças, alegre e feliz da vida como se tivesse
ganhado o primeiro premio da loteria federal. Ia feliz em busca do emprego tão
sonhado. Iria tentar falar com o “Jango” parecia até serem íntimos...
Foi-se embora o meu amigo Wanderley... Foi! Mas pouco tempo depois estava de volta. Voltou muito mais rápido do que se esperava. Voltou desiludido após ter gasto um dinheiro que teria arrumado emprestado para a viagem. O terno branco pedindo um tintureiro; amassado, enxovalhado. Seu rosto mostrando um semblante com as marcas do cansaço e da desesperança. Infelizmente a experiência do Sr. Vico Teixeira falou mais alto:
"Isso ai Ley, eles mandam até para os cachorros". E o Ley agora dizia: Bem que o Vico falou...
Meu
amigo Ley, onde quer que esteja, receba o meu abraço.
Armando Melo de Castro
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