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quinta-feira, 11 de junho de 2020

DOCES LEMBRANÇAS.

 
Defronto-me com um calendário de parede, ou seja, um prospecto comercial da Pharma Vita, a drogaria situada na Rua Coronel João Afonso Lamounier, 481A. ------ Diante disso, dou uma olhadinha no retrovisor da minha vida e bem lá do início desta estrada vejo a Rua Coronel João Afonso, antiga rua da ponte, da década de 40 de quando eu nasci em 1946.

Minha chegada ao mundo se deu bem ali no número 306, onde hoje reside o Sr. Milton Alves. ----- Meu Deus! Que saudade! Em cada número desta rua eu teria algo para contar, mas recordarei aqui apenas os números 481, que entendo ser a antiga casa de Dona Filomena Barros e 481A, onde residia sua filha Quinha, numa pequena casa edificada por detrás de um muro alto, com um portão de entrada, cuja área, creio, era o quintal de Dona Filomena.  

Não tenho certeza de quantos filhos Dona Filomena Barros tinha, mas lembro-me perfeitamente de quatro mulheres: Guiomar, Muca, Sota e Quinha. ----Guiomar era casada com Sílvio Barbeiro e residia no Rio de Janeiro. ---- Sota era casada com Majó --- Muca era minha madrinha e era solteirona------- Quinha era casada com Dedé do Alonso e tinham quatro filhos meus contemporâneos: Toinzinho, Márcio, Armando e Rosângela. Aliás, eu imagino que o meu nome tenha sido inspirado através do meu xará Armando, grande amigo meu.

Percorrendo os labirintos da minha memória, vejo madrinha Muca moribunda numa cama pouco antes de morrer numa visita em que lhe pedi a bênção. É a única lembrança que tenho dessa minha madrinha, falecida quando me encontrava ainda no verdor dos anos. 

Dona Quinha, cozinhando num fogão de lenha toldado de fumaça, enquanto o Xará aguardava uma trempe para fazer a goma de polvilho a fim de colar o papagaio que estávamos fazendo ali no terreiro. Os filhos de Dona Quinha faziam o melhor papagaio (Pipa) chupão, ou seja, aqueles que não utilizavam rabo e que empinavam com facilidade. E toda a meninada queria aprender com eles.

Dona Filomena e suas filhas estão juntas nos céus, inclusive alguns netos. Eu tenho saudade de passar na porta de Dona Filomena e vê-la tecendo alguma coisa e observando os passantes, por cima dos óculos. Esteja com Deus Dona Filomena, juntamente com as suas filhas e netos. Onde quer que estejam, receba o meu abraço saudoso e em especial à minha madrinha Muca e ao meu amigo Armando.

Entre a porta da casa de Dona Filomena e a garagem do Sr. Raimundo Bernardino de Sena, (O Raimundo do Mariano) então prefeito da cidade, havia uma árvore. E por ocasião do mandato do Sr. Raimundo, essa árvore localizada no limite da rua, foi podada, transportada e transplantada para alguns metros defronte a então residência do Sr. Emídio Alves, hoje o Velório da Funerária N.S. das Candeias.

Esta transplantação de uma árvore adulta – lembra-me bem - causou um grande boato entre os curiosos que chegavam a dizer que o prefeito não estaria bom da cabeça. Mesmo porque, foi ele mesmo quem dirigiu a ação, afirmando que em breve a árvore estaria brotada. E para vexame da maioria, a árvore lá está até hoje depois de mais de cinquenta anos.

Quando busco nas minhas memórias um dia de aperto... Um dia de susto... Um dia que a viagem da minha vida poderia ter sido interrompida, eu me lembro do dia 1º de janeiro de 1958 quando eu estava prestes a completar doze anos de vida. Bem de frente de onde está situado o número 481 A, havia então, uma caixa de registro da rede de fornecimento de água da Prefeitura. Nesta época eram comuns essas pequenas caixas com registros, a fim de equilibrar o fornecimento. Cada rua tinha o seu registro e um determinado tempo para provisão. A rua não tinha calçamento e nem passeios, portanto andávamos pelo meio da rua. Eu gostava de passar por aquela caixa e dar um pulo sobre a sua tampa num gesto de menino travesso.

Eram sete horas da noite e eu voltava para a minha casa após ter assistido a bênção do santíssimo, celebrada aos domingos pelo Padre Joaquim. Naquele tempo não havia missas vespertinas. - Ao sair da Igreja Matriz, deu-se início a uma grande tempestade. E ao descer a Rua Coronel João Afonso, eu não fiz como de costume, caminhar pelo meio da rua, fui um trilho ao lado do muro.  Bem no rumo da referida caixa, a dez metros de mim, caiu um raio deixando-me em total desespero diante daquele cheiro forte de pólvora queimada...

Cheguei a minha casa totalmente atordoado, causando grande susto aos meus pais. No outro dia verificava-se que o raio havia arrancado a caixa de cimento de sua instalação deixando-a com a parte inferior virada para cima. Aos 74 anos de idade toda vez em que vejo uma tempestade busco nas minhas convicções o fato de que ninguém morre fora de sua hora...

Mas, voltando ao prospecto da PHARMA VITA, penso aqui agora: Eu nunca imaginei que na minha rua fosse ter, um dia, uma farmácia... Teria sido muita falta de humildade pensar uma coisa dessas naquele tempo... Portanto, isso me faz sentir feliz... Parabéns farmacêutica, Srta. Maria Amélia fundadora da Pharma Vita, por ter escolhido a minha rua, que já não é tão minha, para fincar o seu estabelecimento promotor de saúde... Ai nesse ponto, da minha tão querida Candeias, no alvorecer da minha vida, eu vi cair um raio próximo de mim, mas também, vi subir uma pipa diante dos meus olhos brilhantes... Vi uma árvore adulta renascer cheia de viço... E vi a morte levando a minha madrinha... Só não vi a tristeza porque eu não a conhecia e o meu coração era só a alegria de um novato da vida.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

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