Uma das piores experiências que consegui adquirir em minha vida foi a de lidar com os maus pagadores. – A primeira cobrança que eu fiz na vida eu tinha oito anos. Isso aconteceu quando minha tia Elisa, esposa de meu tio João Delminda, escreveu um bilhete e pediu que eu fosse levar à casa de uma sua freguesa de sabão preto (sabão de cinzas) --- Eu não teria que falar nada; era entregar o bilhete e ficar aguardando a resposta.
Essa mulher devia à minha tia, dez bolas de
sabão, há mais de seis meses e não teria pagado e nem dado satisfação. ---- Ao
entregar o bilhete a mulher que morava no final da Rua do Cemitério São
Francisco, depois de fazer um discurso de má pagadora, ameaçou até de bater em
mim se eu voltasse lá com o mesmo propósito. ---
A segunda cobrança que fiz
foi quando meu pai me mandou cobrar um cidadão que morava na Rua Alvino
Ferreira. Era um dinheiro que lhe havia emprestado há mais de um ano e nem
satisfação o mau pagador teria dado. --- Ao pedir o dinheiro teria dito que
seria pelo prazo de uma semana e era para levar a sua mãe a Campo Belo a fim de
se curar da saúde que corria sério risco de vida. Meu pai não tinha o dinheiro
disponível, mas apiedou-se da situação do elemento e pediu o dinheiro
emprestado ao Geraldo do Orcilino e o repassou para ele. --- Geraldo que era
agiota e compadre do meu pai, disse-lhe: “É compadre, esse dinheiro você vai
perder”. E não deu outra. O coração do
meu pai, às vezes, era maior que ele.
Já na minha adolescência
como funcionário do Clube Recreativo Candeense, fui cobrador das mensalidades e
das bebidas servidas no Bar. --- Tinha sócio que quando me via se escondia e outros diziam que naquele momento não tinham dinheiro; outros falavam que a
conta estava errada, que não devia aquilo tudo. Outros diziam que depois ia lá.
Mas nunca iam. Enfim as desculpas eram esfarrapadas, amarelas e sem sentido.
Depois disso eu fui ser
cobrador da Casa Celestino Bonaccorsi. Não se tratava de uma casa muito severa
na qualificação cadastral dos fregueses. Era muita gente que devia àquela casa
de comercio. --- O serviço teria sido oferecido a mim pelo Sr. Pedro Nardi,
gerente da casa, à base de 10% de comissão. Ao ver essas contas eu pensei:
fiquei rico, posso comprar uma bicicleta nova, roupas novas; vou ganhar um
dinheiro bom nesse trabalho. --- Foi ai que eu pude sentir o quanto de maus pagadores existiam em Candeias.
Nos quatro cantos da cidade
havia gente que devia para a Casa Celestino Bonaccorsi. E foi ai que eu
realmente vi o quão descarado é um devedor que espera ser cobrado para pagar
uma conta. ------ 90% tinha uma desculpa, das mais esfarrapadas possíveis.
Poucos eram aqueles que confessavam a dívida, e lamentavam a falta de condições
para o pagamento.
Das 50 contas iniciais que me foram dadas para
iniciar o trabalho eu visitei todos e recebi apenas uma, que seria o preço de
um chapéu. Andei pelas roças encontrei-me com três devedores que simplesmente
disseram que tinha dinheiro para receber da Casa Bonaccorsi sobre um saldo da
venda de café. Bonaccorsi comprava produtos dos roceiros. Isso deveria ser verdade.
A outra experiência que eu tive
foi depois como bancário. O que mais me despertou a minha atenção é que o mau
pagador é formado na mesma escola. As desculpas são as mesmas. --- Todo aquele
que leva um prejuízo de um mal pagador não se esquece da finta. O nome de um
mau pagador anda -- roda e voa. Além disso, fica marcado como um ferro candente
que marca o símbolo do proprietário de um boi. Nem assim, o cara cria vergonha na cara.
Existem aqueles que atrasam por
um problema qualquer, mas esse procura o seu credor, negocia, pede prorrogação.
Enfim, não foge da dívida, naturalmente não pode ser considerado mau pagador.
E, às vezes, diante de um comportamento desses, seu credito fica até mais
reforçado.
Mas voltando às cobranças da
Casa Celestino Bonaccorsi, entre as 50 contas que peguei para começar o
trabalho, havia um muito grande. A comissão de 10% iria trazer uma grande
alegria para os meus bolsos, numa época de vacas magras. O dinheiro que eu via
era, catado aqui e acolá.
A primeira vez que busquei
encontrar o devedor ele me recebeu satisfeito, com aquela sua boca sem dentes, deu
aquele sorriso triste e pobre, mas muito feliz. Tratou-me muito bem, dizia que
estava doido para pagar aquela conta, que estava só esperando receber um dinheiro de um serviço que teria feito para alguém e que pagaria logo. --- Passaram, mais
alguns dias eu voltei lá e lhe pedi para fazer uma previsão de quando ele iria
pagar aquela conta. ---- O valor da conta e os 10% me incitavam. ----
Ele dissera-me que
não teria previsão, mas que iria passar lá na loja, dar um tanto de dinheiro e
pedir um prazo de 30 dias para pagar o resto. Passou uma semana, voltei lá e ele disse que
não teria tido tempo de ir lá. Eu o vira passar na porta da loja no dia
anterior na sua bicicleta. Ele estava sempre numa bicicleta. Grande freguês do
Sebastião do Leonides. E eu o perseguia. No outro dia voltei ao seu ambiente de
trabalho e a conversa fiada era a mesma.
Tomei uma decisão: Vou ficar
várias horas por dia parado aqui no portão do seu local de trabalho que ficava
ao lado de sua residência. Vou incomoda-lo. E assim fiz: Cheguei a chamar a
atenção de alguns vizinhos ficando estacado lá perto do portão. ---- Mas o
cidadão era forte, invencível, eu lhe daria o título do pior pagador do Brasil
--- No primeiro dia ele fingindo ignorar o motivo pelo qual eu estava ali,
chegou bateu um papinho, depois antes de voltar ao seu trabalho disse que
estava para ir até a loja resolver o seu problema.
No outro dia
ele foi até a mim, mas já não tocou na história da dívida e me ofereceu café
com biscoito frito. – Perguntou pelo meu pai, falou que teria ido pescar e perguntou se eu bebia pinga pois teria uma boa do João Marques.
-- E no terceiro dia, eu já
desanimado, ele veio e me ofereceu uma penca de banana roxa, colhida no seu quintal
e ainda disse, é pouca gente que tem dessa banana. ---- Naquele momento eu tive vontade de manda-lo
enfiar aquelas bananas “naquele lugar”, Sai dali escaldado. Fui direto a Casa
Bonaccorsi e devolvi a pasta com as contas. Para mim ele merecia ter ganhado
enquanto vivo, o titulo de o pior pagador de Candeias.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.
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