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terça-feira, 6 de junho de 2023

UMA VIAGEM VIRTUAL A CANDEIAS.


  Dando uma vasculhada nas gavetas do armário de minha memória, encontro-me lá nas minhas Candeias --- no meu rincão querido --- visitando a casa onde nasci em 1946 e vivi até o final da década de 50. --- Aí então, encontro-me com o tempo em que eu era muito feliz, mas ainda não conhecia a felicidade.

E nesse passeio virtual eu vi à porta de nossa casa um carro de bois dos Honório descarregando a lenha que meu pai havia comprado. Nesse tempo não existia ainda, fogões a gás tudo era na base da lenha. A lenha tinha quatro tipos de fornecedores. Os que vendiam em caminhões, vendiam por metro cúbico. Era um metro, dois metros ou meio metro. Entregavam quando vendiam uma carga para ser distribuída. Às vezes demoravam a entregar e isso era meio complicado. --- Tinha os roceiros que vendiam uma carga de um carro de bois. Os carroceiros que vendiam uma carroçada e as lenheiras que vendiam os feixes. Quando a lenha era despejada a porta da rua, a tarefa de guardá-la era minha. E quando chegava, às vezes, já de tardinha, me dava uma tristeza danada, ficava guardando lenha até tarde.

As compras de lenha na minha casa dependiam do bolso do meu pai. Se o bolso estive bom, ele comprava uma carga de carro do Juca Honório. --- Se tivesse mais ou menos, comprava uma carroçada do Serafim, e se tivesse fraco comprava feixes da Lica do João Passatempo. Muita gente ia com carroças nos matos buscar lenha para o seu gasto. Não era fácil achar lenha próximo da cidade. As lenheiras iam longe. Para muitas isso era uma fonte de renda.

Como eu gosto de me lembrar do tira-jejum diário que era muito variado. Farinha com açúcar e queijo; angu doce; banana marmelo frita, ovos remexidos; broas de fubá feitas pela dona Maria do Juca, mãe da Iveta. Tinha, também, o bolo de fubá assado na caçarola. Usava-se muito fazer esse bolo. Colocava a massa do bolo numa caçarola e cobria com uma tampa cheia de brasas. A receita do bolo era fácil e pobre: --- 2 xicaras de fubá – 2 xicaras de açúcar – 2 xicaras de leite – 2 colheres de banha – 3 ovos – 1 colher de bicabornato de sódio, como fermento, e uma colher de sobremesa de erva doce. Quando tinha queijo acrescentava um pouco de queijo ralado. --- batia essa mistura com uma colher até borbulhar e colocava na caçarola Esse bolo era eu quem fazia, de uma receita fornecida pela Maria, esposa do Sr. Erasto de Barros.

Não existiam os chamados “forninhos” de fogão. Isso só apareceu em Candeias com a chegada do Oswaldo Bombeiro, que veio de Campo Belo e que lançou esse produto de sua fabricação na cidade. Antes muitas pessoas tinham o forno de lenha, quando eram varridos com vassoura de alecrim do mato e dava aquele cheiro gostoso onde estava sendo assado alguma quitanda. --- Eu tinha uma carrocinha e com ela eu ajuntei pedaços de tijolos jogados fora pelos pedreiros, até ter o suficiente para que eu e meu pai pudessem fazer um pequeno forno no quintal de nossa casa. Ai de vez enquanto botava lenha nesse forno, e fazia uma lata de biscoitinhos de farinha de trigo. Farinha de trigo era cara e ruim. Os pães não prestavam porque ficavam duros, a farinha de trigo era misturada com fécula de mandioca. A variedade do tira-jejum, também, era de acordo com a verba disponível no bolso do meu pai. Ele era sapateiro num tempo em que a profissão ainda dava para sobreviver. Portanto, variava a qualidade, mas a quantidade era sempre boa.

Arear o caldeirão de cozinhar feijão; varrer terreiro, aguar as plantas, escolher o feijão e catar os marinheiros do arroz, também eram tarefas minhas e ai de mim se deixasse uma pedra no feijão. E não podia reclamar. --- Os exercícios da escola também eram fiscalizados pelo meu pai toda noite. Ainda não tinha ajuda de minhas irmãs porque elas eram ainda pequenas. O horário de brincar também era disciplinado.

Grande parte dos produtos eram comprados à porta, normalmente de alguém que vinha da roça. Aliás, nesse tempo a rua Coronel João Afonso era uma verdadeira via-sacra de vendedores das roças. Tudo vindo por intermédio dos pequenos produtores rurais, era arroz, feijão, farinha, fubá, polvilho, rapadura, ovos, café carne de porco salgada para feijoada, mandioca, abóbora, queijo, banana, requeijão e o franguinho que vinha dependurado na manguara. Lembro-me também de uma encomenda que o meu pai fazia para um desses vendedores, era de a cabeça de um coqueiro. Meu pai adorava Deus, e amava um molho de coqueiro.

As frutas quase todas tinham as suas épocas exceto as bananas que apareciam durante o ano inteiro. Mas as frutas cítricas, o abacate, o abacaxi, as mangas, eram as frutas mais conhecias e mais consumidas. Outras eram sempre uma novidade. ---- As frutas silvestres mais conhecidas era a gabiroba e a araçá. Essas também, em sua época de novembro a dezembro apareciam à venda.

Parece que naquele tempo as coisas quase não subiam de preço. A gente não via as pessoas ficarem reclamando. O que eu me lembro que subia de preço naquele tempo era os ovos na época da quaresma. Mas quem subisse o preço e depois não o baixasse, perdia o freguês.

Na época do frio uma coisa que a minha mãe fazia muito era o mingau de fubá ao leite, quando jogava sobre o prato um pouco de canela moída. E a gente às vezes queria mais e não tinha...

Como eu gosto de lembrar daquela cozinha com as paredes cheias de fuligem, onde tinha sempre dependurado um pedaço de toucinho, ou uma linguiça que meu pai comprava ainda fresca e colocava ali para se defumar. Aquele baita caldeirão cozinhando feijão com uns pedaços de pele de porco. De vez enquanto a gente roubava um pedaço daquele pele...

Como era bom ser pobre!

Armando Melo de Castro.

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