Sou um aposentado fiel ao meu aposento. Eu não durmo com as
galinhas como dizem, ou seja, eu não durmo cedo. Vejo todos os dias o relógio
marcar meia noite ou mais. Mas, mesmo assim, me levanto cedo. Logo que me
desperto com o clarão da aurora, já fico de pé, não dou conta de ficar na cama.
Cama para mim é só para dormir. Posso me deitar a qualquer hora, mas não
compenso o “deitar” com o “levantar”. De manhã tenho o meu ritual: Levanto-me
vou ao banheiro faço ali o necessário e logo vou para a cozinha; ponho três ovos
para esquentar e quentes os coloco num copo, adiciono canela, sal e um pouco de
azeite. Este é o meu tira jejum, bom para a vista, para o estômago e evita o
diabetes. Café eu tomo logo que a minha mulher se levanta, ela é mais chegada
numa cama.
Dai abro a janela da
sala que dá para a rua. Dou uma espiada para baixo e outra para cima. Vejo os
carros que dormiram na rua, e dou uma olhada para os céus e fiscalizo o prédio do
Itamar, um arranha céu de dezoito andares. Um edifício de gente aquinhoada, e
se é chamado de prédio do Itamar é porque na sua cobertura morava o
ex-presidente Itamar Franco.
No outro prédio que circula a vizinhança, quase de frente com
o modesto prédio onde eu moro, tem uma vizinha que se levanta antes de mim. Logo
que abro a minha janela, lá está ela já de pé, e ainda sob o clarão da lâmpada cuidando
de uns pequenos vasos de folhagens na sacada de seu apartamento. Ela olha para
cá e eu olho para lá. Nunca conversamos e não nos conhecemos pessoalmente; comunicamo-nos
apenas com os olhos. Eu aprovo as suas plantas e ela me agradece. É uma senhora
idosa, de porte elegante, parece que sofre de insônia e está sempre envolvida
num chambre vermelho. E as suas
plantinhas são tratadas com tanto carinho, com tanto esmero que me vem o desejo
de ter uma também.
Viajei durante o natal, e na minha volta não vi mais aquela senhora.
Procurei sabe-la e a notícia foi cruel. Ela faleceu em plena véspera de natal.
Problemas de pneumonia levaram-na para cuidar dos jardins de Deus. Agora daqui
sob a vigilância dos meus olhos estão às plantinhas solitárias; parece que
estão esquecidas, órfãs sem água, sem adubo, sem o carinho da protetora. E eu
de cá, num silêncio mudo, embora não soubesse sequer o nome daquela senhora,
posso sentir o vazio que ela deixou; e nesse sentimento faço a minha reflexão buscando
entender os mistérios da vida. Que Deus a tenha, minha ilustre desconhecida!
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos
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