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quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

UMA LEMBRANÇA BENDITA DAS CANDEIAS!


Eu peço licença aos meus amigos, para que hoje, eu possa falar de mim. Entendo que aquele que se propõem a falar de outras vidas, deve, no entanto, falar da sua também. Falar sobre si mesmo é assumir a sua condição, seus percalços e as mudanças que a vida oferece. Não falar de si sem uma afirmação, ignorando os buracos da estrada da vida; isso seria criar uma condição para a própria ignorância. Afinal cada ser humano escreve a sua história. Uma história naturalmente verdadeira.

Eu fui um menino feliz, mas tinha um problema que custei a me livrar dele. Eu entendo que se a pessoa não sabe que o tem, tudo bem. Mas se o tem e não aceita tê-lo é terrível. Trata-se da timidez. Eu era um menino acanhado, portador de uma timidez precária que me impedia de alcançar o meu proposito o qual seria perder aquele maldito medo de ser abordado

Eu queria ser um menino sorridente, alegre, respondão, e não aquele bobão que quando chamado a atenção por um erro involuntário, não sabia se defender e sim abrir a boca a chorar. Eu queria ser um menino igual os outros e não aquele que me sentia ser. --- Na escola quando a professora se aproximava de mim eu baixava a cabeça. ---- Cinquenta anos mais tarde, eu visitei a minha primeira professora, então moradora na cidade de Formiga, a minha querida Dona Maria do Carmo Alvarenga, esposa do amigo Alberto do Sr. Nico da Estação, e ela se lembrou de mim e disse: “Eu me lembro muito de você Armando, caladinho no seu canto...” --- E a minha mãe que estava presente, e teria sido amiga de infância de Dona Maria do Carmo disse, a frase que eu tanto gostava de ouvir: “Pois é Do Carmo, quem o viu e quem o vê agora, não faz ideia”... Como era bom ouvir isso da boca de minha mãe.

Mas desde que aprendi a jurar, jurei e cumpri o juramente de deixar de ser aquela vítima de mim mesmo, e poder me inteirar de forma social. Mas posso garantir que isso não foi fácil.

Eu não conhecia a palavra “Timidez” e sim as palavras, acanhado e bobo. Uma hora ouvia dizer que eu era bobo, outra hora acanhado. E eu não queria ser nenhuma das duas coisas. O meu papo maior era comigo. Eu falava comigo mesmo: Um dia eu perco essa vergonha; um dia eu deixo de ser bobo e acanhado. --- E jurava para Deus pai, Jesus Cristo, a Mãe Maria e o meu Santo Antônio.

A postagem neste grupo, do meu amigo Júlio Cezar Viglioni, quando pergunta a quem se lembra o nome do dono da budega em que o leitor comprava na infância, coloca os meus olhos no retrovisor da estrada da minha vida, quando existia a venda do Sr. Zé Lara, estabelecido ali na esquina da Rua Professor Portugal com a Rua Coronel João Afonso Lamounier, onde hoje reside a família do Sr. Vicentinho Vilela.

A nossa casa ficava próximo dali e qualquer moeda que me chegasse às mãos, eu corria até a venda do Sr. Zé Lara para comprar a bala nata a minha preferida. Eu deveria ter nesse tempo os meus 6 anos de idade, por volta do ano de 1952. E minha mãe deixava eu ir até a venda, para, naturalmente, combater a minha timidez que não vinha acompanhando o meu crescimento. No princípio era preciso escrever o nome da bala. Eu só entregava o bilhete para o Zé Lara. Eu chegava correndo e saia correndo. Se alguém me perguntasse de quem eu era filho não tinha resposta.

Na então, Rua José Maria Alkmin, hoje, João Caetano de Faria, abaixo da esquina com a Rua Professor Portugal, numa tapera ali existente, morava uma velha prostituta, que vivia bêbada, gaforina e suja. Os meninos morriam de medo dela e não passavam naquela rua porque ela não gostava de criança, talvez por um trauma da sua vida pregressa. E se um menino tivesse medo dela, ela ameaçava bater nele o que já teria feito com outras crianças. Essa mulher tinha o nome de Sá Orozina.

Zé Lara era um homem sistemático, e não atendia e nem servia pessoas embriagadas que entrassem no seu estabelecimento. Às vezes ele entrava para o interior da residência e o freguês ficava esperando por algum tempo. E nesse dia aconteceu isso. No exato momento em que adentrei a venda, essa mulher chegou atrás de mim. E ao vê-la foi como se tivesse visto o diabo. Comecei a chorar e ela então ameaçou me bater, o que levou Zé Lara chegar, me pegar e colocar do lado de dentro do balcão, e pediu a alguém ali presente, que fosse à casa de meu pai chama-lo.

Meu pai chegou correndo, quando a velha bêbada já o recebeu com palavras de baixo calão, daquelas bem próprias de prostitutas bêbadas. Eu no colo do meu pai, e essa mulher levanta o vestido e expõe uma grande bunda branca me deixando totalmente assustado com a sena e ela disse por mais de uma vez “Ocê e esse “muleque” seu, beija aqui oh! Beija meu rabo! Beija meu c... beija minha b... ---- E o meu pai, então insultado, lascou um baita tapa na bunda dela e disse-lhe: tai o seu beijo.

O fato correu a cidade. Candeias nesse tempo era ainda uma cidade bastante pequena, no tempo dos velhos partidos políticos da UDN e PSD. A UDN do Sr. João Pinto de Miranda e o PSD do Dr. Zoroastro Marques da Silva.

Em três dias chegou a nossa casa um cabo da política Militar e disse ao meu pai, que o delegado Sr. José Resende de Almeida, teria mandado lhe pedir para dar uma chegada na delegacia para expor o ocorrido. ---- Mas que não precisava acompanha-lo que isso poderia ser mais tarde. --- Mas quando eu vi o cabo, eu agarrei na perna do meu pai e não soltava e chorava alto, chamando inclusive a atenção dos vizinhos que teria visto o cabo à porta de nossa casa. E eu só fui acalmar após a retirada do militar. ---- Mais tarde o meu pai foi até a delegacia onde reconheceu o seu erro, mas que aquilo teria sido um efeito do susto que levara, pois o rapaz que o teria chamado dissera que a Sá Orozina, queria bater em mim.

O delegado dissera que a iniciativa junto a delegacia, e que inclusive teria ido ao Dr. Zoroastro pedir uma punição para o meu pai era uma mulher, então muito conhecida de meu pai, mas não disse o nome de quem. Era uma senhora casada, muito conhecida na cidade por seu temperamento briguento. E que seria bom esquecer o ocorrido porque o marido dela era muito amigo do meu pai. E que na delegacia já havia diversas queixas de pais que tiveram seus filhos ameaçados por aquela mulher bêbada. ---- Meu pai agradeceu o delegado, após reconhecer que um homem não pode agredir uma mulher, mas o fato teria acontecido num momento de muita tensão.

Anos depois, o Dr. Zoroastro Marques da Silva, numa conversa com meu pai disse-lhe o nome da mulher que chegou a encher a paciência dela por causa do fato, e ele ainda deu nela um chega pra lá dizendo: “O Zé é meu amigo, ele é da UDN, mas política não se faz desse jeito. ---- Dr. Zoroastro Marques da Silva, um exemplo de político. E a surpresa não foi tão grande para o meu pai. Essa senhora, teria sido namorada dele, e ele a teria dispensado para se casar com a minha mãe.

Mas voltando ao assunto da minha timidez eu acho que o Pai, o Filho e o Espirito Santo, com a presença da Mãe Maria e Santo Antônio, fizeram uma reunião para resolver o meu caso, que ficou tão bem resolvido.

Armando Melo de Castro.

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