Eu peço licença aos meus
amigos, para que hoje, eu possa falar de mim. Entendo que aquele que se propõem
a falar de outras vidas, deve, no entanto, falar da sua também. Falar sobre si
mesmo é assumir a sua condição, seus percalços e as mudanças que a vida
oferece. Não falar de si sem uma afirmação, ignorando os buracos da estrada da
vida; isso seria criar uma condição para a própria ignorância. Afinal cada ser
humano escreve a sua história. Uma história naturalmente verdadeira.
Eu fui um menino feliz, mas
tinha um problema que custei a me livrar dele. Eu entendo que se a pessoa não
sabe que o tem, tudo bem. Mas se o tem e não aceita tê-lo é terrível. Trata-se
da timidez. Eu era um menino acanhado, portador de uma timidez precária que me
impedia de alcançar o meu proposito o qual seria perder aquele maldito medo de
ser abordado
Eu queria ser um menino
sorridente, alegre, respondão, e não aquele bobão que quando chamado a atenção
por um erro involuntário, não sabia se defender e sim abrir a boca a chorar. Eu
queria ser um menino igual os outros e não aquele que me sentia ser. --- Na
escola quando a professora se aproximava de mim eu baixava a cabeça. ----
Cinquenta anos mais tarde, eu visitei a minha primeira professora, então
moradora na cidade de Formiga, a minha querida Dona Maria do Carmo Alvarenga,
esposa do amigo Alberto do Sr. Nico da Estação, e ela se lembrou de mim e
disse: “Eu me lembro muito de você Armando, caladinho no seu canto...” --- E a
minha mãe que estava presente, e teria sido amiga de infância de Dona Maria do
Carmo disse, a frase que eu tanto gostava de ouvir: “Pois é Do Carmo, quem o
viu e quem o vê agora, não faz ideia”... Como era bom ouvir isso da boca de
minha mãe.
Mas desde que aprendi a jurar,
jurei e cumpri o juramente de deixar de ser aquela vítima de mim mesmo, e poder
me inteirar de forma social. Mas posso garantir que isso não foi fácil.
Eu não conhecia a palavra
“Timidez” e sim as palavras, acanhado e bobo. Uma hora ouvia dizer que eu era
bobo, outra hora acanhado. E eu não queria ser nenhuma das duas coisas. O meu
papo maior era comigo. Eu falava comigo mesmo: Um dia eu perco essa vergonha;
um dia eu deixo de ser bobo e acanhado. --- E jurava para Deus pai, Jesus
Cristo, a Mãe Maria e o meu Santo Antônio.
A postagem neste grupo, do meu
amigo Júlio Cezar Viglioni, quando pergunta a quem se lembra o nome do dono da
budega em que o leitor comprava na infância, coloca os meus olhos no retrovisor
da estrada da minha vida, quando existia a venda do Sr. Zé Lara, estabelecido
ali na esquina da Rua Professor Portugal com a Rua Coronel João Afonso
Lamounier, onde hoje reside a família do Sr. Vicentinho Vilela.
A nossa casa ficava próximo
dali e qualquer moeda que me chegasse às mãos, eu corria até a venda do Sr. Zé
Lara para comprar a bala nata a minha preferida. Eu deveria ter nesse tempo os
meus 6 anos de idade, por volta do ano de 1952. E minha mãe deixava eu ir até a
venda, para, naturalmente, combater a minha timidez que não vinha acompanhando
o meu crescimento. No princípio era preciso escrever o nome da bala. Eu só
entregava o bilhete para o Zé Lara. Eu chegava correndo e saia correndo. Se
alguém me perguntasse de quem eu era filho não tinha resposta.
Na então, Rua José Maria
Alkmin, hoje, João Caetano de Faria, abaixo da esquina com a Rua Professor
Portugal, numa tapera ali existente, morava uma velha prostituta, que vivia
bêbada, gaforina e suja. Os meninos morriam de medo dela e não passavam naquela
rua porque ela não gostava de criança, talvez por um trauma da sua vida
pregressa. E se um menino tivesse medo dela, ela ameaçava bater nele o que já
teria feito com outras crianças. Essa mulher tinha o nome de Sá Orozina.
Zé Lara era um homem
sistemático, e não atendia e nem servia pessoas embriagadas que entrassem no
seu estabelecimento. Às vezes ele entrava para o interior da residência e o
freguês ficava esperando por algum tempo. E nesse dia aconteceu isso. No exato
momento em que adentrei a venda, essa mulher chegou atrás de mim. E ao vê-la
foi como se tivesse visto o diabo. Comecei a chorar e ela então ameaçou me
bater, o que levou Zé Lara chegar, me pegar e colocar do lado de dentro do
balcão, e pediu a alguém ali presente, que fosse à casa de meu pai chama-lo.
Meu pai chegou correndo,
quando a velha bêbada já o recebeu com palavras de baixo calão, daquelas bem
próprias de prostitutas bêbadas. Eu no colo do meu pai, e essa mulher levanta o
vestido e expõe uma grande bunda branca me deixando totalmente assustado com a
sena e ela disse por mais de uma vez “Ocê e esse “muleque” seu, beija aqui oh!
Beija meu rabo! Beija meu c... beija minha b... ---- E o meu pai, então
insultado, lascou um baita tapa na bunda dela e disse-lhe: tai o seu beijo.
O fato correu a cidade.
Candeias nesse tempo era ainda uma cidade bastante pequena, no tempo dos velhos
partidos políticos da UDN e PSD. A UDN do Sr. João Pinto de Miranda e o PSD do
Dr. Zoroastro Marques da Silva.
Em três dias chegou a nossa
casa um cabo da política Militar e disse ao meu pai, que o delegado Sr. José
Resende de Almeida, teria mandado lhe pedir para dar uma chegada na delegacia
para expor o ocorrido. ---- Mas que não precisava acompanha-lo que isso poderia
ser mais tarde. --- Mas quando eu vi o cabo, eu agarrei na perna do meu pai e
não soltava e chorava alto, chamando inclusive a atenção dos vizinhos que teria
visto o cabo à porta de nossa casa. E eu só fui acalmar após a retirada do
militar. ---- Mais tarde o meu pai foi até a delegacia onde reconheceu o seu
erro, mas que aquilo teria sido um efeito do susto que levara, pois o rapaz que
o teria chamado dissera que a Sá Orozina, queria bater em mim.
O delegado dissera que a
iniciativa junto a delegacia, e que inclusive teria ido ao Dr. Zoroastro pedir
uma punição para o meu pai era uma mulher, então muito conhecida de meu pai,
mas não disse o nome de quem. Era uma senhora casada, muito conhecida na cidade
por seu temperamento briguento. E que seria bom esquecer o ocorrido porque o
marido dela era muito amigo do meu pai. E que na delegacia já havia diversas
queixas de pais que tiveram seus filhos ameaçados por aquela mulher bêbada.
---- Meu pai agradeceu o delegado, após reconhecer que um homem não pode
agredir uma mulher, mas o fato teria acontecido num momento de muita tensão.
Anos depois, o Dr. Zoroastro
Marques da Silva, numa conversa com meu pai disse-lhe o nome da mulher que
chegou a encher a paciência dela por causa do fato, e ele ainda deu nela um
chega pra lá dizendo: “O Zé é meu amigo, ele é da UDN, mas política não se faz
desse jeito. ---- Dr. Zoroastro Marques da Silva, um exemplo de político. E a
surpresa não foi tão grande para o meu pai. Essa senhora, teria sido namorada
dele, e ele a teria dispensado para se casar com a minha mãe.
Mas voltando ao assunto da
minha timidez eu acho que o Pai, o Filho e o Espirito Santo, com a presença da
Mãe Maria e Santo Antônio, fizeram uma reunião para resolver o meu caso, que
ficou tão bem resolvido.
Armando Melo de Castro.
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