Nada tenho contra as diferenças culturais na alimentação. Já experimentei, e até gostei, da carne de alguns animais exóticos como cobra, rã, gambá, tatu, etc. Contudo, certa vez, um amigo meu que esteve na África contou-me que, quando esteve por lá a serviço de uma empreiteira brasileira, conviveu com princípios culturais extraordinários. E na alimentação, por exemplo, ele chegou até a experimentar o sabor de insetos temperados, desidratados e hidratados, formigões, grilos, gafanhotos e outros ortópteros. E quando me disse que o povo de lá come o bicho de pau podre com melhor boca do mundo, eu quase me desventrei de tanto nojo.
Certa vez, por muito pouco, eu
não morri de asco ao ver uma reportagem na televisão sobre essas diferenças, o
repórter tentando experimentar um ovo de galinha choco nas Filipinas, país no
qual se faz feijoada com açúcar.
É sabido, também, que na China
comem tudo o que para nós é porcaria. Brincam até que, por lá, se come tudo
aquilo que se mexe. Assim, comem filhotes de ratos vivos retirados dos ninhos e
afogados no molho de massa de tomate quente, à medida que são servidos. Outra
iguaria, pela Ásia, é a carne de cachorro que por aqui, entre nós, é um bicho
praticamente sagrado. É cada coisa que aparece que nos deixa morrendo de nojo
ao invés de morrermos de fome.
Entretanto, nada disso me
surpreende tanto quando ouço falar nos desejos das mulheres grávidas, tão
estudados pela ciência e sem qualquer resposta positiva, definitiva e concreta.
Sabe-se que, entre esses desejos incomuns, encontra-se o desejo de mulheres em
experimentar cacos de prato de barro, giz, bunda de tanajura e sola de sapato.
Isso é uma situação tão estranha que deixa qualquer um com a cabeça oca.
Eu era ainda menino e morava
na Rua Coronel João Afonso, em Candeias, quando tínhamos, como vizinha de
frente, a Dona Marica. Marica da Melada como era chamada, sobrinha do Sr. Erasto
de Barros. --- Tinha ela um grande quintal e o seu grande hobby era uma
plantação de rosas que ocupava grande parte do seu quintal.
No tempo em que os defuntos
eram preparados nas residências, assim que morria alguém logo chegava Dona
Marica com as suas rosas. Além disso, fornecia, também, flores para as jarras
da igreja. Certa vez, alguém lhe pediu algumas rosas para produzir licor e
recebeu um sonoro “não”, bem no meio da cara. Ela disse ao pedinte que suas
rosas eram sagradas e que jamais seriam misturadas ao álcool que seria coisa do
diabo.
Dona Marica tinha um pé de
laranja da terra em seu quintal cujas frutas eram por demais amargas usadas,
constantemente, para a produção de doces, contudo, sem qualquer preferência
para ser chupada.
A casa da esquina em que
reside, atualmente, o Sr. Carminho Machado, encontrava-se sempre com um novo
morador. Eram constantes as mudanças. Diante deste fato, veio morar, naquele
imóvel, um jovem casal. Ele com os seus vinte e poucos anos, com cara de
nortista, corpo franzino, amorenado, pescoço fino, imberbe, cabelo duro e bem
aparado, um tipo ingênuo e meio calado. Era visto somente nos fins de semana e
se chamava Alberto.
A mulher era o seu contraste.
Falava muito alto, tinha a voz pouco fanhosa, tendo o aspecto de um alto-falante
enguiçado. Estilo bem briguenta, gordinha, com pescoço grosso e curto, cabelo
tipo masculino e um buço quase comparado ao bigode do marido. Chamava-se
Tininha, estava grávida e como era baixinha a barriga, ficou muito redonda e,
caso levasse um tombo, sairia rolando rua a fora. Vivia zoando nas casas dos
vizinhos exceto na casa de Dona Marica, haja vista a ocorrência, entre as duas,
de uma briga motivada pelas travessuras do gato Mimi pertencente à Maria das
Graças, filha de Dona Marica.
O gato era um inferno, dizia
Tininha. Não se podia esquecer uma panela destampada que o desgraçado fazia
valer a sua gordura. E quem falasse mal do gato, por pouco que fosse, comprava
uma briga cara e foi isso que aconteceu. Dona Marica dizia que aquela fulana teria
se engravidado não se sabe como porque ela tinha cara de homem. Ademais, o seu
marido tinha um tipinho de “franga” para o seu gosto. Tininha dizia que Dona
Marica era uma gata velha, borralheira e vovó do tal Mimi, considerando que sua
filha tratava o bichano por filhinho. E assim as duas viviam trocando
desaforos.
Certo dia, os moradores do
quarteirão acordaram de madrugada com um falatório danado. Acontece que a
Tininha, por estar grávida, desejou chupar, às duas horas da manhã, uma laranja
da terra do pé existente no quintal de Dona Marica. De nada valeu a
argumentação de seu marido diante da impossibilidade de se conseguir a fruta
naquela hora. Além disso, de onde sairia à fruta! Parece até que o desejo da
grávida aumentava diante da dificuldade fazendo com que a mulher quase entrasse
em desespero total o que levou o marido a resolver pular o quintal alheio e se
apoderar da fruta para satisfazer o desejo descontrolado da mulher.
Acontece que, dias antes,
havia chegado à lua nova de julho, fase lunar bastante esperada, durante o ano,
por Dona Marica que pretendia podar as suas rosas. Com isso, teria acumulado, à
beira do muro, um grande monte de galhos de rosas espinhentos. Na ação de
Alberto, em transpor o muro para chegar ao pé de laranja, ele cai deitado sobre
o monte de espinhos das roseiras podadas. E o pobre rapaz, quanto mais se
mexia, mais se tornava fisgado pelos espinhos em meio à escuridão da noite
enquanto sua mulher, que ficara aguardando do outro lado do muro, compreendendo
o que teria acontecido ao marido, gritou por socorro, acordando vários vizinhos
que correram a acudir o acidentado.
Dona Marica vestida de
camisolão, com um lampião na mão, ouvia o infeliz dizer:
---Óia, Dona Marica! A sinhora
me discurpa. Eu num quiria qui o meu fio nascesse com a boca aberta, Sá.
E Dona Marica, com um sorriso
sorrateiro, responde:
---Tudo bem! Agora, pode
apanhar a laranja. Apanha logo uma dúzia pra entulhar ela de uma vez! ---
Engraçado! Quando eu estive grávida da Maria das Graças eu nunca tive esses enjoamentos
e nunca amolei o Quinca...
Quinca era o seu marido.
Armando Melo de Castro
Nenhum comentário:
Postar um comentário