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quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

MEMÓRIAS DE UM ADOLESCENTE BOBO.


 

Antigamente, talvez pela falta de chuveiros e o uso das bacias, a falta de higiene era muito maior. --- Esse descuido com a higiene é uma coisa terrível e as pessoas que não se cuidam são propensas a vários tipos de doenças. --- Eu não sei como existem pessoas que dormem sem tomar banho depois de viverem um dia de trabalho e ou encalorado.

Lembro-me de quando eu morei e trabalhei na cidade de Oliveira, na Churrascaria Fátima, às margens da Rodovia Fernão Dias, no princípio da década de 60. Tendo em vista a facilidade de locomoção através de uma carona que eu pegava com um conterrâneo, o Rui da Ponica, sobrinho do Sr. Willian Viglioni, que transportava leite de Oliveira para Três corações todos os dias. E eu que trabalhava 24 horas e folgava 36, tinha tempo para passear.

Assim, eu arrumei uma namoradinha, cujo pai tinha um sítio num lugar chamado São Sebastião da Estrela, um distrito da cidade de Santo Antônio do Amparo, mas que fica mais próximo da cidade de Perdões. Os poucos encontros que tivemos foram limitados e aconteciam quando ela ia até a casa de sua madrinha na cidade de Perdões. Chamava-se Maria de Lourdes, era quatro anos mais velha que eu, que contava apenas dezessete. Conhecemo-nos num pequeno parque de diversões armado nas proximidades da estação ferroviária de Perdões. Ela zoou sobre mim, aproximou-se com a desculpa de saber se eu era parente do Joãozinho da Prefeitura, porque éramos parecidos. Eu quase que engolindo a palavra perguntei-lhe se o Joãozinho era bonito, e ela abriu o verbo. Ele é lindo, muito lindo. Ai então, eu bobo e com cara de pobre, me senti assim como um verdadeiro Dom Juan.

Fiz-lhe companhia até a casa de sua madrinha, a quem fui apresentado e suponho que esse foi o dia da minha vida em que fiquei conhecendo a semente da felicidade a qual eu só teria ouvido falar. --- Os nossos encontros se limitavam na cidade quando ela iria visitar a sua madrinha. Depois de quatro encontros, ela me disse que estava aguardando o sinal verde de sua mãe para que eu fosse visita-la lá no sítio e conhecer os seus pais. Eu até tremi quando ela disse isso, mas como eu disse, eu era aventureiro e queria jogar a minha cara de bobo fora.

Era um tempo difícil porque os pais quando recebiam a visita de um namorado faziam um questionamento sem limites. Eu não sabia nada disso, e como tal aconteceu, a minha visita se resultaria no nosso último encontro.

Nos seis encontros em que tivemos, ela se apresentou com dois vestidos, um cinza e outro cor de rosa. Parece-me que ela tinha um vestido para sair com o namorado, um para ir à missa e um terceiro para variar, e outro para estar em casa. Mas isso não me importava muito. A forma do seu vestido é que me atraia. Aquele corpinho violão e aquela boquinha colorida com um batom vermelhinho como sangue. --- Eu que não entendia nada de beijo, ficava só apreciando aquela boquinha linda, com aquele dentinho torto. Mas a verdade é que eu nunca provei o sabor daquela boca. As vezes que eu tive chance, não tive um escurinho por perto. E depois eu era muito desajeitado.

Finalmente chegou o dia em que eu iria passear à sua casa lá nesse tal São Sebastião da Estrela. Eu teria sido convidado para jantar na casa dela, e disse-me que os seus familiares falavam em me conhecer como se eu fosse um deputado. Parece que deputado naquele tempo tinha valor. E isso me deixou meio preocupado.

Ela me aguardou num determinado ponto da Rodovia, e lá chegamos por volta das 5 horas da tarde. --- 15 minutos após, eu já estava submetido a um interrogatório, mais parecido com uma investigação policial:

O VELHO: O sinhor é de onde? Trabalha aonde, ganha bem, faiz muito tempo que o senhor trabaia lá em Oliveira? O que o senhor faiz lá? Eu menti, para eles, havia dobrado o meu salário e o velho ainda achou pouco para me casar. Ora, mas quem estava falando ali em casamento?

A VELHA: Seu pai mora junto com a sua mãe? Num é separado não? O senhor tem irmão, num tem ninguém largado não. É católico ou crente? Ninguem é cachaceiro não né?

Numa terceira investigação vem um dos irmãos e pergunta: Arguem tem carro na sua famia?

Chegou o momento da janta. Essa até que eu gostei. Galinha caipira com arroz, tutu e macarrão. Da janta eu não tive o que me queixar. Eu pensei em me esticar logo dali após o jantar, mas Deus mandou uma trovoada e uma chuva daquelas de causar enchentes. E para chegar a esse sítio tinha um ribeirão, que logo impediu a passagem. Eu ali na sala, sem poder dar um beijinho, sem pegar na mão,

Sem falar o que penso e vigiado pela irmã mais nova que de vez em quando vinha com uma pergunta chata, assim como: “Cê já teve ota namora? Cê gosta mesmo da Lourdinha? Cê tá pensando em casá quando?

Pelo amor de Deus. Eu fui ficando zonzo com aquele ambiente; com aquela gente. Quando deu mais ou menos umas 8 horas da noite, o velho grita lá do quarto: “Lurdinha! Põe água isquentá pu sô Armando lavá os pé, porque tá na hora de deitá."

E eu fazer o quê? Não tinha como ir embora debaixo de chuva e atravessar o ribeirão. O caminhão que me dava carona já devia ter passado. --- Meu Deus que desespero. Ainda me colocaram a dormir junto com um daqueles cunhados que trabalharam o dia todo e só teria lavado os pés. Aquele bafo, aquele odor. E eu pensava, será que a Lordinha tem só tres vestidos e uma calcinha só, ou duas? Coloquei na minha cabeça que uma mulher quando fica uma semana sem trocar de vestido fica sem trocar de calcinha. Um homem que só lava os pés para dormir, fica sem... Bom deixa isso pra lá.

No outro dia bem cedo eu sai, fui. Parecia um passarinho que se escapuliu da gaiola. As vezes que voltei em Perdões eu dava voltas para não passar perto da casa de sua madrinha.

Esse é o tipo de história que a gente foge dela, mas ela não foge da gente porque aconteceu na juventude. Hoje eu beirando os 76 anos e ela ja com os 80. Será que ainda vive? Será que se lembra de mim? ---- O que bom é que essas lembranças nos fazem sorrir e não chorar.

Armando Melo de Castro.

 

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