Um
carro, por mais velho que fosse, na década de 50, era um luxo. Eu nunca havia
entrado num carro e vivia imaginando este dia quando chegasse e chegou quando
um compadre do meu pai, Sr. Otávio Martins o convidou para ir numa viagem à
usina velha de Candeias, naquele tempo em pleno funcionamento e era o ponto turístico
dos candeenses. ----- não existia ainda a Cemig. ---- Meu pai não estava
querendo me levar, mas eu aprontei uma choradeira e logo fui liberado para
entrar naquele carro velho. Eu acho que nem Yuri Gagarin se emocionou
tanto quando entrou no seu foguete, rumo ao espaço.
Ao ver
o meu pai sendo convidado, me senti também convidado. E já me postei como tal,
quando ouvi da impossibilidade de me levar. No que a defesa natural de uma
criança foi desabada: o choro. Vendo-me chorar, Otávio insistiu para que eu
fosse também, incluído na lotação que já contava seis pessoas dentro do
galipão. Parecia sardinha na lata, e eu todo feliz, parecia até fazer parte de
uma comitiva do Papa.
Se cem
anos de vida eu tivesse, durante cem anos eu me lembraria dos 10 minutos
vividos nesse dia. Eu, no colo do meu pai, enquanto o carro foi descendo,
vagarosamente, passando pelos buracos da Rua Coronel João Afonso. Eu estava na
maior felicidade do mundo. Alucinado, empolgado, encantado muito mais do que
Gagarin, quando voou ao céu profundo com a sua Vostok. E mais ainda do que
Colombo, quando encontrou o Novo Mundo.
Após
passar a ponte, ao começar a galgar o morro, ouviu-se um estalo. Um grande
estalo, debaixo do carro. E, junto com o estalo, Otávio murmurou: - “ai ai ai!
Deve ter quebrado.” E quebrou mesmo...
O
Nestor Lamounier foi chamado e ficou confirmado que o motor do carro havia
quebrado e que não teria recurso. Foi uma decepção para todos, mas para mim,
foi uma decepção maior. Era aquela a primeira viagem que eu fazia de carro. E
apenas um estalo roubou-me toda aquela felicidade. Era um sonho meu entrar num
carro. Dar uma volta de carro. Sentir o cheiro de um carro. E agora, após ter
conseguido a realização desse intento, a custo de lágrimas, o destino vem me
roubá-lo? Era muito azar. Se eu imaginasse quem seria o “pé frio” que estava
ali naquele carro eu o teria apedrejado. Aliás, isso nem seria azar seria um
castigo dos céus. Só podia ser...
Para
rebocar o carro para a mecânica, a forma encontrada foram quatro juntas de bois
que o arrastou, morro acima, aos gritos de um carreiro e o mecânico no volante.
E eu, da porta de minha casa, vi passar aquela carreata fúnebre aos meus olhos
cujo carro eu nunca mais pude ver novamente. Toda vez que vou até à antiga
usina, eu não fico sem imaginar como teria sido aquela viagem que eu não fiz e
que teria sido uma das alegrias da minha vida frustrando a minha pobre infância
pelo resto de minha vida.
No
transcorrer da minha vida, já tive diversos carros. Mas, nenhum deles, jamais,
terá me causado tanta emoção como o galipão do Otávio Martins.
Dizem
que o homem é um produto do meio, portanto, aí está a pobreza transformada em
lirismo é a presença de Deus. É como diz o poeta: “A felicidade está sempre
perto da gente. É pena que nós a procuramos longe do lugar onde estamos”.
Armando
Melo de Castro
Candeias
MG Casos e Acasos.
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