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sexta-feira, 8 de julho de 2011

O VASO SANITÁRIO 2

Continuação:
              O conflito familiar há de sempre existir e dele, nem sempre, poderemos nos livrar. Existem famílias que, por uma pequena questão, fazem um barulho danado. Ofendem-se, uns aos outros. Batem o tempo todo na mesma tecla e, quase nunca, chegam a um denominador comum. Interessante é que as pessoas mais amadas por si são as que mais se ofendem e mais se agridem. Comumente, vemos pais criticarem os seus filhos sem o mínimo de respeito para isso. No caso daquela família minha vizinha, na qual houvera uma grande discussão, em torno de um vaso sanitário, dá para ver que era uma questão tão simples e que virou um verdadeiro suplício, sem a menor necessidade. É bem certo que aquela filha, a Maria Isabel, sofria de um distúrbio e, naturalmente, precisava de um tratamento psicológico.

Viu-se a família diante de um estorvo. Afinal de contas, o velho estava fazendo grande imundície no quarto ao usar o urinol com a mão trêmula. E a mãe, para não deixar a filha alarmada, ocultava a dimensão do problema sabendo, de antemão, como seria a sua reação. A sugestão dada por alguém, no sentido de aderirem ao uso daquele mecanismo, era promissora e via-se, nisso, a solução do problema.

Era preciso fazer algo no sentido de convencer Maria Isabel a permitir a colocação do vaso sanitário dentro de casa.

Estudada a questão em família, lembrou-se que Maria Isabel poderia obedecer apenas ao seu tio José Luiz, seu padrinho de batismo, sem filhos herdeiros e que, supostamente, a faria sua herdeira. Padrinho Zé Luiz era como um ídolo para ela e esta para ele, a afilhada do coração. O velho Joaquim resolveu chamar o seu irmão para intervir na questão.

José Luiz, com a sua solércia muito considerada na família, não teve dificuldade de fazer a excêntrica afilhada aceitar a colocação do vaso no seio da intimidade familiar. E isso foi feito imediatamente, dentro de poucos dias, tão logo foi dado o sinal verde pela mandona que o fez contra a sua vontade, mas, não poderia deixar de atender ao padrinho.

Sabe-se que o compartimento foi construído sob o rigor das suas exigências, como por exemplo: porta sem frestas e janela protegida com filó para não correr qualquer risco da entrada de moscas.

 Posteriormente, parecia correr tudo bem. Supunha-se que a questão do vaso fora superada, até que um dia, um fato novo veio a acontecer em torno da mesma questão.

Sabendo do estado de saúde que se encontrava o velho Joaquim, sua irmã mais nova, moradora no Estado de Goiás, resolve vir até Candeias fazer uma visita ao irmão mais velho. Tratava-se de uma mulher casada, separada do marido e que segundo as informações captadas pelos meus eficientes ouvidos, era tipo tico-tico no fubá. Chamava-se Rosa. 

Era uma mulher robusta, bem vestida, cabelos curtos, sorriso largo, cheia de maquiagem, batom cor de sangue, unhas bem cuidadas, brincos argolados e realçados. Enfim, era do padrão perua. Seu perfil não seria de uma pessoa acostumada com a lida doméstica. Além disso, gostava de degustar uma cervejinha quebrando o gelo com uma cachacinha e tira-gosto com carne. Nesses dias, a casa virou uma fartura. Era carne fritando, assando, cozinhando e o cheiro ia longe. Meu pobre narizinho que o diga... E a coroa, ainda enquadrada na idade fértil, dava sinais de querer um homem. Às vezes, ouvia-se dela a esnobação no seu palavreado quando dizia que ainda se ajeitava com rapazes mais jovens do que ela e aconselhava: O homem é um diabo não tem mulher que negue, mas, eu gosto de um diabo que me carregue!” Vocês precisa casar, Gente!” E dava aquela gaitada de deboche.

A bem da verdade, a presença de Rosa, naquela residência, não foi uma festa íntima para a Maria Isabel que ia à frente limpando e ela, atrás, sujando. A sobrinha achava que a tia estava de sobra e já dava a entender de que não via a hora daquela depravada zarpar do seu porto de águas mansas, agora, turbulentas por sua presença.

Finalmente, é chegado o dia da partida. Após dez dias de agitação, a família, agora, poderia respirar um pouco mais sossegada, sem a presença de alguém, totalmente diferente e portadora de princípios incompatíveis.

Rosa não iria viajar diretamente para Goiás. Ele iria sair de madrugada com destino aos Baiões, onde tinhas parentes e dali seguiria para Formiga, a fim de ver outra parte da família. Essa viagem ela faria de caminhão leiteiro. Portanto se levantou, bem cedo, no dia da sua partida. Já pelas quatro horas da manhã, pudemos ouvir o barulho do pilão, socando o café torrado. Agradeciam o feijão roxinho que teria vindo de presente. E pediam que a volta não fosse mais tão demorada. Claro, que essas recomendações eram da boca pra fora, principalmente, por parte da Maria Isabel que já não tinha mais onde guardar tanta indignação.

Parecia uma festa. A Rosa porque partia de regresso, após dias de descanso e de bebedeira. Os parentes porque se viam livres daquela pessoa deturpada e de língua solta. Não só a língua era solta, visto que, quando entrava para o gabinete sanitário, sem nenhum escrúpulo, soltava as suas estrondosas ventosidades fétidas, detonando o ambiente, deixando aquele povo assustado diante de apoucada educação. Tal comportamento levava Maria Isabel às portas do desespero o que lhe fazia valer dos mais impregnados comentários quando de sua ausência.

--- Visita igual essa, mamãe, o diabo caga os monte e ainda fica com o rabo cheio. Se essa praga num fô imbora, eu vou morrê!

E a família sempre pondo um pano quente no ambiente. Mas, a cada dia, a coisa estava ficando mais difícil. Portanto, a partida de Rosa seria um alívio imediato, pois, sem dúvida, esta estava sendo ali uma “persona non grata”.

Ela dava sinal de quem tinha um bom poder aquisitivo. Teria trazido presente para todo mundo e prometia voltar mais amiúde e nunca esquecer de trazer do feijão roxinho. Lembro-me de ouvir o velho dizer: Feijão roxinho igual do Goiás num tem!

Maria Isabel, imediatamente após a partida de Rosa, foi vasculhar o banheiro e o que encontrou foi um vaso entupido, com os dejetos saltando a boca do vaso e se esparramando sobre o piso do aposento.

Que desespero! A vizinhança toda tomou conhecimento de que algo errado havia acontecido ali. A dona Ester, vizinha de frente, chegou a pensar que o velho estava morrendo. Maria Isabel falava alto:

---Aquela porca! Aquela lambona! Aquela desaprumada! Aposto que é o tal de modis que ela comprou na farmácia do Wardemar. Por que não usou paninho?! Essa porcaria intupiu o vaso, mas, não intupiu ela. Mardito vaso.

Olha! Eu vou ficar por aqui. Acho que não há necessidade de falar mais. Eu tive muita dó da Rosa porque se as pragas proferidas pela Maria Isabel lhe tocaram a coitada terá chegado a Goiás aos pedaços.

Viver é um negócio complicado!

 Armando Melo de Castro

Um comentário:

Celle disse...

Armando você é muito bom mesmo!
Fazer interessante um vaso sanitário!
Este causo foi muito legal como tantos outros escritos...parabens...
abraços
ccelle