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segunda-feira, 24 de julho de 2023

NOS TREVOS DA ESTRADA DA VIDA.


     Eu estou cansado! Não de viver, mas cansado de ver crise atrás de crise. Quando a gente pensa que o país vai melhorar ele volta a cair num buraco. E o brasileiro continua na mesma. E o pior, voltando ao mesmo buraco. Sempre foi assim. Foram várias as crises que eu já presenciei no nosso país, Algumas chegaram de leve em Candeias, assim como a crise da década de 60. Foi nesse tempo que eu sai de Candeias, rumo a São Paulo. A coisa lá estava feia. Não existia emprego e o país numa severa recessão. E o desemprego falava alto.

    Tive vergonha de voltar. Afinal voltar naquele momento seria dar um atestado de fracasso. Fui parar em Mogi das cruzes, onde arrumei um trabalho numa obra da construção para uma agência do Banco do Estado de São Paulo. Eu tinha me preparado para ser um auxiliar de escritório, pois fui parar na serventia de pedreiro, e ainda dando graças a Deus por ter o direito de dormir num barracão nos fundos da obra, onde ali eu queimava as minhas latas, como se diziam, dos peões de obra.

    Essa crise não chegou à Candeias. Foi com a falta de gás. O fogão a gás ainda não havia chegado em nossa terra. Na falta da lenha usava-se queimar casca de café e serragem de madeira fornecida gratuitamente pelas serrarias. O cotidiano do meu rango era arroz, macarrão, uma carninha de terceira, ou um bife de fígado, um pepino e um tomate. O feijão ficava só na vontade, pois não tinha como cozinha-lo.

    No domingo, era como um dia de festa. Uma garrafa da pinga Tatuzinho e umas batatinhas fritas. Era a recompensa pelo martírio da semana. Passei por essa magrela durante 5 meses, nos 2 últimos meses até que deu uma melhorada. O mestre da obra me colocou como apontador e eu já não precisava subir ao andaime com lata de reboco nas costas. Esse tempo de minha vida foi suficiente para ser imaginado uma conversão para 5 anos.

    Eu não podia sair de dia porque estava trabalhando, e não podia sair à noite porque estaria vigiando os materiais da obra. Imagine, eu com 19 anos, com a coragem de um coelho, vigiando obra durante a noite. Pois é... O aperto faz o sapo pular.

    O mestre da obra morava na cidade de Suzano, ele ia e voltava todos os dias. Quando por ventura ele resolvia ficar uma noite em Mogi das Cruzes, eu tinha que passar a cama para ele e improvisar uma para mim com um monte de sacos de cimento vazios. E foram nuns momentos desses que eu entendi, o ditado: “ São Paulo é o lugar que o filho chora e a mãe não vê”. Mas, pelo menos oferecia uma coisa que dizem ser a ultima que acaba em nós: a esperança de se realizar.

    Apesar de ter sofrido nesse tempo, eu agradeço a Deus por que suponho que esse tempo tenha sido o momento em que eu mais me amadureci para a vida. Foi quando eu conheci a fome e o desejo de comer algo sem poder. Entendo que existem dois tipos de fome a de não ter nada no estômago. E a da vontade de comer algo que quase todo mundo come e você não tem.

    Bem próximo da construção havia uma pastelaria de um chinês, foi quando surgiram esses frangos assados, rodando ali o dia inteiro na porta, sobre os meus olhos. Aí batia aquela saudade da casa dos meus pais. Eu não sabia que iria para tão longe para conhecer a fome, o desejo de comer uma coisa e engasgar com o desejo.

    Numa carta que escrevi ao meu pai, contando como estava a minha vida, ele me enviou naquele tempo 55 mil cruzeiros, quando que o salário era de 66 mil. Dizia ele nessa carta que aquele dinheiro era para eu aliviar das dificuldades. E insistia pedindo-me para voltar para casa. Eu nunca recebi esse dinheiro. Foi extraviado pelo correio, que não se responsabilizou pelo prejuízo. --- Não havia essa facilidade de hoje de enviar dinheiro pelos Bancos. A carta me comunicando do envio do dinheiro eu a recebi quase um mês depois da sua postagem.

    A juventude nos deixa tão marcados que eu consigo ter saudade desse tempo. Saudade dos banhos de água fria que eu tomava na torneira da obra; da falta de dinheiro regrada por um adiantamento de apenas da primeira semana trabalhada. Das pessoas que me olhavam com o rabo do olho, e daqueles pedreiros que traziam uma garrafa de café e me ofereciam uma xícara. Tenho saudade do fogãozinho Jacaré, a querosene com o qual eu queimava as minhas latas. Esse fogãozinho era distribuído por um preço baixo nos postos de gasolina ESSO, pois o posto venderia o querosene.

    Saudade que eu não quero matá-la, porque com ela eu aprendi um capítulo da vida difícil de aprender: A PERSEVEREÇA.

                                         Armando Melo de Castro.

 

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