Um leitor candeense e residente na
cidade de Arinos, Estado de Minas Gerais, leu as postagens do nosso blog e
fez um comentário sucinto relembrando o nome de um amigo seu, o Osmar
dentista, quando o conheceu nos tempos em que assistiam a missa,
munidos de uma fita azul celeste; eram eles membros da Congregação
Mariana.
Diante de
um nome tão significativo, resolvo, então, expor, neste texto, o nome do meu
amigo, Osmar da Sota, posteriormente, Dr. Osmar Soares Alves.
Às vezes,
pode parecer desagradável a gente fazer um comentário sobre um profissional
falecido e que estaria isento de quaisquer culpas diante de um determinado
comportamento. Talvez, pelo fato de se tratar de uma questão de ordem cultural.
Mas, levemos em conta que as nossas narrativas são, normalmente, históricas e a
nossa intenção, quase sempre, é acompanhar a evolução. Mostrar as regras do
jogo do seu tempo. Regras que não mudariam através de uma só pessoa e nem de
uma só cidade. Afinal, tratam-se, muitas das vezes, de um contexto geral.
No caso
da odontologia, a questão era nacional. Logo, o atraso desta ciência não
existia somente em Candeias. Era preciso avançar porque os nossos “práticos”
não tinham fontes de evolução. Apenas o tempo poderia fazer isso e como fez em
Candeias, a partir do momento em que chegou à mossa cidade um cirurgião
dentista diplomado, oriundo da cidade de Barbacena, o Dr. Luiz Santos.
O Brasil,
hoje, tem uma das melhores odontologias do mundo. As pessoas, atualmente, têm
assistência governamental. As prefeituras municipais prometem tratamento e os
empregadores se preocupam com isso. Coisas que, antigamente, não existiam, nem
por perto.
Portanto,
é importante a gente testemunhar que algo de bom acontece no nosso país. Já
podemos sorrir mais à vontade e não é preciso que as pessoas tapem a boca, com
as mãos, no momento de soltarem um sorriso. Isso é gratificante. Nada mais
desagradável, mais triste, do que alguém esconder o seu sorriso diante do seu
interlocutor. Talvez, omita, até mesmo, uma alegria ou um gesto de carinho para
evitar o sorriso.
José
Barreto foi o mais tradicional e o mais respeitado dentista prático de
Candeias. Sem dúvida, o mestre dos demais dentistas candeenses. Isso nos tempos
em que a nossa cidade ainda não era habitada por nenhum dentista diplomado e a
odontologia engatinhava no Brasil. Era ele o professor da causa. Todos os
demais práticos, no ramo odontológico, que aqui existiram, trabalharam junto
dele. Seu gabinete ficava na sua residência onde mora, hoje, o Sr. Pedro
Freire, bem nas proximidades do Largo da Matriz. Posteriormente, transferiu-se
para Belo Horizonte, onde tinha um filho cirurgião dentista diplomado, Dr.
Cândido Barreto, (Candinho) nosso professor de francês, no Ginásio de Candeias.
Voltando
ao Dr.Osmar Soares, o Osmar da Sota, para os mais íntimos, era ele um rapaz humilde,
religioso, Congregado Mariano, sacristão do Monsenhor Castro e que trabalhou
com Zé Barreto como protético. Naquele tempo, prótese era apenas dentadura,
ponte e pivô. Dali, Osmar resolveu montar o seu próprio gabinete. E pôde, por
muitos anos, exercer a profissão de dentista como prático até quando chegou
para Candeias um dentista diplomado que resolveu denunciar os dentistas
práticos, levando-os a migrarem para as roças ou para outras cidades onde não
existiam dentistas.
Outros
deixaram a profissão, como no caso do Cristóvão Teixeira, foi ser motorista e
dada a sua pouca experiência no ramo, acabou tendo um acidente com um caminhão
cheio de carvão levando-o à morte.
Boanerges
Pacheco era casado com uma fazendeira e se acomodou vivendo de rendas. Ele
tinha alguns imóveis de aluguel. O sobrado onde fica o escritório do Sr. Zé
Antônio, próximo da Igreja Matriz era de sua propriedade.
Nesse
tempo Osmar já teria se casado com a professora Zizica, filha do Sr. Miguel
Martins de Castro e tinha filhos. Ele sobressaía em meio a essa confraria de
dentistas. Era cheio de ideias no ramo da odontologia e nunca teria feito outra
coisa na vida e não desistiu. Foi trabalhar em Baiões, comunidade próxima de Candeias,
que pertence, ao Município de Formiga. Esteve também no Município de Camacho e,
apesar das dificuldades encontradas, se locomovia de motocicleta para esses
locais. ---- E como era muito esforçado e gostava daquilo que fazia, conseguiu
tirar dessa peleja, o sustento da sua família e fazer a sua faculdade de
odontologia, na cidade de Itaúna, indo, até a referida cidade, todos os fins de
semana, pois nesse tempo poderia ser assim.
Ainda
nessa mesma época elegeu-se vereador por dois mandatos e foi um dos candidatos
mais votados.
Certa
vez, no auge da sua luta pela vida, ele me disse com os olhos lacrimejantes:
“Um dia eu volto a trabalhar em Candeias sem ninguém pra me barrar, você vai ver
Armando...”. ---- E eu vi
----
Osmar
venceu. Venceu na vida. Formou-se cirurgião dentista. Agora, não tinha mais
gabinete. Era dono de um consultório bem montado junto a sua residência, na Rua
Francisco Bernardino de Sena. Andava em carro do ano. Tinha uma casa confortável
e uma escadinha de filhos, bem cuidados. Teria sido um exemplo da persistência
e da vontade de vencer. Mas ele já não era o mesmo. Agora, bebia e, a cada dia,
aumentava as doses. Sua profissão começou a ficar em débito com a
responsabilidade. Já não frequentava a igreja, como antes. Já não se entendia
com a esposa e nem com a família dela. E quando era chamado de “Osmar”,
repreendia: “Agora eu sou doutor. Dr. Osmar”. E, para outros, dizia: “Eu não
sou dentista; eu sou odontólogo”.
E
explicava que a odontologia era um ramo da medicina. Ou seja, que ele era um
tipo de médico. Naturalmente, ele tinha razão de pensar assim. Contudo, na
prática, dada à cultura odontológica, o dentista é bem conhecido como um
cirurgião que opera na boca das pessoas. Não caberia outra explicação para uma
clientela leiga. No entanto, ele colocou, na fachada de seu consultório, uma
placa com os dizeres: “Dr. Osmar Soares Alves – Odontólogo”.
Aquilo
era como se estivesse exigindo de seus clientes um reconhecimento maior pelo
fato de ser um dentista diplomado. Contudo, ele fazia o mesmo que sempre fez,
entretanto, ele era, agora, formado e o que fazia era embasado na ciência. Mas,
todo mundo sabia disso e o respeitava. Desnecessário seria a imponência.
Enfim:
Osmar, agora, o Dr. Osmar, perdeu a humildade. E tornou-se alcoólatra. Mudou-se
para a cidade de Formiga e, por lá, passou por uma dificuldade muito grande na
sua vida. Perdeu uma filha em um acidente de carro. Tempos depois, Dr. Osmar
volta para Candeias. Desacreditado pela sua clientela.
Certo
dia, eu me encontrei com ele numa venda, na Rua Coronel João Afonso, na antiga
venda do Pedro do Chico Freire. Ali estava ele meio embriagado. E, nesses
momentos, as pessoas fugiam dele. Sua imagem era o protótipo do fracasso. E,
num dado momento, tão escasso, ultimamente, em sua vida, tentou falar de ideias
comigo e, aparentemente, empolgado disse:
---Armando!
Eu estou para defender uma tese dentro da Odontologia. Vou abafar. Vou arrasar.
Meu nome vai para a história. Você vai ver um candeense na história.
Perguntei-lhe:
Mas, que tese é essa, Osmar? O que de tão importante está fermentando em seu
cérebro inteligente? E ele responde, dando uma tragada no copo de aguardente:
---A tese
que eu vou defender é para acabar com boa parte do desconforto das mulheres, em
exame ginecológico. Eu vou defender que a parte interna da vagina estende-se
até à porção inicial do útero, região denominada de fórnice da vagina. Todo
esse conjunto é denominado canal vaginal e tem uma semelhança muito grande com
a boca. Isso quer dizer que uma mulher tem a boca do mesmo tamanho da vagina. E
muita coisa pode ser feita através da boca.
Isso nada
mais era do que um motivo de chacota. Uma alucinação escondida dentro, bem
dentro, do seu ser. E, diante de tamanho disparate, eu lhe perguntei:
Quer que
eu o deixe em casa, Osmar? Você não me parece bem!
E, em resposta, ele diz:
---Não!
Obrigado! -------- Põe mais uma aqui pra mim, Pedro!... Eu tenho muita
coisa para botar em prática Armando...
Nesse
momento, senti que o meu amigo, Osmar, naufragava no álcool, após ter flutuado
por tanto tempo nas turbulentas águas da vida. Foi a última vez que o vi.
Algum
tempo depois, embriagado, bateu com o seu carro numa casa onde está hoje, o Rancho Rural, vindo a falecer.
Que
Deus o tenha meu amigo, Osmar, ou melhor, Dr. Osmar!
Armando
Melo de Castro
Candeias
MG Casos e Acasos.
Um comentário:
Me lembro muito bem do Osmar, era irmão do Vadinho! Lutou como pode em tempos difíceis e morando em Candeias que naquela época tinha pouco para oferecer aos seus filhos, em se tratando emprego. Não cheguei a tratar de dentes com ele, pois tinha meu Tio José Barreto, que por sinal orientou muito o Osmar. Parabéns pelo texto amigo.
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