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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O VENDEDOR DE BROAS.


                                                                    





A broa é um alimento difícil de ser definido. Em cada ponto do Brasil, é conhecida por nomes diferentes. Para uns, é pão redondo; para outros, é um tipo de biscoito. Há quem diga que a broa é um bolinho. ---- Em Candeias, a broa é considerada uma espécie de quitanda e pode ser encontrada entre várias receitas de sal ou de doce. Qualquer quitanda que seja do formato de uma bolacha redonda pode ser chamada de broa. --- O dicionário do Aurélio define a broa como pão arredondado, feito de fubá de milho, arroz, cará, ou polvilho, etc. e ainda como uma pessoa gorducha. ---- No dicionário chulo, há quem diz que broa é sinônimo da vulva feminina.

Em Candeias, pode ser encontrado com facilidade um tipo de broa não muito comum no mercado. É a broa de amendoim. Eu, por exemplo, nunca a vi em padarias de outros lugares. Não conheço a receita, sei apenas que é muito gostosa e tradicional nas padarias e quitandeiras candeenses.

Ainda na década de 50 não havia calçamento e nem jardins no centro da cidade. Uma linha de postes de iluminação pública cortava o centro do chamado Largo. E, no local onde se encontra, atualmente, o coreto havia um poste com duas luminárias. Ali, era o ponto vigoroso da cidade, principalmente, nos fins de semana, com as atividades da igreja, e o movimento dos dois bares que existia (um no sobrado da esquina, do Leley irmão do Carmélio, e o outro ao lado do cinema, do Sebastião Cassiano.). Normalmente, nos fins de semana, havia duas sessões de cinema no Cine Círculo Operário São José.

A televisão nem sonhava de chegar a Candeias. Sair à tarde e ir para o Largo era um hábito de grande parte da população.  Os homens acomodavam-se nos bares e os jovens faziam a chamada avenida defronte ao cinema enquanto aguardavam os sinais da sirene.

Nesse tempo era muito comum o vendedor de rua, com balaios e tabuleiros. Muitas donas de casa faziam doces, pasteis, e colocavam à venda nos bares, mas um produto fresquinho normalmente era encontrado através dos vendedores de rua ou nas casas das quitandeiras. As padarias não tinham novidades como hoje. Era o pão de sal; o pão tatu, o São José (sovado) e a rosca de doce. E nesse movimento do Largo, sempre aparecia um vendedor de doce, ou outra coisa qualquer.

Debaixo do poste, acima citado, estava sempre um senhor magro com rosto miúdo, de chapéu de lebre, camisa surrada, de mangas compridas, mas bem cuidada, abotoada até ao colarinho que escondia o gogó; um bigode tipo Cantinflas, rosto bem escanhoado, vestindo calças bem frisadas e com as botinas bem engraxadas. Esse senhor atraia as pessoas pelo seu jeito de falar corretamente e os elogios que tecia à sua esposa. ---- Sob a luz do poste ele se postava com um tabuleiro cheio de broas de amendoim, colocado sobre um suporte, coberto com um pano bem alvejado. ---

 Algumas pessoas paravam próximo daquele vendedor para apreciar o seu jeito de falar e os elogios que tecia à sua esposa, à medida que fosse alguém se aproximando:

------------------Meus amigos eu vendo a melhor broa de amendoim. Feito caprichosamente por minha senhora, uma mulher muito asseada e entendida de broas.

Entretanto, mais do que a qualidade das broas e a higiene da esposa do quitandeiro, ênfase maior havia de ser observada na postura daquele cidadão humilde, no seu jeito de trabalhar. Gostava de falar ao pé da letra e, diante da sua simplicidade, a rapaziada nadava e rolava, colocando maldade no seu palavreado. Sem, contudo, deixar de comprar o delicioso produto. Todavia, havia sempre alguém puxando a conversa para vê-lo falar

----Como vai o senhor, Sô Juca?

----Na paz de Deus Pai e Deus Filho, vou bem, obrigado!

----E a patroa? Como vai?

----Com aquelas coisas de mulher, mas felizmente, vamos levando na Graça de Deus Pai e Deus Filho.

----Tem vendido muitas broas?

----Sim, na Graça de Deus Pai e de Deus Filho, tenho vendido todas. Tenho voltado sempre para casa com o tabuleiro vazio.

----É o senhor mesmo quem faz essas delícias?

----Não, senhor! Essas deliciosas broas são obradas pela minha senhora. Ela aprendeu com a minha sogra e a minha sogra aprendeu com a mãe dela. A fabricação de broas na família de minha mulher vem de longe. Todos nós somos chegados a uma boa broa.

---Faz muito tempo que o senhor vende a broa da patroa?

--Desde que vim para Candeias. Há uns dois anos, mais ou menos. E, Graças a Deus Pai e a Deus Filho, eu suponho que grande parte do povo candeense já conhece a deliciosa broa da minha mulher.

--Zé da Zenóbia, irmão do Mozart da Padaria, pai do Bola, era rapaz novo e um dia estava com umas pingas na cabeça e tomou um papo com o Sô Juca:

---Eu quero comer a broa da sua patroa é na sua casa, Sô Juca! Cumé qui fica?!

---Como é que fica? Vai ser o maior prazer servir o senhor na minha residência! Agora, escuta aqui, Sô Zé: acredito que o senhor não está falando com má intenção, não é? Um dia desses esteve aqui um filho de mulher da vida, um desses filhos que não conheceu o pai e na conversa ele misturou broa com precheca. Acontece que a minha esposa é uma senhora de respeito! E aquele que lhe faltar com o respeito eu o entregarei nas mãos do diabo, lá nos quintos dos infernos.

E o Zé, meio assustado, e com uma voz meio pastosa de quem tivesse tomado umas e outras disse logo:

---O que é isso Sô Juca?! Isso é brincadeira. Eu nunca comi broa não. Meu irmão tem padaria e eu num aguento nem vê o cheiro de broa. Precheca?! Eu nem sei o que é isso!?

---Vejamos, então, que o senhor está apenas me atordoando?! Pois, pode ir baixar em outro centro porque aqui não tem médiuns para recebê-lo.

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos

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