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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

APAGUE A LUZ GERALDO!



Nós mineiros temos o hábito de pronunciar muitas palavras pela metade; ---- ki de feijão; li de leite; pedá de carne; belezz! Cumpá Zé; cumá Maria e assim vai.  ----

 Até certo tempo eu não sabia que “li” era litro; que ki era quilo; pedá era pedaço; belezz era beleza; e cumpá era compadre. ---- Eu era, então, do tipo de uma anta; ou um tatu de galocha. ------ E o pior: eu não sabia disso. ------ Quando cheguei à capital de são Paulo em 1965, um danado dum paulista, a fim de me encher o sado, quando eu chegava à cantina dele, dizia: “Uai, vai cumê um trem mineiro?”.

 Geraldo do Orcilino e Dona Chiquinha era um casal muito amigo de meus pais, fato que os fizera ser levados para padrinhos de minha irmã Maria Amélia. ---- Dai então era cumpá Geraldo e cumá Chiquinha de lá e cumá Luca e cumpá Zé de Cá. Portanto, até certo ponto, aquele dialeto teria feito parte da minha vida.

 Geraldo era um cabritão alto, fala mansa, sempre usando camisas com mangas compridas e colarinho preso. Chapéu de lebre e bigode pirâmide. Era comerciante da Rua Professor Portugal, estabelecido com o comercio e residência onde hoje está o Bar do Marcelo. ---- Conhecido como Geraldo do Orcilino, mas o seu nome real era Geraldo Cândido da Costa. Pessoa de muitos amigos, que viera da roça ainda jovem, não sabia ler e nem escrever e aprendeu fazer isso sozinho trabalhando no comercio.

 Sua amizade com meu pai começou quando ele foi desertor do exercito. Sendo então uma pessoa recém chegada da roça, não entendia da gravidade de se negar ao chamado do exercito, foi considerado como desertor e preso em Juiz de Fora. --- Meu pai foi quem o apoiou e o acompanhou durante o tempo em que esteve preso. Dai nasceu uma grande amizade.

 Talvez fosse ele o homem que mais afilhados tinha em Candeias, tendo em vista a sua facilidade de fazer amizade e ser bom vendeiro. ------ Foi vereador em mais de uma gestão e foi homenageado com o seu nome na praça que fica no final da Rua Pedro Vieira de Azevedo.  Ele era tio do atual vereador, Jésus do açougue.

 A sabedoria do silêncio diz que devemos falar menos e ouvir mais. Mas meninos daquele tempo; --- do meu tempo --- só ouviam, não falavam nada. Porque se falassem eram repreendidos. E eu como menino silencioso e sempre em companhia do meu pai, ouvia os seus assuntos, em profundo silêncio, enquanto meu pai, naturalmente, imaginava que eu não os entendia. E muitos desses assuntos estão bem guardados até hoje em minha memória no que faço abri-la agora, para relembrar um pequeno diálogo entre meu pai e o seu tão amigo compadre Geraldo, numa tarde assentados num banco à porta da sua venda:

 

Meu pai: Eu fico bobo de vê como ocê combina tanto com a cumá Chiquinha cumpá Gerardo, o que cê arruma qui ocêis tá sempre rino?”. --- E o Geraldo dando aquela sua risadinha sorrateira de boca sem dentes, (não conseguiu se acostumar com a dentadura) --  começa:

 Cumpá Gerardo:  Muié cumpá Zé é um trem danado. Cê tem qui sabe cutuca nela. Se ocê cutuca no lugá errado ela num dá. --- A Chica é uma casquinha de ovo qui ocê num imagina. Mais cumo eu já sei as mania dela tudo, eu faço de jeito. ------ Na hora de nois deitá, se eu quero dá uma cruzadinha, eu vô divagá. Invento um assuntinho ou conto arguma coisa que eu sei qui ela vai gosta. Dai, vira e mexe eu pergunto se ela tá cum dor de cabeça. Ai ela já sabe que eu tô quereno fuçá, Ai intão ela já pega a baciinha e já vai pá latrina lavá as parte. ----- Ai eu tamém dô uma lavada nas parte, e já vejo que eu Tô no jeito de cumeça o sirviço ---- Se dá num dia que eu tô frôxo, ai intão eu é que tenho que me ajeitá e falo: hoje eu trabaei dimais, tô numa cancera danada! -----Nesse dia, intão, cada um vira pá parede. Ai, cumpá zé, é bunda cum bunda. ---- ôta coisa: As vêis dá num dia que eu cumi uma vitela, e o butão fica assanhado quereno sopra, eu saio dipressa e vô pá latrina e fico lá até isvaziá a caxa de vento.  Ôta coisa é o paquete. Muié quando tá de paquete cê num pode dá sinal qui tá quereno fuçá não, sinão elas fica danada da vida. A Chica dana a dá indireta que só veno.

 Meu pai: Ocêis fais isso é com a luiz acessa ou no escuro cumpá Gerardo?

E Geraldo,  dando aquela risadinha sorrateira de boca sem dentes de novo aremata:

 Cumpá Zé cê ficô doido! Se eu acendê a luis a Chica nunca mais me dá.

 Armando Melo de Castro

 


















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