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Viajando
pela estrada de minha vida, fiz uma parada num ponto do qual eu guardo vivas
lembranças de um fato que me ocorreu no principio dos anos 60, quando ainda eu
era um adolescente.
Na década
de 50 o correio brasileiro chegou a ser considerado o pior do mundo. Na década
de 90 chegou a ser o melhor do mundo, segundo a Revista Forbes. ------- A
partir da era PT, as roubalheiras nos correios foram tantas que hoje se pode
dizer que os Correios brasileiros estão falidos, à vista do que foram.
Naquele
tempo o transporte das postagens era feito de trem. Os jornais chegavam às mãos
dos leitores com até dez dias de atraso. Eles vinham com vagar, de trem, do Rio
de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Eram poucos os assinantes.
As cartas
e outras correspondências eram, comumente, extraviadas. Uma carta, por exemplo,
para São Paulo, se não fosse aviada através de porte registrado, constantemente
era consumida pela viagem. Remessas de dinheiro extraviavam-se, para onde? Só
Deus sabe. E o pior, a responsabilidade não era arcada pelo correio. Não
adiantava reclamar. Se reclamasse, ai então, a coisa piorava: os funcionários
do correio detestavam reclamações.
Naquela
busca de adolescente, querendo se firmar numa vocação ou numa profissão, eu,
envolvido nas fortes propagandas que circulavam, resolvi fazer um curso de
rádio por correspondência. ----- Matriculei-me, portanto, no até hoje,
existente, “Instituto de Rádio Técnico Monitor”, de São Paulo. Pagava por mês
CR$ 15, 00 e o quanto me era difícil o dinheiro para esse meu projeto!
Bastara-me
uma só vez para que o meu dinheiro sumisse e eu desistisse de continuar
estudando rádio. Foi uma frustração. Mas o que mais me chamava à atenção eram
os funcionários da agência dos correios de Candeias. Eu não sei quantos funcionários
têm hoje aquela agência, mas imagino que não se compara com o quadro daquele
tempo.
Com o
fato de incrementar o telégrafo na Agência de Candeias, teria vindo o
telegrafista, Sr. Nelson e Chefe da casa. O governo teria criado diversos
benefícios para os soldados da Força Expedicionária, na II Guerra Mundial. Os
chamados pracinhas. Nada mais justo. Eram pessoas com problemas financeiros...
Problemas psicológicos, etc. Mas, o governo os colocou nos interstícios dos
correios; tivesse ou não vagas, lá entraram. Haviam também os apadrinhados
políticos. E nessa leva a agência dos correios de Candeias, tornou-se num
verdadeiro trem da alegria.
Os
guerreiros beneficiados foram os Srs. Clovis Cambraia Alvarenga, e Humberto
Pulhez. Teriam, com certeza, merecimento para receber um benefício do governo,
tendo em vista trazerem consigo a maldição da guerra, ou seja, os traumas
involuntários. Justo se vê, todavia, tratar-se de duas pessoas totalmente
despreparadas para o cargo a que foram submetidos; apesar de louváveis e
merecedores.
De outra
forma, um remanejamento da ferrovia, foi levado para os correios o Sr. Ovídio
Ferreira. Um cidadão, então, visto pelos jovens como esquisito, mal-humorado e
excêntrico...
Um
carteiro fardado tal qual um soldado, teria ganhado o cargo como um presente
político. Para ter uma ideia, apenas o carteiro, naquele tempo, tinha um
salário de vinte e quatro mil cruzeiros mensais e causava admiração em todo o
mundo, como diziam, para entregar uma meia dúzia de cartas. Na época, lembro-me
de vê-lo comentar que o seu salário era de dois mínimos e meio. E
raramente ele era visto pela rua entregando alguma carta.
Grita-me
aos olhos aquele quadro de funcionários da agência dos correios de Candeias
quando eu lá chegava e perguntava humildemente:- -- Tem carta para mim Sr.
Ovídio? “E uma seca resposta.” Não! Você já esteve aqui ontem!...” “Dá um tempo
ai uai"!... Vejam
só a incoerência daquele servidor, porque se a carta não chegasse ontem,
poderia chegar hoje. Mas...
No outro
dia, eu empanado na minha timidez, na minha vergonha e no medo da resposta
perguntava de novo: Tem carta para mim Sr. Ovídio: "Não! Esse trem de
rádio demora mesmo... Você vem aqui todo dia, vai ser chato trem"!
Vi que
falava sério. Para o Sr. Ovídio que trabalhou muitos anos de sua vida na
ferrovia, era um homem que morava sozinho, sem descendentes familiares,
solteirão, não era de se estranhar o seu habito de tratar a tudo e a todos como
trem.
Senti-me
humilhado e para completar o dinheiro enviado pelo correio para pagar a
prestação teria sido extraviado. Abandonei a ideia. E as raras vezes em que
voltei ao correio, nunca mais me dirigi ao Sr. Ovídio. ---- Mas hoje agradeço a
ele uma lição de vida. Do lado de dentro de um balcão, fiz tudo para não
ser um trem chato. A sua falta de jeito fez-me mais precavido. Foi um limão do
qual eu fiz uma limonada.
Armando
Melo de Castro
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