Foto para ilustração do texto.
No ano de 1953, a minha professora se chamava Maria do Carmo Alvarenga. Era esposa do Sr. Alberto Virgílio Ribeiro, o Tinho do Sô Nico que, naquele tempo, tinha um carro de praça. ---- Era um carro antigo que ficava estacionado à frente de sua casa, na praça, entre a oficina do Nestor e a Casa Celestino Bonaccorsi. -----Naquela época, os nomes das coisas eram diferentes. Matula passou, depois, para merenda. Merenda passou para lanche, como se diz hoje; e carro de praça é, hoje em dia, chamado de táxi. Naturalmente, carro de praça teria sido uma nomenclatura vinda dos tempos das carruagens, quando os veículos eram de tração animal.
No ano de 1953, a minha professora se chamava Maria do Carmo Alvarenga. Era esposa do Sr. Alberto Virgílio Ribeiro, o Tinho do Sô Nico que, naquele tempo, tinha um carro de praça. ---- Era um carro antigo que ficava estacionado à frente de sua casa, na praça, entre a oficina do Nestor e a Casa Celestino Bonaccorsi. -----Naquela época, os nomes das coisas eram diferentes. Matula passou, depois, para merenda. Merenda passou para lanche, como se diz hoje; e carro de praça é, hoje em dia, chamado de táxi. Naturalmente, carro de praça teria sido uma nomenclatura vinda dos tempos das carruagens, quando os veículos eram de tração animal.
Eu era um
menino bobo, só não babava, mas morria de vergonha de tudo e de todos. Quando minha mãe me
ordenava a ir buscar algo na loja do Bonaccorsi, eu quase morria só de pensar
em encontrar com a Dona Maria do Carmo que estava sempre entrando e saindo
daquela loja porque morava ao lado. Tinha, também, medo de que ela chegasse à
janela no momento em que eu fosse passando. Então, eu dava a volta, passava
defronte o Bar Piloto, e chegava ao comércio do Bonaccorsi do lado contrário.
Hoje, quando me lembro disso, eu chego a sentir vergonha de mim mesmo por ter
sido tão bobo quando tinha lá os meus 9 anos.
Dona
Maria do Carmo foi colega de infância de minha mãe e residia, na cidade de
Formiga. Eu a tenho guardada, bem guardada, em minhas memórias. Certa vez, fui
visitá-la em sua residência e fiquei muito feliz por encontra-la ainda lúcida,
após muitos anos sem vê-la. --Naquele
momento me transportei para o ano de 1953, quando teria sido a minha
professora, e posteriormente a diretora do meu querido Grupo Escolar Padre
Américo, hoje Escola Estadual. Eu tive a oportunidade de contar para ela essas peripécias de um menino bobo.
Era
uma pessoa muito agitada e dinâmica. Como naquele tempo, os professores podiam
usar da vara para corrigir os alunos, nós, os seus alunos, andávamos em um
canto riscado. Se a turma não seguisse a linha que ela traçava, a vara comia e comia de
verdade. Era ainda o meu primeiro ano de escola e eu muito bobo, tinha vergonha até mesmo de conversar com os colegas; nunca cheguei a tomar umas lambadas dela. Entretanto, os colegas viviam com o couro quente, e até as meninas que eram poupadas, de vez em quando eram apalpadas pela vara de D. do Carmo. Mas lá pela frente e também tive o meu coro quente, ai já foram a Dona Zélia Eleutério e a Ana Zélia Melo, de Itapecerica, tia do Zé Arcanjo. O interessante que as professoras que me bateram foram as minhas maiores amigas.
Eu
comecei a tomar varada na escola a partir do terceiro ano, quando já teria
perdido a vergonha e entrado para o clube dos bagunceiros, como Renê Ferreira, Titôco, Zé Teixeira, Marli, Tião Babão, Silvio do Juca do Nico, e outros. Esse ano de 1956 foi um bombardeio geral. Praticamente toda a classe foi obrigada a repetir o ano.
Certa vez, durante o recreio, eu fui
confundido com o Joel Pacheco e levei a maior surra. O Joel teria dado um
murro, no Vicentinho Vilela, e o Vicentinho saiu gritando e chorando.o que lhe fez brotar sangue suficiente para lambrecar a sua camisa de fustão branco. E como eu era parecido com o Joel, eu
levei a pior. Apanhando sem saber o porquê; sem ter como devolver as varadas,
quando ficou provado que eu era inocente.
Patauzinho,
um menino muito pobre. Filho de pobre e numerosa Patau, o pai, vivia fazendo biscates para
tratar da sua prole. Fazia qualquer serviço que lhe parecesse à frente. Capinar
quintais, furar fossas, ir ao mato buscar lenha em uma carroça, enfim, era um
pau para toda obra. Tinha vinte e uma profissões e vinte e duas necessidades.
A esposa
do Patau, mãe do Patauzinho, era uma baixinha muito caprichosa. Trazia o seu
marido e seus filhos muito limpos, apesar de estarem sempre com roupas
remendadas.
Patauzinho
era magro, anêmico, tinha a pele esbranquiçada, tostada e colada nos ossos
raquíticos. Boca faltando dentes. Um cabelo empastado com uma franja querendo
entrar nos olhos. Um nariz torto e um sorriso sem graça. Vivia falando que um
dia haveria de ser doutor. E quando alguém lhe perguntava o que seria um
doutor, ele dizia logo: “É home rico”
Levava
como matula, uma mistura de farinha com açúcar colocada em um embrulho num
canto da sua pasta de madeira muito mal feita pelas mãos de seu pai. Durante a
aula, quando a fome apertava, ele enfiava os dedos no embrulho e jogava uma
pitada da mistura na boca, tentando sempre ludibriar os olhos da fera, Dona
Maria do Carmo, que passou a observá-lo, sorrateiramente. E, assim, o quadro
estava como o gato vigiando o rato. De repente, quando patauzinho jogava a
pitada na boca, Dona do Carmo já estava sobre a sua carteira. O retirou,
levantando-o a altura dos seus seios e o jogou no chão, num gesto chamado, à
época, de “balão”.
Patauzinho
foi direto ao chão e, na queda, bateu com o rosto no piso e, enquanto a turma
ria da contenda, Dona do Carmo sai correndo da sala e volta com um copo d’água
com açúcar, assenta o Patauzinho em sua cadeira e lhe pergunta se está com
dores. Oferece-lhe algo para comer, pede alguém para ir comprar um pão e,
quando chega o pão, entrega-o ao Pautauzinho que com a cara melhor do mundo,
com o pão na mão, diz:
----O pai
falô qui eu tenho lumbriga dimais da conta, Dona do Carmo! E aí, eu fico com
medo delas me cumê, se eu num cumê matula.
Armando
Melo de Castro
Candeias
MG Casos e Acasos
Um comentário:
Ficamos tristes pelo falecimento da D. Maria do Carmo e ainda mais por saber que ela é parte de uma história que faz parte de outras tantas como a do Sr.
Que Deus a tenha.
Agora, fazendo uma observação, como os tempos mudam...
Quem diria que, hoje, um professor não poderia tocar em um aluno? Considerando esses relatos de alguém que viveu aquela época!
E numa inversão de valores: é o aluno que surra o professor! Lamentavelmente!
Seria uma revanche do destino?! Se for, já é tempo de mudanças...
Abraços.
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