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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A ROLA DO ESTEVÃO


Descendo a Avenida Alvino Ferreira, indo para o Alto da Igrejinha, no Bairro Jaci, encontrava-se a Chácara do Porfirio. Entre os filhos do Porfirio, havia a Benedita, portanto, Benedita do Porfirio, sua filha mais nova.

 Moça beata, balzaquiana, contando os seus trinta e cinco anos, branca, bem branca, fala mole, cabelos ondulados, dentes amontoados, fanhosa, buço compatível com bigode masculino e uma barriga tipo pera; coisa de quem não se preocupa com dietas para emagrecer. Se no mundo existem pessoas sistemáticas, eu posso garantir que nunca vi, em toda a minha vida, alguém mais ranheta.

Por ser a caçula, viu morrer a família toda. Não tinha mais os seus pais e nem irmãos e seus sobrinhos não a toleravam dado ao seu temperamento sistemático, esquisito e maníaco. ---- Não conseguia empregar-se em virtude da sua morosidade para executar qualquer tarefa. Na cidade já conhecida e muitos já sabiam da sua incondicionalidade de assumir um emprego. Vivia de “deu-em-deu”, morando de favor nas casas dos outros em troca de cama e comida pelos seus parcos serviços domésticos. 

Demorava mais de duas horas para lavar a louça após uma refeição. Levantava-se após as oito ou nove horas da manhã e não tinha pressa para nada. Quando entrava no banheiro, este se tornava seu monopólio. -------- Se por ventura, estivesse à sombra de um telhado prestes a desabar, talvez, o esperasse cair para sair correndo. Saindo para ir a algum lugar, o tempo não era o seu problema, mesmo porque, Benedita detestava relógios.

Descuidada em demasia. Copos, xícaras e pratos viviam caindo de suas mãos. Sua lentidão era, então, atribuída a tudo: trabalhar, falar, andar, comer, pensar, enfim: até para tomar um copo de água, Benedita era lenta. O tipo que para morrer de repente pediria prazo.

Era preciso ter paciência demasiada para tolerar a lentidão da moça. Portanto, não conseguia emprego, pois a sua morosidade espantava qualquer dona de casa interessada e tinha mais: Qualquer coisinha poderia ser tomada por ofensa. Era como se dizem: espinhada, desconfiada e danada para entender as coisas de forma errada.

Jamais teria tocado em um homem. Não tinha nenhuma história nesse sentido. Tudo era pecado, tudo era banal e tudo era coisa do diabo. Em determinadas horas, estava de posse de uma agulha e linha, trabalhando um pano de crochê que jamais alguém o vira terminado.

Quando estava sem onde morar, pedia alguém, pousada por alguns dias até arrumar um local para ficar. Daí, ela se acomodava e não saía deixando a família hospedeira numa situação, às vezes, difícil e constrangedora pela dificuldade de ver-se livre dela. Convidada a sair, o fazia protestando, xingando e rogando pragas àqueles que teriam lhe ajudado. Era, portanto, Benedita do Porfírio, uma pessoa muito complicada.

Certa vez, viu-se, completamente, sem alento. Teria ficado já em diversas casas em suas condições costumeiras e já não lhe estava fácil arrumar onde ficar. Toda casa na qual ficara, saiu inimiga das pessoas e falando mal.

A Vila Vicentina não lhe aceitava por ser, ainda, uma mulher jovem e que poderia cuidar do seu sustento. Todavia, no fundo, Benedita gostava mesmo era de morar de graça e não ter um compromisso efetivo com o trabalho.

Nesse momento de sua vida, procurou a nossa casa. Pediu a minha mãe pousada por apenas uma semana, quando já teria arrumado onde ficar definitivamente a partir da próxima semana. ------ Minha mãe, apesar da falta de condições de então, mas tendo em vista o curto tempo previsto e envolvida no seu espírito caritativo, concedeu-lhe abrigo, apesar de nossa casa não ter quarto de hospede e ser de pouco espaço. Reservou-lhe um canto da sala onde pudesse colocar um colchão e a alimentação naquela filosofia de pobre: “panela que come cinco, come seis”.

Entretanto, ela não saiu no tempo prometido. O lugar onde ela teria dito que arrumara era simplesmente conjectura que furou no lavrado. --- E com isso ela foi se acomodando, sem nenhuma previsão de sair, tomando a liberdade da casa, porque não levantava cedo e às vezes, chegava alguém em nossa casa e não tínhamos como receber na sala. Aquilo que seria por uma semana já acumulava três meses.

Diante disso, a situação foi se tornando insuportável. Um simples favor que não prometia tranquilidade, pois a moça não tinha ninguém por ela e sendo uma pessoa completamente despreparada para o trabalho, poderia cair sobre a minha mãe a responsabilidade sobre ela. E isso começou a causar muita preocupação. Até que minha mãe abriu o verbo: “Olha Benedita não tenho mais condições de ajudar você, portanto, você vai ter que arrumar com urgência outro lugar para ficar. A minha casa não está preparada para receber um hóspede por tanto tempo.”.

Ela respondeu mal, dizendo que tinha trabalhado em troca dos favores. Isso foi motivo de riso, porque ela num único dia que foi lavar a louça quebrou um prato e um copo. Motivo pelo qual minha mãe não a deixou por mais a mão em nada. A única coisa que ela fez durante os três meses foi bordar um pequeno forro de mesa.


Até que, enfim, ela saiu. Pegou as suas roupas e se foi. Voltando-se quinze dias depois para buscar uma peça de roupa que havia deixado esquecida.

Após chegar, com uma cara de poucos amigos, disse para a minha mãe que teria arrumado um lugar muito melhor que a nossa casa onde supunha que ninguém a dispensaria, assim, numa forma indireta de se fazer entender. Quando minha mãe, na maior das inocências, lhe diz:

---A Maria do Dondico me disse que viu você entrar na Rola do Estevão.

Ao ouvir essa frase, Benedita virou uma serpente e ninguém nunca havia lhe visto falar tão alto, parecia que havia perdido o fanho sendo clara e agressiva: Falava, abanava e, por pouco, não agrediu a minha mãe:

---"Eu não entrei na rola de ninguém não sua égua. ---Eu sou uma moça de boa família. Sou virgem e vou morrer virgem porque sou pura e honesta, sua excomungada! Eu não sou mulher de zona não cadela...”.
A sua reação mostrava, claramente, não ser ela  tão pura como dizia...

(NB) Rola era a esposa do Sr. Estevão, comerciante no ponto onde fora estabelecido o Armazém do Divino e todos a tratavam de Rola do Estevão. No entanto, ela não havia entrado na casa do Estevão e sim nas proximidades. A Maria do Dondico teria dado a informação errada.

Armando Melo de Castro
Candeias MG casos e acasos

























2 comentários:

Anônimo disse...

MUITO BOA.KKKK

Anônimo disse...

ÓTIMA CRÔNICA E FAZ PARTE NA NOSSA CULTURA.